Ao observar um bom
instrutor, um mergulhador de cavernas ou um fotógrafo submarino
experiente, mergulhadores principiantes muitas vezes se perguntam:
"por que ele consome tão pouco ar ?", "como ele nada
com tamanha facilidade ?" ou "como ela consegue ficar parada
a 30 cm de um coral para tirar aquela foto sem encostar em nada
?". Na maior parte das vezes a resposta é simples: por que estes
mergulhadores possuem um excelente controle de flutuabilidade.
O controle de
flutuabilidade é uma das técnicas mais importantes e menos conhecidas
do mergulho autônomo, diferenciando facilmente os mergulhadores mais
competentes. Sem um bom controle de flutuabilidade, o mergulhador faz
mais esforço, consome mais ar, aproveita menos o mergulho e muitas
vezes acaba danificando corais ou levantando sedimentos do fundo,
reduzindo a visibilidade.
Ensinar um aluno a
manter a flutuabilidade neutra, com um ângulo adequado do corpo para
cada situação e controlando sua posição vertical apenas com sua
respiração é uma das tarefas mais difíceis para os instrutores de
mergulho. Isto por que o controle de flutuabilidade exige um ajuste
perfeito do equipamento e muita, muita prática por parte do
mergulhador. Os cursos básicos simplesmente não tem tempo para
ensinar esta técnica e os avançados muitas vezes se esquecem de sua
importância.
Durante seu primeiro
curso, todo mergulhador aprende o princípio básico do controle de
flutuabilidade: o princípio de Arquimedes: "Todo corpo imerso em
um fluído (a água) sofrerá a ação de uma força vertical, em
sentido oposto ao peso e intensidade igual ao peso do volume de fluído
deslocado - é o chamado empuxo." Quando o peso é maior que o
empuxo, o mergulhador é dito "negativo" e afunda. Quando o
empuxo é maior que o peso, o mergulhador está "positivo" e
bóia. E quando o peso é igual ao empuxo, o mergulhador atinge o nirvana
submarino - a flutuabilidade neutra. Uma vez que o mergulhador está
"neutro" debaixo d’água ele não precisa fazer esforço
para se manter a meia água, sem afundar ou ser levado contra a
vontade de volta à superfície.
O problema é que o
equipamento, o ambiente e até mesmo a condição física do
mergulhador afetam este delicado equilíbrio de um dia para o outro e
até mesmo durante o mergulho. Por isto é preciso um treinamento
especial para se dominar a técnica do controle de flutuabilidade.
Mas você não precisa
se matricular em um curso de pós-graduação em mergulho para se
tornar um expert na arte do controle de flutuabilidade. Basta
vontade, paciência e um pouco de dedicação. Como o acesso a um
local de mergulho com água relativamente tranquila não é fácil no
Brasil, você pode começar seu treinamento na piscina e depois
ajustar sua técnica no mar.
.
Ajuste do
equipamento
O primeiro passo é o
ajuste do equipamento. Você terá que repetir esta etapa toda vez que
trocar de roupa, cilindro ou colete ou passar da água salgada para água
doce e vice-versa. A preparação do equipamento é fundamental, pois
somente com o equipamento perfeitamente ajustado é possível obter a
flutuabilidade ideal. Vamos analisar cada um dos principais
equipamentos em detalhe.
Roupa: a roupa
úmida, é um dos grandes responsáveis pelas dificuldades no controle
de flutuabilidade, já que quando o mergulhador desce, a pressão da
água comprime a roupa, diminuindo seu volume e tornando o mergulhador
mais negativo. Uma roupa de lycra não altera a flutuabilidade com a
profundidade, enquanto que a diferença de flutuabilidade entre 10 e
30 metros de uma roupa de 3 mm é muito menor que a de uma roupa de 7
mm. Assim, escolha a roupa mais fina possível para cada mergulho (sem
correr o risco de passar frio, é claro) e ajuste o lastro de acordo.
Lastro: o cinto
de lastro é o grande vilão do controle de flutuabilidade. A maioria
dos mergulhadores utiliza muito mais lastro que o necessário, o que
os obriga a colocar mais ar no colete e inviabiliza um bom controle de
flutuabilidade. O segredo é utilizar o mínimo de lastro possível
para conseguir permanecer neutro a 3 m de profundidade com o cilindro
quase vazio e distribuir este peso da melhor forma possível pelo
corpo. Determinar a quantidade de lastro é o objetivo do primeiro
exercício em piscina e é um processo que deve ser repetido a cada
troca de equipamento ou de ambiente de mergulho. Isto significa que o
cinto de lastro não é o único lugar para se pendurar o chumbo ! O
lastro pode também ser colocado nas pernas, no cilindro próximo à
cabeça ou no colete, tudo em função da necessidade - mais adiante
você aprenderá a melhor forma de distribuir o lastro para obter a
flutuabilidade ideal.
Em geral, para
mergulhos profundos ou em locais com muita corrente, a condição de
lastreamento usual não é adequada, pois no fundo você provavelmente
estará muito negativo e terá que inflar mais o seu colete,
aumentando o arrasto. A solução para este problema é utilizar os
chamados drop weights, peças de um ou dois quilos de lastro
equipadas com mosquetões. Presos ao seu cinto de lastro ou colete no
início do mergulho, os drop weights podem ser soltos quando o
mergulhador chega ao fundo e presos ao cabo de descida. No final do
mergulho, antes de iniciar a subida, o mergulhador recupera os drop
weights e inicia a subida. O risco desta solução é não
conseguir encontrar os lastros e estar positivo demais para uma subida
ou descompressão segura.
Colete: o
principal objetivo do colete equilibrador é compensar os efeitos da
pressão sobre a roupa, ajudando o mergulhador a manter a
flutuabilidade neutra independentemente da profundidade. Na hora da
escolha, vale o mesmo princípio do lastro: quanto menor, melhor.
Desde que o colete forneça flutuabilidade suficiente na profundidade
máxima, tamanho excessivo só serve para aumentar o arrasto e o esforço
que o mergulhador tem de fazer para se movimentar. Do ponto de vista
da flutuabilidade, o colete ideal é pequeno, permanece próximo ao
corpo, não prende ar e distribui o empuxo de maneira adequada. Nem
todos os coletes são iguais, por isso, antes de comprar, experimente
diversos modelos para saber qual o mais adequado ao seu físico e tipo
de mergulho. Uma observação: esqueça o inflador oral durante o
mergulho: ele não economiza ar e dificulta sensivelmente o controle
de profundidade, devendo ser usado apenas em situações de emergência.
Cilindro: os
cilindros de alumínio comuns são terríveis em termos de
flutuabilidade: eles são negativos quando cheios e 1 ou 2 kg
positivos quando vazios, alterando drasticamente o equilíbrio hidrostático
do mergulhador ao longo do mergulho. Neste caso, a única alternativa
é complexa e dispendiosa: a utilização de cilindros de aço,
normalmente neutros ou ligeiramente negativos quando vazios.
Outros equipamentos:
lanternas, máquinas fotográficas e outros acessórios podem afetar o
equilíbrio hidrostático do mergulhador. Até mesmo as nadadeiras são
importantes ! Tome como exemplo uma nadadeira que flutue aliada a
botas de neoprene. Elas tenderão e elevar os pés do mergulhador,
enquanto nadadeiras de calçar mais pesadas tenderão a fazer as
pernas do mergulhador permanecerem mais baixas. A medida que você for
evoluindo sua técnica de controle de flutuabilidade, verifique o
restante de seu equipamento para fazer um ajuste fino do conjunto.
.
Técnicas Básicas
Com o equipamento
ajustado, o segundo passo é na piscina: determinar a quantidade de
lastro necessária. Coloque sua roupa, máscara, snorkel e nadadeiras,
entre na água e relaxe. Para que este método funcione, o mais
importante é se sentir completamente relaxado. Você não deve usar
as pernas para se manter na superfície, por isso o melhor a fazer é
cruza-las.na altura dos tornozelos. Na posição vertical, respirando
normalmente pelo snorkel e olhando horizontalmente, peça para alguém
ir lhe passando peças de lastro até que a água esteja no nível de
seus olhos. O ideal é ter paciência ir acrescentando lastro em
pequenos incrementos (peças de 1 kg ou até mesmo 0,5 kg). No final
deste exercício, você deverá afundar ao expirar. Experimente nadar
um pouco pela piscina e descobrir as vantagens do mergulho livre com
flutuabilidade neutra.
Coloque então seu
colete, com cilindro e regulador devidamente montados. Se ele estiver
vazio e o cilindro estiver cheio, você não deverá sentir alteração
na sua flutuabilidade. Se sentir que está mais positivo, verifique
duas coisas: se o colete está realmente vazio e não está prendendo
ar e se você não está respirando mais profundamente, fora de seu
padrão normal. A respiração profunda pode aumentar o volume
pulmonar médio e, consequentemente, a sua flutuabilidade. Da mesma
forma que no exercício anterior, você deverá poder ir para o fundo
simplesmente expirando, sem bater as pernas ou os braços. Vale
lembrar mais uma vez que se você fez estes exercícios na piscina,
deverá refazê-los no mar, já que provavelmente terá que
acrescentar um ou dois quilos de lastro para compensar a diferença de
densidade entre a água doce e a água salgada.
Uma vez no fundo, você
provavelmente estará negativo e é hora de relembrar o curso básico
e ajustar o colete. Um dos melhores exercícios para isto é o chamado
pivot. Deitado de barriga para baixo no fundo e completamente
relaxado, inspire profundamente. Se você não começar a flutuar, vá
adicionando ar em seu colete aos poucos até que sinta a parte
superior de seu corpo subindo quando inspira e descendo quando expira,
fazendo um pivot apoiado em seus pés. Nesta situação o seu
colete está completamente ajustado e você deve ser capaz de dar
voltas na piscina à meia água, sem ter que se esforçar para manter
a flutuabilidade.
Outro segredo dos
mergulhadores experientes é o padrão de respiração. Sem nunca
prender o ar em seus pulmões durante as mudanças de profundidade, é
possível mudar a forma com que você respira para manter, na média,
mais ou menos ar nos pulmões. Pulmões mais cheios implicam em
flutuabilidade maior e pulmões mais vazios, em flutuabilidade menor.
Relaxado na piscina, veja como é possível inspirar profundamente e
expirar pouco para manter os pulmões mais cheios. Experimente também
o contrário, tentando manter os pulmões mais vazios. Esta técnica
permite alterações de profundidade sem o uso do colete, o que pode
ser muito útil quando você está com as mãos ocupadas ou deseja
subir ou descer apenas um ou dois metros. Mas lembre-se: a principal
função de seus pulmões é fornecer oxigênio ao seu corpo e não
controlar profundidade, assim seu padrão de respiração deve ser
antes de mais nada seguro.
Experimente respirar
mais ou menos profundamente (sem nunca prender a respiração) para
ver como você pode mudar a profundidade sem ter que nadar.
.
Técnicas avançadas
Ajustar o lastro e o
colete para obter flutuabilidade neutra é apenas o começo de um bom
controle de flutuabilidade. Um ponto normalmente ignorado pela maioria
dos mergulhadores é a posição do corpo na água. Mesmo neutro, o
mergulhador pode estar nadando com o corpo inclinado para cima ou para
baixo em função da distribuição do lastro e dos ítens responsáveis
pela flutuabilidade (colete, roupa, etc) - é o chamado trim ou
"ângulo de ataque". Se o mergulhador não está
completamente horizontal ao nadar, ele aumenta a sua área frontal e,
consequentemente, o esforço para se movimentar. O ajuste do ângulo
de ataque é outro exercício que pode ser realizado em piscina.
Mais uma vez, deite no
fundo e relaxe. Comece a se movimentar lentamente, utilizando somente
as pernas e mantendo as mãos juntas nas costas ou na barriga. Nade até
estar a cerca de 50 cm do fundo numa posição horizontal e pare. Sem
se mexer, veja para onde seu corpo se inclina. Na maioria das vezes,
seu tronco ou suas pernas tenderão a flutuar. A não ser que seja uma
das poucas pessoas que flutuam naturalmente horizontais, você
provavelmente gasta boa parte de seu ar tentando manter esta posição
durante o mergulho, mesmo quando quer permanecer parado. Mas como
corrigir o ângulo de ataque ? Existem várias opções.
Alterar o
posicionamento do cilindro: está é a melhor alternativa, já
que não implica em grandes alterações no equipamento. Se seu
tronco flutua e as pernas afundam, experimente prender o seu colete
mais abaixo do cilindro, deslocando o cilindro mais para cima (mas não
o suficiente para fazer com que sua cabeça bata no primeiro estágio
do regulador). Caso suas pernas flutuem, tente colocar o cilindro
mais baixo.
Alterar a
distribuição do lastro: a maioria dos mergulhadores utiliza
todo o lastro na cintura. Mas você pode coloca-lo em outras posições
para alterar o ângulo de ataque. As idéias mais comuns são
prender um ou dois quilos de lastro na parte mais alta do cilindro
(com uma tira de nylon e um fecho idêntico ao que prende o
colete ao cilindro) para corrigir uma flutuabilidade excessiva do
tronco e o uso de ankle weights. Ankle weights são
pequenos lastros utilizados nos tornozelos, muito semelhantes aos
utilizados em academias de ginástica. Com meio ou um quilo para
cada tornozelo, eles são muito utilizados por mergulhadores
equipados com roupas secas e ajudam a corrigir uma flutuabilidade
excessiva das pernas (embora aumentem ligeiramente o esforço para
natação).
Alterar seu
equipamento: botas de neoprene e nadadeiras que flutuam ou
afundam podem alterar significativamente a flutuabilidade de suas
pernas. Se elas tendem a flutuar, experimente utilizar nadadeiras de
calçar (que dispensam botas em águas mais quentes) ou mais
pesadas. Se elas tendem a afundar, tente nadadeiras que flutuem ou
botas e meias de neoprene.
Com a flutuabilidade e
o ângulo de ataque corretos, é hora de praticar. Algumas escolas
podem montar em sua piscina uma verdadeira pista de obstáculos, com
quadrados ou anéis pelos quais o mergulhador deve passar. Seria fácil
se você pudesse utilizar as mãos, mas o segredo aqui é completar o
percurso usando apenas as pernas e a respiração para controlar a
profundidade e passar por todos os obstáculos sem tocar em nada.
Alguns exercícios
parecem fáceis, mas são verdadeiros desafios. Tente ficar parado a
meia água sem se mexer, primeiro em uma posição horizontal e depois
em uma posição vertical. Em seguida, escolha um objeto no fundo e
pare a um metro dele, sempre sem utilizar as mãos. Tente agora
reduzir a distância pela metade. Repita até você estar a 10 ou 15
cm do objeto. Durante as primeiras tentativas, você pode utilizar um
dedo (apenas um) como apoio. No mar, apenas tome cuidado para
verificar onde você encosta este dedo ! O mesmo dedo pode ser
utilizado para afastar-se dos objetos, já que a "marcha-a-ré
submarina" é uma técnica ainda mais difícil que o controle de
flutuabilidade...
Quando você conseguir
manter a posição vertical, experimente cruzar as pernas em uma posição
de ioga (segure as pontas das nadadeiras com as mãos para facilitar).
Nesta posição e utilizando apenas a respiração, suba e desça três
ou quatro metros para praticar. Se você conseguir passar por esta
prova sem se desequilibrar, pode se considerar diplomado em controle
de flutuabilidade.
O controle de
flutuabilidade é uma das técnicas de mergulho que exige treinamento
constante, pois a cada dia você descobrirá uma nova maneira de
melhorar seu posicionamento na água. Com um pouco de treinamento você
logo irá perceber as vantagens de um bom controle de flutuabilidade:
mergulhos mais fáceis, menor esforço e menor consumo de ar, sem
contar alguns quilos a menos em seu cinto de lastro.