DA LIVRE MANIFESTAÇÃO INTELECTUAL ARTÍSTICA
E
DA BANDEIRA NACIONAL


Gabriela Sailon de Souza, Graziella Filomeno, Rodrigo Silveira de Souza e Taynara Goessel.


1. Da livre manifestação intelectual artística:

Os Direitos Fundamentais, consagrados pela Constituição Federal de 1988, não são absolutos.

A partir desta afirmativa, concluímos pela relatividade dos direitos fundamentais, ou seja, não podem ser invocados sem restrição, e devem operar conforme os limites impostos pela própria Constituição, como também pelo restante ordenamento jurídico vigente, desde que a limitação por este seja adequada – processo legislativo próprio, observada a proporcionalidade e a razoabilidade que devem nortear a lei infraconstitucional.

Alexandre de Moraes, um dos constitucionalistas mais badalados na atualidade, comenta que os direitos fundamentais "não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito" (In Direito Constitucional, Ed. Atlas S/A, 6ª ed., 1999, p. 57).

Pois bem, se um cidadão florianopolitano, ligado às artes, resolve, num belo dia de sol, armar um suporte para quadro em plena ponte Pedro Ivo Campos, pretendendo pintar a imagem do sol refletindo nas águas e na Ponte Hercílio Luz, sem dúvida alguma esbarrará num impedimento legal, apesar da Constituição da República estabelecer que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;" (art. 5º, IX).

E qual seria este impedimento legal? É só consultarmos o famigerado Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 26, que iremos encontrar a resposta para tal indagação. Vejamos:

"Art. 26. Os usuários das vias terrestres devem: I – abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades públicas ou privadas; II – abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro obstáculo." Referida conduta pode, ainda, ser enquadrada na seguinte infração, prevista no aludido estatuto: "Art. 254. É proibido ao pedestre: I – permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido; ...; IV – utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente;". Tal infração é considerada leve, e tem como penalidade multa em 50% (cinqüenta por cento) do valor da infração de natureza leve.

Registre-se, também, que a própria Declaração de Direitos do Homem de 1789, ao firmar o direito de livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV), cujo direito de livre expressão da atividade artística é corolário, estabelece que "ninguém pode ser perturbado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não inquiete a ordem pública estabelecida pela lei".

E diz ainda: "A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode pois falar, escrever, exprimir-se livremente, sujeito a responder pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei." (Excerto extraído de Curso de Direito Constitucional, Celso Ribeiro Bastos, Ed. Saraiva, 15ª ed., 1994, p. 173).

Para encerrar, utilizamo-nos das claras palavras de Sylvio Motta e William Douglas, que ao comentarem o inciso IX do art. 5º da Carta Magna, atentam para o seguinte:

"Não se pode confundir a liberdade com o abuso, sendo certo que um controle mínimo, moral, democrático, tanto administrativo quanto social, das atividades em tela não é apenas lícito mas também necessário." (In Direito Constitucional – Teoria e 800 questões, IMPETUS, 5ª ed., 1999, p. 39).

E o adágio popular:

"A minha liberdade termina onde começa a do outro".

2. Da Bandeira Nacional:

A Lei n.º 5.700/71, define as manifestações de desrespeito à Bandeira Nacional em seu art. 31. A mesma lei, no art. 35, determina que qualquer violação a seus preceitos é considerada contravenção, sujeitando o infrator à "pena de multa de 1(um) a 4(quatro) vezes o maior valor de referência do País, elevada ao dobro nos casos de reincidência".

No mencionado art. 35, existe uma exceção feita ao art. 44 do Decreto-Lei n.º 898/69, exceção que consiste em não ser considerada contravenção a prática do fato descrito em tal artigo, e a razão desta exceção, é que o art. 44 do indigitado Decreto-Lei, define como crime contra a segurança nacional o seguinte ato:

"Art. 44 – Destruir ou ultrajar a bandeira, emblemas ou símbolos nacionais, quando expostos em lugar público:

"Pena – detenção de 2(dois)a 4(quatro) anos."

Pretende a Lei n.º 5.700/71, com esta exclusão, manter o crime, ao invés de contravenção, no caso de destruição da bandeira.

No entanto, o Decreto-Lei n.º 898/69 foi revogado expressamente pela Lei n.º 6.620, de 17 de dezembro de 1978 e, a atual Lei de Segurança Nacional - Lei n.º 7.170/83 - não elenca como crime o fato pprevisto no art. 44 do mencionado Decreto-Lei.

Conclui-se, então, que por força do princípio da legalidade, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXIX e, no Código Penal, art. 1º, deve-se considerar como atípica a conduta de queimar a bandeira, nem mesmo como uma contravenção, visto que não prevista na Lei n.º 5.700/71. Falha do legislador!

Acaso se considere queimar a bandeira uma contravenção estabelecida na Lei n.º 5.700/7, estar-se-á ferindo a inteligência desta norma, que remeteu tal fato aos cuidados do Decreto-lei n.º 898/69, que, como visto, foi revogado.

Por outro lado, dependendo do caso concreto, poderá caracterizar-se a conduta em crime de dano, sem, no entanto, invocar-se a condição de Símbolo Nacional.


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