O CONCEITO DE MIMESIS NA POÉTICA DE ARISTÓTELES
1. INTRODUÇÃO
Pretendemos aqui fazer um breve inventário das ocorrências
do conceito de mimesis na
POÉTICA DE ARISTÓTELES
O termo
mimesis é fortemente marcado de uso corrente ao longo de toda a
obra (ver Apêndice). Buscamos modestamente relacionar a aparição
do termo com o contexto que emerge da teoria poética de Aristóteles.
O conceito de mimesis é, para a compreensão
da Poética de Aristóteles, um termo chave que sustenta suas
considerações a respeito da Arte poética; termo este
que designa, em sua acepção mais geral, IMITAÇÃO.
O conceito de imitação é longamente
discutido na obra platônica (1), dada a importância que tem
(de perigo) na construção da Politéia ideal que, como
veremos, será afastada da tese do filósofo de Estagira, para
o qual a imitação não representa perigo e sim, uma
relevante característica humana e o fundamento das artes poéticas.
Acompanhando a análise de Sigismundo Spina (2), vemos que Platão,
ao tratar do conceito de imitação em sua obra, refere-se
a ele como uma impossibilidade de ser “cópia fiel da realidade”.
Afirmando que o decalque, uma reprodução perfeita só
é possível a um deus, nunca ao homem. Somente um demiurgo
poderia fazer uma reprodução de um segundo Crátilo,
indo além da forma da qual retratam os pintores e conseguir ainda
retratar o interior de sua pessoa com todo caráter, ternura, calor,
movimento, alma e o pensamento. Platão retorna a este conceito no
Livro X, da República; unindo-o à sua ontologia, “três
são os criadores, três as realidades criadas, terceira, que
se inspira na realidade isto é: deus, o artesão e o artista:
deus é o autor da primeira realidade (o arquétipo); o artesão,
autor da segunda, que se inspira no arquétipo, e, o artista, autor
da criada pelo artesão”(2). Assim, na hierarquia da realidade, um
objeto como por exemplo uma cama, que existe na natureza das coisas criadas
por deus, é uma cama real no entender de Platão. Ao mesmo
tempo, uma cama, construída pelo artesão, é uma imitação
aproximada, uma cópia, uma sombra (skia) da idéia de cama,
que existe no mundo inteligível (real). Deste modo, a cama imitada
pelo artista é uma cópia da cópia do original, por
isso, essa imitação é extremamente perigosa para a
obtenção do objetivo dos “cidadãos da República
que é se aproximar da realidade do mundo das idéias.
Logo nos primeiros capítulos da Poética de Aristóteles,
contudo, observamos seu afastamento das concepções de seu
mestre na própria definição da função”
do conceito de imitação e na exposição que
faz relativamente à arte da poesia, a qual descreverá como
sendo a arte da “imitação da ação”. A “arte
poética“ é realizada através da disposição
do ritmo, da linguagem e da harmonia, e ela subdivide-se em : epopéia,
nomo, ditirambo, comédia e tragédia.
Assim, para a teoria aristotélica da arte poética,
o conceito de mimesis é fundamental. Mas, que relevância dá
Aristóteles, entretanto, à mimesis no âmbito da espécie
humana? Este autor diz que o “imitar é congênito no homem”(Poética,
1448 a, II, §13). Há na espécie humana a tendência
natural para o imitar, aliás, isto o distingue de outros seres da
natureza, pois entre todos os outros ele é o mais verdadeiro. Ele
se utiliza da imitação para adquirir as primeiras noções.
Ao longo da descrição de sua concepção
das artes poéticas, Aristóteles observa duas grandes divisões
nos modos de imitar, sobre as quais todas as outras espécies de
imitar se reúnem: o modo de imitar por meio da narrativa e o modo
de imitar por meio de atores. Dessa maneira, fica reservado ao poeta a
narrativa dos acontecimentos, mediante as personagens, ou a narração
dos acontecimentos sendo ele próprio a personagem a representar
a ação. Ficam assim demarcados os componentes do tema a respeito
dos quais Aristóteles faz suas considerações, a saber:
a epopéia, como a arte da narrativa; a tragédia e a comédia,
que representam as artes dramáticas.
A mimesis é a imitação da ação.
Há uma separação entre os indivíduos que praticam
as artes miméticas e esta divisão é estabelecida conformemente
a qualidade ou modo dos que representam a imitação. De modo
que, embora a epopéia, a tragédia, a poesia ditirâmbica,
assim como a maior parte da aulética e da citarística (3)
sejam em geral, imitações, elas diferenciam-se entre si nas
circunstâncias do MEIO pelos quais imitam ou porque imitam; pelos
OBJETOS que variam na imitação, ou porque praticam
ações por modos diversos a partir dos quais imitam diferenciadamente.
Igualmente, em outras artes, tais como a dança ou a siríngica
(arte de tocar “flauta de Pã”) são designadas como artes
MIMÉTICAS; estas imitam, respectivamente: a DANÇA;
imita o ritmo (imitação de afetos, ritmos gesticulados e
ações); e as artes da MÚSICA, congêneres à
siríngica, imitam o ritmo e a melodia.
Relativamente às artes dramáticas e narrativas,
Aristóteles distingue a tragédia, por exemplo, como a imitação
de uma ação austera ou de um ato nobre. Os imitadores da
tragédia são homens que praticam necessariamente ações
elevadas e são distinguidos, em geral, pela virtude. Portanto, cabe
observar que , em qualidade, estas personagens imitam sempre homens melhores
que nós. Sófocles e Homero imitam em suas tragédias
estes homens de caráter elevado (1448 a, II, §§ 7, 8 e
10). A imitação na tragédia se efetua não por
narrativa, mas mediante personagens que suscitarão nos espectadores
o “terror e a piedade” com o propósito de purgar essas emoções.
As personagens da tragédia agem e se apresentam de acordo com seu
próprio caráter e conforme seus pensamentos.
onsecutivamente, Aristóteles divide a tragédia
em seis partes, em relação à sua “qualidade”, que
constituem-se em: MITO, CARÁTER, ELOCUÇÃO, PENSAMENTO
E MELOPÉIA. “De sorte que quanto aos meios com que se imita são
dois, quanto ao modo por que se imita é um só, e quanto aos
objetos que se imitam, são três; e além destas partes
não há mais nenhuma (...) não poucos os poetas que
serviram desses elementos” (1450 a, § 31). Na arte da pintura, Aristóteles
destaca Polignoto como quem representava os homens superiores.
É importante notar que a imitação
na tragédia tem por elemento crucial a “trama dos fatos”, pois,
a imitação, tal como é estabelecida na tragédia,
não é uma imitação dos homens mas sim uma imitação
de AÇÕES e imitação de VIDA [felicidade ou
infelicidade] que residem particularmente na ação. Aristóteles
reforça esta idéia argumentando que “a própria finalidade
da vida é uma ação e não uma qualidade” (1448,
II, § 32). Significando com isso que é o caráter dos
homens que os fazem possuir determinadas qualidade, no entanto, são
ações que definirão ou não sua bem aventurança.
Consequentemente, a tragédia tem por constituintes as áções
das personagens e a composições dessas ações
[ mito ou intriga ] Além disso, observa Aristóteles as tragédias
possuem dois aspectos ainda; a Peripécia e o reconhecimento. A peripécia,
é a “mutação dos sucessos”, ou seja, momento em que
há na composição das ações das personagens
que imitam, uma mudança na fortuna. Aristóteles aplica este
termo apenas às combinações de ações
(mitos) COMPLEXOS, no contrário, os mitos SIMPLES, são aqueles
pelos quais não ocorrem a peripécia. O reconhecimento “é
a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz para amizade ou inimizade
das personagens que estão destinadas para a dita ou para a desdita”(1451
b, XI, § 17).
A arte da epopéia, que “recorre ao simples verbo,
quer metrificado quer não” (1447 a, XVII, § 4), perfaz o conjunto
das combinações imitativas. No entanto, como descreve Aristóteles,
essa é uma arte que até seu tempo permaneceu inominada. Não
há denominador comum entre as variadas espécies de composições
miméticas, por exemplo, entre os “mimos” de Sófron e de Xenarco,
bem como os diálogos socráticos e outros que se utilizam
de versos trímetros jâmbicos ou de versos elegíacos.
Ainda assim, agregando-os em uma designação, a saber, de
“poeta”, o nome de uma só espécie métrica, aconteceu
denominarem-se uns de “poetas elegíacos”, que imitam em tom quase
sempre terno e triste (canto plangente) por meio de versos hexâmetros
e pentâmentros; e outros, de “poetas épicos”, que imitam os
“feitos épicos”, fora do comum, “feitos heróicos”. Deste
modo, não se designam pela imitação propriamente,
mas sim, são designados de acordo com o “metro”(métrica)
que utilizam.
Em suma, todas as artes poéticas e incluindo a dança,
a pintura, a escultura e a música, serão reconhecidamente
artes miméticas.
CONCLUSÃO
Vimos que o conceito de mimesis permeia toda a Poética de Aristóteles
e que representa fulcro central artes imitativas.
Para Platão este conceito de mimesis é pejorativo, pois
impede ao cidadão da República de se aproximar do “mundo
real” das idéias em si. Enquanto que Aristóteles, compreende
o conceito mimesis como um aspecto fundamental das artes miméticas.
A mimesis é imitação da ação. Há
uma separação entre os indivíduos que praticam as
artes miméticas e esta divisão é estabelecida conformemente
à qualidade dos que representam a imitação. Conclui-se,
por fim, que todas as artes poéticas - inclusive a dança,
pintura, escultura e música - são reconhecidamente artes
miméticas.
NOTAS
(1) Ver: Rep., Livro. X, 377b, 403c, 595a, 597a; Fédon
100d; Sofista 236b; Timeu 50c.
(2) Spina, Sigsmundo; “Introdução à poética
clássica”; 2a. edição, Martins Fontes, pág.
84, São Paulo, 1995.
(3) Aulética, do grego; Auletiké: arte de tocar
flauta ou aulo. Citarística, do grego; Kithára, do latim.
Citharista: a arte de tocar cítara.
(1) Apêndice
ÍNDICE ANALÍTICO:(termos: IMITAÇÃO, IMITAR,
IMITAM, etc. na poética de Aristóteles)
parte I
( 1447, §§ 2, 3.)
( 1447b,§§ 4,5,6.)
partes II / III / IV
( 1448a ,§§ 7,8,9,10,11.)
( 1448b, § 12,13,15,18,17)
partes V / VII / VIII
( 1449a, §§ 22,24,26,27.)
( 1449b, § 29.)
( 1450a,§§ 30,31,32.)
(1450b,§§ 35,41.)
(1451a § 49.)
partes IX / X / XI
( 1451b§§ 54,57.)
( 1452b§ 62)
partes XIII / XIV
( 1453a , §§ 69, 75.)
parte XV
(1454a , § 90)
partes XXII / XXIII XXIV
(1459a,§ § 145, 146,147.)
(1459b, § 154.)
(1460a ,§ 155.)
partes XXV / XXVI
(1460b,§§ 161,162)
(1461b,§§ 161, 162.)
( 1461b,§§ 180,181.)
(1462a ,§ 182.)
( 1462b, §183)
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