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REVISTA DE FILOSOFIA E CULTURA

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MULIERE CIVITA (De Emancipatione)

                                                                                                 (Por: Renato Araújo)
 
 
É que a duração das coisas não pode ser determinada pela sua essência, visto que
a essência das coisas não envolve nenhum tempo certo e determinado de existência; mas uma coisa qualquer,
quer ela seja mais perfeita quer menos, poderá perseverar sempre na existência com a mesma força
por que começou a existir, de tal sorte que, neste ponto, todas as coisas são iguais.”
ESPINOSA (Ética -IV in:COL. Os Pensadores pg. 235 trad.Anttônio Simões ed. Abril Cultural SP 1973)

“Quem se cala, consente”
(Provérbio Popular)


 
 

Para: Alessandra Mara Gomes de Melo

   Emancipação tem pelo menos dois sentidos, dos quais vale a pena tratar ainda que superficialmente. O primeiro sentido, o mais relevante, remete ao instituto jurídico pelo qual, por exemplo, a criança ultrapassa sua minoridade e atinge o gozo e a responsabilidade dos Direitos Civis no Direito Romano(Emancipatione) - para todos os comentários poss&iaacute;veis dentro deste assunto, o único que nos é imediatamente insólito e incompreensível nos nosssos dias é a necessidade de provas de que a mulher seja um ser civilmente capaz. Outro sentido, de não tão menor relevo é a noção da emancipação como um efeito do desobrigar-se da imposição sexual com a qual os seres humanos mutuamente se acorrentam.
   Lutar pela libertação da mulher é também lutar pela liberdade do homem, pois, a emancipação do homem depende da emancipação da mulher. Fala-se, na verdade, de humanidade quando há valores e quando estes se posicionam centralmente como os valores fundamentais da liberdade e igualdade. Estamos falando não da alforria deste ou daquele escravo, mas sim, da abolição total da escravatura.
    Para não nos limitarmos a refletir em tese, consideremos alguns dados. O índice de analfabetismo entre as mulheres especialmente no terceiro mundo é ainda exorbitante se comparado ao dos homens. 40% das mulheres dos países pobres são analfabetas a despeito de representarem, por exemplo, no Brasil, 41% da população economicamente ativa.(Os homens representam 59,33 %) [IBGE  PNAD/98 – DIEESE]. Segundo o ramo de atividade, as posições em que a mulher supera em número aos homens, são sobretudo na Área social de 18,1% contra 4,1% dos homens e também na área de perstação de serviços, sendo 29% de mulheres e 12,4% de homens.
   O crescimento de oportunidades para a mulher no setor terciário da economia (também em desenvolvimento no Brasil) dá novo aspecto positivo ao panorama da evolução da condição feminina. Por outro lado a imposição continua porque não bastaria que a mulher exercesse sua profissão com eficiência.É lhe tambem imposto que sexualize sua profissão. Não é a toa que as secretárias devem ser atraentes e que as vendedoras sejam mecânicas mulheres de plástico que nasceram para sorrir.
     Muito além de possuir vínculos empregatícios a conquista da emancipação da mulher é sinônimo da conquista civil dos direitos e da liberdade do cidadão. É verdade que a nova mulher do séc. xxi não precisa ser convencidada do carácter mítico das relações de poder que a oprime. Contudo, tais relações de poder são de fato antigos fantasmas que ainda povoam a mente de grande parte das pessoas. Uma vez subsumida a igualdade pela  compreensão dos verdadeiros contrastes e diferenças, as relações de poder entre os sexos se absolve da noção da dominação e posse que são sempre a tirania mais ou menos consentida entre si. A relação de poder pela dominação constitui antigo valor no qual se apoiava as sociedades (sobretudo os homens) para evitar a insegurança advinda da liberdade. Por outro lado, esse mito ainda oprime. É comum ouvir-se em todas as camadas sociais “ uma mulher não deve fazer isso..” “à uma mulher não cabe aquilo...etc” Esses indícios de restrição social à mulher são indiicativos evidentes de que há persistência no mito da submissão ao valor, à regra, à conduta ditos normais para uma mulher. A extirpação do mito de que haja qualquer esfera de poder acima da liberdade individual cidadã da mulher, eliminará toda noção explicita ou  implicita da condição subalterna da mulher seja no campo do fato cultural ou do direito civil.
   Tornar-se independente, adquirir autonomia, conquistar o direito  e um bem que é a obenção da liberdade pela emancipação civil, constitui o primeiro ato da cidadania. O que é interessante, este ato não deveria ser entendido como um esforço, ele não é a luta. Digo que para atingir a cidadania basta ter 18 anos. Desobrigar-se do pátrio poder é livrar-se do embaraço do comedimento infantil; é desprender-se do comprometimento do outro que lhe é responsável, em função de assumir consigo e com o outro, que de agora em diante é lhe um igual, a responsabilidade dos seus próprios atos conquistando assim a emancipação natural e civil, a emancipação simultânea de fato e de direito.

Renato Araújo
8/03/2002

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