VOLTE PARA O INDICE

VOLTE PARA O PRINCIPAL (HOME)
 


              NOS   PERCALÇOS   DA RAZÃO
                                                                        Por Renato Araújo



“A experiência do deslumbramento, para utilizarmos uma expressão de Adorno na “Teoria Estética”, força-nos a fechar os olhos ao racional, na consciência de forças que o ultrapassam.”
                                                          (Olgária C. Féres de Matos- Revis.  HYPNOS  Puc  Ed. Palas Athena, SP.1998)

                                            “Nous attachons à ce titre l’idée d’um fou féroce, qui n’écoute que son caprice; d’um barbare qui fait ranger devant lui sés courtisans prosternes, et qui, pour se divertir, ordonne à sés                                                                                                                                                                                                                                                                       satellites d’etrangler à droite et d’empoler à gouche.”
( Voltaire, “Commentaire sur l’Esprit dês lois. Oeuvre complètes, Ed. Moland- Paris, 1890,XXX,409)
 
 

       “O Homem é um animal político.” Tal frase, dita a milênios, não nos transforma imediatamente em Aristotélicos, mas, nos recobra, momento a momento, que a política é predominantemente elementar em nossas vidas. Sob os efeitos das consciências particulares a relação com o outro sugere sempre aquilo que o velho Aristóteles concordaria imediatamente; estando na Polis, na civilização, o homem deve visar o Bem comum. Para aquém do alcance desta sugestão, as práticas políticas  e a vida no Estado, em geral, durante toda a história, ou bem se guiaram na perspectiva do mal, ou bem se guiaram no sentido do bem particular. Em torno disso, quais seriam as Razões e os Afetos envolvidos na prática política que concorreriam para demonstrar que é possível a vida em sociedade?
       Hobbes diz em paráfrase: “Homo homini lupus”. Eis a luta perpétua e universal do homem contra o próprio homem contida (ou pelo menos amenizada) apenas com o advento do Soberano; figura centralizadora tal que  contém dentro de si  a concórdia da cidade. O Soberano é entendido por Hobbes como a pedra fundamental que guia por suas próprias forças, o conjunto dos seres civis, isto é, cidadãos convictos e conscientes  do pacto. O pacto, para falar à maneira hobbesiana, seria a proteção da lei como providência geral, a qual estará contida a “instrução pública”, ou seja, o modo de vida social dos indivíduos, em outras palavras, as formas da lei.
     Garantida por quem ocupa o cargo soberano, a proteção legítima aos cidadãos, uma gravidade para  o Bem estar do Estado seria a deslegitimação desse poder. Muitas vezes, pensa Hobbes, os homens perdem as “rédeas” da razão e com isso concorrem para a guerra civil e para a conseqüente dissolução do Estado. “Se os homens se servissem da razão da maneira como fingem fazê-lo, podiam pelo menos evitar que seus Estados perecessem devido a males internos.”( Hobbes Op. Cit., Cap. XXIX). Dito de outra forma, o Estado perece ( em guerra civil) por falta de razão.
    Assim, uma vez instituído o Estado pelo pacto dos seus cidadãos, jamais estes devem ser obrigados por um pacto anterior a qualquer coisa que contradiga o atual. São obrigados sim, cada homem perante cada homem, tanto a reconhecer quanto a considerar-se autores de tudo que fizer o Soberano, pois, a instituição ratifica as ações dele.
   Vimos falando nada menos  que  a respeito da Desobediência em Hobbes.  Eis um flagelo terrível à manutenção do cargo do Soberano representante. Só que, antes de mais nada, é preciso dizer, cabe tanto a quem ocupa o cargo soberano  quanto aos cidadãos, observar e cumprir os direitos essenciais à manutenção do Estado. Há de se observar aqui a concepção de Hobbes de que esses direitos  sustentam-se em princípios racionais. Aqueles que entrarem em desacordo com eles levando ao desequilíbrio do Estado estarão praticando atos contrários à razão.
   Para Hobbes todo poder do  Estado deve ser centralizado nas mãos do Soberano. O medo que os homens têm de serem governados por  um Soberano forte, neste caso, numa monarquia, se supõe a partir da leitura de livros de história e política da  Grécia e Roma antiga; “eles formam uma idéia de que aqueles  que vivem em um Estado popular gozam  de liberdade e aqueles que vivem numa monarquia são todos escravos.” ( Hobbes Op. Cit. Pág. 247 Cap. XXX).
   O Soberano  não seria visto por todos necessariamente como um déspota. O déspota é aquele que, como diz Walter Benjamin na “Origem do Drama Barroco Alemão”, instaura o Estado de exceção seguindo suas paixões mais violentas. O desregramento do mundo despótico se inicia com a perda de freios do Déspota e a HYBRIS (Desmedida) é seu pecado original..
    O termo despótico e despotismo são, desde Platão e Aristóteles, associados ou pelo relacionamento entre Senhor e Escravo ou na forma da organização política do Oriente (1). Outros períodos procuraram interpretar o termo diferenciadamente; os humanistas, por exemplo, preferiam usar os termos “dominator”e “dominatio” . No tempo de Luiz XIV e no período que sucedeu a guerra espanhola, o despotismo era ainda encarado como uma oposição ao conceito de liberdade. Já para Montesquieu o despotismo não provém só do governante, a sociedade também pode manifestar despotismo.(2) Ele elabora seu conceito de despotismo sem o opor necessariamente à liberdade, fora de toda discussão prévia dos conceitos de  mando, da Soberania, da servidão ou das “Práticas Orientais”( nem todos os orientais são escravos; eis  o que diz Montesquieu. O ocidente inventou fantasias a respeito do despotismo oriental. Uma dos caminhos de explicação disso é talvez a observação feita pelo Ocidental da vida sexual do Soberano do Oriente. No Império Persa, por exemplo, aquele que manda, (observe-se aqui o sentido falocrático do mando) é quem possui todo poder sexual, político etc. Aquele que obedece,(castradamente - isto é, as mulheres e Eunucos) são privados de sua liberdade.
     Num documentário sobre Ética, exibido pela TV. Cultura de São Paulo, o Prof. Antônio Cândido nos lembra do sentido duplo do valor do mando:  o caso do Cônsul Julio Brutus da República Romana é um bom exemplo de uma concepção do  mando como  privação da liberdade do fazer. Diz Cândido; - “Isso é muito interessante sob o ponto de vista de uma certa filosofia do mando, pois, - (Tal como ocorreu) -  o filho o traiu, manda  matar!”  De um lado, tem-se o Pai que mata o filho e comete uma monstruosidade, de outro, tem-se a obrigação do chefe de Estado que manda matar um súdito que traiu a República. Tal contenção do desejo de preservação do filho é uma renúncia; e esta constitui a própria virtude pública entre os Romanos.
    Durante a República Romana não faltou exemplo de abnegação também entre os seus Cidadãos. Hoje, alguns poucos saudosistas do mundo Romano esforçam-se - sem muito sucesso -  em recobrar por via do sacrifício dos interesses privados, o favor do bem comum, da coisa pública. Para ser Cidadão de Roma, no entanto, se exige antes de tudo, a excelência moral, a força de vontade capaz de refrear os apetites. Para o estabelecimento da autonomia Romana jamais se pensou noutro modo de contenção do desejo senão ao estilo da renúncia. Isso, sem sombra de dúvida, remete imediatamente à construção de uma Aristocracia. Terá mais excelência moral, será mais virtuoso, aquele que tiver mais controle de si e for o mais abnegado. É por isso que, numa República Aristocrática, tal como foi a Romana - na qual a qualidade e a excelência comandava a apreensão estética da vida dos cidadãos de alta estirpe - o “apelo”das massas se converte em “desejo das massas, paternalismo. Conseqüente do despreparo no entendimento da razão como a “boa medida.”
   E por falar em razão...Perdido o momento da racionalidade abstrata, na modernidade, aqueles conceitos e imagens, de Adorno, em suas afinidades eletivas, permite-nos recriarmos o sujeito”meta-racional”, sujeito para o qual o auto-engano deixa de ser fim, mas apenas meio. Nem sempre se lidou bem com o fato de que é possível se enganar. Os gregos se perguntavam; “Como é possível o erro?” Já o auto-engano da razão,nos séculos da modernidade, por mais itinerante, reto, astucioso que ele seja, não nos faz facilmente desviar o olhar de algo que a realidade não é; absoluto, contínuo,universal, inteligível, fixo, essencial...Ao contrário, estes mesmos são os conceitos puramente racionais. Talvez não podemos conceber, portanto,  uma prática política que se baseia-se estritamente nos ditames da razão. Uma prática política que contenha, o contínuo, no período próprio do descontínuo, imporia barreiras na reconstrução do sujeito por meio da criação e cultura que não são necessariamente contínuas.
     Com a revolução na concepção de cultura da mentalidade européia nos séc. XVI-XVII  ___ advinda das estrondosas descobertas no campo da cosmologia ___surgiu entre os intelectuais do período e os que se seguiram à esta revolução, a polêmica de se se poderia  ou  não haver um ponto fixo, ou seja, algo a que se ater ou que pudesse substituir os velhos padrões de fixidez desenvolvidos desde as civilizações clássicas, passando pela idade média até ali no prenúncio da modernidade.
   Ora, já tendo sido derrubados no campo astrofísico esses modelos cuja concepção de universo fechado(3) , ordenado, finito, contribuia para utilização desses mesmos ideai de beleza, ordenação, continuidade, circularidade, aplicados aos demais campos da vicissitude humana___especialmente na política e, sobretudo na moral, que era ainda uma preocupação expressiva desde os “criadores”da modernidade até Kant. Numa Concepção em que o universo é infinito portanto, distancia-se mais uma vez essa idéia de um ponto que referencializasse o espaço. Por outro lado, quando se trata de política, essa metáfora do espaço é uma metáfora particularmente importante se a entendermos como uma referência ao espaço público. Isto é, se se perdeu a referência cosmológica para o ponto de ordem no espaço, que não se perca o sentido da ordem do espaço público e da vida comum na sociedade organizada. Eis um sentido possível para a idéia de criação e recriação do espaço; dar valor e vida à sociedade.
       A entender pois, que se se pudesse encontrar um ponto fixo pelo qual se basear, justificaria a aplicação  de novos modelos de sociedade que seriam eficazes para fundar o advento de uma nova coerência para a realidade do mundo em que se poderia confiar. Talvez a confiança na empreitada da realização humana não seria por fim, um total idealismo.  Pensar, contudo, que a  política possa se guiar apenas na razão, isto sim, seria idealismo. “je ne parle pás des fous, je parle des plus sages; et c’est parmi eux que l’imagination a le grand doit de persuader les hommes. La raison a beau crier, elle ne peut mettre lê pri aux choses.” ( Pascal “Penssées, 104-Imagination-livre de poche. Ed. Librairie générale Francaise Pg. 65. 1962).
     Ao falarmos  de razão ou afeto, não se trata de fazermos uma escolha entre ambos. Não poderíamos sequer admitir um ponto fixo entre eles. Com o advento da modernidade, os apelos do afeto se mostraram bem úteis tanto para o lado da exploração da  vida privada em detrimento da vida pública quanto para impulsionar grupos de “renunciados” na construção de política de bairro,ou pequenos grupos de reivindicação política. Por outro lado, a razão “Mãe do reto pensar” serve ainda para afirmar e negar qualquer coisa na esfera  da retórica.
 
 
 
 
 

   BIBLIOGRAFIA  E  NOTAS

(1) Citado por: Franco Venturi:  “Oriental Despotism” Journal of History of Ideas Ano: 1 Pág. 133 Jan/March 1963. O Despotismo é assunto de um estudo de R. Koebner “Despot And  Despotism: Vicissitudes of a Political term” Journal of the warburg and Courtauld Institutes, XIV (1951), 275 ff. E também pode ser confrontado com “Le Mythe du Despotisme Oriental”, Schweizer Beiträge Zur Allgemeinen Geschichte (1960-1), 328 f.

(2)  Tal como diz Venturi a respeito de Montesquie “It’s not only disregard for or negation of the law of the land which characterizes this type of rule, but it is also the violation of the laws of society and the transformation of men into instruments of the will” ( Franco Venturi “Oriental Despotism” Journal of History of Ideas Ano: 1 , Jan/March 1963.

(3) KOYRÉ, ALEXANDRE .”Do mundo fechado ao universo infinito” Trad. Donaldson M. Garschagen,2 Ed. Rj. F.V. :São Paulo. Edusp. 1986.

 (4 )  HOBBES - “Leviatãn” Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva Ed. Nova Cultural 1997.
 


Dissertação
Ética e Filosofia Política I
02 semestre de 2000.
Aluno: Renato Araújo
Prof. Renato Janine Ribeiro


VOLTE PARA O INDICE

VOLTE PARA O PRINCIPAL (HOME)
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

© Copyright  Ferreavox
Revista de filosofia e cultura
ALUNOS DA TURMA DE 1997 - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO