O TRABALHO DE CADA UM
 
Era uma vez dois primos que foram criados juntos. Aprenderam a 
rastejar e a  engatinhar  juntos,  mais tarde a correr, nadar, 
jogar bola e tudo o mais que os meninos fazem juntos.    
Eram amigos leais e devotados.

Porém, com o tempo, foram se distanciando, como acontece até 
mesmo com bons  amigos, ao saírem pela vida. Um deles dedicou-se 
aos livros; descobriu um certo prazer em aprender e estudou 
muito, acabando por triunfar nos exames.

O outro primo resolveu que os livros não eram lá tão boa companhia. 
Faltou muito às aulas, para continuar a nadar e jogar bola; 
ignorou os deveres e acabou fracassando nos exames.

A sorte sorriu ao primeiro, que se tornou conselheiro do próprio 
rei. O segundo primo acabou arranjando serviço de remador do navio 
real.

Um dia, o rei e todos os conselheiros reais embarcaram para uma 
viagem rio acima.  Sentados sob um dossel, na proa do barco, onde 
a brisa era mais agradável, discutiam negócios de estado enquanto o 
barco seguia. 

O remador, vendo o primo bem à vontade com a realeza, ficou muito 
abalado.
- Olhe só aquele preguiçoso, espichado na sombra, enquanto eu fico 
aqui moendo os ossos ao sol  disse para si mesmo, continuando a remar.

- Por que ele tem o direito de se sentar lá, e eu não? Afinal, nós 
dois não somos criaturas de Deus?

Quanto mais pensava, mais furioso ficava.
- Olhe só estes palermas , inúteis - começou a resmungar para um 
companheiro remador. 

- Intitulam-se conselheiros, mas só ficam à toa, jogando conversa fora. 
Por que é que nós temos que suar tanto para puxar as carcaças deles 
contra a corrente? Isso não é nada justo! Eles deviam estar aqui, 
remando também. Não somos todos criaturas de Deus?

Aquela noite ancoraram para pernoitar. Todos comeram e dormiram logo.
O remador acordou no meio da noite, com uma mão muito firme 
sacudindo-lhe os ombros. Era o próprio rei.

- Há um barulho esquisito vindo daquela direção - disse, apontando para 
a terra. - Não consigo dormir, imaginando o que seja. Por favor, vá e 
descubra.

O remador pulou fora do barco e subiu correndo para o alto de um morro.
Voltou poucos minutos depois.
- Não é nada, Majestade - disse. - Uma gata acabou de dar à luz uma 
ninhada de gatinhos barulhentos.
- Ah, sim. - disse o rei. - que tipo de gatinhos?

O remador não tinha olhado para os filhotes. Correu de novo morro acima 
e voltou.
- Siameses - disse.
- E quantos são os gatinhos? - perguntou o rei.

Isso o remador também não tinha reparado. Voltou lá.
- Seis gatinhos. - reportou.
- Quantos machos e quantas fêmeas? - perguntou o rei.

O remador correu para lá mais uma vez.
- Três machos e três fêmeas - gemeu, já quase sem fôlego.
- Está bem - disse o rei. - Venha comigo.

Foram pé ante pé até a proa do barco, e o rei acordou o primo do remador.

- Há um barulho esquisito em cima daquele morro - disse-lhe ele. - vá lá e 
descubra o que é.

O conselheiro desapareceu na escuridão e voltou pouco depois.
- É uma ninhada de gatinhos recém-nascidos, Majestade - disse.
- Que tipo de gatos? - perguntou o rei.
- Siameses - respondeu o conselheiro.
- Quantos?
- Seis.
- Quantos machos e quantas fêmeas?
- Três machos e três fêmeas. A mãe deu à luz dentro de um barril revirado, 
logo depois de chegarmos. Os gatos pertencem ao prefeito do vilarejo. Ele 
espera não ter incomodado Vossa Majestade, e convida-o a escolher um 
deles, caso a corte precise de algum animalzinho real de estimação.

O rei olhou para o remador.

- Eu ouvi seus resmungos, hoje cedo - disse ele. Sim, todos somos 
criaturas de Deus. Mas todas as criaturas de Deus têm o seu trabalho 
a executar. Precisei mandá-lo quatro vezes à praia, para obter as respostas. 
Meu conselheiro foi uma vez só. E é por isso que ele é meu conselheiro, e 
você fica com os remos do barco.



Autor desconhecido


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