A PIPOCA
 
As comidas, para mim são entidades oníricas. Provocam minha 
capacidade de sonhar. 

Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca 
iria me fazer sonhar. 

Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma 
simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas 
ou psicanalíticas. 

Um dia desses, conversando com um paciente, ele mencionou a pipoca. 

Algo inesperado aconteceu na minha mente... 

Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. 

Percebi a relação metafórica entre pipoca e o ato de pensar. 

Um bom pensamento nasce com uma pipoca que estoura, de forma 
inesperada, imprevisível.

Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. Para os cristãos, 
religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue 
de Cristo, mistura de vida e alegria ( porque vida, só vida, sem 
alegria, não é vida...).

Vida e alegria devem existir juntas. 

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor 
ignorante, mandava arrancar aquelas espigas nanicas que 
aparecessem no meio dos meus milhos graúdos. 

Sob o ponto de vista do tamanho, a pipoca não pode competir com 
os milhos normais.

Houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las 
numa panela sobre o fogo, para que os grãos amolecessem e 
pudessem ser comidos. 

Como a experiência fracassou, tentou a gordura. O que aconteceu 
ninguém poderia ter imaginado. 

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela. 
De grãos duros, transformavam-se em flores brancas e macias. Até 
as crianças podiam comê-las. 

De simples operação culinária, o estouro da pipoca se transformou 
numa festa, numa brincadeira. É muito divertido ver o estouro das 
pipocas!

E o que isso tem a ver? É que a transformação do milho duro em 
pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar 
os homens para que venham a ser o eu que devem ser. 

O milho da pipoca não é o que devem ser. Ele deve ser aquilo que 
acontece depois do estouro.

O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para 
comer, mas pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos 
transformar em outra coisa - voltar a ser crianças!

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Grão de pipoca 
que não passa pelo fogo continua a ser pipoca para sempre. 

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem 
quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo 
jeito a vida inteira.

São as pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que não 
percebem e acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. 
Mas de repente vem o fogo. 

O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca 
imaginamos. Dor. 

Pode ser fogo de fora: perder um amor, um filho, ficar doente, 
pobre.

Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, 
sofrimentos. 

Há o recurso dos remédios que apagam o sofrimento. Sem fogo o 
sofrimento diminui e também diminui a possibilidade da grande 
transformação.

A pipoca dentro da panela talvez pense que sua hora chegou: vai 
morrer.

Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada e do 
que é capaz. 

Pelo poder do fogo acontece a grande transformação.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca é representado 
pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro 
da pipoca. Deixa-se de ser um jeito para ser outro. 

Há pipocas que não estouram e que denominamos piruás. 
Metaforicamente podemos dizer que "piruás" são aquelas pessoas 
que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. 

Acham que não pode existir coisa mais maravilhosa que o jeito 
delas serem. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida 
inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão 
dar alegria a ninguém. 

Os piruás que ficam no fundo da panela não servem para nada. 
Seu destino é o lixo! 

Quanto às pipocas que estouram, são adultos que voltaram a ser 
crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer 
sonhar. Pois foi precisamente o que aconteceu.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se 
recusam a mudar.


(Rubem Alves)
Enviado por Débora - Visitante deste site


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