A LINHA MÁGICA
 
Era uma vez uma viúva que tinha um filho chamado Pedro. O menino era 
forte e saudável, mas não gostava de ir a escola e passava o tempo todo 
sonhando acordado.
- Pedro, com o que você está sonhando a uma hora destas? perguntava-lhe 
a professora.
- Estava pensando no que serei quando crescer - respondia ele.
- Seja paciente. Há muito tempo para pensar nisso. Depois de crescido, 
nem tudo é divertimento, sabe ? - dizia ela.
Mas Pedro tinha dificuldades para apreciar qualquer coisa que estivesse 
fazendo no momento, e ansiava sempre pela próxima. No inverno, ansiava 
pelo retorno do verão; e no verão, sonhava com passeios de esqui e 
trenó, e com as fogueiras acesas durante o inverno.
Na escola, ansiava pelo fim do dia, quando poderia voltar para casa; e 
nas noites de domingo, suspirava dizendo: 
- Se as férias chegassem logo !
O que mais o entretinha era brincar com a amiga Lise. Era companheira 
tão boa quanto qualquer menino, e a ansiedade de Pedro não a afetava, 
ela não se ofendia.

- Quando crescer, vou casar-me com ela, dizia Pedro consigo mesmo.

Costumava perder-se em caminhadas pela floresta, sonhando com o futuro. 
Às vezes, deitava-se ao sol sobre o chão macio, com as mãos postas sob 
a cabeça, e ficava olhando o céu através das copas altas das árvores.

Uma tarde quente, quando estava quase caindo no sono, ouviu alguém 
chamando por ele. Abriu os olhos e sentou-se. Viu uma mulher idosa em 
pé a sua frente. Ela trazia na mão uma bola prateada, da qual pendia 
uma linha de seda dourada.
- Olhe o que tenho aqui, Pedro - disse ela, oferecendo-lhe o objeto.
- O que é isso ? - perguntou, curioso, tocando a fina linha dourada. 
- é a linha da sua vida - retrucou a mulher. - não toque nela e o tempo 
passará normalmente. Mas se desejar que o tempo ande mais rápido, basta 
dar um leve puxão na linha e uma hora passará como se fosse um segundo. 
- Mas devo avisá-lo: uma vez que a linha tenha sido puxada, não poderá 
ser colocada de volta dentro da bola. Ela desaparecerá como uma nuvem 
de fumaça. A bola é sua. Mas se aceitar meu presente, não conte para 
ninguém; senão, morrerá no mesmo dia. Agora diga, quer ficar com ela?

Pedro tomou-lhe das mãos o presente, satisfeito. Era exatamente o que 
queria. Examinou-a. Era leve e sólida, feita de uma peca só. Havia 
apenas um furo de onde saia a linha brilhante.

O menino colocou-a no bolso e foi correndo para casa. Lá chegando, 
depois de certificar-se da ausência da mãe, examinou-a outra vez. A 
linha parecia sair lentamente de dentro da bola, tão devagar que era 
difícil perceber o movimento a olho nu. Sentiu vontade de dar-lhe um 
rápido puxão, mas não teve coragem. Ainda não. 

No dia seguinte na escola, Pedro imaginava o que fazer com sua linha 
mágica.
A professora o repreendeu por não se concentrar nos deveres. 
- Se ao menos, pensou ele, fosse a hora de ir para casa! Tateou a bola 
prateada no bolso. Se desse apenas um pequeno puxão, logo o dia 
chegaria ao fim. Cuidadosamente, pegou a linha e puxou. De repente, a 
professora mandou que todos arrumassem suas coisas e fossem embora, 
organizadamente.

Pedro ficou maravilhado. Correu sem parar até chegar em casa. Como a 
vida seria fácil agora! Todos seus problemas haviam terminado. Dali em 
diante, passou a puxar a linha, só um pouco, todos os dias. 
Entretanto, logo apercebeu-se que era tolice puxar a linha apenas um 
pouco todos os dias. Se desse um puxão mais forte, o período escolar 
estaria concluído de uma vez. Ora, poderia aprender uma profissão e 
casar-se com Lise.

Naquela noite, então, deu um forte puxão na linha, e acordou na manhã 
seguinte como aprendiz de um carpinteiro da cidade. Pedro adorou sua 
nova vida, subindo em telhados e andaimes, erguendo e colocando a 
marteladas enormes vigas que ainda exalavam o perfume da floresta. Mas 
às vezes, quando o dia do pagamento demorava a chegar, dava um pequeno 
puxão na linha e logo a semana terminava, já era a noite de sexta-feira 
e ele tinha dinheiro no bolso. 

Lise também mudara-se para a cidade e morava com a tia, que lhe 
ensinava os afazeres do lar. Pedro começou a ficar impaciente acerca do 
dia em que se casariam. Era difícil viver tão perto e tão longe dela, 
ao mesmo tempo.
Perguntou-lhe, então, quando poderiam se casar.
- No próximo ano - disse ela. - Eu já terei aprendido a ser uma boa 
esposa.

Pedro tocou com os dedos a bola prateada no bolso.
- Ora, o tempo vai passar bem rápido - disse, com muita certeza.

Naquela noite, não conseguiu dormir. Passou o tempo todo agitado, 
virando de um lado para outro na cama. Tirou a bola mágica que estava 
debaixo do travesseiro. Hesitou um instante; logo a impaciência o 
dominou, e ele puxou a linha dourada. Pela manhã, descobriu que o ano 
já havia passado e que Lise concordara afinal com o casamento. Pedro 
sentiu-se realmente feliz. Mas antes que o casamento pudesse realizar-se, 
recebeu uma carta com aspecto de documento oficial. Abriu-a, trêmulo, e 
leu a noticia de que deveria apresentar-se ao quartel do exército na 
semana seguinte para servir por dois anos. Mostrou-a, desesperado, para 
Lise.
- Ora - disse ela -, não ha o que temer, basta-nos esperar. Mas o tempo 
passará rápido, você vai ver. Há tanto o que preparar para nossa vida a 
dois !

Pedro sorriu com galhardia, mas sabia que dois anos durariam uma 
eternidade para passar.
Quando já se acostumara a vida no quartel, entretanto, começou a achar 
que não era tão ruim assim. Gostava de estar com os outros rapazes, e as 
tarefas não eram tão árduas a principio. Lembrou-se da mulher 
aconselhando-o a usar a linha mágica com sabedoria e evitou usá-la por 
algum tempo. Mas logo tornou a sentir-se irrequieto. A vida no exército 
o entediava com tarefas de rotina e rígida disciplina. Começou a puxar a 
linha para acelerar o andamento da semana a fim de que chegasse logo o 
domingo, ou o dia da sua folga. 

E assim se passaram os dois anos, como se fosse um sonho. Terminado o 
serviço militar, Pedro decidiu não mais puxar a linha, exceto por uma 
necessidade absoluta.
Afinal, era a melhor época da sua vida, conforme todos lhe diziam. Não 
queria que acabasse tão rápido assim. Mas ele deu um ou dois pequenos 
puxões na linha, só para antecipar um pouco o dia do casamento. Tinha 
muita vontade de contar para Lise seu segredo; mas sabia que se 
contasse, morreria.

No dia do casamento, todos estavam felizes, inclusive Pedro. Ele mal 
podia esperar para mostrar-lhe a casa que construíra para ela. 

Durante a festa, lançou um rápido olhar para a mãe. Percebeu, pela 
primeira vez, que o cabelo dela estava ficando grisalho. Envelhecera 
rapidamente. Pedro sentiu uma pontada de culpa por ter puxado a linha 
com tanta freqüência.

Dali em diante, seria muito mais parcimonioso com seu uso, e só a 
puxaria se fosse estritamente necessário.

Alguns meses mais tarde, Lise anunciou que estava esperando um filho. 
Pedro ficou entusiasmadíssimo, e mal podia esperar. Quando o bebê 
nasceu, ele achou que não iria querer mais nada na vida. Mas sempre que 
o bebê adoecia ou passava uma noite em claro chorando, ele puxava a 
linha um pouquinho para que o bebê tornasse a ficar saudável e alegre.

Os tempos andavam difíceis. Os negócios iam mal e chegara ao poder um 
governo que mantinha o povo sob forte arrocho e pesados impostos, e 
não tolerava oposição. Quem quer que fosse tido como agitador era preso 
sem julgamento, e um simples boato bastava para se condenar um homem. 

Pedro sempre fora conhecido por dizer o que pensava, e logo foi preso e 
jogado numa cadeia. Por sorte, trazia a bola mágica consigo e deu um 
forte puxão na linha. As paredes da prisão se dissolveram diante dos 
seus olhos e os inimigos foram arremessados à distância numa enorme 
explosão. Era a guerra que se insinuava, mas que logo acabou, como uma 
tempestade de verão, deixando o rastro de uma paz exaurida. 

Pedro viu-se de volta ao lar com a família. Mas era agora um homem de 
meia-idade. Durante algum tempo, a vida correu sem percalços, e Pedro 
sentia-se relativamente satisfeito.

Um dia, olhou para a bola mágica e surpreendeu-se ao ver que a linha 
passara da cor dourada para a prateada. Foi olhar-se no espelho. Seu 
cabelo começava a ficar grisalho e seu rosto apresentava rugas onde 
nem se podia imaginá-las. 

Sentiu um medo súbito e decidiu usar a linha com mais cuidado ainda do 
que antes.

Lise dera-lhe outros filhos e ele parecia feliz como chefe da família 
que crescia. Seu modo imponente de ser fazia as pessoas pensarem que 
ele era algum tipo de déspota benevolente.

Possuía um ar de autoridade como se tivesse nas mãos o destino de todos.

Mantinha a bola mágica bem escondida, resguardada dos olhos curiosos dos 
filhos, sabendo que se alguém a descobrisse, seria fatal.

Cada vez tinha mais filhos, de modo que a casa foi ficando muito cheia 
de gente. Precisava amplia-la, mas não contava com o dinheiro necessário 
para a obra. Tinha outras preocupações, também. A mãe estava ficando 
idosa e parecia mais cansada com o passar dos dias. não adiantava puxar 
a linha da bola magica, pois isto só aceleraria a chegada da morte para 
ela. 

De repente, ela faleceu, e Pedro, parado diante do túmulo, pensou como a 
vida passara tão rápido, mesmo sem fazer uso da linha mágica.

Uma noite, deitado na cama, sem conseguir dormir, pensando nas suas 
preocupações, achou que a vida seria bem melhor se todos os filhos já 
estivessem crescidos e com carreiras encaminhadas. Deu um fortíssimo 
puxão na linha, e acordou no dia seguinte vendo que os filhos já não 
estavam mais em casa, pois tinham arranjado empregos em diferentes 
cantos do pais, e que ele e a mulher estavam sós. 

Seu cabelo estava quase todo branco e doíam-lhe as costas e as pernas 
quando subia uma escada ou os braços quando levantava uma viga mais 
pesada. 

Lise também envelhecera, e estava quase sempre doente. Ele não agüentava 
vê-la sofrer, de tal forma que lançava mão da linha mágica cada vez mais 
freqüentemente. Mas bastava ser resolvido um problema, e já outro surgia 
em seu lugar.

Pensou que talvez a vida melhorasse se ele se aposentasse. Assim, não 
teria que continuar subindo nos edifícios em obras, sujeito a lufadas de 
vento, e poderia cuidar de Lise sempre que ela adoecesse. O problema era 
a falta de dinheiro suficiente para sobreviver. 

Pegou a bola mágica, então, e ficou olhando. Para seu espanto viu que a 
linha não era mais prateada, mas cinza, e perdera o brilho. Decidiu ir 
para a floresta dar um passeio e pensar melhor em tudo aquilo.

Já fazia muito tempo que não ia àquela parte da floresta. Os pequenos 
arbustos haviam crescido, transformando-se em arvores frondosas, e foi 
difícil encontrar o caminho que costumava percorrer. Acabou chegando a 
um banco no meio de uma clareira.

Sentou-se para descansar e caiu em sono leve. Foi despertado por uma 
voz que chamava-o pelo nome:
 "Pedro ! Pedro !" Abriu os olhos e viu a mulher que encontrara havia 
tantos anos e que lhe dera a bola prateada com a linha dourada mágica. 
Aparentava a mesma idade que tinha no dia em questão, exatamente igual.

Ela sorriu para ele. - E então, Pedro, sua vida foi boa ? - perguntou.
- Não estou bem certo - disse ele. - Sua bola mágica é maravilhosa. 
Jamais tive que suportar qualquer sofrimento ou esperar por qualquer 
coisa em minha vida. Mas tudo foi tão rápido. Sinto como se não tivesse 
tido tempo de apreender tudo que se passou comigo; nem as coisas boas, 
nem as ruins. E agora falta tão pouco tempo ! Não ouso mais puxar a 
linha, pois isto só anteciparia minha morte. Acho que seu presente não 
me trouxe sorte.
- Mas que falta de gratidão ! - disse a mulher - Como você gostaria que 
as coisas fossem diferentes ?
- Talvez se você tivesse me dado uma outra bola, que eu pudesse puxar a 
linha para fora e para dentro também. Talvez, então, eu pudesse reviver 
as coisas ruins.

A mulher riu-se. - Está pedindo muito ! Você acha que Deus nos permite 
viver nossas vidas mais de uma vez ? Mas posso conceder-lhe um último 
desejo, seu tolo exigente.
- Qual ? - perguntou ele.
- Escolha - disse ela. Pedro pensou bastante.

Depois de um bom tempo, disse: 
- Eu gostaria de tornar a viver minha vida, como se fosse a primeira vez, 
mas sem sua bola mágica. Assim poderei experimentar as coisas ruins da 
mesma forma que as boas sem encurtar sua duração, e pelo menos minha 
vida não passara tão rápido e não perderão sentido como um devaneio.
- Assim seja - disse a mulher. - Devolva-me a bola.

Ela esticou a mão e Pedro entregou-lhe a bola prateada. Em seguida, ele 
se recostou e fechou os olhos, exausto. Quando acordou, estava na cama. 
Sua jovem mãe se debruçava sobre ele, tentando acorda-lo carinhosamente.
- Acorde, Pedro. Não vá chegar atrasado na escola. Você estava dormindo 
como uma pedra !

Ele olhou para ela, surpreso e aliviado.
- Tive um sonho horrível, mãe. Sonhei que estava velho e doente e que 
minha vida passara como num piscar de olhos sem que eu sequer tivesse 
algo para contar. Nem ao menos algumas lembranças. 

A mãe riu-se e fez que não com a cabeça. 
- Isso nunca vai acontecer disse ela. As lembranças são algo que todos 
temos, mesmo quando velhos. Agora, ande logo, vá se vestir. A Lise esta 
esperando por você, não deixe que se atrase por sua causa.

A caminho da escola em companhia da amiga, ele observou que estavam em 
pleno verão e que fazia uma linda manhã, uma daquelas em que era ótimo 
estar vivendo. Em poucos minutos, estariam encontrando os amigos e 
colegas, e mesmo a perspectiva de enfrentar algumas aulas não parecia 
tão ruim assim. Na verdade, ele mal podia esperar.


(Esse texto é tradução de uma lenda francesa)
Enviado por GRAÇA - Lista Sábio


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