Era uma vez um homem do povo que se tornou conhecido pela grande
sabedoria natural que revelava. Simples trabalhador braçal, dava
mostras de uma maturidade de alma incomum e por isso o povo logo
se acostumou a procurá-lo para ajudar a resolver os mais graves
problemas e intrincadas dúvidas. E de tal forma sua fama se
espalhou que o próprio Rei ardia de curiosidade por vê-lo e
ouvi-lo.
Mas como o nosso personagem não era de andar abeirando os
poderosos, um dia o próprio monarca se abalançou de palácio e foi
pessoalmente visitá-lo. Acompanhado de numerosa comitiva demandou,
com pompa e circunstância, à casa humilde do sábio popular.
Avisado com antecedência, ele o esperou respeitosamente, mas com
naturalidade. Recebeu a solene comitiva, acomodando-a como pôde na
sala de sua modesta choupana.
Logo nas primeiras frases trocadas, o supremo mandatário percebeu
que estava deveras em presença de um sábio. Com certa jactância,
própria dos dominadores não iluminados pela luz, relanceou o olhar
por aquelas paredes singelas e exclamou:
- Não me parece que morada tão modesta seja digna de abrigar um
homem com o porte de inteligência que o senhor revela. Não quer ir
morar comigo em Palácio?
E o homem, sem se perturbar, respondeu:
- O convite é deveras honroso e tentador, Majestade, mas digamos
que aceitando-o e estando em palácio, o senhor um dia chegasse de
viagem e me encontrasse... provocando sua filha, o que faria?
- Bem, nesse caso, mandaria cortar- lhe o pescoço - apressou-se o
Rei. Também, pudera, eu o ponho em palácio, com toda honra e
glória, trato-o do bom e do melhor, e o senhor vai abusar de minha
família? Mas por que me faz semelhante pergunta?
- Por nada, Majestade mas eu já moro no palácio de um Soberano, tão
magnânimo e bom que, por mais que eu erre, não me nega uma só das
inigualáveis mercês que me prodigaliza diariamente. Por mais
ingrato e mau que eu me mostre, não me restringe a largueza do
espaço, beleza das paisagens e o perfume das flores. Ainda quando
minha rebeldia chega ao ponto de negar Sua própria existência, Ele
não retira de mim a benção da chuva que lava o ar e rega a terra,
nem do sol que me aquece e nutre tanto quanto o mais virtuoso dos
homens. Não me tira o apoio de sob os pés, não altera a regularidade
do dia para trabalhar e das sombras noturnas para repousar; não
coloca medidor no ar que respiro nem diminui os frutos saborosos que
colho dos vegetais de sua autoria... Por que deixaria eu o palácio
de um monarca tão generoso e compassivo para ir morar no de um outro
que, ao simples enunciado de uma possível falha minha, fala em me
cortar o pescoço?
E o rei, despedindo-se tomou o caminho de volta, monologando com seus
botões dourados:
- Rei eu posso ser, e o cetro do poder deter em mãos, mas a sabedoria
de um homem desses estou longe de adquirir...
Baseado numa lenda do Talmud intitulada "Os Dois Senhores"
Enviado por Angela Crespo
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