PÁSSARO VERMELHO
 
Nas matas da selva Amazônica vivia Ipezinho, um indiozinho alegre, de olhos 
puxados, sorriso maroto. Naquele tempo, a selva ainda não estava desmatada. 
Tudo era verde, imensamente lindo e intocável. Ipezinho era o reizinho de 
uma tribo alegre e ágil. O único filho de um casal de índios, Ana e Iberê.
Sua vida se chamava liberdade, a nudez esparramada no rio, as pernas ágeis 
correndo, as mãos flexíveis manejando o arco e a flecha. O sorriso estampado 
no rosto, os olhos brilhando de prazer. Um dia, conheceu o amor. Caçava na 
floresta densa, quando percebeu um lindo pássaro vermelho. Pousado no galho, 
o pássaro de plumagem brilhante entoava uma canção. Ipezinho ficou fascinado 
pelo canto da avezinha encantada.
 
Quando estava perto dela, mirando as penas brilhantes, ouvindo a música do 
seu canto na selva, sua alma se agitava de prazer. Começou uma linda amizade. 
Ipezinho tinha companhia para suas caçadas e pesca. O misterioso pássaro 
vermelho acompanhava-o voando e cantando. Acostumara-se a adentrar a mata 
com seu vôo saltitante e o canto magnífico.
 
Uma tarde, quando chegou à mata cerrada, procurou o pássaro vermelho e não 
mais o encontrou. Seu coraçãozinho índio ficou oprimido pela angústia da 
perda. Vários dias se passaram; o indiozinho já não era mais o mesmo. Onde 
estava seu amigo? Quando retornou à selva, depois de vários dias, ouviu um 
canto familiar. O coração de Ipezinho disparou. Lá estava, num galho alto de 
uma árvore centenária, o pássaro vermelho. Voou e voou fazendo-lhe festa, e 
o índio sorriu de novo.
 
Conhecera o amor, a amizade... Agora, a angústia, o medo da perda... , a 
saudade.
 
Uma idéia espicaçou-lhe o íntimo. Foi para sua tribo e, com alguns galhos e 
cipós, confeccionou uma gaiola para seu amigo, o pássaro vermelho. O pai 
observou o trabalho caprichado do filho, mas nada comentou. Olhou para o 
indiozinho e perguntou:
- Filho, por que a gaiola? Todos nós aqui somos livres...

Ipezinho não respondeu e correu para a selva. Lá estava sua avezinha 
predileta, seu verdadeiro amigo. O amiguinho recebeu-o com festa, voando e 
pousando em seus ombros. Ipezinho foi ágil, segurou a avezinha e colocou-a 
na gaiola.
 
O pássaro começou a se debater, mas depois ficou quieto. Logo após, em seu 
poleiro, começou a cantar uma canção maravilhosa. Ipezinho sorriu, mas 
sentiu um aperto no coração, como se fosse um mau presságio.
No entanto, seu amigo estaria com ele para sempre. Nunca mais o perderia; 
ele, que conhecera as doçuras do amor e da amizade, agora conhecia o apego, 
a posse. O lindo uirapuru era somente seu agora.
Voltou para casa e ninguém comentou sobre a avezinha da gaiola.
Ipezinho acordava com o som do canto do pássaro vermelho. Ele cantava sempre, 
mesmo preso, e o indiozinho carregava aquela gaiola para todos os cantos. Um 
dia, durante uma caçada, Ipezinho caiu numa armadilha feita por caçadores. 
Não conseguiu sair do buraco durante muitos dias.
 
O uirapuru cantava dia e noite... Acompanhando o menino em suas noites de 
horror e medo... Até que o pai do indiozinho encontrou-o enfraquecido e 
desmaiado dentro do buraco.
Febre e delírio durante vários dias. Na gaiola, o pássaro vermelho cantava 
para que Ipezinho voltasse à vida.
Quando Ipezinho se restabeleceu completamente da queda na armadilha, o pai 
chamou-o para uma conversa. Estava abatido, o rosto tinha um vinco de 
sofrimento:
- Filho, sua mãe está muito doente. Ficou desesperada com seu 
desaparecimento e não é mais a mesma. Vou-lhe pedir uma coisa: até que ela 
se restabeleça, não quero mais que vá para a mata. Só terá permissão para 
ficar por aqui na tribo. Sua mãe está desesperada, não quer mais lhe perder.
Ipezinho sentiu um nó na garganta e foi ver a mãe. Estava irreconhecível, 
febril, alienada:
- Filho, não saia mais de perto de mim... - disse, apertando seu bracinho 
com força.
 
Ipezinho conhecera o amor, a saudade, a angústia, o apego, agora, o 
desespero.
Quanto as pessoas amavam, sofriam... Sua vida mudou completamente. Agora, 
eram duas gaiolas: a dele e a do Uirapuru. Acabaram-se os mergulhos nas águas 
do rio, as conversas com os botos, a pesca e a caça. Acabaram-se a liberdade, 
a molecagem índia, a vida livre... Ipezinho não saía mais da cabeceira 
materna, sussurrando ao ouvido da mãe:
- Mãe, estou bem... Mãe, não saio mais de perto da senhora...

O pássaro vermelho batia as asas na gaiola, cantava para a alegria do 
Ipezinho. No entanto, o indiozinho já não era mais o mesmo...
O dia nasceu dourado e vozes na mata acordavam todos. Ipezinho acordou 
sobressaltado, o pássaro na gaiola cantava sem parar. Queria tomar banho no 
rio, pular, caçar e pescar. Queria gritar bem alto, rir e cantar... No 
entanto, sua gaiola estava trancada. Os dias se arrastavam e a sua mãe não 
melhorava... Um dia, o pajé da tribo confidenciou-lhe com tristeza:
- Ipezinho, nada mais posso fazer por sua mãe! O restabelecimento de Ana está 
em suas mãos - disse com ar grave no rosto.

O indiozinho saiu da tenda do pajé. Estava triste e cabisbaixo. Sentou-se e 
encostou-se no tronco de uma velha árvore. A gaiola à sua frente e o seu 
lindo amigo cantor, o pássaro vermelho.
Olhou para o céu e viu os pássaros cantando, as asas livres num vôo 
fantástico. Depois, seu olhar se voltou para seu amiguinho, o UIRAPURU. Era 
o seu grande amigo; mesmo preso, continuava cantando sempre. Cantava 
embalando seu sono para dormir e, nas manhãs ensolaradas, cantava para 
despertá-lo. Nos dias de chuva, cantava também.
Olhou para a gaiola, um espaço restrito, árido e sem vida... Naquele 
momento, em que olhou para a avezinha aprisionada, seu coração foi tocado. 
Naquele momento, sentiu um grande amor e grande compaixão...
Não, o lugar do seu amor, do seu amigo não era ali, e se o amava, deveria 
querer para ele o melhor...
 
Respirou fundo... Uma lágrima desceu pelo rostinho torrado pelo sol... E 
abriu a porta da gaiola. A avezinha vacilou, por um momento, ficou estática, 
como se estivesse olhando para ele. Logo depois, pulou do poleiro 
improvisado e ganhou o céu. Voou tão alto, que Ipezinho não a viu mais...
Ipezinho sentiu uma estranha alegria e parou de sofrer. Quando soltou a 
avezinha, libertou-se de todos os fantasmas de sua angústia. Pegou a gaiola 
e a inutilizou...
Logo depois, o seu pai veio ao seu encontro:
- Ipezinho, sua mãe está melhor. Já se alimentou e pergunta por você

O indiozinho esboçou um largo sorriso e correu para ver a mãe:
- Ipezinho, meu filho... - disse ela - ... Não posso mais aprisioná-lo. 
Querido filho, volte para sua liberdade e seja feliz e que os deuses da 
floresta o protejam - disse a índia acariciando o rosto do seu único filho.

A manhã veio ensolarada. Ipezinho ganhou a floresta. Estava radiante, pulou, 
brincou e cantou...
De repente, um farfalhar de asas...   E uma avezinha pousou num galho de 
árvore. Era o pássaro vermelho. Quando ele canta, os sons da floresta ficam 
inaudíveis. Toda a natureza se curva para ouvir o canto do uirapuru.

Ipezinho, que conhecera o amor, a amizade, o apego, a tristeza, a frustração, 
agora, conhecia realmente o amor e a felicidade. Enfiou-se pela mata adentro 
e não havia mais medo em seu olhar.


Sandra Cecília
Enviado por Keila - Sábio


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