A CARTA ERRADA


Outro dia, o contínuo trouxe uma carta com letra de mulher. Não olhei direito o envelope, reparei apenas na letra, que era bonita, chamativa. Abri e fiquei admirado.

Era de mulher mesmo. Dizia que pensava muito em mim, me adorava e por mim rezava todas as noites, pedindo a proteção de Deus e o reconhecimento dos homens para tudo o que eu faço.

Garantia que eu era o melhor entre os melhores, que mais cedo ou mais tarde todo mundo cairia aos meus pés. Tanto encheu a minha bola que eu fiquei preocupado. Alguma coisa me parecia estranho naquela carta. Pobre, quando vê muita esmola deve desconfiar.

Procurei o envelope que já havia jogado na cesta. Fui conferir o destinatário: a carta era para o Caetano Veloso. Não sabendo o endereço do artista, a mulher mandara a carta aos meus cuidados, para que eu providenciasse a remessa para o cantor e compositor.

Foi o que fiz. Mas antes reli a carta toda. Ela agora fazia sentido, mas não para mim. Pior do que não ser elogiado, é ser elogiado de forma errada .



Carlos Heitor Cony

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