EXPO-ARTE-TECNOLOGIA

 

Arte Tecnológica

 

por Gazy Andraus

mestre em Artes pela UNESP

 

 

            O significado de arte, a acepção desta palavra tem sido objeto de controvérsias desde que se concebeu tal vocábulo.

 

            Mas a arte nasceu quando o homem teve consciência de uma atração “mágica” (mística) em sua vida, causada por um poder preludiado atribuído à imagem. Da pré-história veio tal “consciência”.

 

            A Igreja Católica fez das imagens religiosas princípios dogmáticos, histórias em quadrinhos sacras, impressas nas paredes das casas de Deus.

 

            A arte servia para dignificar o nobre, divulgar a mensagem à plebe rude e analfabeta da Média Idade, idade medíocre, das trevas (o que não mudou muito até hoje).

 

            Enfeitando salões e casas nobres, a arte se sacralizou como imprescindível forma de status, divulgadora das castas ricas.

 

            Quem possuía uma pintura de um artesão das tintas era nobre, rico e de bom gosto.

 

            Depois enveredou-se, a arte, por outros caminhos.

 

            Goya escondeu seus “filhos bastardos de tintas” dos nobres, para que pudesse divulgar sua arte limpa e bela (e “decente”), sem represálias.

 

            Um zorro das pinturas, pois que revelava-se como pintor de retratos (ganhava para isto) e de fotos históricas, mas que, nas surdinas, tecia sobre as telas as mais profundas e heréticas pinturas e gravuras (como as caricaturas, os seres fantasmagóricos, e coisas mais assombrosas: frutos de uma mente doente, ou de um profundo conhecedor das falsidades sociais de sua época, transformadas em críticas caricatas naquelas pinturas por ele escondidas?)

 

            “O sono da razão produz monstros’, dizia uma das gravuras de Goya. Um zorro, realmente.

 

            E então os impressionistas vieram. E, todos que fossem diferentes do estilo tido como verdadeiro (acadêmico), seriam ditos impressionistas (mesmo os que não o fossem, sabendo-se lá o que queria dizer verdadeiramente um quadro “impressionista”). Malditos intelectualismos! “Aquele quadro, eu gosto! Causou-me boa impressão. Deve ser impressionista, então!”

 

            De qualquer modo, este problema de se alcunhar todo movimento (artístico ou não) é de ordem imperiosa do ser humano. Como ele sempre teme o novo, a grande maioria do “gado” (“gado marcado e feliz”, como diz a letra de uma música de Zé Ramalho), das pessoas guiadas pelas opiniões dos entendidos, dos críticos cretinos, tacha um nome, uma marca, um estigma sobre qualquer coisa que aconteça, para que aqueles que fugirem do padrão sejam tidos como “diferentes”, “incontroláveis” e, por isto, perigosos à sociedade.

 

            E assim caminhou-se na arte. E então veio Picasso e vomitou tudo que tinha que vomitar sobre nós.

 

            Ele dizia: não procuro, eu descubro! E tome mais uma Fase Azul, ou Cubista. E ponha o nome que quiser! E até quadrinhos (que palavra depreciativa) ele “vomitou”.

 

            E então vieram os abstratos.

 

            Abstrato quer dizer abstraído, tirado em essência do todo. A parte principal era mostrada, relegando-se todo o resto, abstraindo-se assim o gosto doce e puro do néctar, sua essência, seu aroma, da flor que contém folhas, talos e até uma abelha a circundando.

 

            Não preciso desenhar e pintar tudo isto. Nem o néctar. Desenho a cor, a forma, que ela se me traduz. Desenho-a como a sinto, intuo.

 

            Abstraio e passo a contemplar! Meu espírito divaga, e vislumbra. (Taoísmo - Pintura Oriental). Tudo graças a uma simpples pintura abstrata colorida.

 

            “- Não gostei, só tem manchas!”, diria eu, à frente de uma obra assim.

 

            E este é o problema do homem contemporâneo. É medíocre. Não pesquisa. Não pergunta. É “agido” (ou “’co-agido”...?). Seu ego pede, ele faz. Seu ego fornece medo, ele recua, esconde-se e nunca mais pensa. Sua mente divaga para lá e para cá, torrentes de pensamentos, escusos ou não, pervadem seu cérebro e este homenzinho passa a correr para lá e para cá, movido histericamente pela sua mente que pensa que pensa.

 

            E assim é a grande maioria.

 

            E assim é o mundo - reflexo desta grande mente-companheira. Uma solidária à outra nesta medíocre tarefa escrava.

 

            Mas só falei das pinturas. E não vou falar das esculturas. E não vou falar de nenhum outro tipo de meio em que a arte tenha surgido.

 

            Porque quero falar no que ela está sendo agora. E porque arte significa poesia, que significa agir, fazer, trazer da essência para a existência, fazer do Uno em versos (então arte é universo). Qualquer artista, em qualquer meio, estará fazendo arte. Se sincero ele for (sincero com sua consciência). Por isto, exemplifiquei através da pintura um pouco do que tem ocorrido na arte, até seu limite (o abstrato). Mas podia ter sido exemplificado por qualquer outro meio artístico que não a pintura.

 

            O que deve ser mostrado aqui é que o homem evoluiu, e esta evolução, em todos os sentidos, o faz descobrir e interagir com tudo. E com a arte também. A meu ver, a arte abstrata foi o último patamar da evolução artística. Com ela, o homem chegou à essência, ao âmago.

 

            Por mais que se tente, agora, enquanto Terceira Dimensão, só se darão voltas em círculos. Os artistas, cada um deles, podem estar nestas evoluções se auto-descobrindo e passando, individualmente, estágio por estágio.

 

            Mas alguns poucos (que já passaram por todos, ou que vislumbraram o novo, intuindo-o e, por isto, coincidindo com novos anseios, queimando, assim, etapas que tornar-se-iam desnecessárias a eles) já conseguem atuar no novo “estilo” de arte.

 

            É a arte científico-cibernética (ou algo assim). Quero dizer, é a arte com novas possibilidades, devido ao advento do computador e, mais recentemente, do fax, do modem via internet.

 

            É a Aldeia Global, a universalização sem fronteiras das comunicações.

 

            A vanguarda das “conversas”.

 

            Esta arte contemporânea, que está despontando entre os mais pensantes seres (não pensantes pensados, mas pensadores auto-conscientes); esta arte bio-cibernética-estética-científica-artística (alcunhe-se do jeito que se achar mais conveniente) é a “arte” nova, escondida, emergente, aliada aos processos alternativos auxiliados pelas novas tecnologias da informação.

 

            Após a arte abstrata (ou junto a ela, não sei ao certo, por isto, pesquisemos), começaram a despontar integrações entre pintura, escultura e performances.

 

            Aliados ao vídeo e ao áudio, surgiram obras de arte “ao vivo” e até efêmeras (que duram só o tempo em que o autor-artista atua na obra).

 

            Estas interligações performáticas anteviram o que está ocorrendo agora.

 

            As atuais performances dos seres-artistas-humanos, buscando respostas exclusivas, empíricas-experimentais, ao aliarem seus corpos biológicos às respostas involuntárias causadas pela “ligação” cerebral humana a próteses e computadores, tornaram estas “ações artísticas” (em que o corpo é o meio), numa espécie de caixa única cerebral, colocando em evidência movimentos internos sangüíneos e seus caminhos, os sinais e respostas musculares e os batimentos cardíacos ao mundo externo auditivo.

 

            Resultado: novos meios de atitudes perante sons e respostas corporais (e imagens viscerais), novas posturas jamais antes pensadas, apesar destas todas serem “coisas” inerentes ao microcosmo humano (tornando-o evidente a nós, que é um macrocosmo em realidade, pois, estupefatos diante das evidências, verificamos a complexidade de tal estrutura biológica). Sim, percebemos que o microcosmo humano é também um macrocosmo espiritual.

 

            É aí, então, que reside o novo intuito desta Arte: fazer o ser humano se deparar, agora, com os multifacetados meios de que ele dispõe. E mais: se deparar, pela primeira vez, com seu próprio organismo bioquímico, biológico, amplificado e invertido (aberto ao contrário, externado). A mente olha o veículo por dentro. Observador e observado confrontam-se, pela primeira vez, sendo apresentados, mas sendo ambos um só!

 

            Isto possibilita novas atitudes.

 

            Isto possibilita, por incrível que pareça, separarmo-nos de nosso cérebro e, assim, ver suas reações (involuntárias...?), tornando-nos observadores à parte de nós mesmos.

 

            E quem observa o cérebro?

 

            O homem...? O próprio cérebro...? Ou algo acima da mente...?

 

            Algo escondido, talvez... talvez espiritual...? Religioso...? Religamento...

 

            E isto é “arte”?

 

            Não. Isto é arte e não é arte e, na verdade, acima, pois o homem não pode voltar ao estado pré-intelectual. Agora é tarde.

 

            O homem precisa se auto-conhecer.

 

            Taoísmo - do caminho livre aliado ao racionalismo do caminho pesquisado. Lado esquerdo do cérebro aliado ao lado direito intuitivo.

 

            Só o sistema cartesiano de pensamento não mais é suficiente. Aliás, sozinho ele é deficiente, pois eleva o raciocínio às esferas da cientificidade e relega o intuicínio (raciocínio intuitivo) ao abismo da negação.

            Um sem o outro, é indefectível. Ciência sem Religião é falha (assim quis dizer Einstein).

 

            O homem, “esse desconhecido”, precisa se conhecer... “eis o homem!” Não lavem as mãos!

 

            Antes, saúdem o porvir!

 

 

            Gazy Andraus

 

 

            (Este texto foi escrito após a leitura de um catálogo de uma exposição intitulada “ExpoArte-Tecnologia”, realizada no MAC (Museu de Arte Contemporânea) da USP, em novembro de 1995.

 

            Esta exposição apresentou os conceitos artísticos mais modernos, aliados à mais alta tecnologia.

 

            Conceituados neo-artistas (definição minha) de várias partes do mundo, muitos formados em Sorbonne, na França (Academia das Artes), centro mundial das artes, alguns com doutorado, expondo suas novas criações “artísticas”.

 

            David Rokeby (do Canadá), utilizando-se de recentes descobertas para auxiliar outros seres humanos (paralíticos, surdos, etc.), aos quais, talvez, faltem meios que impeçam seu organismo de receber as informações aos quais todos nós temos acesso, é um destes artistas. Ou seja, sua arte, além de refletir conceitos seus, novos, aliada à alta tecnologia, permite-lhe auxiliar os deficientes, tentando aproximá-los da “normalidade”, recuperando órgãos que não funcionavam. Com tal trabalho, este autor vem corroborar com o fato de que a arte atual não é tão inconseqüente, podendo tornar-se mais útil à sociedade.

 

            Outra artista, Diana Domingues (brasileira), amplifica, através da eletrônica, todas as principais funções do nosso organismo. O público participa, então, da sua “obra”, interagindo com ela; pois, ao adentrar a instalação, sente-se como se tivesse entrado em seu próprio corpo humano, ouvindo e sentindo “por dentro” o que ele é, amplificado. Seria o inverter o corpo, virando-o para fora.

 

            Um terceiro artista, Stelarc (Austrália), usando uma roupa cibernética, com um terceiro braço cria ilusões virtuais e novas sensações em que se traja tal qual ele.)