O Escultorético.

 

Havia um lugar onde existia uma montanha, que era a mais alta já vista, e que na verdade nunca era vislumbrada por inteiro, pois seu cume varava os céus, e singrava até o espaço cósmico.

Neste lugar tinha uma cidade muito próxima à montanha. E nesta cidade os cidadãos viviam sempre em paz mental, e nunca se inquiriam até onde a montanha podia alcançar em altura.

Mas havia um jovem, um adolescente que não tinha a paz que seus semelhantes ostentavam.

Este menino-moço tinha sempre seu olhar dirigido para o mais alto que sua vista podia alcançar. E mesmo assim, ela nunca conseguia achar o final daquela misteriosa montanha.

Ele perguntava a seus familiares se eles saberiam lhe dizer até onde ía a montanha, mas eles nem se preocupavam com a questão do jovem rapaz.

E assim se passaram os anos, cada qual realizando a tarefa que se lhes era incumbida. Pois ali naquele lugar, cada um já nascia sabendo a que profissão se destinava...embora cada um deles pudesse realizar qualquer coisa que cada um quisesse (pois suas mentes funcionavam com a lógica da intuição: ambas juntas, e assim sabiam tudo de tudo), cada qual se limitava ao que deveria fazer. Pois eles nasciam com um tipo de vibração energética única...e assim, seguindo a vibração eles faziam “melhor” e com prazer total aquilo que intuíam fazer.

Mas o jovem imberbe não!

Ele tinha algo como que um bloqueio vibracional que fatalmente o impedia de sentir esta paz direcional, desvirtuando-o do serviço “incumbido”.

Como os seres tinham paz, isto não os incomodava (não havia preconceito), pois para eles se o menino era assim, era porque assim o deveria ser: a perfeição e a “imperfeição”, ambas faziam parte, em verdade, da perfeição cósmica - pois se proveniente do cósmico, era porque assim o era, pois perfeito.

E o menino-rapaz tornou-se adulto, e vagou por profissões distintas, diferentemente de seus conterrâneos. E às vezes exercia a profissão de Escultorético (uma profissão de lá, onde todas as esculturas pelo profissional criadas, eram de uma beleza inigualável, estupenda!).

E numa dessas construções estéticas, havia algo de súbito; de misterioso!

E o coração do homem sem profissão (ou de muitas profissões), professava angústia.

E era algo que crescia íntimamente, e se elaboriava impetuosamente.

E as pessoas se maravilhavam com o aspecto da obra: ela se tornava dia após dia maior. E seu aspecto, que inicialmente lembrava vagamente uma fortaleza, começou a se modificar e se equiparar ao sopé da montanha-sem-fim, cuja mistério motivava e angustiava o escultor-honorário.

E dia após dia ele se levantava mais cedo, olhava ao alto, até onde sua vista alcançasse, e depois tornava a se pôr em obrar a escultura (que similarmente à montanha, parecia não mais ter fim).

E a construção continuou por meses.

Depois os anos vieram, e o homem-dúvida já parecia ter definido (talvez alheio à sua vontade consciente) ter-se tornado um escultorético mesmo.

E as pessoas já não se importavam com a obra: mas esta havia tomado tal proporção, que a cidade começou a se modificar para que não fosse engolfada pela montanha replicante.

E assim, mais anos se escoaram pela ampulheta eterna, e o homem havia se tornado um ermitão por força de estar empenhado em sua obra: construindo locais de moradia temporários na própria obra, para seguir em frente fazendo a montanha sem fim.

E ninguém mais o via, pois a cidade fora se afastando da montanha-obra, e o homem subindo cada vez mais com ela (tal qual as construções de uma pirâmide sem fim).

E um dia veio, quando o homem, já barbado, mas cada vez mais robusto, mesmo com a idade de trinta e três anos e meio, pôde erguer sua cabeça aos céus e, afinal, devido à grande altura em que se encontrava (graças à sua montanha esculpida), vislumbrou afinal, o que parecia ser o fim da montanha original, que antes nunca pudera ver.

E então ele soube!

Aquilo que havia carregado durante esta vida adulta, até aquele momento único, ele pôde saber: o fim daquela montanha não existia (mas também existia, paradoxal e místicamente!).

Seu pseudo-fim era uma grande base, uma área plana. E o homem pulou de sua obra para a outra original e viu: viu vários homens rindo e festejando...viu uma cidade e dentro dela as casas, similares às que eram de sua cidade natal. E olhou nos semblantes de todos...e entendeu que eram felizes...e no centro da cidade viu uma base montanhosa que se erigia aos céus. E quando voltou seus olhos para o alto viu que não conseguia visualizar mais nada...exceto o assombro de que via o fim daquele cume: e no fim dele jazia uma escultura do tamanho de um homem.

E esta escultura magnífica de mármore, definia a forma de um escultorético como se estivesse erigindo uma base, tal qual a de um futuro monte...e quando o homem-vivente olhou mais fixamente, pôde ler de alguma forma, o que estava inscrito na escultura:

“Dedicado àquele que redimiu nossas vidas de um trabalho mais pesado: sofreu por nós o ato da dúvida, e com isto elevou-nos diretamente à benção dos céus paradisíacos, encurtando nosso caminho, passando ele mesmo- e só - pelo tormento antes necessário do sofrer angustiante da almumana.

Obrigado jovem-mártir. Obrigado é o que diz nosso povo inteiro.

E descanse afinal de sua dúvida, tornando-se sempre-feliz como nós somos...vivendo aqui com nossos eus renovados!”

É o que dizia ali.

E o rosto do escultor, afinal tornou-se sem rugas, caindo em esquecimento o semblante do sofrimento...e este rosto agora renovado passou a ser refletido rapidamente pelo do da escultura, repetindo-se no desta que até há um décimo de segundo atrás não possuía forma.

E o homem desceu de novo, (re)encontrando a população...e viveram como sempre têm vivido...como deuses felizes, co-construindo o cosmo.

Sem nenhuma dúvida e/ou angústia. Jamais, como se nunca tivessem-nas tido!

Gazy