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A alegria dos urubus
Por Madson Santana Pardo“Eterno vigia de um tempo imperecível. Guardião de dois absurdos.
Nos vetustos paredões de pedra, esculpidos pela millennia, dorme de perfil um urubu.
A vida era por um momento.
Não era dada. Era emprestada.
Tudo é testamento.”
Tom Jobim, texto da contracapa do álbum Urubu (1975)
Houve um tempo em que todos os seres falavam. Vivos ou não. Certa vez um casal de urubus ao encontrar um emaranhado de cipós ideal para botar seus ovos falou para aquele vegetal:- Que bom que o encontrei. Agora tenho abrigo para meus filhotes que em breve irão chegar.
- Que nada Urubu, hoje em dia não há lugar seguro, ainda mais por aqui.
A mamãe urubu, bastante preocupada recomendou ao marido que ficasse de prontidão na árvore mais alta, dia e noite, e se algum perigo avistasse era só avisar que ela o ajudaria a atacar o possível inimigo.
Logo no dia seguinte a mamãe urubu botou dois ovos lindos. Eram cinzas com manchas marrom e preta. E assim passaram-se vários dias...
Numa manhã cinzenta todas as árvores estavam em euforia, pois devido à tempestade que se aproximava havia um vendaval que agitava suas folhagens. Temiam somente que aumentasse, mas até aquele momento era muito divertido serem levadas pelo vento para todos os lados.
No entanto o mais temido aconteceu. Um vendaval muito forte trouxe uma chuva tão pesada que até quebrava os galhos das árvores. Neste mesmo dia mamãe urubu viu seus lindos filhotes nascerem. Eram branquinhos como a neve. Mamãe urubu logo explicou que quando crescerem vão ficar fortes e bonitos como seus pais. E ficarão pretinhos como uma jabuticaba. Apesar da chuva forte os cipós os protegiam. Mamãe urubu só temia que a enxurrada os atingisse.
Ao entardecer um lindo sol surgiu. As árvores estavam tristes pois um cedro muito velho que ali morava morreu. Não resistiu ao forte temporal. Mamãe urubu apesar de tudo estava muito alegre pois seus filhotes eram lindos. Ainda assim falou para a quaresmeira que de tão triste deixava suas folhas caírem:
- Quaresmeira, não fique triste. O velho cedro que tudo sabia certa vez me contou: “urubu, vês este tronco forte e belo? Um dia se juntará à terra e como adubo deixará outras árvores fortes e felizes.” E é isso que aconteceu quaresmeira. O cedro agora fará parte de todos nós. Sua energia passará da terra para os vegetais, que servirão de alimento para muitos animais. Os animais também serão alimentos de outros animais e quando morrerem servirão de alimentos para nós, urubus. Assim o velho cedro também será parte de nós.
A quaresmeira entendeu o que o urubu dizia e sorriu. Compreendeu que tudo o que existe jamais acabará, somente se transformará.
Era uma tarde alegre, os urubuzinhos divertiam-se tentando voar. Mamãe urubu dizia para terem cuidado. Mas eles adoravam subir nos troncos e pular. Era gostoso bater as asas. Mas só conseguiam planar até pousarem desajeitados no chão.
Mamãe urubu mostrava como se fazia. Papai, todo orgulhoso, também voava para todos os lados mostrando como se aproveitava o vento e as correntes de ar quente que havia no céu. De tanto treinarem rapidamente já estavam voando. Então os urubus viram que era hora de ir.
Papai urubu, mamãe urubu e os dois urubuzinhos despediram-se do cipó que os abrigou. O cipó logo falou:
- Por favor não vão. Gosto muito de tê-los aqui.
Mamãe urubu explicou que precisava apresentar seus lindos filhotes aos demais urubus. Todos estavam muito ansiosos para conhecê-los. O cipó ficou muito triste, mas mamãe urubu garantiu que voltariam para visitá-lo.
E assim os urubuzinhos, com o papai e a mamãe juntaram-se aos outros urubus que em festa voavam em círculo e em gratidão regozijavam-se pela terra oferecer-lhes ar para planarem, alimento para viverem e cipós para esconderem. E ao ficarem sabendo da história do velho cedro também felicitaram-se pois sabiam que também eram cedro, terra, água e ar, vegetal e animal. Assim como tudo que há e existiu é parte do todo e ao mesmo tempo o todo em parte.
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