Geografia & Poesia

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Índice
Capítulo II

 1 – Neoliberalismo: Raízes de Desenvolvimento – Breve Histórico

O movimento ou teorização neoliberal tem raízes históricas na Europa, ainda no período da II Guerra Mundial, quando Friedrich Hayek escreveu o livro intitulado “O Caminho da Servidão”, em 1944, na Inglaterra. De acordo com ANDERSON (1995:09), este texto tratava-se “de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.” Neste momento histórico, o alvo principal era o Partido Trabalhista inglês, que finalmente venceria as eleições de 1945. Porém, sua formulação ficou restrita a uns poucos teóricos - basicamente porque no período de 1950/70, as taxas de acumulação capitalista estavam altas, as taxas de desemprego e inflação controladas -. Estes teóricos fundaram a “Sociedade de Mont Pèlerin”, que dedicava-se unicamente a combater o keynesianismo e o estado do bem estar social no mundo capitalista dos EUA à Europa. Mas é somente a partir da grande crise deste modelo econômico e político, em meados de 1973, que as teorias neoliberais começam a ganhar força. A crise em si, pode ser explicada por diversos fatores, dentre os quais o fato do capitalismo, à época, estar assentado nas indústrias motrizes com sua rigidez própria, pois baseava-se no modelo keynesiano-fordista, que garantiria pleno emprego e aumentos reais nos salários constantemente, diminuindo a taxa de crescimento e dos lucros (VIZENTINI apud VIZENTINI & CARRION 1998:35). Essa grave crise fez com que todo o mundo capitalista desenvolvido – e com eles os países subdesenvolvidos – caíssem em uma longa e profunda recessão, que combinou baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação. Para os neoliberais não havia dúvidas de que as causas destes desastrosos índices eram o poder excessivo dos sindicatos e a participação do Estado na economia, que impediam o capital de crescer e prosperar com desenvoltura. A mensagem era muito clara: deveria-se pôr fim a participação estatal na economia, destruir o poder dos sindicatos, contrair a emissão monetária, elevar as taxas de juros, iniciar um programa de privatizações, corte nos gastos com bem estar social(1).  Os EUA iniciaram as reformas, escalonando, com seus parceiros da OPEP, aumentos do petróleo, com vistas a atingir seus maiores rivais, Alemanha e Japão. Com o aumento do preço do petróleo, que afetava toda a economia mundial, os EUA saíam com nítida vantagem em relação ao Japão e a Europa, pois não necessitavam tanto da importação destes produtos. Estava então delineado o momento propício para a implantação do neoliberalismo, tendo em vista a recessão que atingiria todo o mundo capitalista. Neste período, observamos também a chegada ao poder de políticos ultraconservadores nos países desenvolvidos, talvez como conseqüência mais visível da recessão, como Tatcher, na Inglaterra, Reagan nos EUA, Khol na Alemanha e até mesmo na Dinamarca, considerada como modelo do bem estar da Escandinávia, com Schluter. De acordo com ANDERSON (1996:11), quase todos os países da Europa Ocidental “viraram à direita”, com exceção da Suécia e da Áustria. Importante observar que cada país adotou um tipo de neoliberalismo típico, a partir de suas próprias condições econômicas. Os EUA tinham sua variante que era centrada em uma competição militar com a ex-URSS, os países católicos da Europa eram mais cautelosos e centraram seus esforços na disciplina orçamentária e reformas fiscais, enquanto a Austrália e Nova Zelândia atuaram com tendências bem mais radicais, impondo o ideário neoliberal de maneira mais consistente e rápida.

Portanto, o neoliberalismo se propôs a conter a grande inflação observada nos anos 70, bem como a restauração de uma “taxa natural” de desemprego, culminando posteriormente com a retomada do crescimento e recuperação dos lucros, com uma visão bastante linear das variáveis possíveis dentro do processo. Alguns destes objetivos foram alcançados, como a queda da inflação, a derrota dos sindicatos, aumento do desemprego e um ligeiro aumento nos lucros das empresas. Mas, digamos, seu objetivo final era uma realimentação do capitalismo mundial, fomentando um crescimento estável nos anos posteriores à implantação do ideário. Neste caso, de acordo com ANDERSON (1996:15), os resultados alcançados foram “decepcionantes, (...) não mostrando nenhuma mudança nas taxas de crescimento (...)” dos países europeus. Além disso, agravou os conflitos sociais e a xenofobia, agora alimentados pelo desemprego massivo. Concordando com BELLUZZO apud VIZENTINI & CARRION (1998:57), enquanto no período de 1960-73, a acumulação capitalista cresceu  “à taxa anual de 5% nos países industrializados, caiu para 3% em meados da década de 80. No caso da indústria manufatureira a queda foi ainda mais pronunciada: de 5,5% para 2%.”

No contexto da América Latina, observa-se o desembarque das teorias neoliberais a partir de meados dos anos 80, inicialmente com a Bolívia de Victor Paz Estenssoro (2).  A eleição de Salinas no México, em 1988, Menem na Argentina, o segundo mandato de Carlos André Perez na Venezuela, Fujimori no Peru e Collor, no Brasil, nos anos 90 denotou a grande virada do continente na direção do neoliberalismo, mesmo após a percepção dos índices pouco convidativos das experiências européias, ajudados ora por regimes totalitários, ora pela hiperinflação, ou mesmo por ambos. De acordo com SADER (1995:35), “o neoliberalismo na América Latina é filho da crise fiscal do Estado. Seu surgimento está delimitado pelo esgotamento do Estado de bem estar social – onde ele chegou a se configurar – e, principalmente na industrialização substitutiva de importações.” A bem da verdade, não  se observa na América Latina a implantação do “welfare state” europeu ou americano. As tentativas sempre foram cerceadas pelas ditaduras e o Estado funcionava mais com um caráter paternalista, sem a preocupação observada em governos europeus do pós II Guerra. A industrialização substitutiva das importações foi uma tentativa de desenvolvimento para a periferia, que em alguns momentos chegou a funcionar, mas como sobrevivia de capitais internacionais, viu-se subordinada a interesses que ultrapassavam suas fronteiras nacionais, aceitando a imposição de normas e regras para financiamento de seus contratos de empréstimos, ficando a mercê das idéias neoliberais que passariam a vigorar a partir de então. De um modo geral, praticamente todas as economias ocidentais capitalistas se engajam nas formulações neoliberais, capitaneados pelos EUA, que impõem uma inserção, agora em uma economia dita “globalizada”, hierarquizada, na medida em que “obriga” a periferia, principalmente a América Latina, a seguir os rumos da “globalização”. Ela pretende ser a unificadora da economia mundial, onde todos os mercados estarão abertos para o capital, sem barreiras alfandegárias ou nacionalistas, onde a “mão invisível” do mercado dirigisse a economia, em benefício comum. Percebe-se, portanto, o quanto estão ligadas as formulações neoliberais com a chamada “globalização”, quando a segunda é filha da primeira e ambas, teoricamente, beneficiariam a todos.

Entretanto, assiste-se atualmente a  reações contrárias ao neoliberalismo, mesmo nos países desenvolvidos. Recentes conflitos nestes países, principalmente nas datas comemorativas do 1º de Maio, revelam uma outra face daquilo que é chamado de “globalização.” As críticas recaem principalmente nas questões relativas ao emprego e a reestruturação das empresas, na chamada Revolução Científico-Tecnológica (RCT) por VIZENTINI apud VIZZENTINI & CARRION (1998:39), que deixou de lado o modelo fordista, que requeria “produção em massa, mecanismos rígidos, produção contínua e grandes séries de um mesmo produto.”, para um novo modelo de produção, que combina os recursos mais avançados da robótica, comunicação, biotecnologia, etc., e produção em série de dezenas de produtos, sem a rigidez do antigo modelo. Agora algumas empresas – principalmente aquelas detentoras de capital e tecnologia avançada - podem se adaptar rapidamente a um determinado “nicho” de mercado para atendê-lo até a sua saturação e posterior readaptação. Neste caso, os trabalhadores temporários são os mais requisitados e aqueles que hoje trabalham, amanhã não têm mais função, por não conseguirem adaptar-se tão rapidamente quanto as empresas. É comum observarmos cursos de “reciclagem” para executivos, operários, etc., para tornarem a ser inseridos no “mercado de trabalho”. Quanto ao livre mercado e a “mão invisível” reguladora, percebe-se as fusões de grandes empresas, formando mega-corporações, que atuam em milhares de segmentos, da agricultura à fabricação de computadores, do vestuário até o turismo e especulação de terras – quiçá a Volkswagen, no Brasil, detentora de enormes propriedades de terra no norte do país - , denotando grandes monopólios de quase todos os segmentos de mercado.

Uma primeira crítica a este processo, afirma que a desregulamentação dos mercados mostrou-se inviável em vários sentidos, pois coloca cada vez mais os países – principalmente os subdesenvolvidos – a mercê de capitais transnacionais especulativos, que buscam o lucro fácil e certeiro, em qualquer parte do mundo. Para atrair estes capitais, os governos locais dos chamados países “em desenvolvimento” se vêem obrigados a aumentarem as taxas de juros, elevando conjuntamente as taxas de manutenção de suas dívidas internas e desestimulando o investimento produtivo, pois altas taxas de juros deixam a obtenção de créditos totalmente proibitiva. Além disso, qualquer “oscilação” em outras economias reflete sensivelmente nas economias de todo o mundo – exponenciadas pelos avançadíssimos meios de comunicação, que permitem análises financeiras em tempo real –. Neste caso, estes  capitais de origem não-produtiva, ou seja, especulativa, procuram mercados mais “confiáveis”, como é o caso dos EUA, acarretando a chamada “fuga de dólares” que os países em desenvolvimento tanto temem. A soberania nacional fica, evidentemente, seriamente ameaçada na medida que a condução de suas políticas econômicas e sociais ficam na dependência dos “humores” financeiros de uma “aldeia global”.

Outra crítica contundente aos rumos do neoliberalismo diz respeito a participação estatal na economia. Se por um lado, o estado deixa de atuar decisivamente nos rumos desta, devendo “preocupar-se” apenas com o lado social, o capitalismo mundial não pode prescindir, absolutamente, da participação do estado para confirmar ou abrir novas possibilidades de negócios e lucros ao redor do mundo. As leis de patentes e acordos de garantias fazem-se somente na hierarquia dos estados nacionais e não de empresas privadas. Sem a influência política e até mesmo militar para garantia de seus interesses, as empresas não teriam supostamente, como resistir aos grandes custos e a concorrência cerrada de empresas sediadas nos mercados pretendidos. De acordo com BELLUZZO apud VIZENTINI & CARRION (1998:59):
 

“Ao invés da vitória dos mercados, em que prevalece o automatismo da concorrência perfeita, estamos assistindo à reiteração da famigerada ‘politização’ da economia. As transformações em curso não se propõem a reduzir o papel do Estado, nem enxugá-lo, mas almejam aumentar sua eficiência na criação de ‘externalidades’ positivas para a grande empresa envolvida na competição generalizada.”


Como se vê, o neoliberalismo é um fenômeno/assunto controverso. Entretanto, no seu caminho histórico ao redor do mundo, sobretudo nos contextos marcados por situações econômicas desfavoráveis, o neoliberalismo quase sempre encontrou terreno fértil para suas idéias. Isto se deve, em grande parte, pelo descontentamento quase geral que percebia-se na população, com relação aos partidos comunistas e de esquerda – na Europa, principalmente -. Junte-se a isso, o fato de que o mundo capitalista ocidental estava enfrentando uma severa crise econômica, como dito anteriormente, fazendo com que a opinião pública se mostrasse mais favorável as proposições neoliberais. No próximo item, estaremos fazendo uma análise do ideário neoliberal no Brasil e suas conseqüências para a economia como um todo, tendo em vista, particularmente, a implementação destas políticas  com ênfase nas privatizações das estatais.
 

2 – Neoliberalismo no Brasil

A implantação do neoliberalismo, na maioria dos países, coincidiu com um período histórico de crise do capitalismo. Neste sentido, a visão neoliberal de mercado tomava força, na medida em que a população se mostrava descrente com as formas correntes de governo, principalmente aquelas calcadas no modelo do bem estar social.

Na chamada década perdida, o Brasil enfrentava estes problemas com a adoção de medidas que funcionaram mais como paliativos do que propriamente como solução para os seus verdadeiros problemas econômicos e sociais – como exemplo, os indexadores da economia. Portanto, fica evidenciado que as raízes neoliberais brasileiras vêm a reboque também de uma situação econômica desfavorável e um sentimento de impotência da sociedade brasileira para resolução de seus problemas. De acordo com OLIVEIRA (1996:28), “(...) a destruição da esperança e a destruição das organizações sindicais, populares e de movimentos sociais (...)” é a maior letalidade conseguida pelo ideário neoliberal. Observemos, portanto, que mesmo antes da implantação de políticas neoliberais propriamente ditas, já se anunciava um quadro preparatório para a execução do mesmo. Este quadro traduziu-se no governo de José Sarney, que segundo alguns críticos mais severos, conseguiu “segurar” a economia brasileira, favorecendo a eleição de seu sucessor, Fernando Collor de Mello, que efetivamente iniciou as transformações mais significativas nos âmbitos sociais,  econômicos, etc. A partir da ascensão deste político ao poder e com as bases para a implantação do ideário formadas, percebe-se uma mudança de rumos para a economia nacional.

Ainda no Governo de José Sarney (1985-1989), vários planos econômicos foram postos em prática com o fito de preparar a economia brasileira para as transformações que estavam por vir: Plano Cruzado (1985), que estabelecia uma nova moeda, o Cruzado; o chamado gatilho salarial; a criação do seguro-desemprego; fim dos subsídios fiscais; desindexação geral de preços e salários com a livre negociação; projetos de privatização das empresas estatais, cujos recursos seriam destinados a redução do déficit público; manutenção da moratória dos juros da dívida externa, abrindo em contrapartida, o mercado nacional a economia mundial. Em seguida, os Planos Bresser (1987) e Verão (1989).(3)

Após estes planos e a chamada redemocratização do Brasil, temos a primeira eleição direta para presidente após o período da ditadura. O candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT e Fernando Collor de Melo, do PRN, foram para o 2º turno das eleições. O primeiro candidato, apoiava-se em um programa de governo com raízes socialistas e sindicais, refletindo o passado de Lula – como ex-deputado federal e ex-líder sindical do ABC paulista – e do próprio partido, que nasceu em fins dos anos 70, nesta efervescência política. O segundo candidato, que fora governador do estado de Alagoas, no nordeste brasileiro, apoiava-se em um plano de governo chamado de Brasil Novo. O seu partido, da Reconstrução Nacional foi fundado especialmente para as eleições de 89 e não tinha praticamente nenhuma participação no poder legislativo, o que poderia evidenciar uma “fraqueza” deste partido, caso vencesse as eleições, de conduzir e aprovar projetos no Congresso. Porém, houve uma grande mobilização de empresários, partidos de direita (PMDB, PFL, PSDB, etc.) e da mídia em geral, a favor de Collor, em função do grande medo de uma virada à esquerda do Brasil, caso Lula vencesse. A opinião pública foi então manipulada, transmitindo para a população o risco que o Brasil corria, caso Lula vencesse, de se transformar em um país comunista, relegado na economia mundial e imerso em uma “baderna” sem fim (4).

Fernando Collor venceu as eleições de 1989 e deu início as “reformas” no Estado brasileiro. Neste sentido, o ideário neoliberal brasileiro seria direcionado para os seguintes pontos: implantação de um amplo programa de privatizações, controle dos gastos públicos, controle das taxas de inflação, aumento da taxas de juros, desregulação dos mercados, estabilidade econômica e, como resultado, a retomada do crescimento.

Neste  início de governo, o primeiro pacote econômico já dava um duro golpe na economia, quando “seqüestrava” os saldos bancários acima de um determinado limite; aumentava drasticamente as taxas de juros, limitando a liberação de créditos e iniciava as privatizações, com o intuito de desacelerar a economia e conter a inflação, na base de decretos e medidas provisórias. A tão almejada estabilidade econômica, porém, veio a acontecer somente no governo de Itamar Franco (1992-1994), com a adoção do Plano Real, em meados de 1994. (5).

Estas medidas eram anunciadas como a “salvação” da economia brasileira, que “em tempos de globalização”, necessitava inserir-se no mercado mundial, com o intuito de recuperar a credibilidade do país no exterior, possibilitando a atração de capitais que alavancariam a economia. As experiências de outros países eram usadas como exemplos concretos da necessidade urgente destas reformas – obviamente que os resultados pouco animadores de outros países não eram levados em consideração - , contando com o apoio maciço dos órgãos de imprensa. Este apoio foi preponderante para a adoção de medidas pouco populares e principalmente na tentativa de descaracterizar as empresas estatais e transformar suas vendas em meros artifícios para se realizarem os ajustes econômicos necessários, que trariam extensos benefícios futuros.

O governo de Fernando Collor decolou seu ambicioso plano de privatizações, com a criação do PND (Plano Nacional de Desestatização), e o leilão de grandes siderúrgicas logo no início de seu mandato, na tentativa de passar uma imagem de “força” do Governo Federal, para a implantação de todas as medidas anunciadas. Tal plano foi estendido e ampliado nos governos subsequentes, como será discutido na próxima seção.

Mas é relevante demonstrar, neste caso, que o neoliberalismo no Brasil faz parte de um conjunto de reformas a nível mundial, sendo a sua implementação no país apenas mais uma peça do importante “jogo” de forças do capitalismo mundial (6) . Leve-se em conta, ainda,  a pressão de organismos supranacionais sobre o Brasil, como o FMI, BIRD, Banco Mundial, levada até o fim com a ameaça de supressão de créditos internacionais e dos refinanciamentos da dívida externa, que colocava o governo brasileiro na berlinda, obrigado a aceitar, sem contestações mais aprofundadas, todas as imposições destes órgãos.
 

3 - Privatizações Brasileiras na década de 90

As empresas estatais foram criadas, a partir dos anos 30, no Brasil, para suprirem deficiências dos setores produtivos e de mercado, visando posteriormente o crescimento do setor privado. Existiam falhas e nós críticos para o desenvolvimento da economia brasileira, principalmente nos setores de infra-estrutura básica, onde os investimentos de capital eram muito altos e o retorno muito demorado, desestimulando o investimento do setor privado (PINHEIRO e OLIVEIRA FILHO-1991). A partir de então, temos sucessivos aumentos da participação estatal na economia como um todo, inclusive estatizando empresas privadas que estavam em dificuldades financeiras para manterem-se os níveis de renda e emprego da população.

É também importante perceber, que o Brasil carecia de energia, infra-estrutura básica e bens manufaturados primários (aço, por exemplo) e a partir da supressão deste “gargalo”, a iniciativa privada poderia utilizar-se destes produtos para a industrialização dos bens de consumo (7).

Na medida em que as estatais se  modernizaram e ampliaram seus investimentos em subsidiárias, com produtos e serviços muitas vezes diferentes da matriz inicial, a concorrência com o setor privado passou a ser irreversível. É relevante notar que a partir do momento em que as estatais brasileiras passaram a ter logísticas de mercado e atuarem com cronogramas e propostas análogas à iniciativa privada, as críticas ao setor estatal passaram a ser mais contundentes (BIONDI-1999).

No governo de Figueiredo (1979-1984), expõem-se as primeiras tentativas de contenção da ampliação do setor estatal através de decretos e subordinação das estatais ao Ministério do Planejamento. Apesar disso, passando pelo governo de José Sarney, foram muito tímidas as privatizações, apesar de alguns ajustes terem sido efetuados no sentido de preparar o setor estatal para a desestatização (em particular, nesta última administração). Somente no governo de Fernando Collor, o Brasil lançou-se a um ambicioso plano de privatizações, com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND).

Em acordo com as teorias neoliberais, os mentores do PND julgaram que:
 

“ um Estado inchado e sem qualquer flexibilidade, excessivamente controlador e burocrático.(...) Além de esgotar-se a sua capacidade de poupança, comprometendo a sua capacidade de investimento, levou-o a um endividamento crescente ao longo dos anos, culminando com a crise fiscal que ora é observada.” (MATOS FILHO e OLIVEIRA, 1996:11).


A estratégia adotada pelo PND (8), partia do princípio de que deveria-se privatizar primeiramente as empresas de caráter industrial, sendo recomendados à Presidência da República três principais setores industriais: siderurgia, petroquímica e fertilizantes (9).  A partir de recomendações das consultorias contratadas, decidiu-se por privatizar as siderúrgicas separadamente, ordenando as privatizações das empresas petroquímicas por pólos e as de fertilizantes individualmente. Neste sentido, durante toda a década de 90, o Brasil lançou-se em seu programa de privatizações e, em 1996, várias empresas já haviam sido privatizadas.

Como demonstra o Quadro 01, em 1996 o Brasil já havia leiloado quarenta empresas estatais, liquidado treze, sendo que quinze outras estavam sendo avaliadas por consultorias para venda. Percebe-se ainda, que todo o setor de siderurgia – no qual encontra-se a Açominas – já havia sido desestatizado.

Vale ressaltar para o setor mínero-siderúrgico, que os editais de privatização permitiam a participação dos funcionários das estatais em seus leilões de privatização – mais especificamente 10% do capital social total - (PINHEIRO E OLIVEIRA FILHO-1991:39). A partir desta prerrogativa, em todas elas houveram significativos montantes de capital oriundos dos fundos de pensão dos próprios dos funcionários das estatais, na compra de ações das empresas. Porém, quase imediatamente após a venda, as ações das ex-estatais atingiam aumentos consideráveis em seus valores na bolsa, estimulando os funcionários a se desfazerem de seus papéis, buscando realizar lucros imediatos. Em geral, estas ações eram compradas pelo grupo majoritário da empresa, que aumentava substancialmente seu peso nos Acordos de Acionistas. O caso da privatização da Açominas, que será explicitado no capítulo seguinte, é talvez o único em que os funcionários mantiveram sua participação acionária e até mesmo, por um breve momento, atuaram como controladores da empresa.

Mas, diferentemente do que era pregado pelos Governos Federais na década de 90, as grandes estatais não davam prejuízos e muito menos prestavam serviços de baixa qualidade à população. Segundo  QUEIRÓS (2001), as empresas estatais geravam lucros e investiam de acordo com seu próprio capital, não necessitando, para isso, onerar os cofres públicos, mesmo quando apresentavam prejuízos. Além disso, as empresas estatais tiveram uma função social importantíssima no período em que o país atravessava sua mais séria crise econômica. Segundo BIONDI (1999:21), o Governo, que “administrava” as estatais, passou ao congelamento compulsório dos preços e tarifas, principalmente no caso do aço, como forma de baratear os custos das outras indústrias nacionais, como a automobilística e de eletrodomésticos,  aumentando as exportações , ou, no mínimo, impedindo  um aumento nas importações, “equilibrando” a balança comercial brasileira. Portanto, durante anos, as estatais registravam prejuízos em  seus balanços,   em função desta política, onerosa para as estatais, mas importantíssima para a economia do Brasil.

Quadro 01
Situação das Empresas Controladas Direta ou Indiretamente pela União – 1996
 
Setor
Vendidas
Excluídas/em Liquidação
Em avaliação
Avaliação a Contratar
Siderurgia
Usiminas
Cosinor
Piratini
CST
CSN
Acesita
Cosipa
Açominas
     
Petroquímica
Petroflex
Copesel
PQL
Nitriflex
Polisel
PPE
CBE
Poliolepinas
Oxiteno
Arafértil
Acrinor
Coperbo
Polialdex
Cioline
Politeno
Copene
CPC
Salgema
COR
Álcool-Olieca
Trilinpo
Alclor
Cinal
PCC
Mitrocarbono
Polibrasil
Poliderivados
Petrocoole
Polipropilieno
CBP
Mitroclor
Deten
Metanor
EDN
Promor
 
Fertilizantes
Fosfértil
Goiasfértil
Letrafértil
INDAG
Arafértil
Petrofértil
Mitrofértil
ICC
 
Outros
Mafersa
SNBP
Álcalis
Caraíba
Embraer
Excelsa
Cobra MCCLEP
Emaba
Praxave
Lloydbrás
RFFSA*
AGEP
Light*
Meridional
Valec
Eletrobrás*
Furnas
Eletronorte*
Eletrosel
Chesf*
CVRD*
Total 
40
13
15
07
Fonte: Coordenadoria Geral de Políticas e Programa de Desestatização – SEST/MPO-1996 * Atualmente privatizadas.
 

4 – Impactos Gerais das Privatizações Brasileiras

Como conseqüência da implantação no Brasil, destas reformas citadas no item 02 deste capítulo, pode-se enumerar alguns fatores, como por exemplo: a estabilidade financeira foi alcançada, com o controle da inflação a patamares aceitáveis; a privatização das estatais gerou vultuosas receitas para os cofres públicos; o consumo per capita aumentou nos últimos anos, basicamente no que se refere a alimentação; o comércio varejista registrou sucessivos aumentos nas vendas, principalmente nos primeiros anos posteriores a implantação do Plano Real; as antigas estatais, que em alguns casos, registravam prejuízos, passaram a demonstrar lucros substanciais em seus Balanços Patrimoniais. Porém, estas “vitórias” precisam ser analisadas mais profundamente, pois elas não levaram em conta os custos sociais do processo. A implantação das reformas também gerou aumento considerável nas taxas de desemprego, notoriamente na indústria; elevação da concentração de renda; dependência cada vez maior dos capitais de origem internacional, principalmente aquele denominado como “volátil” ou “especulativo”; e segundo os críticos das privatizações, a “entrega” de patrimônio público a preços irrisórios, além de importantes setores estratégicos que deveriam continuar nas mãos do Estado. Portanto, faz-se necessário um aprofundamento maior nesta discussão, com o fito de caminharmos para os objetivos deste trabalho.

No próximo item, procuraremos listar os principais argumentos contrários e favoráveis as privatizações, afim de termos uma visão geral do processo, bem como um embasamento para este estudo.

4.1 – “Benefícios” das Privatizações

O Estado brasileiro, em sua política desenvolvimentista baseado na substituição de importações e estatização da economia, tornou-se demasiado “inchado” e inoperante (10), além de culminar com um aumento considerável do endividamento interno e externo. Ora, um dos argumentos principais para a efetivação do processo de desestatização, afirmava que a maioria das estatais sempre foi “cabide de empregos”, lugar certo para os “marajás”, marcada pela  ineficiência das administrações. Também em virtude da cansativa burocracia e  da crescente “sangria” dos cofres públicos para sanar os caixas das estatais, com freqüentes demonstrações de prejuízos em seus balanços patrimoniais, a opinião pública, na maioria das vezes, foi levada a crer que todas as estatais brasileiras “devoravam” dinheiro público e não retribuía nada em troca.

Outro problema seríssimo das estatais era o monopólio na prestação de certos serviços e produção de bens que detinham, refletindo sensivelmente em seu relacionamento com a população, na medida em que ofereciam bens e serviços de qualidade duvidosa. A privatização dessas empresas, então,  para os mentores do PND, geraria recursos de monta para os cofres públicos, além de acabar com a inoperância dos serviços oferecidos à população (MATOS FILHO E OLIVEIRA-1996), tendo em vista que, agora entregues à iniciativa privada e sem a barreira dos monopólios, a “mão invisível” do mercado obrigaria as empresas a modernizarem-se constantemente, barateando os custos e refletindo em melhorias nos serviços oferecidos.

Além disso, as receitas provenientes das privatizações serviriam para o Governo quitar parte de suas dívidas, aliviando a manutenção das mesmas com o pagamento de juros proporcionalmente menores, em termos absolutos. Partindo destes pressupostos, “sobraria” mais recursos para o Governo investir onde, supostamente, estaria sua função principal: o lado social.

Sem dúvida, o “caos” da saúde pública, o sucateamento da educação pública, a falência da Previdência Social, enfim, quase todos os problemas enfrentados pelo Governo Federal eram reflexos claros do “desvio” de verbas para a manutenção das estatais – de acordo com os mentores do PND - . Verbas essas, que poderiam estar sendo destinadas para melhoria e ampliação dos serviços públicos, ficando claro a importância que as privatizações assumiriam para estas reformas.

Como impactos iniciais das privatizações, em termos de benefícios (11), verificamos, de maneira restrita:

  • Uma ligeira melhora nos serviços oferecidos à população, tendo em vista, pelo menos no caso da telefonia, uma diminuição considerável na fila de espera por um telefone fixo;
  • Uma arrecadação considerável, por parte do Governo Federal, de recursos para os cofres públicos;
  • A retomada sensível dos lucros nas ex-estatais, verificada pela análise de seus balanços patrimoniais;
  • O descompromisso do Governo Federal no que tange à administração das ex-estatais, ficando responsável apenas por fiscalizá-las;
  • Modernização das antigas ex-estatais, que produzem muito mais, lucram mais, com menos custos e funcionários.
  • 4.2 – Impactos Negativos das Privatizações

    Contudo, alguns analistas da questão, colocam alguns “senões” pertinentes aos impactos negativos das privatizações, até mesmo rebatendo alguns “benefícios” listados anteriormente. Vamos a eles:

    • As privatizações brasileiras foram feitas “a toque de caixa”, ou seja, muito rapidamente e sem a devida avaliação do que estava sendo vendido. Para ser mais claro, no caso da Açominas, por exemplo, não se levou em conta, para efeito de “ preço mínimo”, as terras que pertenciam à empresa e que tinham um papel, digamos, social quando eram administradas pelas estatais, na medida em que não seriam usadas como terras “especulativas”. Neste sentido, a Cia. Vale do Rio Doce, que de acordo com  OLIVEIRA (apud Produção da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais-1999:35), tem jazidas de minério-de-ferro para exploração por mais, no mínimo, quatrocentos anos também poderia ser enquadrada nesta crítica. No caso da privatização da telefonia brasileira, estas tinham muitos recursos em caixa, que também não foram levados em conta na avaliação, como ilustrado no  quadro 02;
    • O Governo Federal, na sua tentativa de tornar as estatais mais “atrativas” para os compradores, investiu pesadamente nessas empresas, nos anos que antecederam à privatização – caso típico da telefonia – no sentido de sanar as dívidas de curto prazo. Desta forma, acabou  assumindo, invariavelmente, a parte “podre” das empresas. No mesmo sentido, assumiram os fundos de pensão de seus funcionários, ficando responsáveis pelo pagamento de suas  aposentadorias (BIONDI-1999);
    • Com relação a melhoria na qualidade dos serviços públicos oferecidos à população, pós privatização, a argumentação contrária cita que as estatais foram impedidas de investir por decretos governamentais. O BNDES (12), foi por obra de um decreto, na passagem do Governo Sarney para o de Collor, impedido de liberar empréstimos para as estatais, fazendo com que as mesmas fossem obrigadas – quando conseguiam – a recorrer a fundos internacionais de financiamentos. Neste sentido, o atraso na entrega de telefones à população e os péssimos serviços oferecidos eram em virtude da falta de investimentos. Ora, próximo da privatização do setor da telefonia, por exemplo, o Governo investiu em melhorias e autorizou a liberação das tarifas, aumentando-as de 300% a 400% (BIONDI-1999); (13)
    • A retomada dos lucros das ex-estatais também pode ser explicada pelo exposto acima;
    • A privatização das estatais gerou um número de desempregados muito grande, na medida em que corta gastos e se moderniza, produzindo mais, lucrando mais, com menos funcionários. De acordo com POCHMAN apud QUEIROZ (2001) “ as privatizações geraram, no período 1989/1999, 546 mil demissões não reabsorvidas pelo mercado de trabalho.” ;
    • A passagem para o setor privado de setores considerados “estratégicos” para a soberania nacional e retomada do desenvolvimento, como é o caso do petróleo, geração de energia e produção de aço.
    Quadro 02
    Empresa
    Valor da Venda – em dólar, cotação dia/venda
    Telesp
    4,96 Bi*
    Cia. Vale do Rio Doce
    3,13 Bi**
    Usiminas
    1,94 Bi
    Cemig 
    1,05 Bi
    Açominas
    600 mi
    Fonte dados brutos: BNDES – adaptado de Aloysio Biondi, 1999
    * Dinheiro em caixa – 1 bilhão de reais
    ** Dinheiro em caixa – 700 milhões de reais
    Obviamente que as críticas e as questões favoráveis às privatizações são muito mais numerosas do que as expostas acima, mas preferimos reduzir o rol de argumentos centrando foco na discussão das principais argumentações.

    Fica patente, então, que a discussão a respeito dos impactos das privatizações é feita, na maioria das vezes, em “macro-escala”, ficando de fora as discussões sobre o seus efeitos locais. Como citado na Introdução deste trabalho, procurou-se fazer então, um estudo sobre os impactos a nível local, afim de vislumbrar um novo contexto para enriquecer os debates sobre privatizações no Brasil. A partir do próximo capítulo, estaremos trazendo a análise do município de Ouro Branco, enfocando sua evolução histórica frente à implantação da Açominas e seu posterior rearranjo espacial e social, nos momentos mais marcantes da vida da siderúrgica, à qual está intimamente ligada, como veremos a seguir.

    Notas:

    (1) O caso típico inglês: “Os governos Tatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação aintisindical, cortaram gastos sociais e se lançaram em um amplo programa de privatizações.”(ANDERSON-1996). VOLTAR

    (2) Perry Anderson desenvolve uma interessante discussão à este respeito, mostrando que o Chile foi o pioneiro na implementação do ideário neoliberal, não só na América Latina, como em todo o mundo, pois o processo chileno iniciou-se uma dezena de anos antes da implantação na Inglaterra, no texto “Um Balanço do Neoliberalismo”. VOLTAR

    (3) Informações gentilmente cedidas pela Profa. Doralice Barros Pereira, IGC-UFMG. VOLTAR

    (4) A este propósito, ver excelente documentário “Muito além do Cidadão Kane”. VOLTAR

    (5) Neste período, foi adotada a Unidade Real de Valor (URV), que indexava a economia e teoricamente, abrandava os efeitos da inflação nos salários, na medida em que eram cotados em URV’s e não mais em Cruzeiros Reais. Apesar de  funcionar apenas enquanto estava nos bancos ou como salário não-recebido, pois a partir do momento em que o assalariado embolsava o dinheiro – Cruzeiros Reais – ele perdia gradativamente o seu valor, em função dos sucessivos aumentos do indexador. VOLTAR

    (6) Como comentado na primeira parte deste capítulo, a realimentação do capitalismo mundial dependia seriamente,  da implementação de todo ideário anunciado em todas as nações capitalistas do mundo. Sendo assim, o Brasil era considerado peça chave para a continuação das reformas e a eleição de um liberal, em 1989, apoiado por diversos setores da economia, inclusive mundial, foi o primeiro passo. VOLTAR

    (7) Neste período, temos a criação das seguintes estatais, de acordo com PINHEIRO e OLIVEIRA FILHO (1991:06) -  1941, Cia. Siderúrgica Nacional (CSN); 1943, Cia. Vale do Rio Doce (CVRD),  Fábrica Nacional de Motores (FNM), Cia. Brasileira de Álcalis; 1944, Acesita; e 1945 a Cia. Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). VOLTAR

    (8) O PND foi assumido pela Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização (CDPND) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como gestor. Ver MATOS FILHO e OLIVEIRA (1996:12). VOLTAR

    (9) A primeira empresa a ser privatizada, neste período foi a Usiminas. VOLTAR

    (10) Tendo em vista as dificuldades inerentes à administração, muitas vezes política, de suas empresas. VOLTAR

    (11) Estes itens relacionados a seguir, bem como a definição do que chamamos de “benefícios” vão ao encontro do que geralmente é apregoado nos meios de comunicação e órgãos do Governo Federal. VOLTAR

    (12) Banco de desenvolvimento criado para gerar recursos para os investimentos nacionais. VOLTAR

    (13) Antes da privatização da Telemig, o valor da assinatura mensal de uso residencial estava na casa dos R$4,00. Hoje, com a concessionária Telemar, a assinatura atinge R$ 19,55, como pôde ser verificado pela análise de duas contas telefônicas residenciais, antes e pós privatização. VOLTAR

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