GRANDES MESTRES DA POESIA

 

CRUZ E SOUSA

 

CRUZ E SOUSA, UM COMBATENTE

A maior homenagem que se pode prestar a um poeta e conhecer-lhe a obra. Os poemas que são lidos e sentidos mantém vivo quem os escreveu. A verdadeira poesia resiste ao passar dos anos, e com isto quem a escreveu cumpriu sua missão.
Se todos concordassem com as proposiçoes acima, não haveria que perder tempo com argumentos, era tratar de ler e reler, difundir e aprofundar a obra de Cruz e Sonsa, tanto a poesia como a prosa, fazer com que se torne conhecido e amado, por nossOS coetâneos e pelos pósteros.
Mas esta grande voz, uma das maiores de nossa literatura, continua pouco conhecida e cobra-se do Poeta atitudes e posições que seriam proprias (se as julgarmos apropriadas) dos tempos atuais.
Fica assim demonstrada uma grande ignorância de sua vida, sua obra e da história de nossa pátria.
Indaga-se por que Cruz e Sousa não escreveu versos abolicionistas, por que não foi um Castro Alves. Dá vontade de responder, acacianamente, que ele não foi um Castro Alves porque era Cruz e Sousa. Só que ele tentou ser um Castro Alves; durante a campanha abolicionista, da qual participou ativamente não só no Desterro como em outros pontos do Brasil, compôs versos de aprendiz á moda condoreira. Contudo, artista de verdade, sabia que a boa intenção não salva a forma frouxa, e deixou-os na gaveta.
Publicou, no entanto, "Consciência tranqüila", conto magistral e mordaz que mostra toda a deformacão da sociedade escravagista.
Mas é bom que se diga que a maior contribuição que Cruz e Sousa deu à luta dos
negros foi o fato de não aceitar a divisão das pessoas pela cor da pele ou pela conta no banco. Se nossa santa cidade tanto demorou a aceitar a glória de seu mais ilustre filho não foi por ele ser negro, mas por ser "um negro que não conhecia seu lugar", que criticava as mazelas sociais, lutava contra administraçoes inoperantes ou corruptas, ou com os dois adjetivos.
Na Capital Federal, recém-proclamada a República, vai ter a desilusão de ver tudo muito igual à sua terra. De novo um pequeno grupo de amigos o ampara e incentiva, mas em torno campeia o preconceito, o desprezo, a chacota.
Muito pouco publicou em vida; Nestor Vítor, o amigo dileto, encarregou-se de selecionar os trabalhos que vieram à luz postumamente. Não incluiu alguns poemas muito belos como "Crianças Negras . Por quê? Não creio que fosse preconceito, para ele Cruz e Sousa era o grande simbolista, sem restrições, selecionava segundo padrões estéticos, considerava a melhor resposta aos que condenavam o Poeta pela cor passar além do preconceito e do conceito. Mesmo porque a verdadeira superação do racismo não é o anti-racismo, necessária etapa de reação, mas o não-racismo.
Volto agora ao que disse numa conferência de 1962, por ocasião do primeiro centenário do nascimento de Cruz e Sousa, e que consta, ao lado das demais do ciclo, do volume Interpretações:
"Que pensaria Cruz e Sousa do mundo de hoje, em que representantes negros vêm-nos visitar, envergando hieráticos e orgulhosos seus trajes coloridos, tão indiferentes ao figurino europeu? Em que a personalidade de um Patrice Lumumba, revolucionário, poeta e mártir, está no coração de todos os homens livres da terra?
"Cruz e Sousa é a expressão artística e emocional de uma determinada conjuntura, que, sob muitos aspectos, permanece até hoje. Seu grito e sua mensagem ainda estão silenciados em volumes escassos e envergonhados, que nem aos que sabem ler alcançam. Não podemos, num país em que os meios de difusão sofrem o controle de umas poucas empresas, confundir popularidade com sentido popular. Levemos seu canto a todas as sensibilidades. Não será o primeiro a falar para os pósteros.
"Sim, para nós Cruz e Sousa está falando, a pedir justiça para ele e outros como ele. E, quando todo o drama que viveu já for passado, ainda estará ele falando às gerações vindouras, na linguagem do humano, do sensível e do autêntico, na linguagem sempre heróica daquele que faz suas as dores do mundo e universais suas próprias dores, no idioma imortal da arte realizada".
Salvo o fato de que já existem boas edições da obra (embora em tiragens pequenas e mal distribuídas) e mais pessoas se dediquem a divulgá-la, nada a retocar no que foi dito.
E no mais, é ler o Poeta, deixar que sua arte nos penetre os ossos e sacuda a mornice que muita vez ameaça nossas vidas. E que fazer em agradecimento? Agora, quem sabe, contribuir para que no futuro não seja mais verdade objetiva para tantas crianças o que Cruz e Sousa diz em seu poema "Meu filho":

Nesse ambiente de amor onde dormes teu sono
Não sentes nem sequer o mais ligeiro espetro..
Mas, ah! eu vejo bem, sinistra, sobre o trono,
A Dor, a eterna Dor, agitando o seu cetro!


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