GRANDES MESTRES
DA POESIA
CRUZ E SOUSA
Tudo sobre o poeta, inclusive seus livros em versões integrais
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CEM ANOS DE SAUDADE
(Luiz Carlos Amorim)
A poesia catarinatem um nome:
Cruz e Sousa.
A nossa poesia tem cor:
tem a cor da sua pele,
a cor alva dos seus dentes,
tem a cor do seu olhar,
tem a cor da sua alma,
a cor do seu coração:
tem todas as cores.
A poesia tem idade,
a idade da saudade:
cem anos sem o poeta.
LEIA os textos abaixo clicando nos títulos:
Mais de Cem Anos sem Cruz e Sousa
Cruz e Sousa Ultrpassando Fronteiras
Um Pouco da Poesia de Cruz e Sousa
Broquéis - Estudo da obra de Cruz e Sousa
Faróis - Estudo da obra de Cruz e Sousa
Cruz e Sousa: Canto Próprio que remete à vida
A Cruz e Sousa em seu Centenário
Cruz Sousa: Novo modo de fazer poesia com Broquéis
Cruz e Sousa: Uma nova estética
Cruz e Sousa, por Virgílio Várzea
Cruz e Sousa: O estilo é o sol da escrita
Cruz e Sousa - Transgressão da forma e da norma
Cruz e Sousa Jornalista: A prosa de Cruz e Sousa
Desafio contra a ordem e o progresso
Lado elegante e sincero do poeta desterrado
Cruz e sousa: a existência e a transcendência
Obras Integrais do poeta:
Cruz e Sousa atravessou a vida num silêncio escuro. Errante, trêmulo,
triste e vaporoso, o negro e sublime poeta nascido na Desterro de 1861 suportou
o peito dilacerado com a convicção da glória.
O Cisne Negro não se amedrontou diante de austeras portas lacradas. Maldito
pela grandeza e pelo elixir ardente de versos capazes de arrebatar paixões
até a atualidade, quando se completam os cem anos de morte.
De pranto e luar, sangue e sensualidade, lágrimas e terra construiu uma
obra de estímulo às paixões indefiníveis. Mestre
do Simbolismo no Brasil, aliou genialidade a um meticuloso rigor. Celebrado
só depois de morto, o Poeta de Desterro foi um homem apaixonado, autor
de versos transcendentais que ganharam o mundo.
Ele via a perfeição como celeste ciência, mas não
saboreou a imortal conquista. Antes de morrer tuberculoso em Minas Gerais, em
19 de março de 1898, o poeta ensinou a alma palpitante, a fibra e sobretudo
que "era preciso ter asas e ter garras".(AN)
MAIS DE CEM ANOS SEM CRUZ E SOUSA
O ano de 1998 marcou o Centenário da morte do maior nome
da poesia catarinense de todos os tempos e um dos maiores, senão o maior
poeta simbolista do país: Cruz e Sousa.
João da Cruz e Sousa nasceu em Florianópolis, antiga Desterro,
em 24 de novembro de 1861 e morreu ainda jovem, aos 37 anos, em 1898, no Rio
de Janeiro.
O poeta era filho de escravos alforriados do Marechal Guilherme Xavier de Souza
que, além de emprestar o nome, possibilitou-lhe chegar ao Ateneu Provincial,
de onde saiu professor e jornalista, e a incursão pelo meio intelectual
da provincia.
Em 1877, subia aos palcos para recitar seus poemas, com a elegância que
lhe era peculiar. Sua cor, no entanto, causava antipatia: era negro. Como jornalista,
escreveu para vários jornais e publicações culturais alternativas,
como "Colombo", que ele próprio fundou em 1881, aos 20 anos.
O preconceito sofrido na província, no entanto, fez com que procurasse
um meio de deixar a ilha. Integrou-se à Cia. Dramática Julieta
dos Santos e com o grupo percorreu todo o Brasil. Ao conhecer o Rio, em 1890,
decidiu lá ficar. Conviveu com grandes nomes da literatura brasileira
da época, como Raul Pompéia, Olavo Bilac e Coelho Neto. Trabalhou
em vários jornais e publicou seus dois primeiros livros, "Missal"
e "Borquéis", num mesmo ano, 1893. Nesse ano, também,
casa-se com Gavita.
Depois do lançamento dos dois livros, a editora do poeta fecha as portas
e ele cai no esquecimento. O que não quer dizer que não tenha
continuado produzindo, pois consegue concluir "Evocações"
e "Faróis", apesar de não poder vê-los publicados.
O primeiro, saiu no mesmo ano da morte do poeta, em Minas e o segundo saiu dois
anos depois.
A obra de Cruz e Sousa, de uma genialidade indiscutível, só foi
reconhecida postumamente. A vida particular do poeta, marcada pela injustiça
e pelo preconceito, foi trágica, desaparecendo a família toda
vítima de um mesmo mal, a tuberculose.
Não foi um homem rico, senão de idéias.
Cruz e Sousa, poeta catarinense, merece o tributo da sua gente, pela sua obra
a projetar o nome do nosso Estado em âmbito nacional.
No ano de 1998, a Comissão Estadual do Centenário da Morte de
Cruz e Sousa, criada por decreto governamental de 5 de agosto de 98, organizou
um programa que pretendia fazer com que o Brasil todo passe a conhecer a beleza
e o significado da poesia e da prosa deste catarinense que não teve em
vida o reconhecimento que merecia, difundindo a sua obra entre todos o brasileiros,
pelas mais diferentes formas e meios, como cinema, imprensa, tv, teatro, etc.
Fez parte da programação uma sessão solene do Senando Federal,
no dia l9 de março, data que assinala a morte de Cruz e Sousa.
Também fez parte o apoio da Comissão Estadual ao projeto do documentário-ficção
"Cruz e Sousa, o poeta de Desterro", do catarinense Sylvio Back, filme
concluído no início deste ano de 99.
A fundação Catarinense de Cultura realizou a exposição
"Leitura Visual da Poética de Cruz e Souza", a inaugurada no
Masc no dia 19 de março de 98.
E foi exibido o filme "Alva Paixão", em escolas do Estado .
CRUZ E SOUSA JORNALISTA
Cruz e Sousa praticou essencialmente um jornalismo cultural que
era também crítico. Depois de "O Colombo", publica regularmente
na "Tribuna Popular". "Como este jornal desapareceu da Biblioteca
Pública, pode-se ainda estudar Cruz e Sousa como jornalista na coleção
do semanário 'O Moleque', que ele dirigiu por seis meses", acrescenta
Zahidé, lembrando que o poeta "não tinha medo das palavras
e usava-as com vigor contra as injustiças sociais".
"O Moleque", publicado durante um ano (1884 a 85), era um períodico
de formato pequeno, ilustrado litograficamente. Com humor, sátiras e
caricaturas, criticava os costume e a política. Com passagem em inúmeros
outros jornais da crítica brasileira, R. Magalhães Júnior,
seu biógrafo mais apurado, destaca os pseudônimos do poeta na imprensa
brasileira: Felisberto, Filósofo Alegre, Coriolano Scévola, Habitué,
Zé K. e Trac.
Cruz e Sousa já era moderno, antes de ser eterno. (JL)
SUA POESIA PARA O MUNDO
Fenômeno simbolista alcança reconhecimento. Poemas
são traduzidos e publicados em diversos países. Recentemente foram
editados na China
Cruz e Sousa já foi traduzido e publicado em pelo menos em oito idiomas.
A internacionalização da poética começou logo depois
de sua morte. A primeira manifestação sobre a grandeza do trabalho
foi publicada na revista "El Mercúrio de América". Trata-se
de uma conferência proferida em 1899 em Buenos Aires, na Argentina, pelo
poeta boliviano Ricardo Jaimes Freyre.
O estudioso brasileiro Andrade Muricy, na apresentação de "Obras
Completas", escreve que, em 1899, em Buenos Aires, líderes do Modernismo
hispano-americano interessavam-se vivamente pelas "Evocações"
de Cruz. "Ruben Dario, tão pessoal, por sua vez foi contagiado.
Alguns de seus poemas mostram o cunho indisfarçado do vocabulário
e da temática Cruz e Sousa", escreve Muricy. Ainda na América,
o peruano Ventura Garcia Calderon comparou Cruz a Baudelaire "sem que o
mundo soubesse sobre o poeta, porque escrevia em português".
TRÍADE
Na história da poesia do Ocidente, o ensaio do sociólogo
e crítico francês Roger Bastide define e situa o poeta de Desterro,
incluindo-o na tríade composta ainda por Mallarmé e Stefan George.
Em recente estudo publicado pela Biblioteca Folha, Tasso da Silveira lamenta
que no Brasil "é preciso que o estrangeiro nos venha dizer, surpreso,
que em nós encontrou algo de surpreendente e admirável. Sem o
que não acreditaremos nunca".
A ILHA E CRUZ E SOUSA: POESIA NA RUA
O Grupo Literário A ILHA completou, no mês de junho de 2000, 20 anos de existência e persistência, um trabalho ininterrupto na criação e manutenção de novos espaços para a divulgação da obra de escritores da terra, do estado e do país. E comemorou seu aniversário colocando a poesia de Cruz e Sousa na rua, com uma edição especial do PROJETO POESIA NA RUA, que consiste em três out-doors com trechos de poemas do maior poeta catarinense, exibidos nas principais cidades catarinenses. A poesia do nosso poeta maior merece ser conhecida e lida e o objetivo do Grupo A ILHA é popularizar a poesia. E quem mais merece este espaço criado pelo Grupo A ILHA do que o maior representante do simbolismo na poesia brasileira? E o Grupo Literário A ILHA, continuando com a sua programação de aniversário no ano de 2000, iniciado com o Projeto Poesia na Rua, participou da Feira do Livro de Florianópolis com uma Sanfona Poética só com poemas de Cruz e Sousa e com um número extra do Suplemento Literário A ILHA, todo ele sobre o poeta catarinense, abordando sua vida e obra. O objetivo é o mesmo do Projeto Poesia na Rua: fazer com que a poesia do grande poeta simbolista seja mais lida e conhecida no seu Estado. Também o Projeto POESIA NO SHOPPING de setembro será montado com poemas de Cruz e Sousa e estará sendo exibido na Feira.
FILME SOBRE CRUZ E SOUSA É VENCEDOR
O filme "Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro", de Sylvio
Back, foi um dos grandes vencedores da competição do 29º
Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, em Portugal, que começou
dia 7 de setembro de 2000 e terminou dia 17. Figueira da Foz é o mais
importante festival de cinema de Portugal. O Festival Internacional de Cinema
da Figueira da Foz, balneário a cerca de 200 quilômetros ao norte
de Lisboa, próximo a Coimbra, reune distribuidores e exibidores não
só de Espanha e Portugual, mas de todos os países africanos de
língua portuguesa. "Estou muito feliz em poder mostrar 'Cruz e Sousa
- O Poeta do Desterro', que biografa o maior poeta negro da língua portuguesa,
para a crítica e compradores de filmes da África que falam
a nossa língua", ressalta Back. "Cruz e Sousa O Poeta
do Desterro é a reinvenção da vida-obra-e-morte do
poeta catarinense João da Cruz e Sousa (1861-1898), fundador do Simbolismo
no Brasil e cuja obra marcou toda a poesia brasileira do século 20. Através
de trinta e quatro "estrofes visuais" que dramatizam poemas e cartas
como mote narrativo, o filme acompanha as arrebatadoras paixões e o emparedamento
social, racial e intelectual de Cruz e Sousa.
CRUZ E SOUSA ULTRAPASSANDO FRONTEIRAS
Por Luiz Carlos Amorim
Os meios de comunicação, em Santa Catarina, notadamente os jornais, publicaram matérias, até suplementos especiais, sobre o maior poeta simbolista do Brasil e o maior poeta catarinense, Cruz e Sousa, quando da passagem do Centenário de sua morte. Mas os eventos comemorativos do centenário passaram e só voltaram a falar novamente dele, quando foi lançado, no início de 2000, o filme "Cruz e Sousa, o Poeta do Desterro", de Silvio Bach, mesmo assim superficialmente.
Recebemos uma edição especial do Suplemento Literário de Minas Gerais e qual não foi nossa surpresa, quando nos deparamos com metade da edição - 18 páginas - dedicada o Cisne Negro. Lá está uma entrevista de cinco páginas, com o diretor Silvio Back, falando sobre o seu filme "O Poeta do Desterro". Uelinton F. Alves, em "Espelho de uma existência" também fala do cineasta e do seu filme, por conseguinte do poeta Cruz e Sousa. Ivone D. Rabelo, em "A Beleza Envenenada" também faz uma leitura da obra de Silvio Back sobre Cruz e Souza. Até um artigo de um tradutor americano, Steven F. White, que legendou o filme para ser exibido nos Estados Unidos está nesta edição do Suplemento Literário, falando da sua experiência em conhecer Cruz e Sousa: "Desexílio em Inglês". E tem ainda "A metafísica do sofrimento" de Ivan Teixeira, ensaio sobre a leitura e interpretação da obra de Cruz e Sousa. E é claro que há, também, poemas do poeta do Desterro em português, inglês e francês. É bom ver que o filme que mostra a vida e a obra do grande poeta negro está sendo visto por todo o Brasil e inclusive no exterior e, o que é melhor, está chamando atenção e provocando reações, tornando a poesia de Cruz e Sousa conhecida, apreciada e valorizada.
Um livro com o roteiro do filme "Cruz e Sousa, o Poeta do Desterro", de Sylvio Back, o longa-metragem sobre o poeta catarinense que se tornou o representante maior do simbolismo no Brasil e que está fazendo muito sucesso no exterior, tendo já ganhado prêmios internacionais, foi lançado, recentemente, em Florianópolis. A edição traz o roteiro em três idiomas, além do português: inglês, espanhol e francês. A idéia da publicação deste livro surgiu antes mesmo da finalização do filme, devido à preocupação de Back quanto a futuras transposições para outras línguas. Por se essencialmente baseado na obra poética de Cruz e Sousa, ele temia que a sonoridade e o significado dos textos se perdessem nas traduções, o que não raro acontece. O diretor acredita que esta publicação tem um motivo ainda maior: "Ela se transforma em peça indispensável para a planetarização da obra do poeta. Cruz e Sousa nunca foi tão longe das fronteiras de Santa Catarina."
Por Luiz Carlos Amorim
Comentamos, em outra crônica, o fato de que nossos leitores
em formação, e até os adultos, não raro, não
sabem quem foi Cruz e Sousa. Até aqui mesmo em Florianópolis,
berço do grande poeta. Realizou-se uma pesquisa entre adultos e crianças
em idade escolar para se saber o quanto conhecemos o maior poeta da terra e
houve até quem respondesse que se tratava de nome de rua.
Então, numa das últimas feiras do livro eu me deparo com o livro
"Cruz e Sousa - Além do horizonte da Poesia", de Sérgio
Mibielli. Um pequeno-grande livro, de quarenta e quatro páginas, feito
para o público infanto-juvenil, mas que pode e deve ser lido por leitores
de todas as idades.
A editora é a Papa Livro, daqui mesmo de Florianópolis. O livro
tem uma apresentação impecável, com ilustrações
coloridas e fartas, numa linguagem clara e objetiva. O autor, dando voz à
Fada Poesia, em tom coloquial, quase poético, conta a história
do nosso João da Cruz e Souza, desde o seu nascimento até a sua
morte, mostrando trechos da sua poesia. Um dos poemas de Cruz e Sousa que estão
no livro é "Pátria Livre", um hino de amor à
liberdade e à igualdade dos seres humanos: "Nem mais escravos e
nem mais senhores! / Jesus descendo as regiões celestes, / fez das sagradas,
perfumosas vestes / um sudário de luz p´ra tantas dores. // A terra
toda rebentou em flores! / E onde haviam só cardos e ciprestes, / onde
eram tristes solidões agrestes / brotou a vida cheia de esplendores.
// Então Jesus que sempre em todo o mundo / quis ver o amor ser nobre
e ser profundo, / falou depois a escravas gerações: // - Homens!
A natureza é apenas uma... / Se não existe distinção
alguma / por que não se hão de unir os corações?"
Como diz a narradora do livro, a Fada Poesia, "Joãozinho, meu afilhado,
amava a beleza e sua alma iria transbordar poesia por toda a vida."
Fiquei muito feliz por ver que finalmente existe uma obra que conta a história
do maior poeta simbolista do Brasil de maneira cativante e atraente, para que
nossos leitores em formação saibam, desde cedo, quem ele foi e
sintam curiosidade de ler a sua poesia. Com a batuta os professores do primeiro
e segundo graus, que precisam conhecer a obra para apresentá-la aos seus
alunos.
UM POUCO DA POESIA DE CRUZ E SOUSA
AMOR
Nas largas mutações perpétuas do universo
O amor é sempre o vinho enérgico, irritante...
Um lago de luar nervoso e palpitante...
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.
Não há para o amor ridículos preâmbulos,
Nem mesmo as convenções as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctâmbulos
à fresca exalação salúbrica das flores...
E somos uns completos, célebres artistas
Na obra racional do amor -- na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sábios transformistas.
Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!...
ACROBATA DA DOR
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
(De "Broquéis")
O ASSINALADO
Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...
Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!
(De "Últimos Sonetos")
GRANDE AMOR
Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça...
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.
Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.
Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido...
Selo perpétuo, puro peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.
(De "Últimos Sonetos")
ANTIFONA
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádicas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos,
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
(De "Broquéis")
BOCA
III
Boca viçosa, de perfume a lírio,
Da límpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assírio.
Boca para deleites e delírio
Da volúpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arranjos na amplidão do Empírio.
Boca de Ofélia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos...
Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tóxicos secretos...
(De "Faróis")
1861
Nascimento do poeta em 24 de novembro, Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis.
Filho do escravo mestre-pedreiro Guilherme e da escrava liberta, Carolina Eva
da Conceição, negros puros.
1869
Ingresso na escola pública, depois de receber as primeiras letras de
dona Clarinda Fagundes de Souza, mulher do marechal Ghilherme Xavier de Sousa,
em cuja casa o poeta foi criado.
1871
Matrícula no Ateneu Providencial Catarinense, onde lecionava o alemão
Fritz Müller. Cruz e Sousa estudou com distinção grego, latim,
inglês, francês, português, matemática e ciências
naturais.
1881
Fundação, com Virgílio Várzea e Santos Lostada,
do jornal literário "Colombo". Viagem ao Rio Grande do Sul,
de navio, acompanhado a Companhia Dramática Julieta dos Santos, como
ponto teatral.
1884
Nova viagem ao Norte do país. Aclamações abolicionista
ao poeta na Bahia. Em 1885 publica o livro de poemas em prosa "Tropos e
Fantasias" em parceria com Virgílio Várzea. Dirige o jornal
"O Moleque".
1888
No Rio, entra em contato com Luís Delfino, B. Lopes e Nestor Vítor.
Este tornar-se mais tarde grande amigo, admirador e editor do poeta. Leituras
de Edgar Allan Poe e de alguns simbolistas europeus.
1888
Abolição da escravatura. Durante estada no Rio, apresenta a José
do Patrocínio um livro de versos chamado "Cambiantes", que
não chegou a ser publicado. O livro continha poemas abolicionistas.
1890
Muda-se definitivamente para a capital federal, onde trabalha como noticiarista
da revista "A Cidade do Rio de Janeiro". Leitura de Mallarmé.
Colabora na "Revista Ilustrada" e no jornal "Novidades".
1891
No dia 18 de setembro, à porta de um cemitério de subúrbio,
Cruz e Sousa conhece Gavita Rosa Gonçalves, seu grande amor. Gavita é
uma costureira negra que se criara em casa de um médico de posses.
1893
Publicação de "Missal", prosa, em fevereiro, e "Broquéis",
poemas, agosto, pela Magalhães e Companhia. Em dezembro casa-se com Gavita
e é nomeado praticante de arquivista na Central do Brasil.
1891
O nascimento do primeiro filho marca o começo das grandes dificuldades
financeiras. Finda o mandado de Floriano Peixoto. Em novembro toma posse o primeiro
presidente civil, Prudente de Moraes.
1896
Morte do pai em Santa Catarina, com cerca de 90 anos. Loucura da mulher, no
Rio. Em meio a extremas dificuldades, compõe os poemas de "Faróis"
e a prosa poética de Evocações.
1896
"Evocações" só é publicado após
sua morte. Fundação da Academia Brasileira de Letras, da qual
Machado de Assis seria o primeiro presidente e para a qual o nome de Cruz nem
seria cogitado.
1897
A tuberculose ataca Cruz e Sousa no final do ano. Em meio à doença,
à pobreza e ao desamparo social, o poeta compõe "Últimos
Sonetos", publicados em 1905, em Paris, pelo amigo Nestor Vítor.
1898
A idéia da morte assombra o poeta, contaminando os seus últimos
poemas. Em 15 de março, em busca de saúde, parte com Gavita grávida
para Sítio, em Minas. Os três filhos ficam no Rio.
1898
Três dias após a chegada, o poeta morre, em 19 de março.
Antes de partir para Sítio, o poeta entrega a Nestor Vítor os
originais de três livros: "Evocações", "Faróis"
e "Últimos Sonetos".