GRANDES MESTRES DA POESIA
CRUZ E SOUSA
CRUZ E SOUSA: UMA NOVA ESTÉTICA
Na obra de Cruz e Sousa há uma inadequação da linguagem à realidade, base da literatura moderna.
Que Cruz e Sousa foi uma exceção no panorama literário
brasileiro do século 19, poucos ousam discordar. Mas afinal, quem foi
esse João? Qual o sentido e o significado de sua obra? A estas questões,
ao longo destes cento e tantos anos desde o seu falecimento, surgiram variadas
interpretações. Uma delas é a definição clássica,
de que ele é um simbolista.
Existe uma corrente que quer vê-lo como pré-modernista. Isso seria
reduzir a complexidade da obra de Cruz e Sousa a alguma expressão do
Modernismo. Como se ele precisasse de alguma coisa a mais para valorizá-lo,
como se ele fosse servidor de uma outra estética. Ele cumpriu plenamente
a estética a que se propôs, não ficou devendo nada a outras.
Afirmação do professor Antonio C. Sechin, que também acha
que todo o grande autor sempre dialoga com o moderno, com os contemporâneos.
Na sua formação como poeta, ainda no Desterro, o catarinense foi
um romântico, foi um realista e foi um parnasiano, ou pelo menos tentou
sê-los.
Não podemos fingir que ele não foi um simbolista. Ele foi um simbolista
e alguma coisa além. O professor define o Simbolismo como um estado de
estranhamento com a realidade, em contraponto ao Parnasianismo, que era a euforia,
a adequação da palavra à realidade. Em Cruz e Sousa, há
um desconforto, uma inadequação da linguagem à realidade.
É um filão, um caminho que boa parte da poesia moderna trilhou.
A base é a mesma, a solução é diferente.
O poeta catarinense procurava através de sua poesia, o autoconhecimento.
Por meio do poeta Cruz e Sousa, ele buscava a legitimação social,
o resgate e a dignificação do João, explorando o mundo
da cor, da sexualidade, da miséria e do lugar social. No entanto, Cruz
e Sousa não precisava do álibi de ser negro para ser poeta.
A questão do negro batia fundo no João, que a sentia na carne
ou na falta de carne à mesa, a tragédia da pobreza. Quanto ao
Cruz e Sousa, ele resolvia esse problema pela sua arte. Não há
condicionamento histórico, racial ou político que determine a
obra de Cruz e Sousa. Dezenas de pessoas passaram por isso - nasceram na escravidão
e receberam educação clássica - e não produziram
algo como ele.
AMBIÇÃO
Muitos estranham porque o criador do Missal e dos Broqueis,
ambos lançados em 1893, tenha sido solenemente esquecido quando da fundação
da Academia Brasileira de Letras, por Machado de Assis, negro como ele, em 1896.
É que eles eram de grupos diferentes. Machado de Assis, na época,
era um escritor consagrado nacionalmente e cultuava uma amizade estreita com
os parnasianos, como Olavo Bilac. E de certa forma, encarava o grupo dos simbolistas
como apenas um grupo de jovens loucos. Cruz e Sousa era ambicioso e buscava
a sua ascensão como uma espécie de presidente de uma Academia
imaginária, metafísica, composta por seus amigos fiéis
e seguidores, à frente o paranaense Nestor Vítor, a quem devemos
a perpetuação de sua obra.
O professor Antonio atribui as dificuldades que Cruz e Sousa enfrentou para
sobreviver a sua condição de poeta. Ele era visceralmente poeta.
Cruz e Souza praticava a religião do verbo e não da verba, e essa
religião paga pouco e exige muito.
Cruz e Sousa estava à contracorrente da tendência materialista
e cientificista que dominou o modo de percepção ocidental a partir
de 1880, marcado pelo Realismo, Positivismo e Evolucionismo. Cruz e Souza não
entrava no circuito da época por sua obra ser considerada algo bizarra,
uma excentricidade. Mas o seu culto ao vocabulário mais refinado representa
uma consciência mais elitista e superior da Arte e do artista, em um choque
com o pragmatismo dos parnasianismo e dos realistas.
Talvez isso se explique porque o Simbolismo foi o único movimento literário
que coexistiu em permanente briga com outro. O Simbolismo não tomou o
trono por decrepitude do movimento ou do estilo que o precedeu.