GRANDES MESTRES DA POESIA

 

CRUZ E SOUSA

CRUZ E SOUSA: TRANSGRESSÃO DA FORMA E DA NORMA


Há quase sem anos, Olavo Bilac, o poeta parnasiano brasileiro por excelência, redimia-se com o soneto acima perante o negro catarinense Cruz e Sousa, ao quebrar a unidade antiga do verso, havia criado algo de novo na literatura nacional. E a critica, por ser retrógrada, por agir a partir do tempo passado. só foi reconhecer isto após a sua morte.
Morto Cruz, o ensaísta Silvio Romero escreve em 1900 que "nele acha-se o ponto culminante da lírica brasileira após 400 anos de existência". O professor e Gilberto Mendonça Telles, da PUC do Rio de laneiro, chama a atenção para uma coincidência de datas. Cruz e Sousa e Mallarmé morreram em 1898. Mallarmé foi chamado por Roland Barthes de "o HAMLET da literatura ocidental", ou seja, querendo dizer que depois dele só restava o silencio. Com Cruz e Sousa é o mesmo. Ele assimilou a poética parnasiana e, por força de sua personalidade criadora, inventou uma linguagem, um ritmo, um significado diferente do que existia", afirma.
Para Telles, que faz distinção entre a obra em prosa e em verso do poeta, Cruz e Sousa não só produziu de uma maneira diferente da sua época, como foi o mais completo e um estudioso da poesia, ao pegar a métrica e infundir-lhe uma substância poética inovadora "Cruz construía versos com palavras isoladas, com substantivos, em ritmo ternário, o que provocou um efeito corrosivo na poética daqueles anos. O que ele criou está na 1 base da literatura moderna brasileira. Antes de morrer, em 1918. Bilac assimilou o seu estilo, descobriu a fraturação do universo, e como que se desculpando pelo que ele podia ter feito pelo Cruz e não fez, na época, escreveu o poema Diamante Negro em sua homenagem", diz o professor.
Segundo ele, Cruz e Sousa transformou o rígido soneto parnasiano em um polichinelo,
quebrando-o e contorcendo-o como um boneco. Em seu ensaio de 1993, Do Polichinelo ao Arlequim (em A Escrituraçãoda Escrita - Teoria e prática do texto literário, Editora Vozes),
Gilberto Mendonça Telles demonstra que Mário de Andrade em seu Prefácio Interessantíssimo adotou, embora sem dar crédito, a enumeração da poesia de Cruz e Sousa. "Mário começa o Modernismo chupando Cruz e Sousa. Mesmo que não admitam, a originalidade de Cruz foi incorporada pelos modernistas. A enumeração agradou tanto que se transformou no verso moderno, e isso foi criado por Cruz e Sousa, ressalta Mendonça /Telles, acrescentando que retringir o poeta catarinense ao Simbolismo é sufoca-lo a um movimento que é maior que sua época. Ele é muito maior que seu tempo, e continua a emitir sinais poéticos ainda hoje, coisa que não acontece com outros poetas.
Em 1923, Mario de Andrade adquiriu o volume das Obras Completas de Cruz e Sousa, editado por Nestor Vitor e fez varias anotações. Eis algumas delas: "O poeta é escravo das associações. Tem moto lirico, inicial (e termina) sob o impulso ondulado das rimas. Enumerações de Bilac - um verdadeiro precursor do dadaísmo - atingindo o impressionismo mais destrutivo, por meio de sueessões de ideais que se ligam não mais por meio de inteligência, mas mais por associações, muitas vezes totalmente subconscientes e pessoais. As idéias nascem das rimas e daí muitas vezes um imprevisto delicioso, desconcertante, eminentemente impressionista e destrutivo também. .As enumeracões de Bilac já embrionárias, ou antes subconscientes, vêm nos versos de Cruz e Sousa".
E numa carta a Manoel Bandeira, de 1924, Mário confessa ter sido "reacionário contra o simbolismo. Hoje não sou. Não sou mais modernista. Mas sou moderno, como você. Hoje eu já posso dizer que sou também um descendente do simbolismo. O moderno evoluciona". O professor Telles identifica o poema "Marche aux flambeaux", do "Livro Derradeiro", como o cordão umbilical que liga o simbolismo à linguagem irônica e humorística dos primeiros tempos modernistas. Esse grande poema de Cruz e Sousa, apesar de sua alegoria, de todo um sentido de carnavalização, não temos dúvidas em ver como um verdadeiro manifesto estético e político contra a sociedade brasileira do fim do século. Nesse poema domina a sátira ao burguês, que é igualado aos animais numa grande marcha noturna, com archotes e gritos e urros penetrando na história... do Brasil.


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