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Política e Trabalho 12 - Setembro / 1996 - pp. 61-103


QUALIDADE E PRECARIZAÇÃO: Organização da Produção e Gestão do Trabalho no Setor do Vestuário(1)

Jacob Carlos Lima (2)


Este trabalho estuda as mudanças e permanências representadas por processos de modernização em setores industriais cuja competitividade é diferenciada segundo o mercado consumidor. Analisa o discurso da "qualidade total" vinculado tendencialmente a processos de flexibilização da produção e mudanças na gestão da força de trabalho, frente à pratica cotidiana do chão de fábrica em indústrias fortemente diferenciadas, seja em tamanho, valor da produção, emprego, processos e produtos. Foram pesquisadas três indústrias do setor do vestuário na Paraíba procurando recuperar os processos implementados, o discurso subjacente à modernização e as - quando existentes - políticas de gestão.

Resulta de pesquisa desenvolvida com apoio do CNPq durante o ano de 1995 que implicou em visitas às fabricas selecionadas, aplicação de um questionário a uma amostragem do conjunto de operários empregados no setor e entrevistas em profundidade com operárias.

Os dados apontaram para a convivência de formas de gestão agora sob o domínio do que chamaremos de ideologia da qualidade. Ideologia esta com significados diferenciados que vão dos processos de terceirização e flexibilização da produção ao estabelecimento de padrões tayloristas de controle de tempos e movimentos. O discurso da qualidade passa a ser sinônimo de modernização independente das mudanças que acarreta. Para os trabalhadores, quando as mudanças são efetivamente implementadas, junta-se a dubiedade da maior participação "virtual" no processo de trabalho, com a sua intensificação e manutenção dos baixos salários. O desemprego não chega a ser uma ameaça nova numa região tradicionalmente caracterizada por seu caráter estrutural.[fim da página 61]

A Indústria do Vestuário na Paraíba

Uma das características da indústria do vestuário é a sua heterogeneidade, de produtos, de processos industriais, de mercado consumidor, além de não exigir grande aporte de capital para a entrada no setor. Isso resulta na existência de uma infinidade de pequenas e médias empresas voltadas a parcelas do mercado, enfrentando grande competitividade que exige mudanças permanentes ditadas pela moda e ciclos sazonais de produção. O setor têxtil e do vestuário se constituem de forma complementar, com a substituição progressiva do trabalho artesanal. Desde grandes indústrias de fiação e tecelagem produzindo roupas e material de vestuário, fábricas de tamanhos e produção variadas até pequenas oficinas de costura.

Em termos tecnológicos, a multiplicidade de tecidos utilizados e a dificuldade de seu manuseio dificultam a automação industrial fazendo com que a base da produção esteja fundada na relação máquina de costura/operador. Grandes indústrias atendem amplos mercados estandartizados onde as variações são menores em termos de moda. Nas demais, a tendência é a terceirização da produção já que pressupõe uma grande flexibilidade nas várias etapas da produção, havendo separação nítida de processos. Dessa forma, o processo de criação de modelos que acompanha tendências da moda em termos de estilo, design e mesmo corte e modelagem, desvinculam-se do processo de costura propriamente dito, podendo ser realizados por diversas confecções ou por costureiras faccionistas. Um exemplo típico, em escala mundial é a Benneton, que praticamente não dispõe de fábricas, ficando apenas com o processo de criação de modelos e marketing da marca, encomendando o produto final a fábricas diversas, estabelecendo, contudo, especificações, prazos de entrega, etc.

A utilização de mão-de-obra na produção é intensiva, dada ainda à baixa automação do setor, assim como o baixo custo da força de trabalho. O trabalho de costura raramente é considerado qualificado. Normalmente, trata-se de uma habilidade adquirida em casa, como tarefa feminina na administração dos custos de reprodução da força de trabalho, ou na realização de cursos de pequena duração. O processo de trabalho nas fábricas possibilita grande parcelização, sendo que nem todas costureiras dominam o processo de corte de modelagem, apenas a elaboração de tarefas específicas na máquina. Para a trabalhadora, saber costurar, ajuda domesticamente, [fim da página 62] não apenas no cuidado das roupas do grupo familiar, mas através de bicos que garantem uma suplementação de ganhos.

Historicamente, a indústria do vestuário no Brasil teve um papel de destaque no processo de industrialização brasileiro. Abreu (1986) utilizando-se dos dados censitários de 1920 aponta que o setor representava 14,9% dos estabelecimentos, 10,7% do pessoal ocupado na indústria, em terceiro lugar em termos valor da produção ficando atrás apenas da indústria alimentícia e têxtil, situação que se modificou no censo de 1940 com a progressiva diversificação industrial do país. Entretanto o setor de calçados foi dominante até os anos 70 quando é superado pela massificação da produção industrial de roupas, principalmente as femininas.

As regiões Sudeste e Sul concentravam, em 1994, 83,7% da produção nacional, e o Nordeste apenas 10% (3), mesmo considerando políticas de incentivos estatais para essa indústria que logrou até agora um grande crescimento no Ceará e, em menor escala, em Pernambuco. O Ceará apresentou maior crescimento, não apenas quantitativo , transformando-se em grande centro produtor e promotor de moda nacionalmente, com grande estrutura de apoio governamental.

Segundo dados do SEBRAE o crescimento do setor nos últimos dez anos deveu-se basicamente a empresas micro e de pequeno porte, situação análoga a outras regiões do país, decorrente das sucessivas crises econômicas do período com fechamento de grandes empresas e demissões em massa, e a generalização do conceito de moda.

A Paraíba situa-se no quarto lugar, após Ceará, Pernambuco e Bahia tendo investido na comercialização através de shoppings de fábricas na capital e Campina Grande, com redução de custos para o consumidor final incentivando este consumo, em que pese os limites do mercado local (4). Em pesquisa realizada em 1991 o setor estava em terceiro lugar em termos de emprego industrial urbano (5).

As tabelas 1 e 3 demonstram o predomínio das pequenas indústrias e o período de fundação majoritariamente na década de 80. A cidade de Campina Grande concentra maior número de pequenas confecções, sendo em que João Pessoa estão as duas maiores - em termos de valor da produção e trabalhadores ocupados -, situação que se amplia se considerarmos o setor de calçados com grandes fábricas na capital. Se analisarmos dados de 1980, tabela 2, em termos de mão-de-obra ocupada, verificaremos o [fim da página 63] aumento de trabalhadores, considerando que temos em 1995, só na grande João Pessoa, 90% do pessoal ocupado no setor em todo o Estado (6).

TABELA 1
NÚMERO DE INDÚSTRIAS DO SETOR DE VESTUÁRIO
POR ANO DE FUNDAÇÃO E QUANTIDADE DE MÃO DE OBRA OCUPADA
EM JOÃO PESSOA, BAYEUX E SANTA RITA
(1992)

Grupos de Anos
de Fundação
até 10
empregados
de 11 a 30
empregados
de 31 a 50
empregados
de 51 a 100
empregados
100 e mais
empregados
sem informação
até 19850402--0102
198607-----
19870701---04
1988-02-01--
19890401---01
19901002---05
199117----11
TOTAL4906-010123

Fonte: Cadastro Industrial do Estado da Paraíba (FIEP) - 1992

[fim da página 64]

TABELA 2
PESSOAS ECONOMICAMENTE ATIVAS DE 10 ANOS OU MAIS
POR SEXO, SEGUNDO AS CLASSES DE ATIVIDADES
NA INDÚSTRIA DA TRANSFORMAÇÃO
(1980)

Classes de
Atividades
Sexo
TOTALHOMENSMULHERES
Minerais Não Metálicos10.2529.378874
Metalúrgicas2.7092.455254
Mecânicas39037812
Materiais Elétricos e
de Comunicações
46036199
Material de Transporte16715116
Madeira4.6154.58728
Domiciliares de
Artigos de Palha
1919695
Mobiliário2.7732.631142
Papel e Papelão926731195
Borracha30324954
Couros, Peles
e Similares
(Exclusive Artigos do
Vestuário e Calçados)
44039248
Químicas1.2191.096123
Derivados do Petróleo646004
Produtos Farmacêuticos
e Veterinários
22613888
Perfumaria, Sabões
e Velas
39131180
Produtos de Matérias
Plásticas
1.4161.030386
Têxteis15.5047.8577.647
Domiciliares Têxteis3.5245842.940
Vestuário1.9176631.254
Calçados1.5361.327209
Produtos Alimentares14.13212.1351.997
Bebidas1.171965206
Fumo13110328
Editoriais e Gráficas1.4591.180279
Atividades
Não Compreendidas
nas Classes Anteriores
ou Não Definidas
1.8891.396493
TOTAL67.80550.25417.551

Fonte: Censo Demográfico (IBGE) - 1980

[fim da página 65]

TABELA 3
INDUSTRIAS DO VESTUÁRIO E ARTEFATOS DE TECIDOS
GRANDE JOÃO PESSOA E CAMPINA GRANDE
POR DATA DE FUNDAÇÃO, NÚMERO DE OPERÁRIOS
LIGADOS A PRODUÇÃO E LINHA DE PRODUÇÃO
(1992)

CidadeIndústrias de Vestuário
e/ou Artefatos de Tecido
Data de
Fundação
Número de
Operários
Ligados à
Produção
Linha de
Produção
Bayeux01L.C.R. Ind. de
Confecções S/A
06/07/87120 (7)Confecções
em Geral
Cabedelo01Ind. de Artef. de
Couro Tropical Ltda.
24/10/8407Bolsas,
Cintos
02Ma Nóbrega
S. Azevedo
01/11/8310Confecções
em Geral
C. Grande01Cirne Confecções
Ltda.
11/01/9018Confecções
de Malhas
02Confecções Almeida
Muniz Ltda.
27/07/8210Blusas, Bermudas,
Calças, Camisas,
Shorts
03Confecções Patrícia
Ltda.
27/04/9016Camisas
04COTECIL - Couro
Técnico Industrial Ltda.
11/03/68150Calçados em Geral,
Luvas, Aventais,
Mangas
05Dijuan Ind. e Com.
de Confecções Ltda.
09/09/8717Camisas, Calças,
Blusas, Bermudas,
Saias
06Dublano Colagens
Industriais Ltda.
20/06/8620Colagens em Espuma,
Tecido e Plástico
07Gypsy Conf. e
Criações Ltda.
18/06/8222Confecções
08Ind. Com. Confec.
Polo Ltda.
25/03/9128Camisas
09Led's Confecções Ltda.21/10/8121Confecções Masc. E
Fem. em Geral,
Confecções Infanto-Juvenil
10Napy Charara
Confecções Ltda.
14/09/9012Roupas
Íntimas
11Ramyl Confecções Ltda.17/07/8112Confecções em Geral,
Cintos, Bolsas
12R.C. Industrial
Conf. Ltda.
18/04/9017Camisas
13Regina Coely
Araújo
04/05/8816Camisas
14Sobreira Motta
Ltda.
10/07/9013Camisas
15Synyê Ind. Com.
Conf. Ltda.
22/09/9227Blusas, Calças,
Saias
16VIPEX Confecções S/A15/06/6744Calças, Camisas
17XAM10 Comércio de
Confecções Ltda.
08/03/8925Blusas, Bermudas,
Saias, Calças,
Shorts Unissex Adulto,
Macacões
João Pessoa01B&J S/A Artefatos
de Couro
30/06/8883Bolsas, Pastas,
Cintos, Carteiras
02Beach Ind. Com.
e Conf. Ltda.
02/08/8527Roupas de Banho
03Celta Conf.
Elza Ltda.
18/02/8210Conf. Infanto-Juvenil,
Conf. Masc. e Fem.
04D'Pele Confecções
Ltda.
05/04/9018Roupas de Banho
05Him's Indústria e Comércio
de Confecções Ltda.
30/09/8912Confecções em Geral,
Roupas Profissionais

[fim da página 66]

CidadeIndústrias de Vestuário
e/ou Artefatos de Tecido
Data de
Fundação
Número de
Operários
Ligados à
Produção
Linha de
Produção
João Pessoa06 Ind. de Malhas
Alex Ltda.
20/01/8825Confecções em Malhas
07K.E.M. Ind. e Com.
de Confecções Ltda.
27/06/8814Confecções em Geral
08Ma do Socorro
T. Ribeiro
16/07/9012Confecções Masc e Fem.
em Geral
09M.C.R. Indústria e
Comércio de Confecções
Ltda.
20/08/9030Camisas, Macacões,
Shorts Unissex Adulto,
Blusas
10Vila Romana
da Paraíba S/A
21/10/751.096Calças, Paletós,
Coletes
11Walter Delorenzo
Macedo
01/04/7315Calças, Camisas
12W.M. Ind. Com.
de Confecções Ltda.
04/02/8715Confecções em Malha
Santa Rita01Match Indústrias e
Comércio de Confecções Ltda.
03/09/9010Roupas Profissionais

Fonte: Cadastro de Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP) - 1992

Processo de Produção e Gestão da Força de Trabalho

As empresas pesquisadas, de diferentes tamanhos, linhas de produção, aporte de capital, modernização tecnológica dos equipamentos, diferem igualmente em suas políticas de gestão. Combinam diversas técnicas ou modernizam o discurso referente à gestão. No primeiro caso estudado, a empresa A, verificou-se a adoção da linha taylorista-fordista combinada com células de produção e controle de qualidade, características da produção flexível e, no Brasil, geralmente implementadas em empresas multinacionais e/ou grandes empresas nacionais. A de menor porte, a empresa C, assume o discurso da modernização da administração, aliada a formas tayloristas e a utilização do faccionismo, agora chamado de terceirização. A média, a empresa B, utiliza a linha de montagem tradicional taylorista sem referências a alterações imediatas. Em comum o discurso da qualidade como forma de expandir mercados com o aumento da competitividade.

Fábrica A - A Grande Indústria

Situada no Distrito Industrial de João Pessoa, a empresa é considerada uma das grandes indústrias de confecções do país. Foi fundada em 1965, [fim da página 67] tendo começado a funcionar em 1969,com incentivos fiscais do FINOR para implantação e capitalização, além de 50% de isenção de imposto de renda. Em 1975 passou para o controle de um grupo sulista com várias unidades no país e, recentemente, foi adquirida por um grupo de origem holandesa. A fábrica teve várias razões sociais nesse período, mantendo porém um nome fantasia pela qual é conhecida nacionalmente. Chamaremos aqui Fábrica A do Brasil, Indústria e Comércio S/A.

Em 1989 contava com 1832 empregados, sendo que destes, 1680 na produção e manutenção e funcionava em dois turnos das 6 às 14 horas e das 14 às 22:00 horas. Fabricava paletós, blasers, calças, coletes e bermudas. Outros produtos como jeans e camisas eram fabricados na unidade de Aracajú; e malharia e blazers para exportação em São Paulo. Mais de 85% da produção se destinava a mercados do sul-sudeste do país e uma parcela para exportação (15%). Trabalhava com grifes famosas de moda masculina como Giorgio Armani, Calvin Klein, Christian Dior, Pierre Cardin e Ives St Laurent, para as quais pagava royalties. Posteriormente houve rompimento de contrato com algumas grifes e a fábrica criou sua própria marca de moda masculina. Em termos tecnológicos a empresa poderia ser considerada avançada comparativamente a seus concorrentes nacionais possuindo equipamentos de micro-eletrônica, estação gráfica e projetos de maior automação (8). Para o período 95/96 a fábrica irá investir em treinamento para o uso de controle de produção por código de barras, devido ao pouco contato dos supervisores com computação.

Os produtos fabricados atualmente são calças e paletós, com uma produção mensal de 39.000 calças e 22.000 paletós, e 95% dessa produção dirige-se ao mercado de lojas próprias da empresa.

Em 1994, o número de funcionários estava reduzido a 890 e no início de 1995 a 794. Essa redução, em que pese os contínuos vai e vem da economia brasileira, deveu-se a adoção de novas formas de gestão da força de trabalho que possibilitaram a eliminação de um turno de trabalho e aumento da produtividade.

A empresa está implantando um Programa de Qualidade Total. Este Programa visa, através de investimentos em recursos humanos, reduzir a rotatividade estimular o aumento da produtividade, competitividade e redução de custos (9) envolvendo todos os trabalhadores da empresa independente de cargos hierárquicos. Uma empresa de consultoria foi contratada para fazer o diagnóstico da fábrica, onde foi destacado que qualquer [fim da página 68] programa a ser implementado deveria partir de um investimento na qualidade de vida e de uma conscientização da participação dos operários na produção mediante a redimensionamento das relações operários/administração dentro da fábrica e, pela redução da rotatividade. É a tentativa de motivar o operário através da maior participação nas atividades da empresa, no enriquecimento de tarefas, com o aumento da qualidade da produção sem contrapartida salarial, uma adaptação do modelo japonês de gestão8. É o que poderíamos chamar de "flexibilidade de mão única", onde a restruturação de cargos e o aumento de produtividade conseqüente, não significa restauração salarial (DIEESE, 1995:94).

Segundo o Supervisor Industrial, a partir da consultoria, algumas modificações foram implantadas, embora não exista um "projeto mais amplo de mudanças". Um primeiro problema já estaria sendo vencido: a resistência dos executivos às mudanças na hierarquia e ao treinamento operário à polivalência e aos programas de "conscientização", que pressupõem tirar 10 ou 15 pessoas durante 45 minutos da produção.

A rotatividade sempre foi considerada um dos grandes problemas da empresa. Em 1989, de 100 costureiras e auxiliares contratadas apenas 05 permaneciam após o período de experiência (10). Essa rotatividade era atribuída a ausência de "profissionais" qualificados e de adaptação ao ritmo imposto pela fábrica, apesar de existir uma escolinha interna para treinamento de costureiras, além de cursos rápidos de treinamento para outros profissionais.

A nova forma de gestão adotada parte do princípio que o trabalhador especializado passou a se constituir em entrave a organização da produção. Nessa perspectiva, interessa mais aquele trabalhador treinado para assumir funções polivalentes (11). O trabalhador polivalente possilibilita a imediata substituição de operários sem comprometimento da produção, além da motivação implícita contida no conhecimento, pelo operário, de todo o processo de trabalho e, mais ainda, no autocontrole do trabalhador.

Uma operária fala sobre sua condição de "volante", inicialmente estruturada para tapar buracos e agora visto pelo ângulo da polivalência: [fim da página 69]

(a volante) são aquelas que fazem todo tipo de operação dentro da fábrica...você sempre substitui o lugar de alguém que falta. Férias, faltas por doença, você sabe fazer aquele trabalho...se faltou alguém eu fico no lugar...eu acho que ficava mais cansada quando ficava todo dia fazendo a mesma operação. Porque tem que chegar àquela meta de produção...e nesse tipo de serviço que eu faço, eles sabem que cada dia faço um serviço, e não tenho prática...Aí se a meta for de 60 peças eu faço 40...e eles nem reclamam. Josete, fábrica A.

Outros depoimentos contudo, apontam para uma situação menos satisfatória onde é cobrado da "volante" a mesma produção da especializada, tirando o aspecto positivo ressaltado no depoimento, embora destaquem a diversidade de operações como menos cansativo.

A implantação da gestão participativa consiste na eliminação de intermediações hierárquicas e o incentivo a participação através da opinião dos operários no processo produtivo. Em outras palavras, no reconhecimento do domínio do operário da máquina. A interiorização dos interesses comuns empresa-empregados tem como conseqüência a melhoria da qualidade do produto e menor perda de matéria-prima. Com este objetivo foram criados programas de visita aos departamentos da empresa, de limpeza e de conhecimento pelo operário do funcionamento dos diversos setores e equipamentos - a chamada "conscientização".

No Programa de Visita Departamental o operário visita todos os setores da fábrica para compreender a importância da tarefa que executa no contexto das outras tarefas. Apesar de ter sido implantando no ano passado (1994), o Programa de Qualidade Total já apresenta alguns resultados: maior satisfação no trabalho, relativo aumento na qualidade da produção, menor desperdício de material e, sobretudo, diminuição do absenteísmo (hoje por volta de 0,5%).

... antigamente as pessoas reclamavam muito, assim como eu estou falando, porque ninguém podia falar com o gerente, todo mundo ficava chateada, com vergonha, né? De falar com o gerente, com vergonha de falar com o diretor da fábrica, se via coisa, precisava de alguma coisa, mas tinha vergonha de falar, porque ninguém dava aquela liberdade pra gente fazer isso, né? Ficou mais solto, se sentindo mais à vontade, qualquer coisa que a gente precisava, a gente já fala com ele, já não tem mais aquelas coisa que tinha antigamente. É muito bom. Josefa, Fábrica A.

[fim da página 70]

Achei ótimo conhecer a fábrica que eu trabalho, né? E como são feitos os trabalhos lá dentro, os trabalhas de cada um. São realmente coisas muito interessante que a fábrica tem. (...) Sempre tem um pra guiar, pra ... é muito linda, eu achei interessante o trabalho desse, cada funcionário conhecer a fábrica. Eu acho que toda fábrica devia fazer isso. Suely, fábrica A.

A diminuição dos cargos hierárquicos é visto positivamente, pelas operárias mais antigas que referiam-se ao autoritarismo das chefias do período anterior. O programa participativo valoriza o operário, incitando-o a se manifestar acerca do trabalho, aderindo ao discurso do interesse comum entre capital e trabalho, formalizando relações anteriormente informais.

O programa HOUSE-KEEPING (do inglês "casa limpa") é um projeto de limpeza geral no ambiente de trabalho da fábrica, onde são realizados torneios entre os setores. O setor "mais limpo" recebe um troféu. Este torneio é realizado de quatro em quatro meses. Se o setor vier a ganhar o concurso continua com o troféu, caso contrários passa para outro setor. Nas paredes dos setores de Corte e Costura foram afixadas mensagens de emulação ao programa: "VEM AÍ. O SUPER LIMPOSO. AGUARDE. HOUSE KEEPING." e "OLHE O HOUSE-KEEPING AÍ GENTE". O programa eliminou o pessoal de limpeza e implica no operário cuidar da limpeza de sua máquina e seu local de trabalho. Aos sábados uma equipe é convocada para limpeza geral da fábrica, ganhando horas-extras para isso. A limpeza soma-se à polivalência e ao conhecimento dos setores da fábrica, aumentando o comprometimento e responsabilidade dos trabalhadores fazendo com que vistam "a camisa da empresa".

Não participei ainda, começou agora (...) Mas você ganha pelo dia. É até divertido, eles pergunta se você quer ir, não vai obrigar a pessoa, vai faz aquela limpeza é até divertido. Aí também, eu não sei dizer nem direito se é obrigado a ir ou não. Suely, Fábrica A.

...É porque antigamente tinha as pessoas de serviços gerais e quando a gente saia para almoçar, eles iam varrer a fábrica...tirando aqueles baldes de lixo, essas coisas...hoje eles tiraram essas pessoas...então quem trabalha é a gente mesmo que esta na máquina. Aí cada setor tem seu baldezinho,...,tem a pá,...tem a vassoura...digamos que você parou um pouquinho seu trabalho, [fim da página 71]seu trabalho faltou, aí vai varrer aquele pouquinho. Uma varre aquele pedacinho, outra varre aquele pouquinho e faz a limpeza. E quando chega no sábado...cada setor vai dois ou três fazer a faxina geral. Ontem mesmo as meninas foram, pegaram de sete às doze, aí limpa, varre, passa pano, encera, fica tudo limpinho, ...fazem um serviço que o pessoal do serviço geral fazia e agora quem tá fazendo somos nós da máquina mesmo. Josete, Fábrica A.

A polivalência elimina pessoal considerado desnecessário cabendo aos operários do chão de fábrica todas as tarefas de cuidar das máquinas e do espaço em torno, flexibilização que reflete maior intensidade do trabalho, os tempos mortos são ocupados com tarefas subsidiárias.

Num terceiro programa, o operário recebe treinamento para conhecer o funcionamento da máquina com que trabalha, com a justificativa de que quando um técnico vier fazer a manutenção ou consertar a máquina o operário irá lhe dar as explicações necessárias, abreviando o tempo para sua recuperação. É o reconhecimento e incorporação do saber operário como fator funcional na racionalização da produção, fator este negado pelo taylorismo-fordismo.

Quanto as relações operários/administração, estas vem sofrendo modificações visando melhorar a relação dos supervisores com os operários. Foi destacado pelo Supervisor Industrial a importância de modificações na postura e nas decisões tomadas pelos supervisores e chefes departamentais perante os operários com o objetivo de estimular uma maior participação destes. Estas mudanças vão da substituição do nome de supervisor pelo termo de facilitador, até a eliminação de cargos intermediários e de salários, criando assim, o que seria uma maior proximidade com os operários. Existe hoje na fábrica três cargos hierárquicos: gerente geral, facilitadores(supervisor industrial) e operários. À nível de supervisores houve uma redução de 30%, ou seja de cinco passaram para dois.

Ainda no ano de l995 a fábrica pretende inserir o uso de farda pelos operários e supervisores. Um concurso entre os setores está programado para a escolha do fardamento. Uma só cor para o fardamento dos operários e supervisores, eliminando símbolos visíveis de hierarquia.

Entretanto, a gestão participativa se tem melhorado a relação entre supervisores e supervisionados não eliminou o autoritarismo dominante no período anterior. Segundo uma operária, há dois anos atrás houve um gerente extremamente autoritário que criou um sentimento de nervosismo profundo com seus métodos, exigindo produção, e as que não conseguissem [fim da página 72] levavam advertência, suspensão e demissão. Falava aos gritos, mais com as mulheres do que com os homens.:

porque as pessoas desabafavam chorando, porque é, fazia aquela agressividade,...,aí as pessoas não podiam se vingar de outra maneira, nem dizer nada pra ele com medo que ele não botasse para fora por justa causa...choravam, as vezes não queriam trabalhar...Josete, Fábrica A.

Dejours (1988:75) refere-se às relações de hierarquia como fonte de ansiedade que pode tornar-se insuportável e que somam-se àquelas exigidas pelo ritmo e níveis de produção. Afirma ainda a utilização de repreensões públicas e favoritismos como forma de dividir os trabalhadores. Os novos métodos de gestão da Fábrica A, se eliminou o autoritarismo absoluto existente anteriormente, mantém contudo, as repreensões públicas como forma de disciplinamento dos operários, aumentando o stress característico do trabalho fabril:

agora a pouco...a menina que trabalhava comigo pediu as contas...por causa da produção o chefe reclamou com ela, que a fábrica estava parando por causa dela, que não estava dando produção, que estava com safadeza...falando alto diante de todo mundo. Josete, Fábrica A.

Nas relações operários/operários a fábrica afirma incentivar uma comunicação entre eles. No entanto, o tipo de diálogo incentivado pela administração é aquele que se faz necessário nos momentos de emergência, como por exemplo, quando é fundamental saber o andamento das tarefas ou em casos de quebras de máquinas. As conversas durante o expediente e as idas constantes ao banheiro são reprimidas, embora não consigam eliminá-las por se constituírem uma forma de resistência, de suportabilidade do operário a um trabalho extremamente intenso, mesmo que os trabalhadores reconheçam que pode atrapalhar a produção. A dialética dominação-resistência aparece no processo de trabalho onde por mais refinadas que sejam as formas de controle este nunca é total.

... se conversa por desobediência, mas não pode assim sem precisão. Só a respeito do trabalho mesmo que tá fazendo. (...) Se o chefe ver a gente recebe reclamações. Marta, Fábrica A.

Tem gente que trabalha conversando, tem a colega da frente, tem a de lado, tem atrás, aí fica, pára o trabalho para ficar conversando. Aí aquilo ali já atrapalha, né? Porque a produção [fim da página 73] é assim... se você perde 5 minutos, no outro horário você não consegue mais cobrir aquela hora, aquele minuto que você perdeu, né? Se você tiver que fazer 70 peças aqui... aí você conversando distrai um pouquinho naquele horário. Quando você pensar que não, você só vai fazer 55, 60 peças, né? Aí ... quer dizer... 5 minutos que atrapalhou conversando você já atrapalhou a produção. Josete, Fábrica A

... Sempre eles diz: olha a conversa aí. Mas a gente procura conversar assim...pra que eles não vejam, tá entendendo? A gente ri, a gente conversa...sempre que eles vêm a gente fica calado.. Num pode tá conversando...mas não vamos passar o dia inteiro calado. Quem agüenta passar o dia todo trabalhando sem dar um pio? A gente sempre conversa. Ana, Fábrica A.

Outra forma de resistência informal dentro do processo de trabalho foi manifestada por uma costureira-serzideira ao explicar sua atividade:

É a parte de consertar o tecido, é a pior parte...é aquele que o povo "mete" a tesoura...São as meninas. A minoria é a máquina com defeito, a maioria são as meninas com raiva porque levaram carão dos chefes. Aí vai escondido e mete a tesoura no tecido...Quando é a máquina que fura a gente conserta, é mais fácil, menos trabalho. Quando são as meninas que metem a tesoura olha o rombo que fica. É mais difícil. Ana, Fábrica A

A "sabotagem" constante na danificação do tecido citado, acompanha a história da formação da classe operária, onde várias formas de inutilização temporária de máquinas e materiais são utilizados como forma de proporcionar um descanso ao trabalhador submetido a exigências e ritmos impostos pela produção. Apesar da ideologia da qualidade tentar eliminar essa sabotagem personalizando o trabalho, não consegue eliminá-la.

Segundo informações de um ex-funcionário da fábrica esta adota um sistema de enquadramento dos operários. Os operários possuiriam uma ficha/cadastro contendo os dados pessoais e uma fotografia aonde são anotados todo o histórico do operário na empresa: suas faltas, atrasos, rendimento, dispensas médicas, conversas no trabalho, recusas a horas-extras e outros. Quando, nos momentos de redução de pessoal, estas fichas são consultadas e aqueles operários tidos como indesejáveis pelos [fim da página 74] motivos acima alegados são excluídos. Esse procedimento é generalizado em praticamente todos os setores industriais.

As fábricas do início do século, estudadas por Rago (1985: 45), adotavam semelhante estratégia de enquadramento dos operários do setor têxtil. Em momentos de greves, seus participantes eram marcados para demissão e tinham os seus nomes anotados na ficha para não voltarem a ser contratados pela fábrica. As informações eram divulgadas para outras fábricas, prática não constatada nas empresas pesquisadas. Leite Lopes (1988) relata conflitos entre fábricas têxteis do Recife nos anos 30 pelo não obedecimento dessas listas negras. É conhecida igualmente a prática das indústrias automobilísticas do ABC paulista para se livrar de operários indesejáveis, agitadores e grevistas, nos anos 80.

Com parque industrial restrito, essa prática torna-se mais eficaz. Em João Pessoa a fábrica A é referência para as demais, existindo consulta pelo setores de pessoal das fábricas B e C sobre o histórico dos operários na fábrica A. Um operário tido como indesejável pela fábrica A, têm o seu campo de trabalho restrito a pequenas empresas e oficinas com processos de recrutamento menos seletivos. Militantes sindicais têxteis de Natal justificavam sua profissionalização na burocracia sindical, além do interesse político da militância, propriamente dita, pela impossibilidade de retorno ao mercado dada a existência de listas entre as fábricas da cidade inviabilizando suas permanências na "profissão" (Lima e Ferreira: 1995).

A gestão participacionista se coaduna perfeitamente com métodos tayloristas fordistas de produção onde a disciplina ocupa um lugar central na ideologia do trabalho. Além disso a disciplina também é qualidade, o espaço fabril é coberto de mensagens enfocando a necessidade da disciplina: como elemento importante, tais como: "MENSAGEM DA SEMANA; A DISCIPLINA FAZ PARTE DA QUALIDADE"; "TRABALHO, VIDA E SEGURANÇA. VALORIZA O SER HUMANO".

A organização da produção e o processo de trabalho

Inovações na gestão da produção e do trabalho estão sendo implantadas visando adaptar a estrutura da empresa e a competição entre mercados. A fábrica abandonou o sistema "palê-palê" pelo seu alto custo de mão-de-obra - mais de 60%- e vem fazendo um investimento maior em equipamento de ponta do que em contratação de pessoal. Recentemente reduziu o seu quadro de pessoal pela demissão de 300 operários e redução em 30% do quadro de supervisores industriais(veja-se página 19). Na parte administrativa o processo conta com 15 pessoas. [fim da página 75]

Os processos de trabalhos na fábrica estão sendo organizados pelo sistema-célula(setor de calças) e linha de montagem(setor de paletós), utilizando simultaneamente o KANBAN para controle do andamento do processo e dos estoques. O termo KANBAN significa sinal. O KANBAN compõe o toyotismo ou o "modelo Japonês" de administração que pressupõe o Just in Time (JIT) que é a produção determinada pelo já encomendado, ou seja, produzir o necessário no tempo necessário, o fim da linha de montagem puxando o sistema de produção. O KANBAN é o sistema de informações que compõe o JIT, formado por cartões ou outros instrumentos visuais que permitem o controle das diversas fases da produção, seus problemas e os operários envolvidos. Pressupõe ainda o desempenho de múltiplas funções, trabalho em equipe, noção de responsabilidade coletiva, etc (Wood: 1993). Sua implantação, entretanto, não pressupõe o fim da linha de montagem, mas sua adaptação.

A fábrica reduziu o seu estoque de 15.000 para 1.500 peças. O pedido do cliente vai acionar a produção de nova quantidade de peças. A venda aciona a produção, logo eles trabalham com a produção praticamente vendida. Se torna imperativo redimensionar a organização do processo de produção e de trabalho na fábrica, a começar pelo investimento no treinamento de operários capacitados para exercer uma variedade de funções, daí a polivalência já referida.

O KANBAN é composto de um quadro-de-giz com cartões de cores diferentes onde estão destacadas as fases de planejamento para se entrar no processo de produção constando todas as especificações técnicas necessárias à produção, tais como: data, ordem de corte, modelo, quantidade, padrão do tecido, tamanho, aviamentos, etc. As cores diferenciadas indicam fases específicas do processo produtivo. O Setor de Corte possui outro planejamento, ou seja, outro KANBAN. O uso do quadro controla o andamento dos trabalhos sabendo qual operário está fazendo o quê, o andamento da produção, para evitar os pontos de estrangulamento na linha de produção (pontos de "gargalo") com o deslocamento da mão-de-obra para lá. Em caso de prioridade, um cartão vermelho é utilizado.

O setor de produção se divide- nos setores de: almoxarifado, modelagem, corte, costura e passar.

Setor de Modelagem.

Na parte de modelagem e corte a fábrica utiliza o sistema de computação gráfica Lecttera. Este sistema permite um estudo na tela do computador do encaixe das peças no tecido visando um melhor aproveitamento [fim da página 76] da matéria-prima. A utilização desse sistema, de origem francesa, na modelagem e corte das peças veio a apresentar as seguintes vantagens para a fábrica: eliminação do erro humano; redução de mão-de-obra; aperfeiçoamento da qualidade do produto (maior uniformidade); maior aproveitamento da matéria-prima (entre 80 % e 85 %) e redução de tempo.

No que se refere a mão-de-obra, no processo manual, a equipe de corte era formada por l6 funcionários, atualmente são quatro funcionários no setor de modelagem e quatro no setor de corte. Os funcionários que trabalham com o equipamento são ex-riscadores manuais que receberam treinamento para esta função. As informações são armazenadas em disquetes, para cada peça um disquete. Cada disquete funciona como uma ordem de corte (KANBAN), de três a cinco dias cada. Uma cópia de segurança de cada peça é impressa em papel e arquivada como prevenção para os momentos de falhas ou quebras do equipamento. O disquete é repassado ao Setor de Corte.

Setor de Corte.

O Setor de Corte recebe o disquete do setor de modelagem para execução da ordem na máquina de corte Lecttera, que tem capacidade para cortar 2,5 cm de tecido. O forro do paletó é cortado manualmente. Predomina mão-de-obra masculina no setor de corte e feminina no setor de colagem, que é considerado como parte do setor de corte.

A produção do setor de corte: 123 peças/1 hora; 246 peças/2 horas; 492 peças/10 horas; totalizando 1.100 peças/dia. Este tempo é estabelecido pelo analista de tempo, o cronometrista, nos moldes tayloristas tradicionais. É constante a cronometragem para estabelecer o tempo padrão, para estabelecer o método e o tempo médio no horário de pique de fadiga. Quando o nível de tempo esperado diminui o analista de tempo é chamado para verificação. O cronometrista faz uso de métodos diferenciados (um deles é o controle à distância) para evitar que o operário, pelo nervosismo, dê tempos maiores ou menores. A justificativa das formas de cronometragem refere-se a necessidade de estabelecer um padrão de tempo com o operário trabalhando no método considerado adequado e com a qualidade exigida (12). No cálculo do tempo necessário estão previstas tolerâncias. No corte, o tempo estabelecido pelo analista é considerado pelo [fim da página 77] Supervisor Industrial como "no gogó", ou seja o estritamente necessário. O Setor de Corte vem sendo considerado o "gargalo" da produção.

Para as operárias. o cronometrista é o terror uma vez que a tolerância afirmada pela empresa é bem menor e exigido cada vez mais produção. Algumas operárias dão sua versão sobre o cronometrista, onde ao mesmo tempo que reclamam das exigências impostas pela fábrica, terminam justificando sua presença dentro da necessidade de controle, do "fazer cera" de Taylor, numa resistência que ao mesmo tempo legitima a disciplina embora afirmem não querer o "quilometrista" por perto:

Há o "quilometrista" é um saco, fica o tempo todo na cola da gente com aquele relogiozinho marcando o tempo. Porque ali ele sabe quantas peças a gente tem condições de fazer né? Passa o tempo todo lá...pedindo sempre mais...quando eu passei para o setor, a minha medida era para dar 120 peças, passou pra 200 e de 200 pra 225.. Agora, eu brigo tanto com os quilometristas, eu brigo demais com ele. (...) existe no setor, esse lance de se esforçar, porque não adianta, você se esforçar na máquina, dá a sua produção e não sair produção no quadro. Aí você tá trabalhando à toa. Aí quando eles vêm para cá, aí eu digo: 'Olhe, já começou com esse negócio, né? Sai de perto de mim que eu não tenho condições de dar mais do que isso não', aí eu começo a brigar com ele.Rita, Fábrica A.

...eu dou o que eles querem, que é 60 peças por hora. Se ele me pedir 70, eu não dou, porque eu não tenho capacidade de dar ... sempre chamo meu chefe, minha supervisora e converso ... eu dou o que posso, se um dia eu chegar a dar 70 eu dou, tá entendendo? ... Eu dou 60 me esforçando ... por que você vai correr demais?...não a gente também não pode se matar assim ... Eu acho que é assim, ... se eu vou pra trabalhar, eu sei que fábrica é pesado, não é serviço maneiro, produção já tá dizendo tudo, você tem que trabalhar mesmo. Mas tem funcionário que ali vai se acomodando ... acha que já tá velho lá dentro, já tem seus dez anos, aí vai se acomodando, diminuindo a produção... eu estou sem condições de dar aquela produção hoje, eu não estou me sentindo bem, eu chamo minha chefe e digo que não estou me sentindo bem ... Deveria ser assim, conversar e dizer o que está sentindo, não ficar calado sem dar a produção com o cronometrista perturbando... olhe é um a coisa que eu não gosto, aviso logo, cronometrista perto de mim não, pegando no meu pé... Suely, Fábrica A.

[fim da página 78]

Eu acho assim, porque a produção tem que ser X por exemplo, você tem que fazer 100 paletós em 01 hora numa operação, aí você luta e não consegue, tem os cronometristas que eles fazem uns estudos que eu não sei como é, você faz 50 e eles dizem que você tem condições de fazer 70, eles dizem que tirou 5 minutos para o banheiro, 5 minutos para beber água, tempo para quebra de linha e ainda sobrou tempo para fazer os 70, então isso se torna um tormento na vida da pessoa. Muitas vezes a pessoa é responsável, precisa do emprego e, ás vezes, fica até doente, fica nervoso, com problemas de estômago e não vai conseguir... Claudia, Fábrica A.

No setor, parte da mão-de-obra está sendo treinada para exercer uma variedade de funções, sendo que 12,8 % dos trabalhadores já são polivalentes. Os operários que executam apenas uma atividade são des-especializados e treinados para a execução de outras tarefas, muito embora continuem com a sua tarefa específica. Esse processo está em andamento, sendo que a maioria dos trabalhadores ainda continuam no trabalho fragmentado típico da linha de montagem. Essa polivalência é vista positivamente pelos operários, por permitir uma variação no trabalho diário12:

...Eu só prego etiqueta. Estou dois meses nessa máquina, mas eu acharia melhor ficar trocando com as outras, né? Uma fazendo a operação da outra, tá entendendo? Tipo assim volante ... eu falto, aquela menina que é volante sabe pregar etiqueta, ela sabe fazer de tudo lá dentro ... ela sabe fazer de tudo um pouco, porque nós também não poderíamos? Suely, Fábrica A.

Eu acho bom, porque a gente entra numa firma e passa dez, doze, quinze, vinte anos, fazendo a mesma coisa, aquilo fica muito cansativo, né? E se você sempre muda pra outra coisa, eu acho que é melhor. Josete, Fábrica A.

O setor conquistou sete troféus em torneios esportivos exibidos em uma prateleira acima do KANBAN do setor de corte. Conquistaram, também, o troféu "house-keeping" da fábrica. Questionado sobre as implicações, para o setor da conquista do troféu, um supervisor respondeu: "Nós nos sentimos orgulhosos em sermos os mais limpos", refletindo a interiorização, pelo menos aparente, da ideologia do trabalho participativo, já que esses troféus possuem apenas um caráter simbólico, sem nenhum retorno pecuniário. [fim da página 79]

Setor de Costura.

A Costura conta com 54 operários(as). Após o corte das peças, elas são enviadas em bandejas de plástico e transportadas por um carrinho ao setor de costura, sendo divididas entre as linhas de paletó e de calça.

A linha de paletó está organizada conforme a linha de montagem tradicional, não havendo células ou equipes. As máquinas estão dispostas em colunas, com produção de 30 peças por hora tendo apresentado um aumento de produtividade de 2,5 paletós por pessoa no início de 1994 para 4,0 paletós por pessoa no início de 1995 (lembrar que agora com apenas um turno e 50 % menos operários) apresentando evolução na produção no período de início de l994 (2,5 paletós por pessoa) a início de l995 (4,0 paletós por pessoa).

A linha de paletó está dividida em 10 processos: preparação de forro externo e interno: preparação de gola pelo zig-zag e cantinho de gola; alinhavar; armar e passar a gola; pregar vivo de forro (entretela); travete para virar forro; fechar bolso; colocar etiqueta; pregar a gola; preparação de forro. Na parte da frente fazer o bico, alinhavar a manga, prensa e cava, pregar forro, limpeza e revisão da peça. Cada processo ocupa uma costureira sendo que cada uma deve fazer uma média de 60 peças por hora.

O setor de calças está organizado pelo sistema célula. Este sistema é uma reimplantação, com nome modificado, de um sistema utilizado pela fábrica há 10 anos atrás chamado de "grupo compacto". No grupo compacto, assim como no sistema célula, um operário executa em 60 minutos três operações diferentes. Trabalham com um modelo por vez.

Com 45 m2 de extensão, a disposição das máquinas foram modificadas para um lay-out que vem a permitir uma maior comunicação entre as equipes de trabalho. As máquinas estão organizadas diferentemente da linha de montagem, não mais em fileiras mas uma de frente para outra. Inicialmente trabalhando com um grupo de 26 pessoas, espera-se que a célula venha a atingir uma produtividade diária de 500 peças (19,23 calças/homem/dia). Atualmente trabalham com 40% de eficiência, o que vem a resultar em uma produtividade diária de 200 peças, 9,6 calças/homem/dia inferior a produtividade da linha de montagem. Na linha de produção convencional, com 65 pessoas poderia-se obter uma produtividade de 800 calças/dia, com 12,3 calças/homem/dia. Não há supervisores na célula, e sim um coordenador ou facilitador, na proporção de um para cada dois ou três grupos de operários. [fim da página 80]

No setor de passar, uma tubulação de alumínio, recentemente colocada, recebe os cabides com as calças e paletós onde são movimentados, o que torna desnecessário a locomoção dos operários para apanhar as peças. O operário recebe a peça, coloca-a na máquina de passar para, em seguida, recolocar a peça já passada na tubulação, a qual transporta as peças até um operário encarregado de fazer a revisão. As dobras e amassos encontradas na revisão são passadas com um ferro de engomar manual. Os operários trabalham em pé, alguns trajando shorts, chinelos e camisas, dada as altas temperaturas. O manuseio da máquina de passar possibilita alguns acidentes graves envolvendo queimaduras:

Queimaduras por causa das pranchas, porque são automáticas. Às vezes ela estão com qualquer um defeitinho, as pessoas não tá sabendo, né? Foi como aconteceu já, um rapaz queimou o braço quase todo, porque a prancha automática estava com defeito. Quando ele botou a mão, aí ela abaixou de vez. Aí, ela é automática ela só abre quando termina todo o vapor dela, aí pronto terminou todo vapor, aí foi que soltou o braço dele. Mas isso aqui, o couro dele caiu todo, ele passou um bocado de tempo afastado da firma, sempre, acontece essas queimadurinhas assim. Josete, Fábrica A.

Predomina mão-de-obra masculina com a justificativa de que as temperaturas altas desregulam o ciclo menstrual feminino. Nenhuma referência à fertilidade masculina submetida igualmente a altas temperaturas, com o vapor das máquinas na altura da cintura. Uma operária descreve como foi sua experiência na máquina:

...eu acho que causou problemas de saúde, porque a partir do momento que eu estava trabalhando no ferro emagreci, perdi quilo ... Com três meses, quando passei na experiência, a médica me chamou para a revisão, eu tinha perdido três quilos. E também meu cabelo começou a cair, eu achava que era a quentura do ferro... Suely, Fábrica A.

Continuou o depoimento afirmando que tinha muito medo, evitando até lavar as mãos, como o corpo estava muito quente, tinha medo que acontecesse alguma coisa, sem saber bem o que. Quando chegava em casa, não tomava banho imediatamente, deixava para se banhar quando fosse dormir e ficava espantada com as colegas que saíam da máquina e iam tomar banho na fábrica mesmo. Aparece na fala do operária o que Dejours chama de "risco" real, as queimaduras, e o "risco suposto", difuso,[fim da página 81] e fonte de ansiedade do trabalhador, o emagrecimento e a queda de cabelos atribuídos à quentura do ferro (Dejours,1988: 64).

As exigências da produção no setor também conseguem ser burladas a partir do domínio da máquina pelo trabalhador:

... a profissão de passador a gente aprende lá mesmo(na fábrica)...em 60 minutos tem que dar 60 peças, cada peça por minuto. Quando a gente entra , só da para atingir 12, 15, mas só que consegue 60 com (certo esforço). Em vez de fazer 60 peças por hora, eu faço em 50 minutos, quer dizer sobra 10 minutos, a pessoa pode usar esses 10 minutos para qualquer coisa, ir ao sanitário, é bom por isso. Marcos, Fábrica A.

Esse depoimento, segue o narrado por Linhart (1988) em pesquisa feita numa indústria automobilística francesa em 1968, onde apontava uma equipe de iugoslavos que se adiantavam na linha de montagem permitindo que um deles ficasse com folga suficiente para fumar um cigarro, dar uma andada, enfim demonstrando que o aumento dos controles sobre o trabalhador é acompanhado por formas de resistência que tentam amenizar a intensificação do trabalho que os acompanham.

Recrutamento e Treinamento.

As formas de recrutamento utilizadas são: indicação de amigos, parentes ou conhecidos dos próprios funcionários, redes de sociabilidade (13) informais que abastecem a mão de obra necessária (14). Utiliza-se ainda anúncios ou informações na porta da fábrica. Exigências de recrutamento impostas pela fábrica: conhecimento mínimo de costura; domicílio próximo ao local de trabalho; idade até 35 anos; ser pelo menos alfabetizado. A fábrica afirma não contratar, atualmente, menores de 18 anos. Exigências de maior escolaridade foram abandonadas pela dificuldade de recrutamento dada a inexistência no mercado de mão-de-obra qualificada. Saber costurar não é considerada qualificação e mesmo as operárias que fazem cursos rápidos são consideradas insuficientes. Dessa forma o treinamento específico se dá no local de trabalho, na escolinha como é chamada internamente, com o objetivo de adaptar o operário a organização e necessidades e, principalmente, disciplina da fábrica. Em grande medida ter experiência de trabalho na fábrica A é reconhecida no mercado de trabalho local, [fim da página 82] facilitando ao trabalhador, pelo "status" adquirido, arrumar outro emprego nas confecções locais(veja-se p.21).

Condições de Trabalho.

A fábrica oferece uma série de benefícios sociais que funcionam como salário indireto e que se constitui, para a empresa, fonte de atração para o operariado. O salário percebido pelos operários, independente do serviço realizado, tanto na célula como na linha de montagem é o mínimo, o piso de R$ 101,00 (Cento e um reais). A diferença está no pagamento de um prêmio de produtividade aos operários que trabalham na célula, de 10% sobre R$ 0,44 (uma hora trabalhada) resultando em R$ 0,044. O objetivo é chegar a 30% sobre R$ 0,44, ou seja R$ 0,132 mais 10 % em cima de 0,44 centavos (produtividade diária da célula), dividido entre dez operários da Fábrica. Os outros 16 são operários terceirizados, contratados a empresas de sublocação de mão-de-obra.

Empresas especializadas em sublocação de mão-de-obra fornecem mão-de-obra à fábrica, representando uma redução significativa de custos operacionais. Depois de três meses de trabalho, segundo o depoimento de um supervisor, os operários terceirizados são contratados regularmente. A subcontratação é justificada pela alta rotatividade do período de experiência, a terceirização barateia os custos com o treinamento operário (15).

Uma pesquisa da empresa informou que a fábrica está no primeiro quartil em termos salariais, portanto abaixo do nível do mercado. Segundo um Supervisor Industrial, no segundo semestre deste ano a administração da fábrica pretende nivelar o salário médio percebido pelos operários à média do mercado (16).

Com relação aos benefícios, a empresa oferece: dois médicos de plantão no local de trabalho para assistências aos operários acidentados; sete linhas de ônibus (já foram 14); associação recreativa; convênio com o governo do Estado onde a creche Gláucia Burity - que localiza-se próxima a fábrica - dá "preferência" de atendimento aos filhos dos funcionários; café-da-manhã e almoço com desconto de l7 % sobre o salário bruto.

A jornada de trabalho normal é a que compreende o horário diurno, sendo consideradas horas extras as que ultrapassam este período. O horário de trabalho divide-se em: primeira turma (pessoal da produção) e [fim da página 83] segunda turma (corpo administrativo). A jornada de trabalho da primeira turma compreende o horário entre seis e dezesseis horas, de segunda à quinta-feira, e entre seis e quinze horas nas sextas-feiras. O almoço se dá em duas etapas: uma turma das 10 às 11 horas e outra das 11 às 12 horas.

A 2a turma cumpre a carga horária de sete e trinta às dezessete e trinta horas, de segunda à quinta-feira, e sete e trinta às dezesseis e trinta horas nas sextas-feiras. As duas turmas cumprem uma jornada semanal de quarenta e quatro horas, distribuída em nove horas diárias de segunda à quinta-feira e oito horas diárias na sexta-feira. A fábrica não tem expediente nos fins de semanas e feriados. Sábados e feriados são compensados durante a semana com acréscimo médio de duas horas.

Segundo um supervisor, o estabelecimento do horário da primeira turma atende a uma reivindicação das operárias (90 % da força de trabalho da fábrica), as quais optaram pelo estabelecimento de um horário mais cômodo a conciliação de trabalho fabril e trabalho doméstico. Lembrar, entretanto, que a eliminação de um turno deveu-se a reorganização da produção por imperativos de produtividade e lucratividade, sendo irrelevante a pressão operária.

A administração da fábrica, organiza a produção em um turno diurno. Isto traz as seguintes vantagens para a fábrica, conforme depoimento de um supervisor: o maquinário sofre um desgaste maior em dois turnos; quebra de agulhas pelo superaquecimento das máquinas; quebra de máquinas no segundo turno; ausência de circulação de informações entre os operários dos dois turnos; comprometimento da qualidade dos produtos pela dificuldade de identificação e controle de erros na produção. Um turno identifica a máquina com o operário possibilitando maior controle sobre o trabalho, reduzindo sabotagens e "cera" no serviço.

As instalações seguem o princípio da fábrica higiênica (17). Do lado de fora da fábrica, presença de um jardim bem cuidado. Dentro da fábrica, o estilo de construção favorece a proteção contra incêndios pelo revestimento de amianto do teto que todavia aumenta o calor ambiente e o calor produzido pelas máquinas, embora a estrutura do prédio possua grandes aberturas que vão do chão ao teto e substituem janelas.

No ambiente onde os operários cumprem a sua jornada de trabalho as máquinas estão dispostas em filas com reduzido espaço para locomoção entre elas, contando com um corredor entre uma linha e outra por onde um operário circula abastecendo e recolhendo as peças com um carrinho, [fim da página 84] tanto na produção de calças (células) como de paletós (linha de montagem).

Presença no Setor de Costura de alguns caqueiros (18) com plantas penduradas. Ausência de poeira no maquinário e pequena quantidade de material no chão, um provável resultado do concurso "house-keeping" entre os setores. Música ambiente, praticamente inaudível pelo barulho das máquinas.

Os acidentes de trabalho com danos físicos mais comuns são: furadas de agulhas, queimaduras nas máquinas de passar e cortes com tesouras, os quais incapacitam temporariamente o trabalhador. Segundo informações da administração, até então não foi registrado nenhum acidentes de trabalho fatal. Cartazes afixados na saída do refeitório, em todos os setores da produção, bem como uma placa na saída do portão principal assinalam a quantidade de dias em que a fábrica está sem acidentes de trabalho. Os operários são estimulados a superar o recorde da fábrica, que na época chegava a 265 dias sem acidentes de trabalho.

A fábrica mantém uma enfermaria com dois médicos de trabalho para prestar assistência em caso de acidentes no trabalho ou problemas de saúde. Segundo os operários, a presença dos médicos é para evitar ao máximo o abandono do posto de trabalho, sendo que a reclamação contra estes é generalizada, havendo em alguns casos a necessidade da interferência do sindicato. Assistência médica e creche(o convênio referido acima) são públicas não existindo convênios privados, o que dado o estado dos serviços públicos é uma preocupação constante para os trabalhadores:

Imagine só, você pega de seis horas da manhã até as onze que é hora do almoço. Eu almoço às onze e pego às doze, aí fico ali aquele horário todo sentada, só costurando, dando 60 peças toda hora, tem que sair se não sair, aí vem reclamação...Tem vez que não vou nem ao banheiro, porque se eu for no banheiro, não dá tempo...não gosto de ir no banheiro para não ficar estocada. Aí eu acho, devido a isso, eles deveriam parar e pensar porque você vê que nem convênio nós temos lá na fábrica...inclusive nós fizemos reuniões e estamos pedindo convênio pela Unimed, porque imagine trabalhar na fábrica sem ter plano de saúde melhor...A gente sofre muito por isso, às vezes quer fazer um exame e não pode, ás vezes você não pode nem sair, tem desconto, tem que ficar falando com a médica, pedindo saída, nem todas vezes ela dá... Suely, Fábrica A.

[fim da página 85]

Na última semana, tivemos lá na empresa um certo aborrecimento, uma moça ficou doente e ela não pode vir à médica da empresa e foi a um hospital. Ela medicou-se e trouxe um atestado, no outro dia a médica disse: 'Hoje eu dou um atestado, que eu estou lhe vendo, ontem eu não te vi. Eu não posso fazer nada'. E não aceitou o atestado. Então isso me indignou. Eu peguei todos os dados dela e levei para o sindicato (...) Eu acho que o médico de fábrica está para a fábrica não está para o meu problema nem para o seu. Ele quer saber da fábrica, é tanto que quando a presidente do sindicato teve aí, falando com seu Raimundo (do departamento de pessoal), então ele disse: 'É Francisca, esses médicos, para agradar a empresa, eles fazem coisas que até prejudicam'. Claudia, Fábrica A.

A gente sempre fala em plano de saúde. Mas não sei quando vai ter. Mas quanto tiver a gente já morreu tudinho. Porque doutora de fábrica nunca puxa pelo funcionário, só puxa pela fábrica. Neusa, Fábrica A.

Se você chegar lá dizendo que está com dor, que nem uma menina, uma vez lá chegou com uma gripe bem grande, resfriada, se queimando de febre. Chegou para a doutora e disse: 'Doutora, eu queria que você me mandasse para casa, porque eu não estou agüentando, não estou com condições de trabalhar'. Ela com a cara mais cínica do mundo disse: 'Minha filha, o que você tem?'. A menina disse: Estou com o corpo todo doído, uma quentura, um frio'. A doutora olhou para ela e disse: 'É a menopausa'. A menina de 17 anos. Ela voltou para o setor e trabalhou se queixando de febre nesse dia. No outro dia ela não veio porque o pai não deixou ela vir. Outra menina que mora ali embaixo também. Passou dois anos com hemorragia, ela ia para doutora e ela passava anticoncepcional para regular a menstruação. Qual era a da doutora? Era pra dizer: 'Minha filha vá para casa, faça uns exames", passava exames para ela. Ela fez ultra-som mas não acusou. Passava outro tipo de exame que acusasse. Mas não, ele fez outro exame o acusou mioma. Neusa, Fábrica A.

[fim da página 86]

A percepção da relação doença-vagabundagem, pelos médicos da empresa fica evidenciada nas falas, onde o passar mal é visto como fazer cera e o papel do médico, mais do que cuidar do doente, e garantir à empresa o seu não afastamento e os prejuízos dele decorrentes. Ao descaso, junta-se a má-vontade do profissional médico no trato com os trabalhadores, como o exemplo da "menopausa" da menina de 17 anos. É a medicina do trabalho, chamada, com maior propriedade de medicina do capital.

A Fábrica B: Uma Empresa de Médio Porte

Fundada em 1987, a Fábrica B Indústria de Confecções S/A, localiza-se no município de Bayeux, na Grande João Pessoa e pertence a um grupo local. Caracteriza-se por ser uma empresa familiar de médio porte, onde vários cargos de direção são ocupados pelos familiares dos sócios proprietários. Em março de 1995 empregava 138 funcionários, sendo 108 mulheres e 30 homens (19). Diferente da fábrica A que vem reduzindo o seu quadro de funcionários a fábrica B, nos últimos 3 anos tem apresentado um crescimento e um aumento constante do número de funcionários para atender a demanda de pedidos. No entanto, no ano de 1995 a fábrica teve uma pequena redução no quadro de funcionários. A faixa etária média dos empregados está entre 20 e 35 anos.

A empresa produz basicamente: calças, saias, bermudas e vestidos, em jeans e também em brim e camisas confeccionadas em tecidos mais leves tipo linho, viscose e algodão no setor de camisaria.

A compra da matéria prima e aviamentos se dá em São Paulo e Recife. É intenção da empresa distribuir a mercadoria pelo país inteiro sendo que, atualmente, a produção se destina para São Paulo, Pernambuco e outros estados do Nordeste. Localmente, a produção vai para as duas lojas da fábrica. A empresa conta com duas marcas próprias, uma marca mais popular e outra de qualidade superior considerada a griffe carro-chefe da fábrica, voltada a uma população de maior poder aquisitivo e mais exigente em termos de consumo.

No final do ano passado o processo de produção foi acelerado para atender ao aumento da demanda. A fábrica fechou o ano de 1994 com a venda total de toda a sua produção. A fábrica tem capacidade de [fim da página 87] instalação para a produção de uma média de 1.200 peças/dia. Contudo, atualmente vem produzindo cerca de 900 peças/dia. Esse número é variável, de acordo com a peça que está sendo produzida, pelo seu grau maior ou menor de dificuldade e tempo para confeccioná-la.

Alguns contatos estão sendo realizados com países do Mercosul - Argentina e Paraguai com o envio de mostruários para uma possível exportação dos produtos. Isso tornou a qualidade dos produtos uma das grandes preocupações da empresa. Antes não existia um trabalho mais criterioso e metódico em cima da qualidade, no entanto, nenhum programa específico de qualidade total está sendo implantado. O trabalho está se dando através da conscientização do operário para que a peça seja produzida com qualidade da primeira vez. Segundo o gerente de produção, reuniões estão sendo realizadas com os operários para avaliação de peças, envolvendo vários seguimentos, desde a matéria-prima (que pode apresentar falhas) como também os problemas de modelagem, corte, costura e lavagem. Deste somatório é que se tem o resultado de uma peça de qualidade. O trabalho de conscientização envolve a capacidade de avaliação, pelo trabalhador, de uma peça percebendo se determinado defeito compromete ou não a qualidade final da peça. Todavia permanecem os inspetores de qualidade.

O trabalho está sendo implantado de forma empírica e gradativa, nenhuma empresa de consultoria foi contratada, as reformulações estão sendo implantadas através do gerente de produção que tem experiência em uma fábrica de grande porte no ramo.

Organização da produção e processo de trabalho

A gestão do trabalho é tradicional dentro dos padrões tayloristas, não havendo uma política de gestão claramente definida. A produção está organizada seguindo a linha de montagem tradicional, inexistindo o sistema-célula. Segundo depoimento do gerente de produção, o sistema-célula está sendo estudado para possível implantação. No momento não se dispõem das condições necessárias para tanto, a falta de pessoal polivalente bem como a limitação de equipamentos foram os motivos alegados. A empresa não dispõe de trabalhadores volantes. Quando acontecem faltas, alguns operários ocupam a função mas com produção bastante inferior, em virtude da ausência de qualificação suficiente para assumir funções diversificadas.

Quanto a cronometragem, é precária ainda a determinação precisa do tempo padrão de confecção de cada peça e é forte a resistência das [fim da página 88] costureiras que sentem-se incomodadas. O prêmio de produção foi um recurso utilizado e ultimamente abolido justificado pela dissociação que o operário faz entre aumento de produção e qualidade, segundo a empresa.

Todo o equipamento é novo, mas nada de última geração. A fábrica possui máquinas de overloque, galoneira, travete, rebite, máquina de duas agulhas, caseado, máquina de braço, máquina de cós, dentre outras.

Vários níveis de hierarquia foram observados dentro da empresa. Por ser uma empresa familiar a diretoria industrial e administrativa conta com a presença quase total de parentes. A partir daí os níveis são: gerente industrial, chefe de produção, supervisores de setores (chefe de corte, supervisor de traseiro, dianteiro, acabamento, montagem e revisão geral).

No setor de modelagem, a fábrica dispõe de um modelista que desenha as peças manualmente. É intenção da empresa informatizar o setor como forma de redução de tempo e de melhor qualidade. Para a modelagem de um modelo de jeans de todos os tamanhos e de todos os números o modelista leva em média uma semana para a realização do trabalho. E, segundo o supervisor, com a informatização esta tarefa passaria a ser feita em três horas. As variações no setor de modelagem atendem às sugestões de clientes e variações da moda, como por exemplo a calça de cós baixo utilizada ultimamente.

O setor de corte possui nove operários sendo seis homens e três mulheres. O setor de corte se divide em três: risco, enfestamento e corte. O corte é realizado manualmente, com uma produção de 1.000 peças/dia e um desperdício estimado entre 10 a 12% de matéria-prima. Os funcionários são especializados no corte. O corte obedece a uma ordem discriminando modelo, tecido, tamanho, quantidade, lavagem e prazo.

A separação faz parte do corte onde a distribuição das peças é feita após a conferência do material, onde seis pessoas, cinco mulheres e um homem fazem estas atividades. Na separação fazem a identificação da peça para evitar perda de uma peça inteira pela mistura de tonalidades, modelos e tamanhos. Todas as partes da peça são carimbadas e separadas por numeração.

Depois do corte o tecido é encaminhamento para a costura pelo distribuidor, onde é feita a conferência da ordem de corte com o material cortado e a transferência para a linha de produção.

No setor de costura trabalham 63 mulheres costureiras, seis homens costureiros, e três distribuidores (homens). A produtividade do setor é de 180 peças/hora.

A produção organiza-se de forma a executar um modelo de peça por vez. No dia da visita a peça confeccionada era calça jeans para adulto [fim da página 89] em diversos tamanhos. O processo descrito a seguir refere-se à confecção da calça. Divididos em setor traseiro e dianteiro, todo o processo é intercalado por postos de revisão. Quando as peças saem do corte são distribuídas para os setores traseiro e dianteiro, acionando a produção.

A primeira fase de costura da parte dianteira das peças começa pela preparação dos aviamentos, sete máquinas trabalhando: aviamentos, braguilha, visto, bolsinho relógio, pregar zíper, acabamento da braguilha; acabamento do bolso; pregar forro de bolso; etiqueta. Em seguida os aviamentos são unidos na frente da calça; prega-se o forro unindo perna mais forro; depois o forro de calça é costurado ao forro do bolso. Neste ponto há uma primeira revisão do setor dianteiro para evitar perdas da peça inteira por falhas humanas ou não.

Feita a revisão, passa-se para o acabamento interloque, rebater overloque, rebater braguilha, pregar zíper na calça; unir as frentes direita e esquerda; ganchinho. As tarefas seguintes são: chulear bolsos laterais; bainha na boca do bolso; detalhe (os desenhos são marcados no bolso para orientar o trabalho das costureiras); cortar as passantes. Três costureiras costuram detalhes das peças.

Paralelamente as atividades do setor dianteiro descritas acima, realiza-se a confecção do traseiro da calça. Como dito anteriormente, quando as peças da parte traseira da calça saem do setor de corte, dá-se início a preparação do traseiro.

Três operários do sexo masculino envolvem o bolso cortado em chapas de ferro, no formato de bolso traseiro de calça (de diferentes tamanhos, sendo um por vez) para passá-los com ferros manuais. Nesta tarefa é bastante comum a ocorrência de pequenos acidentes, queimaduras leves com o ferro. A importância desta operação está em que eles vão fazer a marcação da costura no bolso traseiro da calça a ser feita pelas costureiras, pois há necessidades de que as peças sejam entregues com a dobra da costura feita à ferro para facilitar o trabalho. No momento da visita, tal atividade teve que ser paralisada pois o setor de corte havia cortado as peças do bolso em um tamanho exageradamente grande, resultando num volume de tecido (que viria a ficar na parte interna do bolso) considerado excessivo pelo gerente de produção. As peças foram recolhidas e voltaram para o setor de corte para modificá-las para o tamanho adequado. As peças já marcadas para a costura que prosseguiram não foram recolhidas.

Fazem parte da preparação do traseiro as seguintes operações: pregar pala com traseiro; perspontar pala; fechar o gancho (entreperna); marcar distância na calça aonde o bolso deve ser pregado. Três máquinas [fim da página 90] pregam o bolso. Segue para o posto de revisão do traseiro: identificam o erro pela operação executada; em caso de três pessoas executando a mesma operação fazem uma identificação na peça com giz de cores diferenciadas. O botão é pregado na peça depois que esta vem da lavanderia.

Um operário cuida de cada uma das operações mencionadas acima, sendo deslocado trabalhadores para as atividades em que uma pessoa apenas não consegue executá-la na intenção de evitar paradas na produção.

Uma supervisora de qualidade acompanha a saída das peças do setor traseiro e uma outra pelo setor dianteiro até chegar à mesa de revisão. Feita a revisão, as peças são encaminhadas para o casamento, ou seja, união do dianteiro com o traseiro.

O percentual de retrabalho da fábrica está em torno de 2,5 a 3,0 %. Este dado é visto pelo gerente de produção como enganoso, pois o padrão de qualidade adotado pela fábrica, faz com que o total das peças produzidas não tenham uma qualidade 100%. São peças prontas, mas que não são consideradas retrabalho, apesar da apresentação de defeitos no tecido e pequenas falhas na costura. A supervisora recebe orientações para avaliar se o defeito compromete ou não a peça. A qualidade do tecido é selecionada de acordo com o público alvo. Dependendo do tecido, como por exemplo, num lote de 997 peças 394 apresentaram problemas de qualidade, e num outro lote de 2.400 peças teve apenas 2 problemas. O fornecedor de tecido dá uma garantia de no máximo três pontos de defeitos (três peças ruins em 1.000). Existem tecidos com até 49 pontos de defeitos. São chamadas de "primeira escolha" as peças defeituosas.

Quando as peças não são consideradas retrabalho pela má qualidade da matéria-prima, ela pode vir a apresentar defeitos por problemas na costura, daí a preocupação com a conscientização dos trabalhadores sobre a "qualidade" para minimizar o erro humano, com critérios, métodos voltados a "fazer bem feito da primeira vez"(veja-se p.34) evitando o retrabalho e o prejuízo para a empresa em termos de tempo e matéria prima. O tempo de desmanche da peça é maior do que o tempo de confecção. São feitas reuniões conjuntas com o pessoal para avaliação da peça defeituosa e argumentam que a peça deve ser bem feita porque aquela peça "poderia vir a ser dela"(costureira).

Feita a revisão, separam-se as peças para retrabalho. As peças com pequenos cortes feitos pelas máquinas ou pelas operárias, que não comprometam a peça inteira são enviadas às cerzideiras.

No casamento do dianteiro com o traseiro, são realizadas as seguintes tarefas: nas laterais, o persponto é realizado por duas pessoas, [fim da página 91] uma faz a revisão lateral; duas pessoas fazem o fechamento da entreperna; uma prega o cós na calça; duas destacam o pontinho; outras duas trabalham com a bainha; quatro costuram o pontilho; uma costura o travete; uma a braguilha; uma o bolso traseiro; uma o passante; uma caseia a peça.

Uma supervisora faz a quarta revisão das peças. As peças consideradas sem problemas são encaminhadas a um grupo de quatorze operárias manuais que tiram e cortam os fios, e pregam overloque.

Quando as operárias manuais terminam, as peças prontas são levadas ao setor de passar. No setor de passar encontramos a mesma predominância de mão-de-obra masculina que na fábrica A. O setor de passar divide o mesmo espaço físico com o setor de lavanderia. As peças são passadas em máquinas automáticas por três operários. A revisão das peças é feita por um operário apenas que passa pequenos amassos com um ferro manual.

Um dos últimos investimentos da fábrica foi a implantação de uma lavanderia própria que faz a lavagem do jeans obedecendo aos padrões exigidos pela moda, com relação à tonalidade e envelhecimento, antes realizado em lavanderia da cidade de Natal. A lavanderia vem funcionando 24 horas para atender a demanda da produção, num esquema de rodízio de funcionários. Mesmo assim ainda é considerada como o "gargalo da produção".

O setor de camisaria se constitui um setor com processos de costura a parte, fazem parte dele 16 operárias.

Recrutamento e seleção

As estratégias de recrutamento utilizadas pela empresa se dão através de anúncios na porta da fábrica, agências de emprego, indicação dos operários e indicação do próprio grupo familiar que administra a empresa. O processo de seleção envolve uma entrevista com o candidato - realizada pela psicóloga da fábrica - em que alguns critérios são levados em consideração. A fábrica dá preferência aos candidatos entre 20 e 35 anos, l° Grau Completo, referência de empregos anteriores, e aceita antigos funcionários com restrições. Ultimamente, a gerência da fábrica vem observando o nível de escolaridade dos candidatos a emprego, sem desprezar contudo a experiência prática.

Fazem o teste prático ou checam com a empresa anterior, no caso dos empregados com passagem na Fábrica A, uma referência muito valorizada. Grande parte da mão-de-obra empregada é originária da Fábrica A. [fim da página 92]

É política do setor de recursos humanos evitar a contratação de operárias com filhos pequenos, com a justificativa que estas funcionárias causam paradas na produção pelas faltas e desatenção provocadas pela preocupação com as crianças.

Quanto a rotatividade de mão-de-obra, a empresa enfrenta atualmente problemas. Motivos: demissão, auto-demissão, insatisfação, viagens. Anteriormente, segundo a informante da empresa, não havia este problema. Ele está sendo encarado como problema momentâneo pela gerência. Contudo, os salários baixos são vistos pelos trabalhadores como fator que impulsiona a insatisfação e rotatividade de mão de obra no setor, tendo em vista que outras fábricas do ramo, se não oferecem melhores salários, fornecem outros benefícios como vale alimentação, vale transporte, etc.

Uma operária relata seu descontentamento:

Compensa não. É triste R$96,00 não é nada pelo que a gente trabalha lá dentro. São nove horas sentada numa cadeira criando calo...sem poder levantar, tem que dar a produção. Se a gente baixar pelo menos cinco peças vão perguntar porque a gente não está dando a produção...Eu dou mais, dou 45, 50 quando estou a fim. Quando não 40,42. Estou vendo que as outras não estão dando. Eu vou me arrebentar sozinha? ...É muito difícil os operários fazerem cera...quanto elas tem raiva elas faltam...Nem café tem. O café é só para os chefes. Funcionária, costureira não tem direito a tomar uma gota e, se tomar é chamada atenção...Se quiser tomar um cafezinho tem que ir lá embaixo. Um cafezinho por 20 centavos, uma fatia de bolo por 30 centavos, já vão 50 centavos e isso todo dia. Onde vai ficar o salário da gente? Não tem condições. Tereza, Fábrica B.

Condições de trabalho

A empresa alterou o horário de entrada em função dos constantes atrasos dos operários. O início do expediente passou a ser às 7:30 às 11:30 e 12:30 às 17:30 horas. Uma pausa para o lanche de 3:00 às 3:15 horas. A carga horária semanal é de 40 horas semanais. A fábrica não funciona aos sábados, quando isto acontece é contado como horas-extras.

As costureiras recebem R$ 96,00 (em março de 1995), acrescidos de um prêmio de produção e das horas-extras. Quando necessário os operários fazem em média duas horas-extras diárias nos períodos de maior produção. A modalidade de pagamento adotada pela fábrica é quinzenal. [fim da página 93] Pagamento de 40% do valor do salário sem desconto na primeira quinzena à título de adiantamento. Na 2a. Quinzena descontam INSS e vale transporte. Os pagamentos de prêmios de produção são coletivos. O pagamento individual não estimula o trabalho coletivo, segundo a administração da fábrica.

Está em andamento um estudo para a criação na empresa de um setor de cargos e salários, onde o pagamento de salários seria feito de acordo com a função exercida e a responsabilidade de cada função. Destacamos que todas as funções pretendidas ou privilegiadas para ter um aumento do salário são funções masculinas, com a alegação que estas exigem um esforço maior. A costura está fora destes projetos por não exigir esforços físicos ou intelectuais por parte das operárias.

As vantagens oferecidas pela empresa são mínimas: vale transporte, médico do trabalho uma vez por semana. A fábrica não possui convênios. Apesar de não possuírem planos de saúde, com a chegada do novo supervisor de produção houve uma agilidade maior no sentido de firmar acordos/convênios com o SESI para instalação de um posto médico-odontológico em unidades móveis instalados no pátio da fábrica evitando deslocamento dos operários no horário de expediente para postos médicos na cidade.

O almoço é o próprio operário quem traz, a fábrica possui refeitório mas encontra-se desativado. O serviço de creche é visto como uma meta da empresa. Segundo a psicóloga, o histórico da empresa não permite sua abertura neste momento, apesar da parte física já estar pronta. Segundo o atual gerente de produção, a fábrica tinha a pretensão de terceirizar os serviços de refeitório, para tanto foi efetuada uma pesquisa com os operários. A maioria dos operários achou melhor trazer de casa a refeição, uma vez que já acordavam muito cedo para fazer as marmitas dos maridos, daí não ter sentido pagar refeição uma vez que podiam trazer de casa. Um outro argumento é que comeriam nas barraquinhas em frente à fábrica, onde a refeição sairia mais barata do que no restaurante. Preocupados com o alto custo das refeições, a fábrica decidiu cancelar a iniciativa pelas dificuldades apresentadas no retorno para a empresa que iria terceirizar os serviços.

Quase todas as indústrias do distrito fornecem a comida dos funcionários, do trabalhador. Lá nem um lanche, nem um café. Se derem um café escondido é a maior confusão. (...) O café é só para os chefes. Funcionária, costureira não tem direito de tomar nem uma gota, se tomar é chamada atenção, leva uma pequena repreensão. Tereza, Fábrica B.

[fim da página 94]

Os acidentes no trabalho mais comuns são: cortes superficiais de tesoura, furadas de agulha, e queimaduras, características do setor. Aqui também não houve casos fatais. Apesar de não terem fardamento, com a mudança de supervisor de produção, este passou a exigir que os operários viessem trabalhar usando sapatos fechados para evitar acidentes com as eventuais quedas de tesouras nos pés.

Existe o espaço para circulação de pessoal entre as máquinas e entre as linhas de montagem. No entanto, o supervisor alegou que o layout não é o desejável pois "tem muito espaço entre uma costureira e outra. Existem operações que exigem maior proximidade". Apesar da área construída da fábrica ocupar em torno de 60 % do terreno, não é proposta da gerência ampliar as instalações, uma vez que o espaço físico atende as necessidades da produção. Sendo pretensão passar o funcionamento da produção para dois turnos, com a alegação de que a mesma área física e equipamentos oferecem condições de dobrar a produção. Isto implicaria no dobro de efetivo de mão-de-obra, onde os custos indiretos seriam dissolvidos numa maior produção, permanecendo com o mesmo pessoal administrativo

O setor produtivo é localizado no primeiro andar que, em tese, facilitaria a circulação de ar. O ambiente de trabalho é claro e quente com teto de amianto(situação análoga a da fábrica A., veja-se p.31). O fluxo intenso de operárias nas escadas de entrada e saída provoca acidentes, existindo, para evitá-los uma escala de ordem de saída e entrada dos setores por turno.

A Fábrica C : A Empresa Pequena

O contato com a fábrica C se deu inicialmente por telefone, onde foi solicitada informações gerais sobre a empresa e a possibilidade de uma visita da equipe para conhecimento do processo de trabalho e da organização da Fábrica. A equipe foi recebida por um dos proprietários que concedeu as informações solicitadas através de uma entrevista em horário de expediente normal.

A empresa C IND. E COM de CONFECÇÕES LTDA., é uma empresa familiar gerenciada por dois irmãos que se dividem entre a parte administrativa e de produção, não existindo uma hierarquia intermediária entre funcionários e patrões, apenas uma supervisora no setor de costura. Diferencia-se das demais empresas pesquisadas pelo seu caráter direto e pessoal com que as questões do dia a dia são tratadas pelos próprios donos. Quando necessário, estes convocam reuniões em que as questões de [fim da página 95] disciplina, aumento de produção, reivindicações e outras, são tratadas diretamente.

Situa-se num bairro central da cidade de João Pessoa, estando prestes a mudar para novas instalações no Distrito Industrial onde pretende expandir sua produção. A parte de confecção será terceirizada (20). A matéria-prima: utilizada é a malha de todos os tipos. A matéria-prima é comprada no Rio de Janeiro e em São Paulo. O fio sai da Norfil, Citex e Brastex (localizadas em João Pessoa) e vai para o sul voltando para as confecções daqui retrabalhadas.

Fundada em 1990, emprega 30 funcionários, sendo oito indiretos (vendedores e sacoleiras). No escritório trabalham um homem e três mulheres e na produção oito homens e onze mulheres.

A empresa produz toda a linha de vestuário em malha num total de 15 produtos (camisetas, shorts, vestidos...) numa produção mensal de 2.000 peças. Apesar de não ter interesse em fabricar cuecas pelo seu alto custo, quando falta matéria-prima, para a produção não cair, eles as produzem como forma de aproveitamento de material. A empresa tem um projeto de investir em tecelagem, para não precisar comprar a matéria-prima do sul do país. Na atual sede deverá ficar o setor de vendas, e no Distrito Industrial a produção. Comparando o volume de vendas 94/95 houve uma queda de 40 % das vendas.

O destino da produção é o seguinte: 20% vai para o mercado nordestino, 40% para sacoleiras e público em geral no atacado e varejo e 40% dos pedidos são encomendas específicas (colégios, blocos de carnaval, peças de teatro).

A firma não tem condições de fazer estoque. Trabalha com a produção vendida seguindo uma das regras do sistema KANBAN onde a venda aciona a produção, discurso este utilizado pelo proprietário, preocupado com a modernização gerencial da fábrica.

A falta de qualificação de pessoal é atribuída ao nível escolar baixo, o qual vem a interferir na qualidade dos serviços. "O chefe de serigrafia não sabe ler, mas mantenho porque não há outro qualificado para exercer esta função", afirmou um dos sócios-proprietários. Posição referendada também por operárias mais escolarizadas:

... tem também o problema do nível, porque eu estou no meio, aí eu sinto as colegas, geralmente é quem não estudou, semi-analfabetas, né? Aí, o nível, o Q.I. é baixo, não permite que elas vá mais além, mais adiante. (...) Nas reuniões lá, as meninas [fim da página 96] ficam viradas comigo, porque eu digo: 'Seu Paulo, não tem condições, não. Basta mudar a cor, as meninas não sabem nem pra onde é que vai a coisa'. (...) ... pelo nível elas se desorientam facilmente. Angela, Fábrica C.

Organização da produção e processo de trabalho

Segundo depoimento de um dos sócios proprietários, a empresa está implantando programa de qualidade total. A empresa tem investido no trabalho de conscientização dos operários para evitar desperdício.

Um comitê se reúne uma vez por semana para avaliar o processo de produção, como por exemplo fazer o estudo de tempo das peças. Com o cronômetro medem várias vezes para estabelecer o tempo médio. Embora o discurso seja o da qualidade total e controle de estoques a preocupação básica assenta-se no controle de tempos e movimentos, o estabelecimento de tempos-padrão.

O setor de produção divide-se em dois. No primeiro concentram-se em uma mesma sala: enfestamento, costura, revisão, acabamento, passar e empacotamento das peças. No segundo, corte e serigrafia.

A produção se organiza da seguinte forma: O ponto de partida é o desenho das peças, o qual é feito manualmente, não utilizando qualquer recursos de micro-eletrônica. Em seguida os moldes são encaminhados para o setor de corte. O corte é feito por uma operária. São enfestadas para corte até oito polegadas de tecido por vez. A predominância de mão-de-obra masculina nas funções de enfestamento é justificada pelo fato deles carregarem 500 a 600 kg por dia. Em seguida, realiza-se a primeira contagem das peças para fazer o apuramento do custo, cálculo de perdas pelo peso do trapo na balança.

Cortadas as peças, separa-se a parte da frente para o setor de serigrafia quando tem desenho, senão vai direto para o casamento. No casamento das peças é feita a junção de todas as peças de uma roupa e encaminhadas para o setor de costura.

O processo de trabalho se organiza no esquema de linha de montagem, no entanto as máquinas de costura estão dispostas em forma de círculo para facilitar a transporte das peças e o aproveitamento do espaço físico bastante reduzido. O processo de confecção da camiseta de manga curta está dividido da seguinte forma: unir a parte da frente e a de traz pelo ombro; costura da gola; costura da cava da manga; costura das laterais da camiseta; fazer a barra da manga e da blusa. Os processos modificam-se de acordo com o produto a ser confeccionado. [fim da página 97]

A presença no setor de uma supervisora de costura, abastecendo as costureiras de peças casadas, entrega de linha, transporte para o setor seguinte, dentre outras atribuições. Os supervisores dos setores (corte, costura e serigrafia) funcionam também como encarregados, na medida em que também manuseiam o equipamento e fazem trabalhos auxiliares. Trabalham no setor seis costureiras, cuja produção é de 500 peças/9 horas. As máquinas utilizadas são novas, mas não de última geração: 4 overloques, 1 galoneira. Existe a pretensão de modificar as cadeiras para que elas se adequem ao peso e tamanho das operárias em atendimento a queixas das operárias.

Após a costura das peças, realiza-se a segunda contagem das peças. Estas, são enviadas para o acabamento, onde são retirados os restos de linha (atualmente é considerado o "gargalo" da produção). Nos momentos de paradas na produção, por quebras de máquina ou outros motivos, as costureiras vão para o acabamento das peças. Uma mulher dobra as peças passadas por dois homens. Nenhuma justificativa para a tarefa de passar as peças ser desempenhada por homens, considerada "pura coincidência". Por fim, o empacotamento é realizado por uma mulher.

Recrutamento e seleção

O recrutamento difere das demais em função de experiências vividas pela empresa, onde entram como fatores fundamentais o tamanho da fábrica e o caráter familiar e direto da gestão da produção. Com isso evita-se a indicação de operários e parentes para evitar o que chamam de galeras - turmas que se organizam informalmente à revelia da direção e se tornam ameaçadoras por se constituírem em maioria. Dessa forma a mão-de-obra é recrutada através do SINE, SESI, e programas de rádio (Programa Tony Show). As queixas mais freqüentes dos funcionários são de que faltam muito, ocasionando paradas na produção, mas repõem as faltas com trabalho. Cada falta pressupõe o pagamento de 03 dias:

... todo dia eu pago uma hora. Foi no enterro de minha sobrinha que eu tomava conta dela. Ela faleceu e ele disse que não dispensava. Levei atestado de óbito e tudo. Mas ele disse que só se fosse filho meu. Nem se fosse avô, meu pai ou minha mãe, ele não dispensava. Aí eu estou pagando. (...) Quando me aborrecer eu falto. Sexta-feira mesmo eu faltei. Fui levar os meninos para o médico. Levei atestado mas eles não aceitaram.(...) Este mês vou ver se não falto, porque quero pagar meus dias para [fim da página 98] ficar tudo legal. Em setembro vou faltar dois dias porque vou para Juazeiro com os meninos. (...) vou em excursão só para visitar mesmo. Nelma, Fábrica A.

Lá é assim: falta um dia e eles descontam três... A gente tem sempre que estar pagando. No meu caso eu vou morrer de pagar. Eu faltei três dias, quer dizer, tem bem uns nove dias...quando a gente pergunta eles explicam lá. Mas eu não entendo depois e fica por isso e pronto. Maria, Fábrica C.

O Setor de Pessoal é praticamente inexistente. O operário se inscreve faz o teste na máquina fora do horário de expediente "para não atrapalhar a produção" e é ou não selecionado. O registro em carteira também não é imediato. Uma funcionária entrevistada queixa-se da demora na assinatura da carteira de trabalho por parte dos proprietários, que extrapola, em muito, os três meses alegados, às vezes, para o registro.

Já faz sete meses que eu estou lá (...) A semana retrasada chegou a fiscalização e eu fiquei na casa do vigilante de 8 até 11 horas (...) porque eu não tenho carteira assinada. Uma colega estava igual comigo, mas já assinaram a carteira dela. Assim mesmo ela não gostou. Porque assinaram como se fosse um mês só. Isso a gente perde para tudo. Até para o PIS a gente perde. Nelma, Fábrica C.

Condições de trabalho

A empresa funciona com três turmas em horários diferenciados, todos no período diurno: o primeiro turno é da produção - de segunda a quinta das 7:00/11:30 e 12:30/17:00 e as sextas com saída às 16 horas; o segundo turno abrange o pessoal do Corte, Serigrafia e Artes 8:00/12:00 e 13:00/18:00 e o terceiro turno, o pessoal de escritório das 8:00/12:00/17:00 (Horário combinado quando um volta o outro sai). A carga horária semanal é de 44 horas.

Apesar do tamanho, a empresa oferece mais vantagens que as maiores aqui estudadas: Vale Transporte, Plano de Saúde UNIMED e Vale Refeição. O salário pago é o mínimo industrial (R$ 120,00 - 09/95) acrescido de prêmio de produtividade para as costureiras. O pessoal do corte ganha em torno de dois salários e meio. O pagamento é feito quinzenalmente. [fim da página 99]

Na reuniões entre funcionários e patrões a reivindicação de aumento de salário é um tema constante, uma entrevistada dá o seu depoimento:

... eu não sei nas outras fábricas assim do mesmo porte, acontece isso, mas por conta dele não querer pagar um profissional como um profissional merece, ele fica recebendo... ele aceita costureira iniciante. Iniciante que eu digo, não é que venha de um curso não, e que acha que é costureira, bota na cabeça que é costureira, chega lá e diz: 'Eu sou costureira'. Aí ele faz: 'Vá costurar". Ele manda costurar. Ele emprega gente sem experiência, que não sabe botar a linha na agulha, não sabe mudar o ponto da máquina pra elástico. Como a gente trabalha e uma depende da outra, aí engancha. Engancha e fica aquele negócio. A gente tem que estar ensinando o tempo todo. Isso atrapalha a produção. Eu disse a ele na última reunião: (...) 'então o senhor pague mais e pague ao profissional'. Aí ele diz: 'Mas você acha que um curso que tem 750 costureiras vai aprender?'. (E ela responde que:) 'Aqui o senhor dá um curso remunerado, aí atrapalha a gente. É pior'. (...) Ele prefere pagar pouco porque bom ou ruim, sai. Errado ou certo, sai. Angela, Fábrica C.

Eu acho que a gente trabalha muito e ganha pouco, muito pouco mesmo. Não compensa. Vão fazer uns sete meses que eu estou na fábrica C, mas não recebo abono dos meninos (ela tem 3 filhos). Recebo uma mixaria de salário. Salário lá embaixo. (...)

Comparando os salários recebidos nas fábricas do sul do país onde já trabalhou com o recebido na fábrica C, diz que:

Aqui o dinheiro é muito pouco. Se trabalha muito e ganha pouco. Lá a gente trabalha e gasta também. Mas a gente vê dinheiro na nossa mão. E agora, depois que entrou esse real o dinheiro desapareceu. Eu gosto de trabalhar. Só que nessa fábrica (...) eu não me sinto bem. Porque a gente nunca sabe quanto vai receber no final do mês, fica na dúvida se vai receber salário maior, menor, se continua o mesmo. Nelma, Fábrica C.

A empresa tem problemas de rotatividade de mão-de-obra atribuída ao fato da cidade não possuir centro de treinamento e falta de qualificação dos trabalhadores, além da baixa escolaridade, disciplina e "falta de educação", entendida como "certos hábitos não desejados dentro da fábrica como conversas, fofocas, gritos e outros". Um centro de profissionalização [fim da página 100] foi montado pelo estado no Distrito Industrial em atendimento a reivindicação do setor de vestuário. Atualmente este centro está em atividade, contudo o proprietário queixar-se de que está organizado de forma a atender as confecções que trabalham com tecido, pela utilização de máquinas-retas nas oficinas de capacitação, o que vem, por sua vez, a deixar de atender ao setor de malharia, que precisa de máquinas específicas para a confecção dos seus produtos. Uma outra reclamação diz respeito ao número excessivo de alunas, o que vem a interferir na qualidade do curso ministrado. No curso de costura oferecido todas as candidatas matriculadas são aprovadas, não havendo reprovação, tornando a eficácia do curso questionável. Segundo o proprietário da fábrica C: "A costureira boa não tem hoje em dia".

A empresa trabalha "terceirizando" uma parte da mão-de-obra. "À princípio era até contra a terceirização. A questão hoje é produção e custo". Treinam uma pessoa, deixam uma máquina em sua casa onde diariamente um carro da firma vai deixar e buscar as peças, como no faccionismo tradicional o trabalho a domicílio é mais barato: Na família eles se encarregam de repartir as tarefas. A produção é considerada maior e de mais qualidade entre as facccionistas, pois apenas 1% das peças voltam com defeitos.

Atribuem a má qualidade das peças mais ao maquinário utilizado do que a desqualificação da mão-de-obra. A produção dos "terceiros" responde por 40 % da produção da firma. O pagamento é feito por peças, não havendo critérios de divisão dos tipos de peças a serem confeccionadas pelos terceiros e pelos funcionários diretos. Contudo os primeiros produzem mais camisetas. Normalmente as operárias "terceirizadas" residem na periferia.

O discurso da terceirização escamoteia a velha prática da subcontratação. Abreu (1985) demonstra que, em 1976, os serviços contratados de costura externa pela indústria de confecção no país eram bem altas ou terceirizadas se quisermos atualizar o jargão: 40 % das empresas que produziam jeans em São Paulo, 36 % que fabricavam vestidos e 47 % das empresas que produziam ternos. No Nordeste os dados eram poucos significativos por só abrangerem as empresas que recebem incentivos da SUDENE, deixando de fora as pequenas e médias.

A fábrica está instalada em um velho casarão adaptado. Na parte da frente funcionam o setor de vendas ao consumidor, a loja para atendimento das sacoleiras e as salas da administração. Paredes de alvenaria cobertas pôr uma fina camada de cal; ausência de ventiladores; teto de zinco e telhas de amianto; chão feito com cimento batido; instalações elétricas [fim da página 101] aparecendo. Uma janela pequena no setor da produção que concentra enfartamento, casamento de peças, costura e acabamento. No setor de serigrafia manchas de tinta na parede, chão com terra e folhas, sem ventiladores, operários sem equipamentos de proteção, lixo no chão (pedaços de papel e plásticos).

Concluindo

As três fábricas, apesar das diferenças tem em comum o discurso da "conscientização" e da qualidade, em sua adaptação às condições concretas de funcionamento. Métodos tayloristas-fordistas convivem com experiências de flexibilização e maior participação operária, sem contrapartida em termos financeiros para os trabalhadores. As preocupações com novos mercados e competitividade não alteram fundamentalmente as relações de trabalho. Enquanto a fábrica A reduz o quadro e aumenta a produtividade, a B pensa em fazer ao contrário, não existindo políticas claras de gestão da força de trabalho e sim experiências que se aproximariam mais da japonização do fordismo em versão tropical do que efetivamente grandes mudanças na organização da produção. Considerando, obviamente que a dimensão da empresa e dos mercados que atendem, obrigam-na a ter uma maior preocupação com a produtividade e competitividade não apenas dada pela modernização tecnológica mas também das formas de gestão. Nas relações de trabalho, conforme diminui o tamanho da empresa diminui a observância das leis trabalhistas. Se na A o registro é imediato (agora em processo de tercerização) na C pode demorar indefinidamente, ou até a chegada da fiscalização. Em comum, a tendência a maior precarização, não nas pequenas onde a precariedade é norma, mas nas grandes através da subcontratação.

Evidencia-se a permanência de distintas formas de gestão conforme a inserção das fábricas no setor competitivo de uma economia em processo de globalização. A heterogeneidade do setor faz com que convivam distintas formas de produção onde o discurso da modernização, mesmo utilizando os mesmos jargões como qualidade, tercerização, flexibilização, concientização do operário, atribuem significados diferentes. Assim enquanto a multinacional experimenta formas de gestão desenvolvidas e discutidas internacionalmente, a média e a pequena discute ainda um padrão ótimo de cronometrar tempo e movimento.

Quanto a identidade operária, deve-se dizer que constitui um setor altamente fragmentado e "desqualificado" com uma grande rotatividade [fim da página 102] onde suas funções confundem-se - às vezes com o setor têxtil, sem contudo assumir o caráter de profissionalização característico deste. Além disso o caráter predominantemente feminino das funções do vestuário acentua os estereótipos de desqualificação e baixa mobilização deste contigente operário.

As novas formas de gestão aparecem dubiamente na representação das operárias da fabrica mais moderna: positivamente no sentido de uma maior participação no processo de trabalho e negativamente pelo baixo retorno pecuniário que representa assim como de intensificação do trabalho. Nas demais, a participação continua retórica..

Bibliografia

ABREU, Alice Rangel de Paiva. O Complexo da Moda no Rio de Janeiro. Série Estudos Ciências Sociais (8). Rio de Janeiro: UFRJ-IFCS-PPGS-LPS, junho de 1995.

BEAECHLER, Jean. Grupos e Sociabilidade. In: BOUDON, Raymond. Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

BUONFIGLIO, Ma Carmela et alli. Trabalho, Tecnologia e Organização do Trabalho no Setor Industrial da Paraíba. João Pessoa: ed. Universitária, 1994.

CORIAT, Benjamin. Ohno e a Escola Japonesa de Gestão da Produção. In: HIRATA, Helena. Sobre o "Modêlo" Japonês. São Paulo: EDUSP, 1993.

DIEESE. Reestruturação Produtiva. São Paulo: DIEESE, 1995.

LIMA, Jacob Carlos & FERREIRA, Brasília Carlos. Trabalhadores Urbanos no Nordeste. RBCS(30), fevereiro de 1996.

LIMA, Jacob Carlos. Trabalho e Cotidiano: Relatório de Pesquisa. João Pessoa: CNPq-PPGS-UFPb, setembro de 1995.

RAGO, Elisabeth. Do Cabaré ao Lar. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

SEBRAE. Relatório Regional. João Pessoa: s/d.

TAYLOR, F. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1982.

Notas

1) Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba.

2) Com a colaboração das pesquisadoras Iara Maria Araújo, Rita Maria Ramos e Senyra Martins Cavalcanti

3) Sobre a indústria do vstuário no Brasil o texto baseia-se em Abreu (1995).

4) SEBRAE, Relatório Regional (s.d.).

5) Veja-se Buonfíglio et al (1991: 38).

6) Este dado é estimativo, baseado em declarações do Sindicato da categoria para o qual a categoria está estimada(em 1995) em 4.400 trabalhadores incluídos os ocupados em indústrias de calçados(2800). Contudo o sindicato não possui dados seguros a esse respeito. Até a finalização desse relatório, não tivemos acesso a dados especificados por setor industrial do censo de 1991. A tabela 2 evidencia um número equivalente ao conjunto dos trabalhadores da categoria nas chamadas atividades têxteis domiciliares que inclui desde faccionistas a pequenas oficinas de redes artesanais.

7) Dado de 1995.

8) Dados da pesquisa "Inovações tecnológicas e processos de trabalho na indústria paraibana" - GT Tecnologia e Trabalho, 1991.

9) A definição de qualidade total abrange a fabricação do produto segundo especificações, grau de satisfação do consumidor, necessidade de adequação do produto pós-venda, qualidade de gerenciamento e de vida no trabalho entre outros (DIEESE:92).

10) Veja-se Buonfíglio et al (1994:51).Refere-se à amostra de 81,5% do universo total de indústrias com 50 ou mais empregados, no Estado da Paraíba.

11) Veja-se Coriat (1993).

12) Veja-se a obra clássica de Taylor sobre administração científica (1982).

13) A conceituação de sociabilidade como redes sociais é recuperada por Baechler(1995).

14) Sobre redes sociais informais no mercado de trabalho fabril veja-se Lima e Ferreira (1995).

15) Trata-se de uma experiência de terceirização da Fábrica A com relação à contratação de mão de obra, sendo tendencial a permanência após os tres meses dos operários terceirizados.

16) Talvez refira-se ao mercado nacional. Localmente situa-se na média, com horas extras e prêmios de produção em torno de R$150,00 para a costureira.

17) Veja-se sobre a estética fabril, a discussão sobre a substituição da "fábrica satânica" pela fábrica higiênica em Rago (1985).

18) Vasos feitos de palha de côco com armação de arame comuns na região.

19) No segundo semestre de 95 houve uma redução de 17 operários, ficando 92 operárias e 29 operários.

20) Leia-se aumentar a utilização de faccionistas.


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Número 12 - setembro de 1996  |  Número 13 - setembro de 1997  |   Número 14 - setembro de 1998  |  Número 15 - setembro de 1999
Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


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