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Política e Trabalho 12 - Setembro / 1996 - pp. 05-09


GEORG SIMMEL: Uma Apresentação

Simone Carneiro Maldonado(1)


"A posição do homem no mundo está determinada
pela circunstância de que, dentro de toda dimensão
das suas propriedades e da sua postura, se acha a
todo momento, entre dois limites. Isso se apresenta
como estrutura formal da nossa existência, estrutura
que nos seus diversos setores, ocupações e destinos
se enche a cada momento de um conteúdo sempre
distinto".

Georg SIMMEL, 1950.


Os dois textos do filósofo e sociólogo Georg Simmel por mim traduzidos do francês (1993), como aliás tem acontecido com artigos e textos seus, pedem não ser simplesmente repassados de um idioma para outro, não nos poupando de justificar a tradução com uma elaboração introdutória à sua leitura.

Antes de qualquer outro comentário, cabe explicitar mais uma vez (Wolff, 1950; Moraes Filho, 1983; Jankélévich, 1993) a dificuldade em traduzir-se os trabalhos de Georg Simmel do alemão, pela própria complexidade do seu texto, assim como as insatisfações a que se expõem os que o tentam traduzir do inglês ou do francês. Muitas vezes se sente que, (re)lidas no original, esta ou aquela frase (quem sabe?...) adquirissem outro significado, ou se explicitassem mais claramente.

Não obstante, a retomada das idéias deste homem tão pouco compreendido no seu tempo nos impele a contribuir para que mais trabalhos seus estejam acessíveis aos que hoje rediscutem Simmel, confrontando-o e cruzando a sua sociologia com a de Durkheim e a de Max Weber, para falar só de dois contemporâneos seus, desde sempre prestigiados pelo mundo acadêmico.

Outro traço que se acrescenta à complexidade e à originalidade do pensamento de Simmel é a amplitude temática dos seus trabalhos, a maior parte dos quais data do século passado. A epígrafe desta apresentação, por exemplo, se encontra no livro "La Intuición de la Vida", publicação [fim da página 05] argentina de 1950, mas cujas partes foram certamente escritas muito atrás.

Para alguém que via a sociedade através de formas, em processos de conflito, sociação, individuação, são surpreendentes os momentos em que deparamos com proposições cheias de transcendência nos textos de Simmel, o que lhe teria valido, na época em que os escreveu, o epíteto de psicologista (Wolff, 1950) e o descaso de muitos para com a sua sociologia.

A moderna ciência social, no entanto, (ver Moscovici ,1988.; Moraes e Filho, 1983; Heineman, 1989; Borlandi, 1989; Schmidt, 1989) vem usufruindo cada vez mais de espaços abertos por Simmel à via interpretativa e compreensiva do entendimento da sociedade, mais à maneira do seu amigo e contemporâneao Max Weber do que se imagina. Nessa perspectiva, em que "a nossa tarefa não é acusar nem perdoar, mas só entender"(Simmel, apud Moraes e Filho, 1983), Simmel estudou sociedades secretas, analisou obras de arte, escrutinou os meandros do mundo do dinheiro, e dedicou muito da sua reflexão ao espaço, o que é o caso de "A Ponte e a Porta" e "Filosofia da Paisagem".

O que importa neste trabalho, é ver sob que aspectos o fez, e também chamar a atenção para o recurso interpretativo e dialógico sugerido por ele ao avaliar os construtos da individualidade humana que estariam subsumidos ao seu conceito de cultura subjetiva. Passemos à primeira parte da tarefa.

O espaço está pensado nos dois artigos aqui expostos, basicamente em termos de associação e dissociação, de exterioridade e de interioridade enquanto disposições do homem perante a natureza que ora transforma em paisagem, ora inscreve em obra de arte. Para Simmel, a capacidade de traçar rotas e de inscrever, exteriorizando o que lhe é interior (pode-se aqui evocar a noção de Stimmung), são importantes feitos humanos. À diferença do animal "que supera distancias", o homem opera o milagre do caminho, percebe tratos de natureza como paisagens, e se dá a processos de associação e de dissociação.

A Ponte

"Só ao homem é dado associar e dissociar"
(Simmel, 1993)

Para abordar as possibilidades da díade associação\dissociação,Simmel se vale nesse exercício de exame da ontologia da ponte como [fim da página 06] ponto de partida para uma análise espacial das noções de separação\reaproximação como dois aspectos do mesmo ato. Nessa perspectiva, se deixa ver um dos pontos característicos do fazer sociológico e filosófico simmeliano de que mais nos servimos hoje, qual seja a complementaridade dos opostos. Mais do que isso, à semelhança dos "tipos ideais"weberianos, os 'tipos de sociedade'e as 'formas sociais"de Simmel não só não devem ser buscadas enquanto realidades históricas cabais na sua constituição, como "ganham uma forma empírica somente mediante o seu enfraquecimento(...) por conceitos opostos" (Simmel, 1900, apud Moraes Filho, 1983).

No texto sobre a ponte como metáfora para a "esfera volitiva do homem no espaço", ela liga partes da paisagem,reaproximando extremidades e compondo o caminho. A porta, outro elemento utilizado por Simmel nesse estudo sobre o espaço, não deixa de estar ligada aos mesmos princípios que a ponte, quais sejam os movimentos e sobretudo as possibilidades da administração do espaço pelo homem e da construção de perspectivas associativas\dissociativas, características da Sociologia simmeliana. Falando da porta, Simmel lembra outros aspectos também opostos entre si, como o abrir e o fechar, o entrar e o sair, que estão ontologicamente ligados à concepção, as possibilidades e o sentido da porta.Nessa análise, a parede e a janela são colocadas em interface com essas possibilidades. Todos esses mecanismos, portas, paredes, janelas, são parte da necessidade humana de dar-se limites, para em seguida lutar para ultrapassá-los, indicando a porta "uma total diferença de intenção a depender se se entra ou se se sai".

À diferença do silêncio da parede ("a parede é muda, a porta fala"), a janela se aparenta com a porta a título de ligação entre o espaço exterior e interior, porém numa direção unilateral. Nesse ponto, se diferencia dela, que é por natureza bilateral, comportando, como disse há pouco, a possibilidade de entrar e a possibilidade de sair.

A esta altura da tarefa, temos em "A Ponte e a Porta", ao tratar do espaço, uma série de considerações de Simmel sobre o(s) processo(s) de associação\dissociação, que resultam na bilateralidade da porta, na unilateralidade da janela, no silencio da parede e na multivocidade da ponte,características de elementos por ele escolhidos para desenvolver o seu raciocínio.

A Filosofia da Paisagem

Passo agora a comentar a Filosofia da Paisagem, em que Simmel retoma a noção de espaço também em termos de associação [fim da página 07] /dissociação reforçando os seus pressupostos básicos que são o da impossibilidade das "formas puras" e o da inevitabilidade da relação dos opostos. Neste caso no entanto, à diferença do artigo anterior em que se chega a aspectos da natureza de elementos aparentemente isolados, como a porta, a janela, a parede e a ponte, Simmel trabalha a natureza como forma de totalidade e a paisagem como conjunto de elementos presididos pelo que ele chama Stimmung.

Sendo este um dos conceitos fundamentais à leitura e ao entendimento da Filosofia da Paisagem, faz-se necessário um certo esclarecimento do que seja Stimmung. Esta palavra, traduzida ao pé da letra, significa estado de espírito, tom, tonalidade, sentimento pessoal. Na versão francesa (Jankélévich,1993), o termo foi mantido em alemão, e num pé de página, foi explicitado que o seu sentido aproximado seria o da palavra "mood"(que em inglês corresponderia a humor, estado de espírito). Como as versões do texto a mantiveram em alemão, optei por fazer o mesmo. No artigo em questão, é justamente esse sentimento da ordem da subjetividade e da afetividade que vai permitir que um determinado "pedaço de natureza venha a constituir uma paisagem.

Esta é a questão norteadora desta reflexão acerca do espaço: assim como "um monte de livros em si não constitui uma biblioteca", sendo necessário algo como uma intenção para que tal venha a existir, também a delimitação é uma necessidade para definir a base material da paisagem. Sem um conceito unificador, sem os sentimentos e modos de comportamento, colorações e tonalidades que a própria vida engendra, "um pedaço dissociado da natureza" não se poderia constituir em paisagem.

Já em 1913, data deste trabalho, Simmel falava da Stimmung como um horizonte, o conceito unificador que confere sentido aos construtos do olhar que, ao recair sobre a natureza, como que lhe isola um trecho, que mesmo se compondo de "um rio, casas, algumas árvores e o sol brilhando no céu", não constituiria necessariamente nem de maneira "natural"uma "paisagem".

Na verdade, trata-se de um processo afetivo exclusivamente humano.

É a subjetividade do olhar que vai permitir que se fale de paisagem quando na verdade o que se poderia ter ao isolar, dissociar elementos da natureza seja na fruição da vista seja na inscrição pictórica da obra de arte, nada mais seria do que "um pedaço de natureza".

Estes são os pontos sobre que se apoia a reflexão de Simmel nestes dois artigos, e cuja relevância justifica o empenho em os traduzir e apresentar. Em meio à multiplicidade de temas por ele tratados, o trato [fim da página 08] fenomenológico do espaço não é dos mais conhecidos nem dos mais comentados atualmente, e nos parece bastante instrumental para os leitores que desejem conhecer peças da sociologia simmeliana assim como para os que estejam à procura de uma análise conceitual sobre o espaço.

Bibliografia

BEJÁR, H. (1990). El ambito intimo. privacidad, individualismo y modernidad. Madrid: Alianza editorial.

CAVALLI, A.. (1989). Georg Simmel y Max Weber: um confronto su alcune questione de metodo. Rassegna Italiana di Sociologia XXX (4).

JANKELÉVITCH, E. (1988). Georg Simmel, la tragédia de la cultura. Paris:RivagesRoche.

MORAES FILHO, Evaristo, Org. (1983). Simmel. São Paulo: Ática.

SIMMEL, G. (1990). Philosophie de la modernité. Paris: Payot.

__________ . (1977). Sociologia 1 e 2. Madrid: Alianza Editorial.


1) Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba.


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Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


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