Copyright© 1996, 1997, 1998, 1999 PPGS-UFPb. Todos os Direitos Reservados. Nenhuma cópia deste artigo pode ser distribuída eletronicamente, em todo ou em parte, sem a permissão estrita da revista Política & Trabalho. Este modo revolucionário de publicação depende da confiança mútua entre o usuário e o editor. O conteúdo dos artigos publicados é de inteira responsabilidade de seus autores.

Política e Trabalho 12 - Setembro / 1996 - pp. 149-163


IMAGINÁRIO COLETIVO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: um estudo sobre o nome das barracas de São João em Campina Grande - Paraíba

Valdir José Morigi (1)


Os objetivos deste estudo são verificar como se manifesta o imaginário coletivo em Campina Grande - Paraíba, através da análise dos nomes das barracas localizadas no "Parque do Povo", local onde ocorre a festa de São João. Analisar, a partir daí, quais os significados simbólicos a que podem remeter tais nomes escolhidos pelos comerciantes e "barraqueiros" que participam das festividades juninas, bem como de que forma e quais os elementos simbólicos que contribuem para reforçar os laços de identidade dos diversos grupos sociais com a cultura local e quais as influências da indústria cultural na construção do imaginário coletivo neste espaço específico.

Tomar-se-á como objeto de análise os nomes das barracas, porque representam uma espécie de estratégia simbólica de concorrência pela preferência dos freqüentadores da festa. E, neste caso, alguns nomes, expressões populares e trocadilhos são uma apelação a alguns elementos do imaginário coletivo. Para tanto, propõe-se verificar o significado que possuem os nomes das barracas juninas para o imaginário coletivo, e como estas remetem a determinados universos simbólicos diferenciados. Enfim, procura-se conhecer, através das denominações das barracas, possíveis significados inconscientes ou mesmo conscientes, como o imaginário coletivo se manifesta permeado pelos traços ideológicos da cultura de massa nacional e estrangeira além de traços da cultura regional e local que se misturam.

Em junho de 1993, foi realizada a pesquisa de campo no Parque do Povo, com o objetivo de se levantar dados sobre a festa do São João. Desse levantamento chegou-se a um total de 400 barracas, das quais 245 eram identificadas através de "nomes" que resolveu-se agrupar segundo temas e, a partir daí, analisar os seus significados para o imaginário coletivo, [fim da página 149] tentando desvendar quais os tipos de valores e sentimentos que estão vinculados ao espaço coletivo da festa.

Sentiu-se uma certa dificuldade em classificar as 245 barracas em 10 temas principais, tal como está demonstrado na tabela no corpo do trabalho. Essas dificuldades são decorrentes do significado que tais expressões possuem. Muitas delas podem ser classificadas em duas ou três temáticas ao mesmo tempo. No entanto, optou-se por classificá-las de acordo com determinadas categorias de análise, passíveis de discussão, algumas das quais discutiremos no final do estudo.

Por outro lado, as nomeações das barracas não podem ser vistas separadas ou isoladas do contexto da festa como um todo cheio de significações. Da mesma forma, que tais expressões não podem ser dissociadas de sua sonoridade ou "sotaque" em que são verbalizadas. Nelas vamos encontrar expressões de duplo sentido que são também expressões regionais ou locais.

Metodologicamente, o estudo pode ser dividido em três momentos: a) Levantamento de campo do São João de 1993; b) Descrição da festa do Parque do Povo e das barracas, conforme dados obtidos através da observação participante; c) Análise do nome das barracas e conclusões.

O São João

Neste estudo, descrevemos o São João tal como o evento acontece no Parque do Povo. No entanto, a festa junina em Campina Grande não se limita a este espaço. Em todos os bairros da cidade ocorrem concursos de quadrilhas. Cada família acende sua fogueira e outros comportamentos típicos da época são adotados.

Além disso, as casas de shows promovem espetáculos noturnos com cantores regionais e locais. A Prefeitura Municipal e as agências de turismo locais organizam passeios para pontos turísticos da região. Outras atividades atrativas são realizadas no período da festa, as quais serão vistas posteriormente neste trabalho.

O mês de junho é o mês das festividades juninas, e em Campina Grande, na Paraíba, já se tornou tradição festejá-las, durante os trinta dias do mês, período intitulado pelas autoridades locais como o "maior São João do Mundo" (2). Durante as festividades, acontecem muitas atividades [fim da página 150] como danças, shows musicais, quadrilhas. O comércio, o setor imobiliário, o setor hoteleiro e o de pequenos proprietários se intensificam.

O "Parque do Povo", local onde se realiza a festa, passa a ser o centro de todas as atrações do evento, ficando todo decorado com motivos da época, luzes em forma de espigas de milho, balões e bandeiras multicores. Este parque possui uma área de aproximadamente 20.000 m2 e uma pista de dança coberta em forma de pirâmide, denominada de "forródromo". Ali as pessoas dançam "forró" ao som de conjuntos musicais regionais e locais.

Durante todo o mês, a "pirâmide" fica rodeada por um número imenso de barracas. Este espaço é todo loteado pela prefeitura. Aqueles interessados em participar do evento para comercializar comidas e bebidas, obrigatoriamente, terão que se cadastrar na Secretaria de Serviços Urbanos do Município (SSU), onde receberão a autorização para a instalação de suas barracas, em área delimitada pela Prefeitura. Esta área, conforme a posição e o espaço que cada barraca ocupa, diferencia a licença de instalação e o imposto cobrado. Após o cadastramento das barracas, a Secretaria divulga na imprensa local a relação dos "contemplados". A partir daí, os barraqueiros fazem todos os contatos e tomam todas as providências necessárias, que vão desde a montagem das barracas até a compra dos produtos a serem vendidos durante a festa.

Muitas empresas participam da organização externa e, de forma geral, da infra-estrutura do Parque. A Companhia de Eletricidade da Borborema (CELB), fica encarregada da iluminação. A Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (CAGEPA), trata das instalações hidráulicas. Os distribuidores de bebidas apoiam os barraqueiros, fornecendo-lhes mesas e cadeiras em troca da exclusividade dos seus produtos.

Cerca de 350 a 400 barracas ficam enfileiradas em quarteirões divididos por ruas com denominações juninas, tais como : "Rua da Pamonha"; "Rua da Canjica"; "Rua do Milho Verde"; "Rua do Xerém" e outras. Ali barraqueiros se instalam e põem à venda vários tipos de comidas típicas como milho verde assado ou cozido, pipoca, batata e bebidas. As barracas são padronizadas em três tamanhos: as de maior porte são denominadas de "pavilhões", que se constituem em extensões dos restaurantes e bares mais "sofisticados" da cidade, sob forma de filiais. As barracas do tipo médio são administradas por pequenos comerciantes e outras pessoas que resolvem investir no comércio. Enquanto as barracas menores são de pessoas com pouco poder de investimento, que ali procuram melhorar seu orçamento familiar, quando não para aproveitar a fonte ocasional de sobrevivência. [fim da página 151]

O Parque do Povo, por ser do "povo", é um espaço democrático, onde diferentes idades, raças, grupos, categorias profissionais, preferências políticas e sexuais se encontram, e juntos, festejam o São João. No entanto, existe uma segregação espacial que se intensifica através da localização das barracas, uma vez que o terreno é inclinado e, conseqüentemente, do público que as freqüenta.

Assim, na parte alta da pirâmide do Parque são instaladas as barracas de grandes e médios comerciantes da cidade, que são freqüentadas, principalmente, por membros das classes média e alta.

Na parte mais baixa, por sua vez, são instaladas as barracas dos pequenos comerciantes, que são freqüentadas por pessoas de baixa renda. Entre a parte inferior e a superior do Parque fica a pirâmide - "forródromo" -, onde todos se misturam. Mesmo assim, o grande número de pessoas que fica na pirâmide, dançando, observando ou namorando, pertence às classes de baixa renda.

Nesse sentido, a pirâmide pode ser vista como um ponto de transição de elementos distintos que por ali passam e nela se misturam, aglutinando, ao mesmo tempo, elementos opostos e contraditórios: o "rico" e o "pobre"; a "nobreza" e a "pobreza"; o "brega" e o "chique"; os "dominantes" e os "dominados".

Contudo, essa divisão ou segregação do espaço no Parque não é tão rígida. Todos, efetivamente, se deslocam e andam livremente em todo o espaço da festa.

As Atrações da Festa

A abertura das festividades é, no início do mês, ocasião em que se fazem presentes autoridades políticas, convidados especiais e o povo. O encerramento da festa acontece no último dia de Junho. Tanto num momento quanto em outro, são realizados shows pirotécnicos, soltam-se balões, sendo proporcionado ao público um espetáculo raro e colorido no céu da cidade.

Os shows artísticos que acontecem, durante os trinta dias de festa, compreendem não apenas apresentação de artistas, mas também os grupos de danças folclóricas, quadrilhas e orquestra sanfônica.

Em 1993, apresentaram-se 49 artistas e cada um deles fez uma média de 2 a 3 exibições em dias alternados. Segundo dados do Departamento de Turismo e Promoções do Município, foram gastos CR$ 1.066.000,00 com promoções artísticas. [fim da página 152]

Durante o São João, surgem muitos fatos e aspectos pitorescos no Parque do Povo, muitos deles servem de atração turística, como por exemplo: o "pau de Sebo", a "Rádio Caipira", que durante todo o ano funciona como emissora de rádio comum, muda para o estilo "caipira", trajando, inclusive a sua equipe, traje a rigor. Outra novidade que ocorreu, nesse mesmo ano, foi a montagem de uma pequena cidade cenográfica, retratando uma vila típica do interior nordestino: algumas casas enfileiradas, a prefeitura, a igreja e o arraial.

Nesse mesmo ano, esteve presente a Rede Globo de Televisão e sua equipe, que fizeram várias filmagens da festa para o "Programa Legal", exibido geralmente às terças-feiras na referida emissora.

As atrações não ocorrem apenas à noite, mas durante todo o dia. Em vários lugares há apresentações de quadrilhas nos bairros, praças, rodoviária e no Aeroporto. Além disso, a Secretaria de Turismo, junto com as empresas promovem corridas de pedestrianismo, de ciclistas e do "Jegue". Ocorrem ainda a "burreata", o campeonato de argolinha (Cavalhada) e o tradicional "Passeio Forroviário", que vai até o sítio arqueológico do Ingá, conhecer as Itacoatiaras - pedras rústicas com inscrições milenares e, ainda hoje, não decifradas por estudiosos. Os passeios são animados por conjuntos de forró, que, em cada vagão, promovem verdadeiros "arrasta-pés".

As Barracas

As barracas geralmente são de lona impermeável, em várias cores e tonalidades, todas enfeitadas e decoradas, segundo a imaginação e posses do proprietário.

Cada barraca é identificada por um nome e é sobre as suas denominações que nosso trabalho está centrado. Cada barraca é um microcosmo dentro do macrocosmo. Ela é um núcleo diferenciado do sistema que a envolve. Cada uma delas revela uma tendência de procura por afinidade. E, através do nome - veículo de apelação - são catalizadas determinadas categorias específicas de identidade.

A coisa nomeada, ao nível do imaginário do freqüentador, se materializa uma certa expectativa sugerida pelo nome. Pois ela é, ao mesmo tempo, um espaço mediador que estabelece as diferenciações entre o processo de individuação e o indiferenciado, o geral, a massa, o "povo", a "gente" e as pessoas.

Segundo Roberto Da Matta, a noção de indivíduo e pessoa não são noções dissociadas entre si. Ao contrário, elas convivem em vários [fim da página 153] graus em todas as sociedades. O autor afirma, ao se referir ao caso brasileiro, que temos uma sociedade que se diz igualitária, mas que, no entanto, é profundamente hierarquizada. Assim, no sistema de pessoas "todos se conhecem, se respeitam e nunca ultrapassam seus limites. Todos conhecem seus lugares e ali ficam satisfeitos" (Da Matta, 1983: 180). Nesta esfera todos são "gente" e trocam solidariedade e um tratamento diferenciado. Enquanto que no sistema de indivíduos este entram "em cena todas as vezes que estamos diante da autoridade impessoal que representa a lei universalizante, a ser aplicada para todos" (Da Matta, 1983: 183). Desta forma, "receber a letra fria e dura da lei é tornar-se imediatamente um indivíduo, pois é a ele que são destinadas as normas da repressão" (Da Matta, 1983: 183).

No entanto, na festa, estes sistemas podem sofrer uma inversão. As pessoas tornam-se indivíduos, à medida que participam do evento, aceitam suas regras gerais (de folia e de brincadeira), tornando-se anônimas. O mesmo pode ocorrer com o indivíduo que de anônimo pode tornar-se "pessoa conhecida, solidária, dotada de personalidade e expressividade" (Ribeiro Jr., 1982: 31).

Nesse processo de inversão, no São João, as barracas e seus nomes possuem um papel fundamental, pois funcionam, não apenas como um ponto de encontro, de referência espacial implícita a pessoas, mas resgatam uma referência socio-cultural-econômica dos indivíduos e suas preferências.

A seguir, apresentamos uma das classificações possíveis, elaboradas a partir do levantamento realizado. As barracas foram classificadas segundo os eixos temáticos principais em que se organizam: 23% referem-se a temáticas regionais e local; 17,1% a expressões de duplo sentido; 14,2% relacionam-se a influência da indústria cultural (músicas, novelas e programas de rádio e TV); 13,8% expressões estrangeiras misturadas com locais; 9,3% nomes de pessoas; 8,1% nomes de regiões, estado e municípios; 6,5% referem-se a alegria, felicidade, nostalgia e saudade; 3,2% alude a nomes de animais; 2% liga-se a desvio, transgressão às normas sociais e 2,4% a outros temas.

1) Uma das formas do nordestino mostrar seus valores e a sua "regionalidade" (3) e "autenticidade" para com as raízes regionais, além das [fim da página 154] músicas e das danças é através dos termos e expressões regionais presentes no seu cotidiano e que aparecem nos nomes de algumas barracas. Vejam-se: "Xaxado", "Muié Rendeira", "Mió que tem", "O Forrozão", "Ô Peste", "Valeu Boi", "Asa Branca", "Tá k gota", "Aconchego Nordestino", "Tá bom demais", "Vila Forró", "K de ocê", "Ocê ki quis", "III Região do Forró", "Xamego Bom", "Aproxegue", "Cheinheinhem", "Esquininho do Arraiá", "Trupizupe".

2) Os temas das barracas demonstrados, através das expressões de duplo sentido, revelam um aspecto muito particular da cultura nordestina, que é o humor, a brincadeira e o riso que isso pode provocar, com as rimas ou simples troca de letras em uma palavra. Os órgãos genitais do corpo humano, suas excreções e proximidades são os mais invocados através do uso de metáforas e substantivos figurados para denominá-los: "Jogo de cintura"; "cabaços"; "xixi de moça"; "Rola axé K"; "Pau do índio"; "A pomba vuuôu"; "Rala o pinto"; "Cunhão"; "Saco"; "Amor que fica" e "Kabeça feita".

Enquanto que, ao nível da ação, prevalecem os seguintes verbos: vir, ter - "Vem que ôce tem"-, aprochegar - "Aproxegue" -, caçar, procurar, catar, encontrar, achar - "Caçador"; "Quem procura acha"; "Kate e encontre" -, dar, beber - "Se ninguém der eu bebo 32" -, agarrar, rodar, mexer, arrochar, xamegar - "Agarradinhos no forró"; "Roda menina"; "Mexe"; "Arrochados na taba"; "Xamego bom"; "Xamego sokunos" -, amar - "Se amar" e "Amor meu" -, ralar, voar, cunhar, pirar - "Rala o pinto"; Ä pomba vuuôu"; "Cunhão"; "Piratarados" -, ficar - "Amor que fica" -, arribar - "Aonde o vento arriba a saia". Ainda outros: "Alta tensão"; "Depois do escuro"; "Só + uma"; "Xodó das meninas".

Assim, as barracas estão diluídas no conjunto da festa de São João, no Parque do Povo. Cada nomeação sugere, ao nível do simbólico, uma ou várias interpretações e/ou estórias;

Desta forma, na festa, o "vento" pode arribar a "saia" e num "jogo de cintura", o corpo "mexe" e "roda menina", ficando-se em "Alta tensão", com um "xamego bom", não resta dúvida, que, "depois do escuro" a "kabeça feita", "arrochados na taba", a "pomba" voa e "rola axé K", "xixi de moça", "pau do índio", tiram-se "cabaços", rala-se o "pinto", o "saco", o "cunhão", "agarradinhos no forró". Isso que é "se amar", "amor [fim da página 155] meu", porque o amor verdadeiro é o "amor que fica", pois este é o "xodó das meninas".

Em relação a essa peculiaridade da cultura nordestina, é interessante observar que as letras das músicas locais, o "forró", também estão repletas de expressões e palavras usadas com duplo sentido. Os mais conhecidos aqui no Nordeste são Genival Lacerda, também conhecido a nível nacional, pela letra de "Severina Xique-xique" (4).

3) Os aspectos reforçados pela mídia (TV, rádios, jornais, agências de publicidade etc) estão presentes no São João de diversas formas: na divulgação de shows, propagandas de produtos e na denominação das barracas através do sucesso de bandas musicais, programas e novelas de TV, ou seus personagens, que atingem grandes percentuais de audiência e que a mídia veiculou ou veicula a nível nacional.

Assim, segundo a abordagem dos frankfurtianos (Korkheimer e Adorno), a indústria cultural manipularia e alienaria as massas, uma vez que esta perspectiva, vê os meios de comunicação como sendo os responsáveis pela atrofiação da imaginação e da espontaneidade dos consumidores (Assoun, 1989).

Diferentemente da visão dos teóricos da escola crítica, Bourdieu percebe a questão da indústria cultural seguindo a mesma lógica de fabricação de bens materiais na sociedade capitalista. Ela é parte de um sistema que engendra a criação de bens simbólicos para distribuir ao grande público. Segundo esta concepção, seria impossível a sociedade capitalista, que se fundamenta da dominação de uma classe, manter-se hegemonicamente se não utilizasse mecanismos ideológicos e legitimadores no campo da linguagem, da cultura e da vida cotidiana em que a ideologia se constitui em componente essencial para produção e reprodução da lógica capitalista (Bourdieu, 1981).

Desta forma, na festa junina, através da nomeação das barracas, promove-se a produção de públicos consumidores, criando-se, ao mesmo tempo, condições para inculcar determinados "gostos", "estilos" e "emoções". Como parecem atestar os nomes das seguintes barracas: "Cara Caramba", "O Bicho", "Alegria, Alegria", "Caboclo Sonhador", "Amor Meu", "É Proibido Cochilar", "A Volta do Boêmio", "Chiclete com Banana", "Cheiro de Amor" (5); novelas e programas de TV: [fim da página 156] "Bambolê", "Sassaricando", "Chega Mais", "Paraíso", "Gente Fina", "A Moreninha", "Tieta", "Renascer", "Xodó da Jacutinga", "Dona Patroa", "Jacutinga", "Caipira FM", "Aqui e Agora", "Arraiá do Papa-Tudo". Como afirma Leal: "a legitimidade da produção cultural será proporcional à capacidade da indústria cultural em interpretar as representações coletivas que, implícita ou explicitamente, asseguram a coesão do sistema e a circulação nos diversos grupos sociais das idéias dominantes" (Leal, 1986: 23).

4) Neste mesmo espaço vai-se deparar com outros sentimentos e valores que expressam a dominação cultural do Nordeste, em que a presença do "estrangeiro", do "novo" e do "moderno" se configura através de expressões em outras línguas combinadas com expressões locais ou mesmo determinados "estrangeirismos" como atestam alguns nomes de barracas: "Skinódromo", "Batata Country", "Forroka", "Krep's Suiço", "Folklore", "Flex Forma", "Birynight", "Frelito's", "Bertho's Drinkhis", "Dominick Bar", "Biata Godê Reverse", "Escolinha Mister Pato", "Forrótary", "Village", "Forno Flay", "Sallon", "Frit's", "Choppilek".

Na verdade, o que se observa no espaço da festa junina é uma luta interna de grupos sociais que tentam impor "suas" representações, conjunto de imagens mentais, percepções e/ou formas de encarar o mundo.

Bourdieu, ao se referir às representações, prefere colocá-las dentro de um contexto mais amplo da sociedade em que grupos sociais em constante luta pelo poder, continuamente tentam impor a outros grupos o seu arbítrio e a sua visão sobre o real, tais grupos lutam pelo monopólio de "fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e por meio deste fazer e desfazer dos grupos" (Bourdieu, 1989: 113). Assim, segundo esta abordagem, o poder de um grupo sobre os outros está diretamente associado a sua capacidade de impor e de manipular o sentido de imagens mentais (o poder simbólico), ligadas a uma visão única de sua identidade e a uma visão idêntica de sua unidade enquanto grupo social. Faz os grupos sociais crerem em princípios de visão e divisão comuns, baseados em imposições de percepções e de categorias de percepções reconhecidas pelos outros que, ao mesmo tempo, explicam e determinam a identidade e o seu lugar na sociedade, quer sejam como dominados ou como dominantes (Bourdieu, 1989).

Assim, os valores, os sistemas de percepção, de sensibilidade, de afeto, de imagens, os sentimentos de identidade, "regionalidade", autenticidade, "modernidade" expressos nos nomes das barracas podem refletir [fim da página 157] as "marcas" dos agenciamentos coletivos de enunciação (a mídia), que fazem parte de um processo de produção de subjetividades, tal como Guattari emprega o termo, pois segundo ele, os indivíduos são resultado de uma produção de massa.

Na sociedade, "o indivíduo é serializado, registrado e modelado. Para o autor, o conceito de subjetividade possui uma definição mais ampla. Ela não é passível de totalização ou centralização apenas no indivíduo, pois este consome sistemas de representação, de sensibilidade que nada têm a ver com categorias naturais e universais. A subjetividade é fabricada e modelada no registro social" (Guattari, 1986: 31). Neste processo, grupos sociais - comerciantes, empresários e autoridades do governo - lutam pelo controle dos agentes de enunciação, tentando garantir para si o monopólio do poder e da dominação simbólica.

5) Além desses sentimentos, outros são possíveis, tais como aquele dos migrantes que demonstram seu sentimento de pertencimento, saudade com raízes regionais e locais, o que reforçaria a tese de que o Nordeste foi construído simbolicamente como um espaço de saudade. Saudade alimentada do passado pelos filhos de famílias tradicionais e seus descendentes que foram entrando em declínio com as transformações históricas. Como afirma Albuquerque Jr.: "Ele é um espaço de saudades para milhares de homens pobres, do campo, que foram obrigados a deixar seu local de nascimento, suas terras, para migrarem em direção do Sul..." (Albuquerque Jr., 1994: 214), que podem ser vistas através dos seguintes nomes: "Tocantins", "Cajazeiras", "Porto Seguro", "Boa Vista", "Pombal", "Princesa da Borborema", "Cariri", "Os Quatro Cantos".

6) Outro aspecto perceptível é a freqüência do uso de nomes de pessoas ou seus apelidos nas barracas, tais como: "Fernando", "Felix", "Sérgio" "Jaime", "Braz", "Castelo", "Socorro", "Sayonara", "Maria Cristina", "Lúcia", "Zé Neto", "Dado", "Tio Paulo", "D. Nega", "Nevinha", "Benzinha" e "Bia". Esses nomes podem revelar o grau de prestígio, quer seja pela posição que eles ocupam na comunidade, quer seja pelos seus talentos, aptidões, ou pelo poder e funções que estes exercem na sociedade e, que de certa forma, já foram aprovados, atestados e por isso são recomendados a todos. Também podem revelar o grau de sociabilidade e a forma deste interagir com o público, com "a gente", com "o povo". Ao mesmo tempo, que nos permite entender melhor a dicotomia entre a noção de indivíduo e pessoa e as relações interativas no interior das festas, tal como aponta Roberto Da Matta (Da Matta, 1983). À [fim da página 158] medida que as barracas e suas denominações funcionam como um ponto de referência espacial implícito a pessoas e uma referência sócio-cultural-econômica dos indivíduos, suas identidades e preferências.

7) Vamos perceber sentimentos de saudade, nostalgia, alegria e felicidade, mesclados de paisagens bucólicas e românticas do campo. Eles nos remetem a "paisagens", "cenários", "lugares", guardados na memória e nas lembranças de um tempo em que o homem se relacionava com a natureza de forma harmoniosa. Um lugar distante que permaneceu na memória, onde é possível o homem viver e se encontrar com a sua essência, pois lá não há relógio, e o tempo é marcado pelo nascer e pelo pôr do sol. Os mistérios das fases da lua são obedecidos e a competição e exploração do trabalho são desconhecidas. Tal como são expressas no nome das seguintes barracas: "Flor do Campo", "Luar do Sertão", "Luar Agreste", "Arraial da Felicidade", "Recanto da Serra", "Aconchego de Campina", "Renascer do Sol", "Anel do Brejo", "O Rancho", "Luar", "Canto de Alumiá", "Arraial do Sol".

8) Nesta parte em que alinhavou-se alguns conceitos teóricos para a interpretação de nosso objeto de pesquisa, não poderíamos deixar de mencionar os aspectos totêmicos presentes na nomeação das barracas do São João de Campina Grande. O totemismo - em última análise, um sistema de classificação - desempenha, através dos operadores totêmicos, a nomeação de diferenças e o estabelecimento da noção de complementariedade entre os termos de uma classificação, conforme Lévi-Strauss (1970-1975) e outros autores.

Se nas sociedade primitivas o totemismo se encarregava de ligar a natureza e a cultura - associando aos diversos clãs (sujeitos sociais) espécies animais (sujeitos da natureza), sintetizando através destas as principais características daqueles -, modernamente, numa sociedade onde a produção e o mercado compõem a díade fundadora, o totemismo atua no sentido de juntar a esfera de produção e a esfera do consumo (Rocha, E. P., 1985: 107).

No processo de nomeação das barracas, origina-se uma classificação que, de maneira semelhante à forma de atuação de outros sistemas classificatórios, funciona no sentido de produzir, comunicar e articular um conjunto de conhecimentos, de informações e de impressões que se fixam no espaço do imaginário coletivo.

A festa de São João, originalmente uma celebração popular rural, tem sido gradativamente absorvida pelo capital, e o seu aspecto mercadológico [fim da página 159] é preponderante, notadamente em Campina Grande, já que se transformou em um dos principais "negócios" para a cidade. Nesse contexto, os nomes das barracas atuam como operadores totêmicos, funcionando no sentido de, esconder o caráter indiferenciado dos produtos - as barracas - e de produzir uma noção de complementaridade, ao remeter a significados e símbolos todos pertencentes ao conjunto do imaginário coletivo dos freqüentadores da festa.

Através da escolha dos nomes para as barracas, estas, num determinado momento, indiferenciadas - há um núcleo comum no que se refere ao oferecimento de serviços -, assumem um aspecto diferenciado pelo mecanismo de associação a "identidades", "situações" e "emoções", "estilos de vida", "paisagens" e outros elementos do imaginário coletivo dos freqüentadores da festa a que remetem.

Aí se encontra a essência do totemismo: articular diferenças em uma série (espécies animais/nomes de barracas) com diferenças em outra(s) série(s) (clãs freqüentadores da festa - suas identidades, origens geográficas, emoções, gosto estético, universos lingüísticos e outros elementos do imaginário coletivo), como atestam os nomes das seguintes barracas: "Do Boi", "Do Galo", "Olho de Gato", "Toca do Beija-Flor", "Só Codorna", "Do Touro".

9) Outros aspectos percebidos na festa junina são aqueles relacionados à transgressão das normas e regras sociais que passam pela noção simbólica do "permitido" e do "proibido" na sociedade. No espaço da festa a ordem é festejar, dançar, pular, cantar, homenagear, comer, beber, namorar... Nela não existe um código específico que limite ou delimite as relações entre os membros participantes da festa. Os códigos de permissividade ou não de certas relações são os mesmos do cotidiano. Mas é na festa que alguns comportamentos são realçados.

Assim, as "paqueras", os "flertes", os "encontros" que ocorrem entre homens, mulheres, homossexuais, "bichas", "bofes", "sapatões", "bêbados", "drogados", "safados", entre outros, não são apenas evidenciados, como é um espaço onde a freqüência de minorias estimatizadas também ocorre como demonstram as seguintes barracas: "Qualquer coisa"; "Os Desajustados"; "Alternativa"; "O Cafetão", "Piratarados"; "Quem Procura Acha"; "Se Ninguém der eu Bebo 32"; "Olhou Ficou".

O aspecto ideológico também é perceptível na identificação dos nomes das barracas em que o masculino prevalece sobre o feminino entre a escolha dos nomes. Por exemplo, não se encontra "Barraca da Vaca" nem "Da Galinha", mas "Barraca do Boi" e "Do Touro", "Do Bode", "Do [fim da página 160] Galo". O "olho" é do gato e não da gata e a "toca" é do beija-flor. Essa noção, embora inconsciente, pode revelar o aspecto machista da cultura nordestina. A figura feminina aparece associada aos seguintes atributos: idealizada - em que a beleza da mulher é realçada - "Barraca Moça Bonita", "Barraca da Boneca", "A Moreninha"; trabalhadeira e respeitada: "Barraca Muié Rendeira", "A Sertaneja", "Frutos do Mar de Dona Naná", "Dona Nega", "Da Socorro", "Da Lúcia", "Nevinha", "Lá em Rejane"; forte, sedutora e famosa: barracas "Dona Patroa", "Jacutinga", "Tieta", "Arrasta pé da Maria", "Roda Menina", "Xodó das Meninas" e "Xixi de Moça".

A figura masculina aparece realçada por atributos relacionados a coragem, força e poder, tais como é possível perceber nas seguintes denominações: "O Vilão", "Ô Caçador", "Do Caçador", "O Mourão", "A Volta do Boêmio", "O Cunhão", "Rala o Pinto", "Do Braz" (Nome de empresa), "Do Felix" (Nome do Prefeito), "Lula 94" e "São João". O próprio nome da festa é masculino, e em sua homenagem festeja-se, canta-se, dança-se, come-se e a ele se dirigem votos de agradecimentos.

Assim, no espaço da festa junina, as diferenças ideológicas entre os sexos são mantidas e reproduzidas, através de noções simbólicas em que o masculino aparece muito mais como sujeito da ação, pois o homem é o protagonista, ele "volta", "caça", "cunha", "rala" e "manda", enquanto que a mulher é "bela", "trabalhadora", "sedutora" e "submissa", com exceção daquelas que aparecem nas ficções ou foram/são personagens de novelas como no caso de "Tieta", "Jacutinga" e "Dona Patroa".

No entanto, percebe-se que algumas barracas procuram atrair um tipo de público específico, como por exemplo, através do gosto musical: "O Forrozão", "Forromania", "Xaxado", "Baião"; orientações políticas: "Lula 94", "PT"; preferências sexuais: "Qualquer Coisa", "Alternativa", "O Cafetão", "Em Cantos"; escolaridade: "Alconomia", "Comunicação"; faixa etária: "Forrotary", "Saloon Country", "Ponto 43"; tipo de comida: "Mocotó da Maria", "Creme", Cuscuz", Pamonha", "Milho Verde", "Pão Italiano", "Center Pizza"; tipo de bebida: "Papo e Chopp", "Choppilek", "Birynight", "Caipifruta".

Conclusão

O imaginário no espaço da festa também é coletivo, operando mais ou menos como uma "colcha de retalhos", no sentido de um "brecoleur" como define Lévi-Strauss (1976: 57), onde cada "pedaço" se [fim da página 162] incorpora a sua própria forma, com certa dose de conteúdo, que é aproximadamente igual para todos. Isto é, cada elemento, ou cada pedaço da festa, ou mesmo cada barraca, é visto dentro de um conjunto - o São João -. Enquanto que estes pedaços nele existentes remetem-nos a mundos e universos simbólicos distintos e diferenciados de um determinado tempo em que "o novo e o velho", o "rural e o urbano", o "sonho e a realidade", o "local e o regional", o "nacional e o estrangeiro" se misturam e se mesclam com paisagens da natureza: Sol, Lua, Serra, Flor, imagens que não deixam de estar associadas a uma visão romântica do campo, como lugar da felicidade, remontando a um passado que deixou saudades a algum camponês que migrou para a cidade. Assim, é possível perceber no espaço da festa do São João, através dos nomes das barracas quais os valores e os sentimentos que eles representam e como operam esses valores dentro de um espaço extremamente concorrido e competitivo que é a festa no seu aspecto comercial.

A festa do São João tal como é festejada, vivida pelos nordestinos e divulgada a nível nacional, mostra um "São João" enquanto um elemento "típico" da cultura e identidade do povo nordestino, quando, na verdade, pode ser apenas um elemento apropriado e construído por grupos interessados em veicular a nível nacional e internacional a imagem do Nordeste e dos nordestinos.

Bibliografia

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. O engenho anti-moderno: a invenção do Nordeste e outras artes. Campinas: Unicamp, 1994 (tese de doutorado do Depto História do IFCH, Unicamp - São Paulo).

ARAÚJO, Rosângela de. Sob o signo da canção: uma análise dos festivais nativistas no Rio Grande do Sul. Águas de São Pedro, 1987. Trabalho apresentado no XI Encontro Anual da ANPOCS (mimeo).

ASSOUN, Paul-Laurent. A escola de Frankfurt. Lisboa: Dom Quixote, 1989.

BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1982.

___. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. (Col. Memória e Sociedade).

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

GUARESCHI, Pedrinho. Comunicação e poder: a presença e o papel dos meios de comunicação de massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1981.

GUATTARI, Felix & ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

LEAL, Ondina Fachel. A leitura social da novela das oito. Petrópolis: Vozes, 1986.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 2 ed. São Paulo: Nacional, 1976.

MORIGI, Valdir José. Festas camponesas: um estudo em Estrela-RS. Porto Alegre: UFRGS, 1988. (Dissertação de Mestrado em Sociologia Rural).

RIBEIRO JR., Jorge Cláudio Noel. A festa do povo. Petrópolis: Vozes, 1982.

ROCHA, Everardo G. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Notas

1) Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba.

2) Existe uma disputa entre Campina Grande (PB) e Caruaru (PE), enquanto que a primeira afirma realizar "o maior São João do mundo" a outra diz promover "o maior São João do Brasil".

3) Esta noção de regionalidade está relacionada ao conceito de região - diferentemente da noção de espaço físico e econômico delimitado geograficamente tal como define a geografia - mas é um espaço socialmente e simbolicamente construído com base nas relações de poder, onde existem conflitos e disputas entre grupos pelo poder econômico, político e simbólico, é uma visão estratégica do espaço. Para aprofundamento da discussão ver Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa, Difel, 1989, p. 108-111 e também Albuquerque Júnior, Durval Muniz. O Engenho Anti-Moderno: a invenção do nordeste e outras falas. Campinas, Unicamp, 1994 (tese de doutoramento do Depto de História do I.F.C.H. da Unicamp-SP). p. 7-10.

4) A respeito deste tema é possível realizar outra investigação. Neste estudo propomos investigar apenas os nomes de duplo sentido das barracas.

5) São grandes sucessos musicais de bandas baianas e a sua própria denominação e também de cantores locais como é o caso da música "Caboclo Sonhador" de Flávio José.


Índice Principal  |  Normas Para Publicação
Número 12 - setembro de 1996  |  Número 13 - setembro de 1997  |   Número 14 - setembro de 1998  |  Número 15 - setembro de 1999
Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


This page hosted by

Get Your Own Free Home Page