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Política e Trabalho 13 - Setembro / 1997 - pp. 240-242


CIÊNCIA E VALORES

Giovanni Boaes(1)


LAZARTE, Rolando. Max Weber; Ciência e Valores. São Paulo: Cortez, 1996.


Todo texto, científico ou não, apresenta três elementos a saber: o conteúdo da mensagem que pode se mostrar ou não, nos níveis do posto, do pressuposto e do implícito; o segundo elemento é o estilo do próprio autor de combinar e expressar a mensagem com componentes de determinada "rede de conversações", e por último, temos o nível de interpretação que fica por conta do leitor.

Este livro, retrata uma verdadeira guerra entre esses elementos (conteúdos/idéias, estilo e interpretação) nas perspectivas de alguns comentadores de Weber. Emulam nos níveis do posto, pressuposto e implícito desta obra, aqueles que querem dar a Weber um rótulo oficial, e aqueles que pretendem fazer um retrato de um Weber alternativo. O primeiro grupo é representado por autores como Gabriel Cohn, Adorno e Horkheimer, o segundo grupo é encabeçado pelo próprio autor do livro, em parceria teórica com Jarspers, Freund e Geertz, principalmente.

O fato de termos conhecido o professor Rolando Lazarte, despertou-nos interesse pelos seus escritos, visto que é real a coerência que procura manter entre o que escreve e o que/como ensina. Entretanto, isto não nos isenta de qualquer incapacidade de percebê-lo com devida justiça, ao tentarmos resenhar seu livro. Além do mais, trata-se de um texto sobre Weber, o que por si só já determina difícil e complicada tarefa de leitura, e mais difícil fica quando entre Weber e nós, encontramos a sensibilidade, a paixão e o sofrimento do professor Rolando. Temos um texto que foge aos rigores acadêmicos: na sua fala o autor passeia da razão para a emoção, e desta para a razão, em trânsito dialético, sem nenhuma dificuldade para ele, e sem causar embaraço para o leitor. É-lhe mister não divorciar o existencial do científico.

Este livro trata de uma apaixonada crítica à Sociologia, não a qualquer sociologia, mas àquela [fim da página 240] que o autor chamou de "cidadela sociológica"ou "forma dominante de fazer sociologia", que ele acusa de ser desumanizante/alienante, pois desenvolve um conhecimento unilateral na perspectiva intelectualista-racionalista-cientificista de tradição Iluminista.

Diante da crise deste tipo de fazer sociologia, o autor busca rascunhar uma nova atitude sociológica, onde o sujeito, há muito perdido, possa ser resgatado. Em suas angústias, acaba deparando-se com o pensamento weberiano. Oportunamente percebe que o retrato oficial que se tinha na Academia deste pensador Alemão, no fundo não o representava em sua polifonia essencial, isto por causa de sua tradução via Sociologia Americana. Nos aspectos éticos (axiológicos) e epistemológicos da obra de Weber, e nos preceitos da Sociologia Compreensiva por ele elaborados, Lazarte identifica a possibilidade da construção de um paradigma holográfico. Uma obra de grande valor, porque retira da ciência o prepotente status de autoridade secularmente construído, e ao mesmo tempo devolve ao homem, principalmente o de vocação científica, sua interioridade, ou seja suas paixões, intuições e imaginação. À ciência não cabe dizer o que é certo ou errado para qualquer pessoa, cada um deve escutar os demônios interiores que tecem o fio da vida delas. Não é função da ciência criar um imperativo ético universal, isso corresponde à esfera da fé. Assim explica Lazarte.

Urge portanto, para o autor, desmistificar a leitura oficial feita de Weber. O alvo principal de suas críticas é o livro de Gabriel Cohn - Crítica e Resignação: Fundamentos da Sociologia de Max Weber. Segundo Lazarte, "o Weber de Cohn não só é um resignado, mas é ainda um racionalista". Alerta ainda, que se hoje citar Weber está na moda, é por demais importante que seus "citadores" procedam a uma releitura de suas obras, uma releitura apaixonada, fazendo jus ao pensamento de Weber, e tentando superar as famosas/perigosas leituras dirigidas.

No que Lazarte denomina de leitura oficial, Weber está representado como um resignado, domesticado, eticamente indiferente, racionalista, fundador de uma "sociologia para qualquer fim", estrutural-funcionalista (americanizado), às vezes um objetivista, outras um psicologista.

Entretanto, o Weber alternativo, enxergado pelo autor e por outros comentadores de Weber, não corresponde a esse quadro caricatural. Utilizando-se de quatro textos básicos ( A Objetividade..., A Neutralidade Axiológica, Sobre Roscher e Knies e A ciência como Vocação), em um grande esforço de exegese, Lazarte procura traços do pensamento weberiano que contrastem com a interpretação oficial. Ele mesmo lembra que essa seleção de trechos da obra, não é imparcial, e nem pretende que o seja. Se Jaspers dizia ter Weber uma habilidade de artista para combinar "cores", o mesmo podemos dizer de Lazarte nessa tarefa de "pintar" um Weber alternativo. [fim da página 241]

Viajando pelo conteúdo desses textos, discutindo conceitos de realidade, objetividade, neutralidade axiológica, desencantamento, racionalização, religião, tipos ideais, leis, sentido, conexões causais, vocação científica, etc., e ainda encontrando espaço para encaixar a prosa de Lovecraft, Lazarte encontra um Weber que contrasta com o retrato traçado por Cohn e cia.

Ao resignado e domesticado, aparece um Weber apaixonado pelos desafios de seu tempo e crítico do mundo desencantado; ao eticamente indiferente surge um Weber crítico da ciência (estabelecendo-lhe limites para o conhecimento discursivo) e comprometido com a liberdade de cada ser humano; ao racionalista-inte-lectualista-cientificista, mostra-se um Weber caleidoscópico, polifônico e de pluralismo cognoscitivo e metodológico; ao estrutural-funcionalista, exibe um weber nietzschiano, mais fenomenológico, e a um Weber exclusivamente objetivista ou psicologista, Lazarte apresenta um Weber intersubjetivista. Quanto à acusação de "Sociologia para qualquer fim", sem entrar em muitos detalhes, o autor defende a Sociologia Compreensiva, dizendo que a história mostra que também tivemos "marxismos para qualquer fim".

Em suma, neste livro, de forma até insistente e redundante, o autor enfatiza a necessidade dos sociólogos voltarem a Weber, relendo suas obras, pois nelas há "indícios de uma 'solução' capaz de possibilitar o exercício de uma sociologia que não separa a realidade na dicotomia sujeito/objeto, sem no entanto atingir o extremo oposto de confundi-los", e isso abre as portas para que a interioridade do sujeito aflore. Ao nosso ver, este livro é um exercício da paixão, paixão deste autor que não esconde o seu "desgosto pelo jeito oficial de sociologizar o mundo". É também um desabafo do professor que além de conteúdos, sabe passar nas aulas, suas vivências, como ele mesmo diz, a coisa mais difícil de transmitir. É agora, tarefa dos leitores interpretarem os conteúdos e as vivências que este livro veicula. Particularmente, encontro uma mensagem que mostra que depois do "vendaval positivista" e do "furacão marxista", está renascendo em nossas universidades um PHOENIX, mas que por enquanto, ainda é cinza, fogo e pássaro.


1) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba.

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Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


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