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Política e Trabalho 13 - Setembro / 1997 - pp. 242-248


TRABALHO, MERCADO E FORMAÇÃO DE CLASSE

Laís M. Cardia (1)


LIMA, Jacob Carlos. Trabalho, Mercado e Formação de Classe - Estudo Sobre Operários Fabris em Pernambuco. João Pessoa: Editora Universitária /UFPb, 1996, 213 páginas.


Esta obra é referência para os estudiosos da problemática no Nordeste e, em especial em Pernambuco. O autor nos traz uma rica análise sobre o processo de formação de um novo operariado fabril, têxtil e metalúrgico, iniciado com a [fim da página 242] industrialização incentivada na década de 60 e se estendendo ao começo dos anos 90. Sua preocupação centrou-se na discussão sobre em que medida essa industrialização contribuiu para estabelecer "uma ruptura na estrutura do operariado local ou um marco no processo de contínua organização, desorganização e reorganização que tem caracterizado, historicamente, a classe operária". Um processo que moderniza o parque produtivo e é, também, responsável pela reorganização da produção. Destaca o papel do Estado mediando esse processo, principalmente através de investimentos e políticas que garantissem a formação do mercado e, de certa forma, reduzisse os impactos da industrialização.

Numa perspectiva histórico-analítica, trata do significado do ciclo açucareiro e algodoeiro para a região, suas origens e importância como base econômica para a definição da estrutura sócio-política pernambucana, no século XIX. Discute as implicações geradas pela variação do mercado internacional, considerando que a sustentação da economia pernambucana estava baseada nas exportações e a concorrência cubana era expressiva, desde que contava com investimentos norte-americanos. Mecanismos foram adotados para fazer frente a essa situação. Os engenhos foram obrigados a se "modernizar" e a buscar formas alternativas de produção. O resultado não foi satisfatório e os engenhos foram substituídos pelas usinas , ampliando o valor e o uso da terra, o aproveitamento da mão-de-obra, modificando as relações de trabalho e organizando a produção. As primeiras fundições, embriões da indústria metalúrgica, são criadas para atender às necessidades de manutenção dos equipamentos das usinas de açúcar. Assim como a indústria açucareira, a têxtil que começa a aparecer, ocupava grande parte da força de trabalho e, até mais ou menos metade deste século, significava a segunda atividade industrial do estado. A transformação dos engenhos em usinas possibilitou uma expansão da indústria têxtil, que passou a fabricar sacarias para o acondicionamento do açúcar.

No final do século XIX, a instabilidade do mercado internacional provoca transformações também na economia algodoeira, alterando a sua organização e produção. Passa de provedora de matéria-prima do mercado externo, a exportadora para a região Sudeste do Brasil, que se desenvolvia num processo acelerado incentivado pela produção cafeeira e expansão da indústria têxtil, compondo um capital industrial.

Entre os períodos de dinamismo e estagnação econômicos que tiveram reflexos imediatos na indústria têxtil, na metalurgia e outras indústrias do Nordeste (alimentícias, papel, cigarro), um fato foi bastante significativo: a crise mundial de 1929. Entre 1930 e 1946 seus efeitos se espalharam por todo o país, reorganizando economias, como a cafeeira no Sudeste, obrigadas a diversificar sua produção agrícola, para obtenção de maiores lucros. No Nordeste esses efeitos apareceram na inexpressividade da [fim da página 243] expansão econômica devido à redução de investimentos e, portanto, menor produtividade e perda de mercado. O país, com os preços de seus produtos de exportação despencando e a diminuição das importações, tem que criar mecanismos para suprir, em parte, suas "necessidades de manufaturados". Isso resultou num primeiro momento de integração nacional (geográfica e de mercado), ao mesmo tempo em que o Sudeste, por ocupar uma posição econômica de destaque, cada vez mais se fortalecia centralizando o capital, em detrimento das economias regionais.

Na década de 30 o governo federal estabelece medidas de proteção ao açúcar nordestino, definindo limites estaduais de produção. A indústria açucareira fica protegida da concorrência com o Sudeste. As mesmas medidas não se estendem aos setores algodoeiro e têxtil, que não se modernizam e passam a perder, cada vez mais mercado. Mesmo assim, em 1946, Pernambuco é o segundo maior empregador em indústria têxtil do país. No final da década de 50 é criada a SUDENE, que deveria planejar um desenvolvimento regional que permitisse enfrentar o poder econômico do Sudeste do país, através de um "modelo capitalista autônomo", mantendo o controle estatal que já existia através do DNOCS, representante das oligarquias regionais e reprodutor de uma cultura clientelista que mantinha a "indústria da seca".

Não obstante todas as dificuldades encontradas na sua história sócio-econômica, no final dos anos 50 Pernambuco implanta o seu distrito industrial, período em que a industrialização significava "modernização e desenvolvimento". Esse desenvolvimento se traduziu, no período JK (anos 60), no "nacional-desenvolvimentismo", com a abertura do país ao capital internacional e o Nordeste, que se encontrava com sua economia paralisada, foi incorporado ao processo.

As mudanças políticas ocorridas no país (regime militar) e no mercado internacional, impuseram uma guinada nas propostas de desenvolvimento que passou a se ancorar na força da "integração nacional", eliminando a possibilidade de se alcançar a autonomia desejada e redirecionando o papel da SUDENE, que passou a avaliar projetos. O resultado para a região foi uma modernização heterogênea, devido à variação nos investimentos, à criação de pólos industriais e à forma como se deu "a articulação com a estrutura social preexistente, gerando um rompimento com o padrão de acumulação anterior, que resultaram no aparecimento de novas camadas sociais", permitindo que Pernambuco retomasse o crescimento industrial.

Um outro momento de importância significativa na história de Pernambuco é a eleição, em 62, de um governo que passa a tratar os problemas como sendo de ordem econômica e social e não decorrentes de fenômenos climáticos, como a seca. Essa postura ameaça o poder das "velhas oligarquias", que se manifestam contrárias às ações da SUDENE. Mesmo assim, até 63, esse órgão cria quadros técnicos, [fim da página 244] implanta projetos de pesquisa sobre as potencialidades da região, visando a utilização de matéria-prima local e, mais do que isso, controla os recursos públicos, impedindo que fossem desviados. Prepara mão-de-obra para atender às indústrias emergentes e, também, às tradicionais. Com essa política de incentivos setores, como o têxtil, permanecem, em sua maioria, sob o comando do capital/grupos regional.

Apesar de ter seu papel reorientado, passando por períodos de instabilidade operacional e perdendo cada vez mais sua autonomia como "ministério regional", a SUDENE mantém uma atuação importante no processo de modernização industrial em Pernambuco. Seu projeto inicial de promover o "desenvolvimento regional, autônomo e integrado" se esvai, mesmo porque, as alterações acontecidas no capitalismo mundial impediram o alcance desse objetivo.

A falta de uma linearidade no processo de modernização incentivada não significou a ausência de transformações no parque industrial, que se deu sem que se alterasse o poder já cristalizado das oligarquias regionais. A partir da década de 60 mudanças profundas são verificadas, promovendo o surgimento de uma "indústria moderna", com investimentos extra-regionais e a manutenção das "indústrias tradicionais", com o capital regional. Incentivos fiscais, como o 34/18, que permitia a dedução no Imposto de Renda de investimentos aplicados na implantação de novas indústrias e/ou na manutenção daquelas já existentes, foram fundamentais no processo de industrialização pernambucana, apesar de, inicialmente, terem sido usados pelas oligarquias agrárias para obter recursos por meios enviesados.

O operariado fabril, têxtil e metalúrgico, que se forma a partir da década de 60, tem suas raízes na história econômico-social do estado. Desde o século XIX Recife, por apresentar condições infraestru-turais diferenciadas da região, era um pólo de atração para os migrantes vindos do campo, fugidos das secas ou expulsos pelas mudanças acontecidas na cultura canavieira. Esses deslocamentos, se sugerem uma mão-de-obra disponível para o trabalho urbano, na realidade constituíram problemas. A capital oferecia, além das fábricas, uma multiplicidade de oportunidades que acabava por pulverizar esse contingente. Além disso, trabalhar nas fábricas poderia significar uma submissão ao patrão, que exercia controle sobre os trabalhadores, prática que se estende até a década de 50 e, de certa forma, reproduz as relações de trabalho existentes no campo. Uma das formas usadas pela indústria têxtil para recrutar e manter trabalhadores era através da oferta de moradias (vilas operárias), às vezes gratuitas que, se tinham o lado positivo permitindo o exercício da sociabilidade, mantinham o operário relativamente imobilizado, praticamente à disposição do patrão.

A ausência de qualificação de uma força de trabalho que tenta se inserir num mercado urbano em formação gera situações como a [fim da página 245] baixa produtividade e reclamação dos empregadores, que procuram recrutar trabalhadores melhor preparados. Essa situação, detectada pela SUDENE em 59, através de um diagnóstico, perdura na atualidade, encobrindo questões relevantes como baixos salários e precárias condições de trabalho.

O diagnóstico foi o ponto de partida para que, em 60, o Serviço de Informação e Colocação de Mão-de-Obra, sob a coordenação da SUDENE, detectasse uma grande demanda de operários especializados e uma baixa oferta desse profissional. Durante essa década e início da seguinte, a SUDENE desenvolveu uma política de incentivo à qualificação profissional, de grande significado principalmente para a indústria têxtil, que mantinha maior número de operários, seguida da metal-mecânica. Escolas técnicas federais e o SENAI foram construídas e reequipadas, acordos foram feitos com o governo japonês e USAID, com o objetivo de implantar centros de treinamento e capacitar técnicos no exterior. Essas ações visavam não só acompanhar o processo de modernização industrial e, consequentemente novo mercado, mas, também, dificultar a evasão desse "exército de reserva" para o Sudeste, atraído por melhores salários. Com isso reorganizava-se e inseria-se a produção no processo capitalista. Contudo, essa política de qualificação não significava a garantia do emprego. Para a contratação o peso maior ainda era dado à experiência profissional. É importante frisar que no início da industrialização, os trabalhadores qualificados vinham do Sul e Sudeste do país, situação que perdurou por um longo período.

Atenção devida foi dada à educação. A escolaridade, se não se constituí fator de garantia de maior produtividade, indica uma maior qualificação. Nesse sentido, a indústria metalúrgica se diferencia da têxtil, até porque as características do setor exigem melhor preparo para operar máquinas.

A questão salário foi e continua sendo motivo de queixas por parte do operariado fabril pernambucano, principalmente o têxtil, já que os da metal-mecânica, comparativamente, eram considerados "bem pagos", no final da década de 80. A política dos empresários era de "treinar aprendizes" com baixos salários e depois utilizá-los no lugar do operário qualificado.

A modernização industrial em Pernambuco não significou, entretanto, a ausência do desemprego e do subemprego. Dos anos 60 aos 80 as oscilações no contigente de trabalhadores ora empregado e ora desempregado, acompanham, inclusive, as crises econômicas enfrentadas pelo país. Além disso, a ausência de uma política de fixação do homem ao campo, contribui para o aceleramento de um processo migratório que "incha" as cidades. Embora a industrialização não seja responsável pelo aparecimento do setor informal e do subemprego, somados, aqueles fenômenos contribuem para o surgimento de uma multiplicidade de atividades informais que caracterizam a instabilidade do operariado fabril, que procura [fim da página 246] manter a sua identidade, mesmo quando usa de estratégias para a complementação do salário.

Todas essas transformações ocorridas com a modernização industrial nos anos 60, alteram as relações de trabalho entre as fábricas e os trabalhadores. Na indústria têxtil, as vilas operárias que haviam se constituído num processo de dominação são extintas e há uma reordenação no processo produtivo. São mudanças de ordem organizacional e tecnológica que, ao mesmo tempo em que aumentam relativamente a capacidade produtiva, exigem maior especialização profissional e simplificam tarefas, reduzem significativamente, o emprego. Aquelas que não acompanharam as modificações, acabaram extintas.

No setor metalúrgico, onde a modernização também significou a atualização tecnológica, através do "controle numérico" nas máquinas, os equipamentos substituídos são aproveitados por indústrias de menor porte o que, de certa forma, impede que estas desapareçam. Esse segmento fabril exige e emprega um maior número de profissionais qualificados para as diversas fases do processo de trabalho e de produção.

Apesar de trajetórias diferentes quanto à formação das categorias, tanto o operário fabril quanto o metalúrgico têm consciência das mudanças ocorridas nas fábricas. Do antigo modelo representado pela segurança (vilas operárias-têxteis) e pelas relações informais (camaradagem-metalúrgicos), na visão dos operários restou o baixo salário, novas regras e limites, e as relações passaram a ser formais. Os operários se tornaram operários e os patrões se tornaram patrões, evidenciando os antagonismos entre eles. Uma mudança profunda que, no entanto, não foi suficiente para impedir que filhos de operários se tornassem operários também. Considerando os limites estreitos do mercado de trabalho em Pernambuco, essa atividade pode significar uma forma de manutenção da identidade fabril ou, ainda, a oportunidade de ter um salário fixo, uma profissão e se "acertar", de acordo com a visão do próprio operário. Essas percepções nem sempre se reproduzem quando se trata das mulheres operárias, há muito absorvidas pela indústria têxtil, assim como o trabalho infantil, embora estejam presentes as difíceis condições econômicas da família.

As mudanças acontecidas com a modernização industrial em Pernambuco, não só determinam a formação de um novo trabalhador fabril, têxtil e metalúrgico, como interferem na configuração sindical, reorganizando as lutas operárias. Até a década de 60, essas lutas oscilaram entre momentos de retração, causados por interferências econômico-políticas e ideológicas e momentos de intensificação das atividades sindicais. As mobilizações, no geral, foram e são motivadas pelos baixos salários, precárias condições de trabalho e desemprego, levando os empregadores a tentar impedir a sindicalização que representava ameaças. [fim da página 247]

O período pós-64 é muito significativo no processo de desorganização sindical. Sindicatos e sindicalizados sofrem repressões e os movimentos se esvaziam. A situação começa a ser amenizada nas décadas de 70/80, com a abertura política. Os trabalhadores da indústria têxtil, mais atuantes historicamente pelas próprias peculiaridades do setor, em relação ao metalúrgico, organizam as suas reivindicações e se aliam aos empresários, contra a política econômica do Estado.

As lutas operárias dos metalúrgicos têm, também nos anos 60 e 70, o seu período mais crítico, entremeadas que são por períodos de desestabilização política e econômica, época em que o sindicato passa a ter um caráter quase assistencialista. A partir da década de 80 há uma retomada, que coincide com o momento de redemocratização do país, de tal forma que, na atualidade, esse setor é um dos mais organizados e atuantes em Pernambuco. Embora existam divergências de pontos de vista entre os sindicalizados, no geral, os operários têm percepção positiva da atuação do sindicato.

A modernização industrial acontecida em Pernambuco foi acompanhada por uma "crescente internacionalização da economia brasileira". No lugar dos velhos coronéis, existem hoje empresários que representam a "modernidade capitalista" sem que, contudo, tenham se extingüido as antigas formas de organização: ao mesmo tempo convivem modernas estruturas industriais, sob novas bases organizacionais e a "velha indústria" que teima em manter o velho sistema de dominação, subjugando seus empregados.

Nesse panorama se forma o novo operariado fabril, baseado num processo contínuo de organização/desorganização/reorganização, reflexos das instabilidades acontecidas nas economias mundial e nacional.


1) Mestranda Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb.


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Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


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