Copyright© 1996, 1997, 1998, 1999 Programa de Pós-Graduação em Sociologia - Universidade Federal da Paraíba. Todos os Direitos Reservados. Nenhuma cópia deste artigo pode ser distribuída eletronicamente, em todo ou em parte, sem a permissão estrita da revista Política & Trabalho. Este modo revolucionário de publicação depende da confiança mútua entre o usuário e o editor. O conteúdo dos artigos publicados é de inteira responsabilidade de seus autores.

Política e Trabalho 13 - Setembro / 1997 - pp. 237-240


A AVALIAÇÃO DOS LIMITES DO SER SUJEITO NO MUNDO

Stéfano G. Régis Toscano (1)


KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro et alli.. (org.).Cultura e Subjetividade. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1996, 175 páginas.


Cultura e subjetividade. Uma seleção de doze ensaios onde a individualidade e o social convergem num mosaico de análises, de pontos de vista.

Cultura. Para além de enfoques generalizantes, o leitor que se aventurar nas páginas desta coletânea, certamente não deixará de sentir-se instigado, estimulado. Assuntos os mais diversos, perpassados pelo fio condutor da Ciência.

Subjetividade Dos pesquisadores, dos que foram estudados e também do leitor, que não é apenas convidado a uma reflexão sobre os assuntos, mas também sobre si mesmo. Em o "Amor e a Cultura da Cidadania", Paulo Henrique Martins, analisa a partir de três casos de crimes passionais a frágil democratização da esfera pessoal, dos relacionamentos amorosos. Delicada porque eivada de práticas tradicionalistas.

Em meio a uma sexualidade que anseia libertar-se das regras do falo, pelo amor confluente igualador e espontâneo, Martins entrevê a permanência de valores e atitudes opressoras. Despotismo que prepondera nos homens agora fragilizados perante a nova condição da mulher. Em nossa sociedade, em nossas elites, há uma emuladora sincronicidade entre a tradição e a modernidade, onde a liberdade e a igualdade não se fixam, por isso, o anteparo da cidadania é ainda volátil. Assim, os relacionamentos amorosos tornam-se no fundo, sado-masoquistas jogos de poder, cujo desfecho pode ser a morte.

Morte, perda e luto. Mauro Koury num belo ensaio, "Questões sobre a Relação Luto e Sociedade", investiga as mudanças sofridas pelo ritual da dor na sociedade brasileira.

Degenerescência da sensibilidade em relação aos que se foram e aos que sofrem a separação. À margem das relações sociais, os sentimentos relegados ao plano individual.

A dor vista com estranheza, expressa ainda por lágrimas é verdade, só que cada vez mais constrangidas e, cada vez menos como processo capaz de suscitar a solidariedade e a superação da dor da perda.

Espécie de implosão do indivíduo, dubiamente arremessado entre a necessidade e o constrangimento de prestar o luto e a indignação contra a falta de sensibilidade dos demais. Luto que se torna mais lento, inconcluso, arrastando o ser para os domínios do remorso e da revolta.

Por fim a melancolia, o homem desintegrado do social, de si mesmo. O enlutado torna-se também o indiferente, o "blasé".

O luto agora é um anátema perene.

O trabalho de Celeste Cordeiro, "Poder da Razão ou Razão [fim da página 237] do Poder?", propõe uma original releitura da obra "O Alienista" de Machado de Assis, na medida em que busca decifrar o imaginário sobre o Poder no Brasil.

Poder que confere significações ao mundo, por dispor do saber, da razão instituída. Razão do Poder, obscurantista, alicerçada nos mesquinhos interesses dos homens em sua cotidiana disputa pelo poder, tanto na vida privada quanto na esfera pública.

No paulatino desenrolar de suas análises, a autora identifica nos diálogos, situações e personagens do romance, características do universo machadiano que remetem à questão do Poder, e cujo substrato último refere-se ao domínio da linguagem.

Alda Britto da Motta em "Recontando o Tempo de Madureza", expõe os preconceitos e restrições temporais que determinam o uso e o desuso do corpo dos velhos.

Na época da madureza, o estertorar do amor sensual que se subsiste, é na rememoração dos amores de outrora. Corpos estigmatizados esteticamente, enfeiados pelas gestações e a rotina do trabalho.

Mas é assim mesmo que estas mulheres se liberam, redescobrindo a si e aos seus corpos para além das funções reprodutivas. Novo processo de individuação, do cuidar de si.

Através de suas ações em busca de um tempo perdido, as idosas mulheres proclamam a sua ânsia de liberdade e inovação.

Em um país cuja população vem progressivamente envelhecendo, as nossas práticas sócio-político-culturais, continuam a marginalizar os idosos. Esta é a opinião de Françoise Dominique Valéry em "A Velhice e o Direito à Cidade".

Traçando um perfil dos idosos frequentadores do centro urbano, da cidade de Natal (RN), Valéry busca averiguar as representações e os comportamentos assumidos pelos idosos, com relação às mudanças ocorridas no decorrer do tempo.

Insegurança, ausência de lazer, obstrução das calçadas por vendedores ambulantes, desorganização do trânsito. São estas apenas algumas dentre as várias dificuldades enfrentadas pelos idosos, em meio ao difícil reconhecimento destas pessoas como cidadãos.

Discutindo o método "Historia de Vida", Gloria Diógenes retrata, não sem antes reconhecer as limitações do método, toda a riqueza de uma abordagem mais espontânea e sensível, por não sufocar em nome da neutralidade científica, a individualidade e o envolvimento do pesquisador com o seu objetivo de pesquisa. Método que se esteia na memória de cada pessoa, que traz em si um mundo idiossincraticamente construído

Desenvolvendo suas concepções, Diógenes trata das peculiaridades envolvendo a Historia de Vida na pesquisa com meninos de rua. Se por um lado, a autora aponta os percalços a serem enfrentados, do outro, enfatiza as qualidades inerentes de um método cuja matéria-prima è a subjetividade. [fim da página 238]

Jovanka Baracuhy Cavalcanti no seu texto "Cotidiano, Cidade e Representação Social", estuda as ligações entre o espaço privado da habitação e as relações da família com vizinhos e parentes. É neste espaço, segundo a autora, que se estabelecem importantes representações, para o entendimento das disparidades presentes na ocupação do espaço urbano. Organização espacial eminentemente segregadora, na própria localização da residência e mais ainda, na própria concepção arquitetônica da moradia. A casa como domínio que se opõe à rua, a esfera pública. Presente do mesmo modo na área interna, na disposição do cômodos, denotando uma tradicionalista hierarquização da família. Convergência da arquitetura com a atitude "blasé", de distanciamento e exclusivismo das famílias de classe média, isoladas num microcosmo.

Num outro artigo, este de dupla autoria, Carlos Caroso e Núbia Rodrigues, discutem as representações do senso comum sobre o fenômeno da loucura. Em "Para Quem a Loucura é Um Problema?" os autores analisam as diversas concepções sobre a loucura de acordo com a posição de quem avalia a moléstia, sobretudo quando esta passa a ser encarada como um problema, tanto pela família do doente quanto pela comunidade.

A moralidade, ausência de preocupações com relação a uma vida pós-túmulo, valorização da vitalidade e da força neste mundo, à revelia de qualquer progresso ético da humanidade. Em "O Mundo e o Fim do Mundo nas Religiões Afro-Brasileiras", são estas as principais características que Roberto Motta atribui a tais religiões.

Voltando-se para o Candomblé, Motta constata em sua prática traços de conformismo ao "status quo", que jamais questiona as hierarquias deste mundo. Entretanto, os indivíduos, os seguidores dessa religião nela encontram a força necessária para anular a morte, edificando aqui mesmo, um universo paralelo onde os homens participam do espetáculo orgiástico dos deuses.

Roberta Bivar Carneiro de Campos investiga em seu texto "A Igreja Universal do Reino de Deus: Libertação do Sofrimento, Ética, Magia e Mercado Religioso" as formas de como esta igreja se apresenta aos seus seguidores. A autora considera que os fatores de atração de fiéis ao pentecostalismo, se deve à procura de alívio para os sofrimentos e a busca de harmonia e prosperidade. Combinação de promessas na satisfação de necessidades espirituosas e materiais, a IURD configura-se como igreja pentecostal e agência de cura divina, entendida mais profundamente como mercado religioso eivado de relações de poder

Por último, temos o artigo "Palavra e Imagem: Expressão e Apreensão do Conhecimento" onde Tamara Tânia Cohen Egler expõe as potencialidades da socialização do saber a partir do emprego de novas tecnologias da imagem.

Buscando compreender como a palavra e a imagem influem na subjetividade, Tamara traça um paralelo entre o código televisivo e [fim da página 239] o discurso psicótico, associação não regida por uma relação real, vivenciada, mas pelas leis da linguagem onírica. A relação indivíduo/televisão solapa a potencial fecundidade dos relacionamentos interindividuais.

Não obstante, o desafio que a autora toma para si, para além do discurso meramente apocalíptico, é a questão de como se pode utilizar as novas tecnologias a fim de democratizar o conhecimento.

Resta-nos nesse momento dizer, que os breves comentários por nós tecidos sobre Cultura e Subjetividade, nada mais são do que um opaco reflexo perante o que a obra tem a oferecer tanto a nossa sociedade.


1) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb.


Índice Principal  |  Normas Para Publicação
Número 12 - setembro de 1996  |  Número 13 - setembro de 1997  |   Número 14 - setembro de 1998  |  Número 15 - setembro de 1999
Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


This page hosted by

Get Your Own Free Home Page