LIRA, Bertrand de Souza. (1997). Fotografia na Paraíba. Um Inventário dos Fotógrafos através do Retrato (1850 a 1950). João Pessoa: Ed. Universitária.
A história da fotografia no Brasil ainda é uma história a ser contada. Existem, é verdade, trabalhos considerados clássicos sobre a questão. Os trabalhos de Kossoy, especialmente, A História da Fotografia no Brasil, são exemplos. Este último se debruça sobre a história com uma pesquisa vasta sobre o Brasil.
Apesar da tentativa de verticalização e aprofundamento das fontes, levantando pela primeira vez, de forma sistemática, o universo da fotografia no país, o trabalho de Kossoy, como não poderia deixar de ser em um trabalho pioneiro, consegue apreender os itinerários da fotografia e dos fotógrafos de uma maneira geral . Traça perspectivas, delimita fronteiras e estimula hipóteses para trabalhos e pesquisadores posteriores se debruçarem na história do país, buscando nas [fim da página 210] cores locais escrever etnografias capazes de trazer à luz o vasto acervo fotográfico que alimenta a história social da fotografia.
O trabalho de Bertrand Lira é um esforço neste sentido. Tem o Estado da Paraíba como universo de estudo e pesquisa. Como um pesquisador de fino faro, debruça-se sobre a história local da fotografia, recolhendo de uma maneira sistemática o enorme acervo existente - de forma desorganizada e nas mãos de particulares - nos principais municípios paraibanos, nos primeiros cem anos de registro fotográfico na Paraíba, ou seja, nos anos de 1850 a 1950.
O retrato encontrado nos álbuns de família e mais tarde nas colunas sociais é fonte principal de sua pesquisa. É nele, mais do que qualquer outro tipo de registro, que se insere a história da fotografia. É através dele, também, que se pode estabelecer um pouco o itinerário dos fotógrafos pelas terras do Brasil, e da Paraíba, nos primeiros anos da fotografia no país. É, ainda, através do retrato, que se pode elucidar as interrelações entre fotografia, fotógrafos e elites locais. Além do que, através da conservação em mãos de familiares, os álbuns de família não só trazem as marcas dos fotógrafos e da fotografia, mas também contam uma história da intimidade e uma história social das grandes famílias brasileiras e paraibanas, no livro de Bertrand, em particular.
Foi originalmente uma pesquisa com objetivo de aquisição de um grau de mestre, através do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba. Título conquistado em 1997 e logo depois o trabalho foi incorporado à coleção "Biblioteca Paraibana", em forma de livro. O trabalho de Bertrand Lira está organizado em seis capítulos, onde busca traçar através do retrato o rastro dos fotógrafos itinerantes no Estado, passando logo a seguir para uma pequena história dos primeiros fotógrafos paraibanos, ainda através do acompanhamento dos álbuns de família. Neste momento diagnostica uma transformação dos costumes das elites e também do registro fotográfico, sempre através do retrato. Esse sai dos álbuns de família e passa a ilustrar as colunas sociais, com uma imensa modificação da tradição, onde o retrato deixa de ser apenas de domínio privado e passa a ser de domínio público. Aumentando o seu poder de mostrar posições e diagnosticar prestigio aos retratados e suas famílias, através da publicização do poder ilustrado pela presença do retrato a todo o Estado.
Com esse divisor de águas, o retrato que sai do ambiente privado às colunas sociais, Bertrand investiga nas sua pesquisa a construção imagética da modernidade. Amplia seu leque para averiguar a fotografia documental, e a inserção dos fotógrafos e da fotografia na Paraíba, e em [fim da página 211] todo o Brasil, com os governos locais (estadual ou municipais).
Discute as reformas urbanas, a questão da modernidade, a euforia do progresso na Paraíba através da fotografia, e dos registros documentais deste progresso na imprensa local, que ao lado do retrato nas colunas sociais, constrói a modernidade na Paraíba dos anos 20 e 30 deste século.
Os dois capítulos finais buscam compreender os caminhos da fotografia e dos fotógrafos na Paraíba dos anos 40 e 50. O autor se debruça nos principais fotógrafos locais e seus herdeiros, sempre diagnosticando o papel do retrato como o principal indício documental da fotografia na Paraíba, e como principal fonte de sobrevivência dos fotógrafos profissionais locais, e aproveita para percorrer todo o estado contando, sempre através do retrato, a formação dos primeiros estúdios fotográficos no interior paraibano e seus principais fotógrafos.
Pesquisa importante, por dar cor local e organizar cem anos de fotografia no Estado, vinculando a História da fotografia a História social local e nacional. Estudo minucioso por desvendar registros insuspeitos até então da passagem de fotógrafos pelas terras paraibanas nos anos de 1850 a 1900, sistematizando fotografias e registros documentais orais de retratados, de familiares dos fotógrafos itinerantes ou residentes no Estado, ao lado de uma incursão na história social e econômica das elites locais e da manutenção do seu prestígio e poder através do álbum fotográfico e logo depois das colunas sociais, através do retrato como instrumento de captação de uma realidade social que imortalizava o prestígio através do registro do poder dos retratados.
O trabalho de Bertrand Lira, deste modo, vem dar um impulso a pesquisas no mesmo molde que terão que ser feitas, e já começam a aparecer enquanto interesse, por pesquisadores de todo o Brasil. Tem-se registro de esforços semelhantes em dissertações e teses defendidas em programas de pós-graduação nos Estados de São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Estes trabalhos estão se esforçando para uma sistematização e visibilização da história da fotografia no Brasil.
Vale a pena ler o trabalho de Bertrand Lira, não só pela sistematização de fontes locais, mas sobretudo pela aventura contada através do registro fotográfico, o retrato, do fazer fotografia.