BOYER, Robert & DRACHE, Daniel (ed.) et alii. (1997). States against markets - The limits of globalization. London/ New York: Routledge.
O triunfo ideológico nas décadas 80/90 do neoliberalismo foi magistralmente denominado por Ignatio Ramonet (Le Monde Diplomatique, jan/ 1995), de o pensamento único. Isto é, um conjunto de postulados que, repetidos à exaustão pela mídia, "repetição valendo por demonstração", terminam por se impor como realidades indiscutíveis. Nesse contexto então, termos como "globalização", "mercado", "bolsa de valores", tornaram-se termos banais embora ameaçadores, diante dos quais ao simples cidadão ("cidadão"?) assalariado, consumidor etc. caberia apenas se adaptar e sofrer (no duplo sentido do termo) as exigências e os sacrifícios das políticas de "austeridade", cujos efeitos (e é o mínimo que se pode dizer) se distribuem bem desigualmente em termos de classe.
A coletânea Estados Contra mercados - Os Limites da Globalização é de grande utilidade como instrumental de análise de economia política. Organizada por R. Boyer (CNRS - Conselho Nacional da Pesquisa Científica, Paris) e D. Drache (York University - Toronto), a coletânea contendo 19 capítulos é dividida em seis partes:
xxxxxxxxxxxxxxxxxI - Globalização como processo histórico de desatrelamento de mercados;
xxxxxxxxxxxxxxxxxII - Os limites do modelo japonês;
xxxxxxxxxxxxxxxxxIII - Finanças e comércio: a erosão da soberania nacional;
xxxxxxxxxxxxxxxxxIV - Globalização e trabalho;
xxxxxxxxxxxxxxxxxV - Dilemas e estratégias para políticas econômicas;
xxxxxxxxxxxxxxxxxVI - Novas políticas num mundo incerto.
A globalização é tratada, não como mito, mas como a "intensa triadização dos mercados financeiros", (p. 2) isto é, da concentração do fluxo de investimentos estrangeiros (85%) entre as regiões que compõem o núcleo industrializado (Estados Unidos, Europa e Japão). Nessa perspectiva a globalização, ao contrário do que pretende dizer o termo, não é globalizante, "sendo errôneo concluir que o capitalismo se tornou global, desde que métodos de produção, relações industriais, impostos e estilos de política econômica permanecem específicos a cada estado-nação" (p.13). Nesse contexto, revela o processo real de internacionalização a persistência de "sistemas nacionais de inovação" (p. 14) que estão profundamente envolvidos em uma rede de instituições políticas, educacionais e financeiras que não podem ser facilmente copiadas ou adaptadas.
Um dos autores, Manfred Bienefeld (Carleton University - [fim da página 209] Ottawa) observa com pertinência que o progresso da transferência eletrônica de dados (ao contrário do senso comum midiático) não pode ser apresentada como justificativa da desregulamentação financeira. Seria a mesma coisa que atribuir à invenção do revólver a legalização do assassinato. Este autor frisa no seu texto "É uma economia nacional forte uma utopia neste final do século XX?" que a principal força por trás da liberalização dos mercados financeiros mundiais é de ordem política e não tecnológica. Tecnologia foi a desculpa usada para justificar, com uma espécie de determinismo tecnológico, as operações de débito e crédito que propiciaram o surgimento de fortunas monumentais sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Para esse autor a globalização não corresponde nem a uma necessidade tecnológica nem a uma necessidade histórica, mas se trata de um processo politicamente dirigido e cuja aparente irreversibilidade deriva do fato que seus ganhos foram crescentemente institucionalizados e protegidos por novas regras internacionais as quais ameaçam os desviantes com retaliações coletivas.
A coletânea é pois uma obra de leitura atualíssima, onde o processo econômico, ao contrário do que é habitualmente divulgado e legitimado pela mídia, é contextualizado histórica e políticamente, fugindo ao determinismo economicista tecnocrático dominante.