"(...) a epidemia tem uma espécie de individualidade histórica. Daí a necessidade de usar com ela um método complexo de observação. Fenômeno coletivo, ela exige um olhar múltiplo; processo único, é preciso descrevê-la no que tem de singular, acidental e imprevisto."
Michel Foucault, O nascimento da clínica.
Canguilhem chamou a nossa atenção para a questão da racionalidade no discurso científico. No seu projeto epistemológico, a ciência, discurso normatizado e normativo, aparece como o lugar por excelência do conhecimento e da verdade, ou seja, da instauração da racionalidade. A ciência, entretanto, não é um objeto dado, natural, mas uma produção cultural. Nesse sentido, ela não é senão um conjunto de proposições articuladas sistematicamente. Em suma, a ciência é essencialmente discurso com pretensão de verdade. Mas a questão da verdade só tem sentido se colocada no interior da ciência. Assim, cada discurso científico produz a sua verdade, já que não existiriam critérios universais ou exteriores para julgar da verdade de uma ciência.
Foucault, por seu lado, ainda que não tenha criticado implícita ou explicitamente a preocupação da epistemologia na busca de uma racionalidade para o discurso científico, abandonou a questão da cientificidade e realizou uma história dos saberes onde não existia qualquer preocupação com o progresso da razão. O deslocamento produzido por sua arqueologia pretendeu ser uma crítica da própria idéia de racionalidade. Assim, o discurso que persegue a verdade, buscando encontrar modos racionais de lidar com o desconhecido, é também elaboração simbólica e produz significados.
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As epidemias têm sido, ao longo da história, quase uma constante na vida dos povos. Desde a Antigüidade, dispomos de relatos e análises sobre esse fenômeno mórbido, cujo traço mais distintivo parece ser a ambivalência: manifestação coletiva e, ao mesmo tempo, singular. Coletiva, enquanto evento que atinge grupos de indivíduos, alterando o seu modo de vida; singular, na medida em que é uma ocorrência única na unidade de tempo e espaço em que se manifesta.
A história do sofrimento humano tem sido, portanto, pontilhada pela febre conjuntural das epidemias. É certamente uma história dramática que, através dos tempos, tem revelado, em cada época, uma doença emblemática, unindo o horror dos sintomas ao pavor de um sentimento de culpabilidade individual e coletivo.
Em todas as situações em que ocorrem epidemias os homens elaboram representações, conhecimentos, saberes e práticas, com o fim de debelar o mal. Na vivência trágica das epidemias, que marcaram a história da humanidade com tudo quanto há de terrível, misterioso, aniquilante e fatal, encontramos, assim, as origens das projeções imaginárias sobre as doenças.
Durante muito tempo, as epidemias mortais foram representadas como pestes, ou seja, foram vistas como castigo ou punição. Ao que se sabe, o termo "peste" apareceu pela primeira vez na narração do historiador grego Tucídides, quando reconstituiu a epidemia que irrompeu em Atenas no ano de 430 a. C. Em seu relato, percebe-se a preocupação em descrever a natureza e os sintomas do evento de forma geral, sem se ocupar das variedades e das diversas peculiaridades dos casos particulares. Captando os traços essenciais de uma epidemia, o historiador grego forneceu um modelo de análise que se repetiu na descrição de eventos semelhantes no decorrer da história. Eis uma passagem que ilustra bem a sua preocupação em pôr em relevo os traços sempre recorrentes de uma epidemia mortal:
"Alguns morriam sem assistência, outros em meio a toda atenção. Nenhum remédio foi encontrado que pudesse ser utilizado como específico; o que era bom para um caso, era prejudicial para outro. Constituições fortes e fracas mostravam-se igualmente incapazes de resistência, todos sucumbiam, embora seguissem regimes com extrema precaução. De longe, a mais terrível característica da doença, era o desânimo que sucedia quando alguém se sentia doente, pelo desespero em que imediatamente caía, levando embora seu poder de resistência, e tornando-se uma presa mais fácil do mal ; ao lado disso, havia o terrível espetáculo de homens morrendo como carneiros ao pegarem a infecção cuidando uns dos outros. Isto é que causava a maior mortalidade. Por um lado, se tivessem medo de visitar uns aos outros, pereciam abandonados; certamente muitas casas ficaram vazias por falta de alguém para prestar socorro; por outro lado, caso se aventurassem a fazê-lo, a morte seria a conseqüência. Esse foi [fim da página 180] especialmente o caso daqueles que tiveram pretensões à bondade: a virtude tornou-os cruéis consigo mesmos ao darem assistência à casa dos amigos, onde mesmo os membros da família estavam por fim abatidos para lamentar os mortos, sucumbindo à força do desastre. Foi naqueles que se haviam restabelecido que os doentes e mortos encontraram maior compaixão. Estes já sabiam do que se tratava, pela própria experiência, e já não tinham medo por eles mesmos; a doença nunca atacava o mesmo homem duas vezes - pelos menos não fatalmente. E tais pessoas não somente eram felicitadas por todos, como elas próprias, no enlevo do momento, iludiam-se na vã esperança de que estavam salvas de qualquer outra doença no futuro." (Thucydides, 1963)
Acontecimento trágico, permeado de imagens de terror, conflitos, mortes e desagregação. Desconhecimento das causas do mal, impotência da medicina, súplicas, preces, desânimo e, sobretudo, medo do contágio: eis a imagem da peste descrita por Tucídides. Há, entretanto, um aspecto na passagem acima para o qual o historiador grego parece chamar mais atenção: a percepção do contágio. Teme-se a aproximação do outro, que pode significar morte. Quebram-se os rituais tradicionais de enterro dos mortos, evitam-se os doentes e mesmo os aparentemente sãos. Perdem-se as referências morais: já não se teme as leis humanas, nem as divinas. A magnitude da catástrofe, atingindo a todos sem piedade (bons e maus), instaura o desespero, a entrega a prazeres intensos e imediatos, já que a perspectiva de futuro é abolida.
Essas imagens extraordinárias elaboradas por Tucídides estão presentes em muitas outras descrições das epidemias mortais. Na descrição da peste que se abateu sobre Florença, em 1348, Boccaccio, por exemplo, recorre às mesmas imagens do historiador grego. A percepção da epidemia associada ao contágio levava as pessoas ao desregramento das condutas, dissolução das estruturas de autoridade, rompimento das regras básicas de convivência, isolamento e solidão (Boccaccio, 1970).
A epidemia como punição dos deuses parece ser uma outra importante associação já presente nas culturas do Mundo Antigo. O texto da 'peste' em Ovídio (42 a.C. - 18 d.C.) ilustra bem a associação entre epidemias e castigo divino: o flagelo terrível que atacou o povo teria sido provocado pela ira de Juno à Terra, que tinha o nome de uma rival (Ovídio, 1983). Na Ilíada, canto I, temos a peste representada por flechas enviadas por Zeus valendo-se de Apolo. Essas mesmas imagens das epidemias sendo enviadas por intermédio de flechas lançadas como punição contra os pecados da humanidade aparecem nas iconografias cristãs durante a Idade Média (Delumeau, 1989).
Dentro da mesma concepção da epidemia como peste, além daquela que associava doença e castigo divino, mas recorrendo a causas naturais, temos as explicações que atribuíam a ocorrência desses eventos a condições climáticas. Ovídio, por exemplo, sugere que a peste irrompeu no momento em que "... o céu cobriu a terra com uma escuridão profunda e encheu essas trevas de um calor sufocante. O cálido Austro soprou um vento mortal". Referindo-se, em seguida, à contaminação e envenenamento das águas, escreve: "era evidente que a peçonha se espalhava pelas fontes e pelos lagos, e que milhares de serpentes, errando pelos campos [fim da página 181] incultos contaminaram os rios com seu veneno" (Ovídio, 1983: 133). Ele associava, ainda, a peste ao contágio provocado pelo ar corrompido pelo cheiro dos cadáveres dos corpos que jaziam nos bosques, campos e estradas.
Assim, "loimos", em grego, e "pestis", em latim, eram expressões usadas para designar um flagelo geral, uma fatalidade do que poderia haver de pior, isto é, todas as doenças contagiosas e mortais. A representação das epidemias como flagelo ou castigo parece ter sido a mais antiga forma de representação das doenças. Temos, portanto, desde a Antigüidade, uma longa série de imagens extraordinárias dos flagelos, como descreveu Camus:
"Atenas empestada e abandonada pelos pássaros; as cidades chinesas cheias de moribundos silenciosos; os condenados de Marselha empilhando em covas os corpos que se liqüefaziam; a construção, na Provença, de uma muralha para deter o vento furioso da peste; Jafa e os seus mendigos horrendos, os catres úmidos e podres colados à terra batida do hospital de Constantinopla; os doentes suspensos por ganchos, o carnaval dos médicos mascarados durante a Peste Negra; os acasalamentos dos vivos nos cemitérios de Milão; as carretas de mortos na aterrada Londres; as noites e os dias em toda parte e sempre cheios dos gritos intermináveis dos homens" (Camus, s/d: 32).
Toda doença muito temida, não só por ser fatal, mas também por transformar o corpo em algo repulsivo, era promovida à condição de "peste". O imaginário coletivo, desse modo, criava em torno de uma enfermidade um território fortemente simbólico. É o que se constata ao se estudar a história da lepra, da sífilis, do cólera ... e, nos dias atuais, da aids.
Em oposição a essa secular representação da doença, a medicina ocidental, desde Hipócrates, tentou elaborar um outro saber que estabelecesse formas mais seguras de identificação do mal, percebendo-o como proveniente da natureza e das relações entre os homens. Essas noções, teorias e explicações elaboradas pela medicina suscitaram práticas sociais de proteção às epidemias que tenderam a falar do lugar da ordem, ainda que estivessem constantemente permeadas por um imaginário religioso com um sentido de expiação e purificação.
O modelo de organização de práticas suscitado pela lepra, que incluía exílio, exclusão e purificação, é, certamente, o exemplo mais contundente. Entre os séculos VI e XIV a lepra, na Europa, tornou-se um sério problema social. Representada pelo imaginário religioso como uma doença típica dos espiritualmente impuros, foi duramente combatida com ritos de purificação e exclusão, sendo os leprosos proscritos, destituídos de direitos civis e considerados socialmente mortos (Rosen, 1994).
Associada, no imaginário medieval, à idéia de contágio, a lepra mobilizou todo um conjunto de dispositivos da ordem para submeter os leprosos. Uma vez identificada a doença num indivíduo, a Igreja e os saberes dominantes pronunciavam uma sentença de isolamento, seguida de um ritual onde lhes eram consagradas vestes, um par de luvas e um chocalho, bem como uma série de advertências:
"Eu te proíbo de entrar em igrejas, abadias, feiras, engenhos ou [fim da página 182] mercado só ou entre a companhia de outros. Eu te proíbo de andar sem o teu hábito.
Eu te proíbo de lavar as mãos ou qualquer coisa tua nos córregos e nas fontes, ou beber lá; e se necessitar de água pegue-a de teu barril em teu copo.
Eu te proíbo de tocar em qualquer coisa que negocie, ou compre, até que seja teu.
Eu te proíbo de ir a qualquer taverna; se quiser vinho, se comprá-lo ou alguém te vender, coloque-o em teu barril.
Se estiver na estrada e encontrar outra pessoa que fale contigo, eu te proíbo de responder até que se colocado contra o vento.
Eu te proíbo de tocar em crianças ou de dar-lhes qualquer coisa.
Eu te proíbo de comer ou beber de qualquer recipiente exceto os teus.
Eu te proíbo de beber e comer em companhia, exceto de leprosos." (Trouillard, citado por Wilson, 1967: 90)
Nesses rituais religiosos atribuía-se formalmente o estatuto de morto ao leproso. Rezavam-se-lhe réquiens, semelhantes aos que eram lidos para os mortos. Em seguida, ao som fúnebre dos sinos, o doente era conduzido, pela mão do padre, ao cemitério, onde era enterrado simbolicamente (Loisne, citado por Winslow, 1967: 91).
A imagem do contágio parece ter sido a mais poderosa fonte de proliferação de um imaginário fundado no medo. Mas o medo do contágio não se restringiu apenas à lepra. As descrições da peste nos séculos XIV e XV reproduzem imagens muito semelhantes. Boccaccio descreveu de que modo não só a proximidade contagiava os sãos, mas também como o simples fato de conversar e cuidar dos doentes, de tocar em suas roupas, "ou em qualquer outra coisa que tivesse sido usada ou manipulada por um doente, transferia a outro indivíduo a doença em questão. Os objetos dos doentes ou dos mortos pela doença, se tocados por animais, também os contaminavam e matavam em pouco tempo" (Boccaccio, 1970: 14).
O imaginário social na Idade Média relacionou a peste ao sentido do olfato e ao tato. Por isso, durante as epidemias, era comum observar-se cenas de pessoas vagando de um lugar para outro levando flores, ervas odoríferas e perfumes. A imaginação coletiva supunha que "todo o ar estivesse tomado e infectado pelo odor nauseabundo dos corpos mortos, das doenças e dos remédios" (Czeresnia, 1997: 45).
As medidas tomadas contra a peste eram decorrentes desses dois sentidos: o tato e o olfato. Dever-se-ia evitar a proximidade e o contato, mas também neutralizar com perfumes e proteger com máscaras os odores viciados que corrompiam o ar.
Na tentativa de compreender a rápida propagação da peste, o imaginário social a descreveu como algo semelhante a um vasto incêndio. De acordo com o Decameron, a doença se comportava "de modo igual àquele pelo qual procede o fogo: passa às coisas secas, ou untadas, estando elas muito próximas dele" (Boccaccio, 1970: 14).
Vale observar que a associação entre contágio e fogo certamente corresponde à força simbólica das imagens suscitadas por este último. O fogo é [fim da página 183] considerado por todo o gênero humano como o mais antigo e forte símbolo da massa. Como destacou Canetti, sugere sempre um inequívoco perigo comum, estimulando um medo compartilhado por todos. O seu toque é hostil e assustador:
"Quem quer que se interponha no caminho é contaminado por essa disposição genericamente hostil do fogo; a maneira como este se propaga, como vai paulatinamente cercando as pessoas e, por fim, as envolve por completo..." (Canetti, 1995: 26)
O fogo é contagioso e insaciável:
"(...) a ausência de resistência possível ao contato com as chamas é algo sempre espantoso. Quanto mais vida algo abriga, tanto menos será ele capaz de defender-se do fogo; capaz de fazer-lhe frente é apenas o que há de mais inanimado: os minerais. Sua veloz desconsideração não conhece fronteiras. Ele quer conter tudo e nunca se dá por satisfeito." (Canetti, 1995: 75)
A associação entre contágio, ar e fogo parece sugerir que miasma e contágio eram noções estreitamente vinculadas nos tratados medievais. Assim, na origem das epidemias, as explicações correntes relacionavam influências astrológicas e divinas, miasmas e contágios. É o que parece sugerir o depoimento de Defoe, quando procura identificar as causas da grande peste que se abateu sobre Londres em 1665:
"Para mim, isso encerra a questão e a calamidade se espalhou por contágio, ou seja, por certos vapores e fumos que os médicos chamam de eflúvios, pela respiração e pelo suor ou pelo mau cheiro das feridas dos doentes. Ou, quem sabe, também por outros meios, até mesmo acima do alcance dos próprios médicos, com eflúvios atingindo os sãos que chegassem a determinada distância de um doente e penetrando imediatamente nas partes vitais das pessoas ditas sadias, pondo seu sangue em imediata fermentação e agitando seus espíritos ao nível de se perceber que estavam perturbados." (Defoe, 1987: 80)
Relacionando a doença a uma "abertura" às sensações, entendia que os mais propensos a caírem enfermos seriam aqueles mais abertos ao contato e aos estímulos, os mais sensuais, ávidos e disponíveis aos prazeres dos sentidos. Nessa perspectiva, os indivíduos potencialmente sujeitos ao perigo seriam
"(...) aqueles que têm o corpo cheio de humores, especialmente humores pútridos e corruptos. E também aqueles que durante o ano todo deleitam-se em comer e beber muito. E aqueles que têm freqüentes intercursos com mulheres. E aqueles que têm as porosidades de seus corpos naturalmente ou artificialmente abertas, assim como aqueles que se banham freqüentemente. Naturalmente, aqueles que são hipersensíveis ao calor ou ao frio. E aqueles que suam sem muita razão. E aqueles cujos corpos são cabeludos, porque abundância de cabelos denota porosidade ampla do corpo." (Jacme, citado por Winslow, 1967: 111)
[fim da página 184]
O ato de adoecer, portanto, consistia na abertura dos interstícios do corpo, na ampliação dos seus espaços de permeabilidade - os poros - tornando-o receptivo à entrada de estímulos danosos (Czeresnia, 1997: 47).
Entendidas assim, as práticas de combate à doença se resumiam basicamente a medidas de isolamento que protegessem o corpo de vários tipos de influências deletérias. O sistema de quarentena instituído no período da peste parece corresponder, de maneira exemplar, a esse entendimento da doença. De duvidosa eficácia, sua utilização era sempre associada às práticas de fumigamento e desinfecção, como acender fogueiras purificadoras nas encruzilhadas de uma cidade; desinfectar com perfumes e enxofre os indivíduos, casas, roupas e outros objetos ou utilizar máscaras ou lenços.
Até finais do século XIX, duas formas polares de representação da doença fundamentaram o saber médico sobre as epidemias: a concepção ontológica, presente no imaginário de praticamente todas as culturas desde o Mundo Antigo, e a concepção dinâmica, formulada no Mundo Grego em conformidade com a idéia de physis. As noções de contágio e miasmas estiveram ligadas a essas duas concepções de doença. A primeira entendia a enfermidade como possuidora de um estatuto com existência própria, uma entidade concreta que vinha do exterior - tanto do ar, como de outros indivíduos e objetos - e que não fazia parte da natureza do homem. Era uma espécie de forma do mal que penetrava no corpo, como espíritos, possessões demoníacas ou flechas lançadas pelos deuses. Neste caso, o homem doente seria aquele ao qual havia se agregado um ser (a doença). A cura, em oposição, seria um esforço para expulsar, por meio de tratamentos mágicos, esse ser estranho.
Já a concepção dinâmica, presente nas teorias hipocráticas, era totalizante e baseava-se no entendimento da natureza (physis) como harmonia e equilíbrio. Nesse sentido, a doença era resultante da perturbação desse equilíbrio, dessa harmonia. Como tal, não se localizava em parte alguma do corpo humano. Estava no homem todo e lhe pertencia por completo. A enfermidade não era só desequilíbrio ou desarmonia: era, sobretudo, o esforço da natureza no homem para obter um novo equilíbrio. A doença seria simplesmente uma reação generalizada com intenções de cura: o organismo desenvolveria uma doença para curar-se. Vista dessa perspectiva, a teoria médica não passava de uma ação imitativa da ação médica natural (Canguilhem, 1971: 18).
Contudo, havia um ponto comum entre essas duas concepções das enfermidades: ambas convergiam para um dimensão "naturalística", ou seja, o evento doença era conceptualizado a partir de um modelo oferecido pelo conceito de natureza. A natureza era harmonia e equilíbrio estático (concepção ontológica) ou dinâmico (concepção dinâmica). Disso resultava uma situação paradoxal: a ação interventora da medicina era essencialmente passiva, contemplativa, pois consistia, no limite, em potencializar as tendências naturais (Gonçalves, 1994: 39-86).
Enquanto prevaleceu a concepção de natureza como o conceito fundamental para pensar as enfermidades, predominou na medicina ocidental o entendimento de que as epidemias eram resultantes do desequilíbrio dos elementos e dos humores.
Os escritos hipocráticos, ao estabelecerem um princípio de causação entre [fim da página 185] a natureza (as estações, os climas, os ventos, as propriedades das águas e outras influências ambientais) e a doença, permitiram a formulação das noções de miasma e contágio, tão importantes para a história do pensamento médico. A idéia de miasma, termo originário do grego, tinha o significado de tingir, manchar (Cunha, 1982). Contágio, por sua vez, era o ato de propagação de uma doença pelo contato mediato ou imediato.
Segundo entendia a medicina hipocrático-galênica, a simples absorção de ar corrupto degenerava os humores corporais que, uma vez expelidos através dos poros ou da respiração, poderiam corromper o ar. Nesse sentido, a noção de contágio implicava não só naquilo que poderia decorrer do contato, mas também da simples aproximação. Não havia, então, como distinguir, com clareza, contágio e miasma. Tal distinção só viria a ocorrer a partir do século XVI, quando formulou-se uma teoria ontológica de propagação da doença com pretensão científica. É o momento, então, em que surgem duas interpretações distintas sobre a origem das doenças epidêmicas: a da constituição epidêmica, derivada da concepção hipocrática, e a do contágio, formulada por Fracastoro.
Fracastoro definiu contágio como uma corrupção que ocorre de modo semelhante entre portadores e receptores, causada por infecção de partículas imperceptíveis. O contágio resultaria tanto do próprio corpo como do meio ambiente, passando de um para outro direta ou indiretamente. Mas poderia ocorrer também à distância, sem mediação de nenhum objeto (Fracastoro, citado por Winslow, 1967: 137).
Ao formular essas associações, Fracastoro parecia entender a noção de contágio como uma estrutura material, propondo, assim, uma teoria da propagação das epidemias que rompia com a oposição entre contágio, provocado por contato homem a homem, e infecção, proveniente da atmosfera. O que o preocupava era identificar um princípio, uma causa que fosse sua origem, em lugar de entender a epidemia como resultante do desequilíbrio de uma constituição atmosférica ou corporal.
Ao observar o comportamento das epidemias, Fracastoro verificou que um grande número de pessoas, ainda que perfeitamente saudáveis e "(...) cujos humores não haviam sofrido nenhuma corrupção, apesar disso pegaram o contágio, simplesmente pela associação com os atingidos pela peste ou com suas roupas. (...) Os princípios do contágio eram per si o próprio germe" (Fracastoro, citado por Winslow, 1967: 137).
Mas a teoria do contágio de Fracastoro, ainda que sugerisse uma nova racionalidade para a explicação da propagação das doenças epidêmicas, não divisava com clareza as origens precisas do contágio. Assim, o contágio resultaria de putrefações ou corrupções que "ocorriam em torno da terra", suscitadas por conjunções planetárias, terremotos, umidade e calor excessivos, estrelas cadentes e cometas (Fracastoro, citado por Winslow, 1967: 137). A intervenção de forças sobrenaturais era vista como a ação da própria natureza. O "naturalismo" da Renascença, neste sentido, não era senão a naturalização mágica do sobrenatural (Koiré, 1991: 48).
Assim, a teoria de Fracastoro, como a de Vesálio e Paracelso, representaram tentativas de transformação da medicina de contemplativa em operativa, e expressaram o pensamento científico da Renascença. Contudo, era um [fim da página 186] pensamento marcado por um discurso pré-moderno, constituído por associações de semelhanças, assimilações e noções como de antipatia e simpatia (Foucault, 1995: 39) (2). Por isso, é preciso vê-lo não como uma antecipação iluminada de uma verdade que viria a ser descoberta no século XIX mas como um prenúncio ou esboço de um projeto que só encontraria possibilidade efetiva de expressão no século passado.
Dessa forma, até meados do século XIX, a noção de contágio era tida como absurda, especulativa e sem base consistente (Arckerknecht, 1948: 562-593). A explicação que prevalecia sobre as doenças epidêmicas era, até então, derivada da releitura da tradição hipocrática.
A teoria miasmática, por exemplo, reelaborada por Boyle e Sydenham, no século XVII, explicava o aparecimento de epidemias utilizando o conceito de constituição epidêmica.
Para Sydenham, havia diferentes constituições em diferentes anos. Elas se originavam de certas misteriosas e inexplicáveis alterações nas entranhas da Terra. Através de seus eflúvios, a atmosfera e os organismos humanos predispostos se contaminavam:
"Se as entranhas da Terra, sob várias alterações, pelos vapores que exala, contamina o ar, ou se a atmosfera está modificada por algumas alterações induzidas por conjunções peculiares de algum corpo celeste, a verdade é que em um certo momento, o ar é material cheio de partículas que são hostis à economia do corpo humano, assim como em outras vezes ele está impregnado com partículas provenientes da desagregação dos corpos de diferentes espécies de animais selvagens. Sempre que recolhemos, com nossa respiração, tais miasmas nocivos e naturais, misturando-os ao nosso sangue, caindo em doenças epidêmicas que eles são aptos em engendrar, a Natureza chama a febre como seu instrumento usual para expelir do sangue qualquer material hostil que possa emboscá-lo. Essas doenças são usualmente chamadas epidêmicas." (Keele, 1974: 240-248)
Como se pode ver, as doenças epidêmicas eram entendidas, pela medicina das espécies, como entidades qualitativamente diferentes daquelas doenças não-epidêmicas. A vinculação natureza/enfermidade parecia clara, pois era um certo estado da atmosfera a causa de tais enfermidades. A idéia de miasma e de seu mecanismo de ação sobre o corpo humano era suficientemente lógica para ser aceita.
A concepção de epidemia elaborada pela medicina das espécies no século XVIII entendia que a noção de constituição não se confundia com a de epidemia, pois não era qualquer constituição que poderia ser considerada epidêmica. A [fim da página 187] epidemia era uma constituição, de tessitura mais compacta, de fenômenos constantes e mais homogêneos. No século XVIII, era mais do que uma forma particular de doença, era um modo autônomo, coerente e suficiente de ver a doença. Nesse sentido, não havia diferenças de natureza ou espécie entre uma doença individual e um fenômeno epidêmico. Bastava que uma doença se reproduzisse algumas vezes para que fosse considerada uma epidemia. Tratava-se, portanto, de um problema puramente aritmético de limiar, pois o esporádico era apenas uma epidemia infraliminar. Essa percepção não era essencial e ordinal "como a da medicina das espécies, mas quantitativa e cardinal" (Foucault, 1977).
Por conseguinte, o caráter essencial de uma epidemia não residia nessa ou naquela doença, uma vez que o seu suporte seria dado por um conjunto de circunstâncias presentes em um lugar, em um certo tempo (noção de "constituição"). A doença teria, então, a marca da repetição, ao passo que a epidemia parecia ser única. O que atribuiria essa singularidade à epidemia seria a especificidade do contexto no qual ocorreria e não a essência de uma doença qualquer.
Sydenham imaginava que a doença era fruto de uma relação dinâmica entre corpo e meio-ambiente. As epidemias resultariam das alterações nas propriedades do ar que predispunham ao adoecimento. A constituição epidêmica significaria, assim, uma ocorrência singular, na qual as doenças surgiriam de alguma desordem peculiar de corpos particulares (Sydenham, citado por Winslow, 1967: 169).
O suporte, pois, da percepção de Sydenham sobre a ocorrência das epidemias parece ser um núcleo de circunstâncias, uma rede de acontecimentos que assumem as dimensões de uma história, de uma geografia, de um Estado. A essência de uma epidemia não está nessa ou aquela doença, mas nesse ou naquele lugar. O que é específico não é a doença mas a constituição epidêmica:
"Pode haver, possivelmente, vários tipos de desinteria, como há vários tipos de varíola, e outras epidemias peculiares a constituições diferentes e que podem, portanto, requerer diferentes métodos de cura em algumas particularidades." (Sydenham, citado por Winslow, 1967: 168)
No século XIX emerge um novo conceito de doença na medicina, fundado na percepção de que a atividade humana se legitima pela capacidade de mudar o curso natural das coisas. Essa nova percepção entende que o homem pode e deve forçar a natureza a dobrar-se às suas intenções normativas, daí resultando a impossibilidade de se fazer uma distinção qualitativa entre o normal e o patológico. Segundo Canguilhem, a característica epistemológica fundamental do conceito de doença que a medicina moderna utiliza seria, pois, a de que normal e patológico não se diferenciam, senão enquanto quantidades diversas de uma mesma qualidade. A medicina experimental estaria erguida sobre esse edifício (Canguilhem, 1971: 19).
No plano estrito das doenças epidêmicas sabe-se como, no século XIX, com a emergência de uma medicina social, se desenvolve e se consolida uma concepção que associa condições sócio-econômicas e saúde.
Virchow, por exemplo, estudando uma epidemia de tifo na Silésia, em [fim da página 188] 1847, desenvolveu a teoria segundo a qual a enfermidade seria uma manifestação do desajustamento social e cultural:
"Se a doença é uma expressão da vida individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser indicativa de distúrbios em maior escala da vida da massa. (...)
As epidemias não apontarão sempre para deficiências da sociedade? Pode-se apontar como causas as condições atmosféricas, as mudanças cósmicas gerais e coisas parecidas, mas em si e por si estes problemas nunca causam epidemias. Só podem produzi-las onde devido a condições sociais de pobreza, o povo viveu durante muito tempo em uma situação anormal." (Rosen, 1979: 83)
Virchow estabelecia uma curiosa classificação entre epidemias resultantes de causas naturais e artificiais, demonstrando o momento de passagem de uma medicina "naturalística" para uma medicina social. O seu enfoque, contudo, já enfatizava a importância do conceito de cultura como elemento decisivo para pensar as epidemias:
"(...) não há mais dúvida de que a história das doenças epidêmicas deve ser uma parte inseparável da história da cultura da humanidade. As epidemias correspondem a grandes sinais de alerta que mostram ao verdadeiro estadista que um distúrbio ocorreu no desenvolvimento de seu povo, que nem mesmo uma política caracterizada pelo desinteresse pode negar." (Rosen, 1979: 84)
Revelando uma aguda percepção da natureza histórica e social da doença, Virchow dizia que condições meteorológicas, mudanças cósmicas gerais e outros argumentos semelhantes, por si sós, não seriam suficientes para originar as epidemias:
"Saúde e doença, naturalmente, são propriedades do indivíduo, desde que a vida não pertence à massa e sim ao indivíduo. Certas condições de vida, contudo, dizem respeito a nações inteiras ou a maior parte da população, enquanto os indivíduos nas suas vidas particulares sempre são os portadores e a expressão de situações e condições, normais e anormais, ainda assim, as manifestações da vida, quando modificadas por condições espaciais e temporais podem aparecer de uma maneira tão massiva que podemos nos permitir falar de saúde e doença do povo de uma maneira abstrata, mesmo que não seja o ideal." (Virchow, 1985: 120)
As epidemias, enquanto fenômenos coletivos, eram indicadores de que a saúde da população se encontrava em condições anormais. As condições sociais precárias poderiam provocar situações anormais, deteriorando as condições naturais e gerando as epidemias. Note-se, de passagem, que essa concepção dinâmica da doença, entendida como desequilíbrio interno ou externo, expressou-se em práticas que perseguiam uma vida equilibrada, imposta pelo indivíduo a si mesmo, e certamente se relacionavam também às condições gerais de vida que os governos teriam obrigação de garantir a seus povos.
[fim da página 189]
Até meados do século XIX, como se sabe, a teoria da constituição epidêmica dominou. Contudo, a partir do final daquele século já se observa um deslocamento da concepção dinâmica de doença para uma concepção ontológica localizante dos princípios que causam as enfermidades. O discurso médico a respeito da propagação das epidemias vai deixando de lado os imprecisos sentidos do olfato e tato para afirmar-se no sentido da visão.
O nascimento da clínica no final do século XVIII, que se estrutura através de uma linguagem que fala do olhar, inaugura um novo discurso, marcado pela objetividade, formalidade, empiricidade, concretude, análise e profundidade.
Foucault assinala que essa nova perspectiva discursiva cria as condições de possibilidade de uma experiência clínica. A estrutura discursiva incide a partir daí sobre o indivíduo, sobre o seu corpo, e a doença é identificada como uma lesão em um órgão. A doença encontra uma correspondência no corpo. A anátomo-clínica, a partir do estudo da morte, da sua observação, da sua descrição, produz o acesso do olhar para o interior do corpo. O campo onde se produz a doença centra-se no espaço corporal. A anátomo-clínica, com seu olhar de profundidade, torna visível o que era invisível (Foucault, 1987).
Desvendar uma trama orgânica que se produz no espaço corporal; encontrar suas determinações causais: eis uma nova forma de conhecer a doença. Esse novo olhar sobre a doença deslocou para outra esfera discursiva a velha disputa entre contagionistas e miasmáticos, centrando-se, a partir daí, em um elemento particular da anatomia: o revestimento corporal. Assim, a noção de contágio passa a ligar-se principalmente ao revestimento externo - a pele; a noção de miasma, ao revestimento interno - as membranas mucosas (Czeresnia, 1997: 60).
Como se sabe, até meados do século passado, a teoria do contágio era tida como ultrapassada e a teoria da constituição epidêmica tinha atingido seu maior grau de elaboração. Paradoxalmente, a noção de contágio foi reabilitada e tornou-se aparentemente vitoriosa quando deixou de ser teoria do contágio para incorporar uma noção distinta: a de transmissão.
A noção de transmissão refere-se ao corpo do homem tal qual a biologia do século XIX o concebe: no seu recorte orgânico. O aparecimento desse conceito parece marcar uma significativa descontinuidade discursiva, pois indica mudanças importantes na própria estrutura perceptiva da apreensão da propagação de doenças epidêmicas. Ao orientar o olhar para as estruturas anatômicas, buscando descrever e explicar a origem morfofuncional das lesões ou inflamações que ocorrem no processo da doença, esta nova estrutura perceptiva marca o surgimento da medicina moderna (Foucault, 1987).
Até a primeira metade do século XIX, as noções que disputavam a explicação da origem das epidemias fundavam-se nos sentidos do tato (contágio) e olfato (miasma). O conceito de transmissão, assim como o conceito moderno de doença, apoia-se no sentido da visão, mais próximo da linguagem - da razão - enfim, das descrições supostamente mais claras e [fim da página 190] objetivas (Arendt, 1987) (3).
Foi, portanto, a partir do estudo das características anátomo-patológicas de inflamações específicas que a medicina identificou a natureza específica da causa das doenças.
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RESUMO
EPIDEMIA: HISTÓRIA EPISTEMOLÓGICA E CULTURAL DE UM CONCEITO
Este artigo analisa a doença sob o ângulo epistemológico e cultural. Na dimensão epistemológica procura situar as características discursivas e os valores presentes nas teorias produzidas sobre a propagação das epidemias. Na dimensão cultural ressalta a produção de representações do corpo biológico e social.
PALAVRAS-CHAVE: epidemia; história; epistemologia.
ABSTRACT
EPIDEMIC : AN EPISTEMOLOGICAL AND CULTURAL HISTORY OF A CONCEPT
This text analyses the disease by the epistemological and cultural point of view. In the epistemological dimension, it tries to situate the discursive characteristics and values that exists in the epidemic's propagation theories. In the cultural dimension, it treats the production of biological and social body representations.
KEYWORDS: epidemic; history; epistemology.