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Política e Trabalho 15 - Setembro / 1999 - pp. 93-120


TRABALHO, TEMPO, ESPAÇO E SUBJETIVIDADE (1)

Eliana Monteiro Moreira (2)


INTRODUÇÃO

As transformações econômicas, num contexto de globalização e internacionalização dos mercados, têm provocado reflexos danosos sobre o chamado mundo do trabalho. A absorção de tecnologias altamente sofisticadas associadas à políticas de flexibilização das relações de trabalho têm sido as expressões desse processo, penalizando, com o desemprego, enormes contingentes de trabalhadores. É nesse quadro que as pequenas unidades produtivas urbanas assumem papel significativo como atividade que possibilita a absorção da força de trabalho desocupada ou recém-expulsa com os processos de reestruturação das empresas:

"[Estas](...) constituem unidades econômicas que se ocupam da produção de bens para o mercado e onde o espaço doméstico se confunde com o espaço da produção. O cabeça do empreendimento é em geral o proprietário dos meios de produção, mas é também trabalhador e utiliza exclusiva ou parcialmente a mão de obra familiar." (Moreira, 1994: 56) (3)

A importância maior ou menor conferida a essas unidades sempre esteve associada a contextos sócio-econômicos, responsáveis pelo fluxo e refluxo no conjunto das atividades produtivas. Contudo, independentemente das oscilações conjunturais, a pequena produção urbana resiste, garantindo sua presença e expansão na maioria das cidades num quadro de crescimento da informalidade.

Resultado de uma pesquisa em treze unidades de produção dos setores de alimentação e confecção espalhadas na grande João Pessoa, este estudo procura escapar da análise do papel estritamente econômico atribuído a esses espaços, propondo considerar outras dimensões não contempladas nos estudos desse universo. Este novo olhar vai na direção de tentar compreender o sentido dado a esse cenário produtivo por aqueles que dele fazem parte, ou seja, os trabalhadores, proprietários ou não, como estes vivenciam e expressam as experiências no interior desses espaços.

A SUBJETIVIDADE NO TRABALHO

Os estudos existentes sobre a pequena produção urbana apontam para sua diversidade em termos de atividades, tamanho, organização, sendo por isso mesmo objeto de constantes controvérsias de interpretação. Ora referem- [fim da página 93] se ao comércio ambulante que se espalha nas ruas dos centros urbanos, ora à produção de bens e de serviços, ou ainda à produção autônoma. Essas atividades têm em comum o fato de serem realizadas por uma parcela da população que não é absorvida pelo setor "formal" da economia, estabelecendo-se por conta própria, na chamada economia submersa. É chamado também de setor informal da economia, denominação que aparece pela primeira vez num documento conhecido como Relatório do Quênia, publicado em 1970, e utilizado sempre como referência nas pesquisas realizadas pelo Bureau Internacional do Trabalho (B.I.T.) no quadro do Programa Mundial do Emprego, encarregado de definir as políticas destinadas aos países da África e da América Latina que enfrentam problemas no mercado de trabalho.

Outros aspectos dessas unidades produtivas que são destacados referem-se ao papel que desempenham no processo de acumulação, a dimensão do estatuto jurídico-legal em que funcionam, a natureza heterogênea das atividades produtivas e ocupacionais que englobam, bem como as formas específicas como se estruturam.

Procuramos complementar a discussão sobre a temática, através das evocações acerca da particularidade do mundo vivido, sentido e expresso pelos sujeitos que integram esses espaços produtivos: as representações sociais que constituem aspectos da subjetividade, expressando não somente manifestações de idéias, visões de mundo mas, também, projetos construídos no dia-a-dia. A noção de sujeito é aqui tomada no sentido de conceber o indivíduo enquanto agente construtor/realizador de ações, capaz de dar sentido às mesmas, como ser que imprime "marcas" em suas interações e inserções diversas no social.

Levando em consideração esses aspectos qualitativos, o eixo da análise se desloca do nível mais global da realidade, para o da particularidade das representações modeladas pelos meios sócio-culturais específicos. Assim, volta-se para as impressões, evocações, valores, práticas, desejos, escolhas, tais como se expressam nos discursos, incluídos aí aspectos significantes, tais como, tons afetivos ou as entonações. Nossas buscas, no entanto, não param aqui. Trata-se de retornar às formas mais gerais das representações, a fim de compreendermos não apenas como são "informadas" pela situação vivida nas estruturas econômicas, sociais e políticas mais gerais, mas de que forma "informam", por sua parte, o mundo cotidiano.

É na prática produtiva, ato primeiro do homem, que este deixa suas marcas coletivas, dando forma e sentido ao mundo real, uma vez que implica em relações entre pessoas, construindo através de sua própria experiência, sua singularidade e identidade pessoais.

Esta atividade não se faz de qualquer forma: obedece a uma seqüência, se realiza dentro de uma ordem, de uma duração, segue regras, enfim, se desenvolve dentro de um tempo determinado. Assim como o tempo, a dinâmica do espaço se faz pelo movimento das pessoas, por suas interações e sua circulação. Através da experiência concebida como "coreografia" - termo utilizado para designar a regulamentação/ordenação pela qual os movimentos (temporais) se efetuam no espaço doméstico e produtivo - os sujeitos sociais inscrevem sua presença no mundo e em suas relações com os outros.

Como toda experiência humana se estrutura tendo por referência as [fim da página 94] dimensões espaço-temporais, é em torno delas que as representações se constróem constituindo núcleos simbólicos, a partir dos quais se dá a tessitura das representações e imagens sobre o trabalho.

As representações sociais são as formas concretas que preenchem os quadros espaço-temporais. Elas constituem, por isso, "mediações" entre a realidade e as idealizações, e vice-versa. Neste ponto de vista não se limitam apenas ao cotidiano, ampliando as noções de tempo e espaço. Aqui não se pode deixar de considerar a "ação" apreciável da memória enquanto não apenas expressão do tempo, mas igualmente das práticas significantes. Ela ocupa um lugar importante como depositária dos acontecimentos, lembranças, recordações, como organizadora das significações. Através das lembranças dos sujeitos, as representações fazem vir à tona acontecimentos vividos em outros tempos, em outras circunstâncias e momentos e, através desta "atualização", atribuem sentido ao presente.

Há ainda outras manifestações do tempo além da memória, como as recordações, as lembranças, que constituem marcas, fixando fatos, acontecimentos, momentos na memória de todo homem. É desta forma que a memória é construída e formada. Ela se apresenta como depositária destes diversos elementos, através dos quais as significações se organizam e se compõem.

Qualificar essas dimensões e torná-las significantes nos faz tocar em aspectos subjetivos, porque ligados aos afetos, aos sentimentos, às idéias e aos projetos; "subjetividade" aqui entendida, não em termos psicológicos, mas na medida onde o tempo e o espaço atualizados nas evocações, imagens, produzem formas específicas de sociabilidade e participam da construção presente e futura dos sujeitos.

Ao recuperar as significações que os sujeitos atribuem às suas experiências nos espaços produtivos, evidencia-se que estes não são conseqüência passiva de processos econômicos que se desenrolam exteriormente a eles, mas que agem também na representação da realidade, contribuindo, intervindo e moldando-a ideal e materialmente.

Assumimos aqui a perspectiva dada por Fischer (1983), ao discutir a noção de espaço significante, vivo, por remeter a traços evocativos dos espaços por nós estudados, onde as pessoas estão em interação umas com as outras, construindo um espaço e um tempo próprios. Este espaço "significante e vivo" exprime uma espécie de construção (no sentido de "bricolage") da tradição e da modernidade, da vida privada e da vida pública, da subjetividade e da racionalidade.

A complexidade do entrelaçamento social representado pelas pequenas unidades produtivas, impõe uma tentativa de complementar as questões objetivas das análises econômicas. Interessa-nos, assim, examinar o que se passa no interior destas pequenas unidades de produção, as relações que aí se alimentam, os confrontos que aí se desenham e as dimensões social e política que elas exprimem: as experiências da vida cotidiana de seus integrantes e a forma pela qual as relações sociais dão lugar a processos de identificação que se exprimem nas representações culturais dos sujeitos em relação. Estes estando determinados pelas relações sociais de produção e pela sua herança social e [fim da página 95] cultural, criam ao mesmo tempo um mundo próprio que nós podemos perceber a partir de suas representações imaginárias (Berten, 1990; Weber, 1994).

Evocações, referências, alusões constituem elementos que se inscrevem num mesmo e único universo, onde afloram aspectos que modelam o perfil e o sentido de toda experiência humana: tempos vividos, lugares lembrados com seus tons, sons e odores. É aqui que se situa a singularidade do homem, aquela de poder trazer e resgatar o hoje, graças à memória e às práticas que atualizam tempos, lugares e espaços significantes. É por isso que as dimensões - espaço e tempo - a maneira pela qual elas são materialmente geradas, organizadas, produzidas, constituem por assim dizer, os eixos fundamentais na estruturação de toda experiência humana.

As alusões, as referências primeiras do homem, no seu processo de descoberta do mundo, giram em torno dessas dimensões. E é a partir delas que se fará o agenciamento e a organização da realidade. É o homem na sua ação, na sua intervenção contínua sobre o seu meio, que criou e marcou o espaço e o tempo.

Da Matta (1992: 09), escrevendo sobre a Antropologia da Saudade, mostra como as recordações constituem igualmente uma expressão da temporalidade. Esta toma um sentido pelo que resulta da construção, não somente das relações dos homens, mas também porque

"A recordação (...) trata de uma experiência universal: a passagem, a duração, a demarcação e a consciência reflexiva do tempo. Assim, seria uma memória construída à partir de uma topografia sentimental, onde as relações sociais são como o dia e a noite alternados e cíclicos .(...) esta temporalidade encantada da recordação que nos contamina (...) constitui, apesar de tudo, uma de nossas mais fortes razões de viver, (...) é nosso meio de ler a perda, a velhice e nossa inexorável passagem pelo tempo. É esta recordação inacreditável que permite ligar este mundo com o outro, o passado com o presente. Isto não expressa afetivamente o menor dos valores positivos: isto é um tesouro que nós possuímos sem saber e sem sequer pensar nele (...)."

Não se trata de retomar as características antropológicas ou mesmo psicológicas de toda experiência humana, mas de mostrar como toda experiência do mundo como experiência social, como experiência de uma prática social, abre-se dialeticamente ao tempo e ao espaço como substância e significação de mundo. Daí a importância dessas dimensões como aspectos estruturantes fundamentais de toda experiência humana. É a partir delas que toda realidade social se ordena e se organiza. e é deste momento, onde estas dimensões são apreendidas, no âmbito das representações sociais, que elas têm um impacto real sobre as relações e as práticas. Daí também a importância da comunicação, da experiência da linguagem para fazer passar o sentido dessas dimensões.

Ao tentar apreender o significado dado pelos sujeitos a essas dimensões em suas experiências, assumimos aqui a abordagem das representações sociais dentro da ótica desenvolvida por Moscovici (1961: 09), onde o autor mostra a importância da dinâmica do social, quadro no qual as interações sociais se [fim da página 96] realizam e viabilizam a "construção" da realidade pelos sujeitos. São dessas trocas, mostra o autor, que nascem os símbolos e os modelos sociais. Daí ele se referir à representação como linguagem, ...

"car elle signifie des actes ou des situations sociales. Dans le processus de communication, nous observons la genèse des images et des modèles sociaiux, leur interférence avec les règles et valeurs existantes, avant qu'ils ne deviennent un langage déterminé , parole de la société.(...)."

E continua o autor (1961: 10-11):

"L'etude des représentations sociales implique l'analyse des formes culturelles d'expression des groupes, de l'organisation et de la transformation de cette expression et, finalement, de sa fonction médiatrice entre les groupes, ou, plus généralement, entre l'homme et son milieu (...)."

Deste ponto de vista, é razoável considerar o espaço de produção, tal como este se dá em contigüidade com o espaço doméstico, como o espaço que torna possível a comunicação, a interação entre os sujeitos que aí trabalham, como lugar de troca ou comunicação de saberes, de conflitos e de manifestação de afetos. De fato, como destaca Weber (1994: 42):

"(...) O conhecimento das significações imobilizadas constitui um momento importante de um processo maior, mais amplo que envolve a construção de projetos, isto é, perspectivas de transformações do real no futuro a partir de elementos do presente, tanto do ponto de vista individual como coletivo (...)."

Fica afastada, assim, a visão das representações sociais restritas a uma leitura imóvel, estática da realidade. Ao contrário, é um meio de mergulhar no movimento contínuo, porque histórico, da realidade social. Assim, as representações sociais não dão lugar apenas ao mesmo, mas ao diferente, ao novo, apesar de influenciadas pela efemeridade do tempo, dos acontecimentos, dos atos.

A discussão sobre a dimensão social das representações mostra que estas não se limitam a um processo de natureza individual, psicológica, mas que se desdobram, pela apropriação pessoal da realidade, dos objetos, pelo fato de se constituírem num processo inscrito num contexto social onde há a comunicação e o compartilhar de experiências pessoais com outros indivíduos em suas práticas sociais.

A apropriação da realidade se verifica a partir da maneira pela qual cada um dos sujeitos constrói pessoalmente suas próprias imagens e representações através da forma sob a qual esta realidade é então vivida e apreendida. Mesmo com este caráter singular, particular, por conta do processo de apropriação feito por todo indivíduo, este não perde seu enraizamento no social, no processo de produção de sentido.

Este processo de apropriação da realidade não é exclusivamente pessoal, pois segundo Penna (1992:59)

[fim da página 97]

"(...) as representações e também o pensamento têm uma ação estruturante ao mesmo tempo que são estruturados socialmente, uma vez que os esquemas do pensamento têm sua origem na sociedade e, como diz Bourdieu, constituídos no correr da história coletiva e adquiridos ao longo da história individual (...)."

E continua a autora:

"(...) a atividade estruturante dos agentes, portanto, não é totalmente livre, nem puramente pessoal ou individualizada (...) simplesmente porque sua atuação não se dá num vazio, mas num mundo social já simbolizado, um mundo em movimento carregado de significações coletivamente estabelecido."

O domínio das trocas e interações constitui o quadro no qual se constroem as representações, e estas, mesmo se dinâmicas e variáveis, permanecem como o reflexo ou o espelho das relações sociais.

É a prática concreta, as relações sociais e a ação que exprimem seus próprios sentidos. Um tipo de sentido social do sentido: as práticas materiais, as mercadorias produzidas, do mesmo modo que a organização do espaço e do tempo, os gestos ou as relações sociais pertencem uns e outros ao mesmo espaço sócio-cultural, que é um espaço significante. Esta dialética do social enriquece o conceito de representação, destacando o caráter dinâmico, móvel da realidade social - do que a constitui como tal - o movimento.

Dos clássicos aos contemporâneos, autores estudiosos de domínios os mais variados, como a história, a sociologia, a filosofia, a antropologia, a psicologia, a arte, entre outros, demonstram a importância do tempo e do espaço na estruturação das experiências humanas sob os mais diferenciados ângulos. (Durkheim, 1976; Weber, 1964; Marx, 1968; Piaget, 1946, 1964, 1972, 1979; Leach, 1974; Thompson, 1989; Braudel, 1979; Gorz, 1971; Marglin, 1971; Friedmann, 1974; Braverman, 1981). Do indivíduo no mundo exterior, eles têm, todos, muito a nos dizer sobre essas dimensões fundamentais da realidade que em razão justamente de sua importância, são objeto de menções de toda natureza.

Como duas dimensões constitutivas da experiência humana e do mundo do trabalho, tempo e espaço tornam-se servos e mestres de todas as transformações dos processos de trabalho ao longo da história.

AS PEQUENAS UNIDADES DE PRODUÇÃO EM JOÃO PESSOA

O levar em consideração a importância das dimensões de espaço e tempo deu sentido a nossa preocupação em estudá-las, procurando observar de que forma elas seriam 'vivenciadas' dentro de um espaço de trabalho concreto, no caso, aquele formado pelas pequenas unidades urbanas de produção.

A pesquisa exploratória realizada no final da década de 80, junto a uma centena de unidades produtivas espalhadas na região urbana de João Pessoa (Moreira & Fausto Neto, 1986), forneceu as trilhas de nosso interesse. Deste primeiro momento, tivemos um perfil do cenário produtivo das unidades em termos da composição dos setores produtivos que envolviam a origem e [fim da página 98] composição dos sujeitos que nelas trabalhavam, da organização da produção e do mercado e do caráter das relações de trabalho aí existentes.

Se importantes os aspectos descritivos obtidos nesta caracterização, foram, sobretudo, as questões de natureza mais subjetiva contidas nos relatos dos entrevistados acerca das significações atribuídas às experiências de trabalho nesses universos produtivos, que despertaram novas frentes de indagação. A pesquisa realizada nos anos 90, junto a 13 unidades produtivas teve por objeto buscar entender as questões deixadas em aberto naquele momento de investigação.

A escolha dos setores produtivos incidiu sobre os de alimentação e de confecção. No setor de alimentação foram incluídas unidades que se ocupavam da panificação ( produção de pães, biscoitos, bolachas, bolos e tortas), de vinagre e de doce em barras. Nas de confecção a linha de produtos incluía bordados em lençóis e vestimentas para bebês, roupas esportivas em "jeans" para homens e mulheres, esporte e social feminino, roupas para ginástica.

No que se refere à localização geográfica das unidades, estas se distribuíam diferentemente pelos espaços urbanos da cidade. Entre as unidades de alimentação, seis se situavam em bairros populares de João Pessoa (Cruz das Armas, Cidade dos Funcionários, Distrito Industrial), que se caracterizam por uma forte densidade demográfica, por uma população constituída de assalariados fabris e do comércio, funcionários do Estado e por pequenos estabelecimentos de comércio e de serviços.

Já as unidades de confecção, se encontravam disseminadas em bairros de configuração mais residencial (Bairro dos Estados, Tambauzinho, Torre), afastados do centro da cidade, com uma atividade comercial esparsa e reduzida, e onde a população, constituída por funcionários da administração pública e de funcionários de banco, desfrutava de uma situação econômica nitidamente mais alta.

Um ponto comum dos dois setores: em geral, o pequeno produtor detinha a propriedade da casa e era em seu interior que se desenvolviam todas as atividades produtivas. Entre as unidades estudadas, só encontramos dois casos em que havia separação do lugar de produção com o da residência.

No que se refere ao tipo e à qualidade das instalações físicas, como também do número de cômodos, estes foram alguns dos dados que variaram também em cada um dos setores, de acordo com a situação particular de cada pequeno produtor. O que observamos em relação às unidades de alimentação foi que, em geral, as construções eram bastante precárias: telhas aparentes, sem forro, chão de cimento, com predominância de peças de pequena dimensão, muito quentes, por conta da proximidade do forno para a realização das atividades, escuras, devido à ação da fumaça nas paredes, conseqüência da precariedade das instalações das chaminés impedindo o seu livre escoamento. Isto conferia um quadro insalubre, sufocante e obscuro ao ambiente.

Bastante diferente era a situação das unidades de confecção: as casas, em sua grande maioria, eram de boa qualidade, com peças amplas, forradas, chão assoalhado ou de cerâmica, varanda, áreas de jardim e quintal, não tendo, portanto, problema de espaço para a realização adequada das atividades.

Um aspecto se destacou tanto no setor de alimentação, como no da [fim da página 99] confecção: o lugar que ocupava a casa no interior do conjunto produtivo. O que predominou em todas as unidades estudadas foi a duplicação do espaço: de um lado o lugar de habitação, de outro, aquele do trabalho. Essa contigüidade, contudo, não se fazia de uma forma homogênea: no setor de alimentação encontramos peças exteriores à casa readaptadas para a função produtiva, a exemplo das garagens, ou outra especialmente construída com esta finalidade, ocupando o espaço do quintal. No interior da casa era comum a transformação de quartos para abrigar os produtos fabricados, da cozinha para o preparo de bolos e tortas, da sala, para atender à clientela para as encomendas ou comercialização, como também para a embalagem dos produtos, como ocorria em algumas unidades de alimentação.

Este tipo de utilização dos espaços domésticos nas atividades do trabalho encontramos, igualmente, nas unidades de confecção. A varanda, muitas vezes, servia para o atendimento à clientela, onde se discutia a escolha dos modelos e se faziam as encomendas. A sala desempenhava várias funções: exposição das confecções a serem comercializadas, local onde se realizava a costura, por ter dimensões mais adequadas para distribuir as máquinas com as respectivas costureiras e ajudantes. Tudo se dava em perfeita harmonia com o ritmo da casa. Em quase todas as unidades visitadas as peças eram amplas, o que favorecia a colocação adequada das máquinas, mesmo aquelas de tipo industrial, de maiores dimensões. De situação sócio-econômica diferenciada da dos pequenos produtores do setor de alimentação, constatamos que algumas das entrevistadas do setor de confecção (composto, em geral, por pessoas de classe média, algumas delas funcionárias do Estado em tempo parcial e que aproveitavam o outro expediente nas unidades de produção para melhorar seus rendimentos) tinham transporte próprio, mas na inexistência deste, a garagem era também utilizada na realização de atividades. O quarto era outra peça incluída, usado para a prova, ou para guardar as confecções depois de finalizadas.

Um dado igualmente interessante foi sobre a natureza quase elementar da tecnologia que freqüentemente predominava nesses espaços produtivos. O processo de trabalho era bastante simples em cada um dos setores estudados, e os equipamentos, sobretudo nas unidades de alimentação, eram numerosos, mas quase rudimentares, muitas vezes, de segunda mão e em estado de má conservação. Já o setor de confecção era significativamente mais moderno. Em geral, as unidades possuíam, ao lado das máquinas simples e tradicionais de costura, máquinas industriais mais avançadas, como a overlock, permitia a produção de grande número de peças, outras encarregadas de quase todas as etapas da produção, oferecendo toda uma gama de 'pontos' e de operações que facilitavam enormemente a vida das costureiras. Estas ficavam com seu papel restrito ao desenho dos modelos, do "padrão" e do corte, ainda realizados manualmente.

O que observamos nas unidades de alimentação foi uma certa uniformização e homogenização do processo de produção. Na totalidade das unidades o método de fabricação não apresentava nenhuma variação, nenhuma receita nova ou tipo de produto era adotado, aspectos estes que viessem diferenciar um produtor de outro.

Essa junção dos espaços que a livre circulação entre os ambientes propor- [fim da página 100] cionava levava a uma interpenetração das atividades, fazendo com que, ao mesmo tempo, não houvesse fronteiras entre o mundo da privacidade e aquele voltado para o trabalho. Tudo se amalgamava. Assim, devido à acumulação das funções, além da produção ocorria aí também a liberação das mercadorias muitas vezes assumida, no caso específico do setor de alimentação, pelos pracistas (4), aí se dando também a recepção dos fornecedores de matérias-primas; o atendimento à clientela; as visitas dos amigos e vizinhos (contaram-nos alguns entrevistados ser comum os vizinhos passarem com freqüência para "bater um pequeno papo" ou dar uma ajuda nos momentos de urgência para fazer emba-lagens ou outros trabalhos de última hora).

Esse movimento do cotidiano dos trabalhadores oferecia aos olhos do observador uma "coreografia" não muito habitual em espaços de produção. O clima de descontração e camaradagem que dominava, onde o barulho das máquinas se confundia com aquele da conversa dos adultos e dos gritos das crianças, fazia com que as contradições e as tensões pudessem parecer, às vezes, como inexistentes ou teóricas, expressando a informalidade dessas relações no ambiente de trabalho.

A maior parte dessas pequenas unidades de produção se caracterizava pela preponderância do núcleo familiar na composição da mão-de-obra. Em nossa pesquisa não encontramos um único caso onde faltassem essas relações de parentesco. No entanto, essa estrutura começa a se modificar com a introdução de trabalhadores assalariados, quer no setor de alimentação, quer no da confecção. Mesmo assim, era ainda significativa a presença de trabalhadores parentes em ambos os setores produtivos. A organização do trabalho, em geral, era assegurada, no caso da confecção, pelas proprietárias ou suas filhas ou outros parentes próximos (mãe, irmãs, primas, sobrinhas etc). O corte e o experimentar das costuras, assim como todos os serviços externos (compra de material, assuntos bancários, entre outros) ou a negociação dos preços com a clientela era de responsabilidade direta das mulheres do núcleo família, enquanto que a costura, os acabamentos e a finalização da costura eram realizadas, geralmente, pelas costureiras assalariadas.

A rotatividade das funções era menos freqüente nas unidades de confecção do que nas de alimentação, resultado talvez, de uma hierarquização mais acentuada entre as diferentes tarefas, uma vez que as atividades, por sua própria natureza, exigiriam um trabalho mais atento e cuidadoso.

No contato com esses espaços produtivos, vimos que, sendo assim estruturadas, as relações de trabalho revelaram aspectos um tanto específicos. Em geral, a forma de remuneração era bastante fluida: alguns pequenos produtores pagavam por produção, outros por semana, outros por mês, ou, às vezes, não davam remuneração nenhuma, remunerando o trabalho em presentes de roupa, sapato e até cursos de língua. Esta sub-remuneração do fator trabalho atingia todos os sujeitos envolvidos nas atividades produtivas, quer com laços ou não de parentesco com o proprietário. Por outro lado, foi comum constatar também a inexistência da carteira de trabalho para os trabalhadores assalariados, [fim da página 101] sendo a entrada e a saída deles regulamentadas da forma mais informal possível. Assistiu-se aqui, de maneira notável, o que Bourdieu (1976: 127) chamou de "violência doce". Analisando as formas de dominação em comunidades africanas baseadas igualmente em laços da mesma natureza, este autor escreve:

"(...) neste sistema só há duas maneiras e que no final expressam apenas uma só, de manter alguém de forma durável: o dom ou dádiva, as obrigações abertamente econômicas da dádiva ou as obrigações 'morais' e 'afetivas' criadas e mantidas pela troca (...)."

E ele acrescenta:

"(...) é necessário saber perceber uma relação inteligível - e na contradição - entre essas duas formas de violência que coexistem na mesma formação social e às vezes na mesma relação: isto porque a dominação só pode se exercer sob sua forma elementar, isto é, de pessoa a pessoa, ela só pode se realizar e deve se dissimular sob o véu das relações encantadas cujas relações entre os pais oferecem o modelo oficial (...)."

Quanto à questão do tempo, observamos que a grande maioria das unidades estudadas trabalhava com grande flexibilidade de horário. A jornada de trabalho tanto podia ser de oito horas, com pausa para o almoço e respeitando os fins de semana e feriados, como podia também ignorar a regulamentação desses limites. Esta flexibilidade se dava pelo fato de que nessas unidades familiares de produção tudo girava em torno das necessidades ditadas pelo volume das encomendas. Era este volume que, em geral, definia a extensão e a duração da jornada de trabalho.

Comparados com a anterior, os dados dessa última pesquisa revelaram que a situação da divisão do trabalho apresentou modificações expressivas. Envolvendo naquela época setores numerosos e diversificados, verificamos que algumas etapas da produção ficavam sob a responsabilidade exclusiva de certas pessoas; e mais do que possuir um diploma de qualificação ou de aprendizagem, era o trabalho bem feito, a habilidade, competência, criatividade que contavam como requisitos fundamentais na realização das tarefas. Assim, o caráter não transmissível de certas atividades, como era o caso da "textura" exata da massa no preparo do bolo ou do pão, o "ponto" ou a consistência no doce, da mesma forma que a "firmeza" do corte no tecido, a "apresentação e originalidade" no rosto do sapato, no "desenho" de uma bolsa, o "traçado" do corte da madeira para fabricação dos móveis, representavam diferentes "toques" pessoais fundamentais, e que na falta de alguém que tivesse os mesmos dons para sua realização provocava enorme prejuízo. O que apreendemos dessas colocações eram ainda aquelas concepções do trabalho visto como arte, como forma de realização, expressão de criatividade, e eram esses elementos que determinavam o "fazer" dos sujeitos.

Hoje, o que se observou na distribuição das atividades e nas etapas do próprio processo produtivo foi um assumir desigual, marcado por outras questões que não aquelas, e que têm a ver, entre outras, com as relações de gênero, com as próprias transformações porque foram passando esses espaços [fim da página 102] produtivos em sua organização interna . No setor de alimentação, por exemplo, as tarefas mais importantes em termos de responsabilidade, aquelas mais dinâmicas, constatamos que, em geral, eram assumidas pelos homens, ficando as de rotina, quer ligadas à produção, ou aos serviços domésticos, ao encargo das mulheres. Os homens, neste setor, pelo que pudemos apreender nas falas, dispunham de cômodas jornadas de trabalho, enquanto as mulheres enfrentavam sempre uma sobrecarga de trabalho pela sobreposição das tarefas dos espaços produtivo e doméstico, devido à própria natureza do trabalho que muito se assemelhava ao do cotidiano realizado nos mesmos espaços da casa.

Na decisão da escolha dos setores produtivos, incluídos nesta ultima pesquisa, incidiu a natureza das atividades desenvolvidas, em cujo ato produtivo estivessem presentes as concepções de trabalho encontradas em nossa pesquisa exploratória. Como ficaram hoje essas imagens? De que forma se colocaram aí as concepções de tempo e espaço? Que transformações se processaram nessas representações? E quais fatores agiram para produzi-las? De que forma elas se "traduziram" durante o preparo dos produtos? Foram estas questões que orientaram o rastrear das falas dos sujeitos envolvidos nas diversas atividades e etapas produtivas.

No processo de resgate das representações vimos que, em sua construção, um conjunto de fatores de importância teve de ser levado em consideração: a posição que ocupavam os sujeitos nos espaços produtivos, ou seja, se se tratava de proprietários, de trabalhadores (com ou sem relação de parentesco) ou assalariados; a trajetória de vida de cada um, suas experiências; a questão do gênero, idade e setor a que se encontravam vinculados.

Na análise das entrevistas, as representações de espaço, de tempo e de trabalho se nuclearam em torno dos seguintes eixos temáticos: a questão da autonomia, da liberdade, das relações de trabalho, como elas se estruturaram através dessas dimensões e como, a partir delas, os sujeitos entrevistados vivenciaram suas experiências nesses espaços produtivos.

Vejamos um pouco o desenho obtido das evocações e imagens, procurando exatamente mostrar o papel de cada um dos fatores anunciados acima.

[fim da página 103]

A proximidade dos contatos no interior dessas unidades produtivas fez com que os sujeitos experimentassem um sentimento de controle e representassem esse espaço como aquele do reconhecimento, um espaço identitário, graças ao qual eles conseguiam quebrar a atomização própria da vida urbana e da impessoalidade dominante nos demais espaços fabris. Isso nos remeteu à questão do enraizamento que Weil (1979) descreveu com relação aos espaços de trabalho onde predominam relações amigáveis, um clima de camaradagem, onde se diluem, nessa informalidade, as hierarquias, e o trabalhador deixa de ser um desconhecido ou um estrangeiro e busca fixar suas raízes. No nosso caso, o resgatar esse termo não se deu de forma fortuita, porque os sujeitos que compunham esses espaços eram, na sua maioria, de origem rural. Tal como Weil, também Dubar (1992) e Da Matta (1992) fazem referência à importância do trabalho na construção da identidade pessoal

Vejamos, inicialmente, o perfil das imagens resgatadas das representações evocadas em seu conjunto, a fim de mostrarmos como elas se associavam às dimensões do espaço, do tempo e do trabalho.

As evocações mais fortes, referentes ao trabalho, giraram em torno do projeto do "trabalho por conta própria", este simbolizando, através das pequenas unidades de produção, a expressão da liberdade no tomar das decisões, no domínio dos métodos de realização das atividades, na ausência de normas rígidas de trabalho, na organização da produção. Eis algumas das referências presentes nos discursos dos pequenos produtores/trabalhadores. Estes espaços, assim conotados, formavam como que a síntese desses desejos e projetos evidenciados em quase todos os discursos, conforme podemos ver nas falas de alguns pequenos proprietários :

"(...) Abandonar meus negócios? Jamais! Não devemos pensar em deixar de lado o que é nosso, para trabalhar no que pertence aos outros. Isto não podemos fazer!.. .Aqui pode ser um trabalho duro e difícil, mas eu jamais penso em largar o que é meu para trabalhar no que é dos outros..."

Um outro pequeno produtor reforçou esta mesma imagem. Vindo de uma tradição familiar de pequenos produtores (seu pai foi, na cidade, um produtor de vinho), e sem ter nunca trabalhado como assalariado, na sua visão, trabalhar para os outros, era qualquer coisa de impensável:

"(...) Para mim, seria uma humilhação ser um empregado. (...) Se eu tivesse de começar tudo de novo, eu recomeçaria (...) Mas ficar subordinado a alguém? Jamais! Nunca suportei isto, e, graças a Deus, eu tenho três filhos, e nenhum deles é empregado de ninguém. Este negócio com patrão... Aqui não, aqui é muito bom! Eu faço o que quero, eu trabalho como quero, no que quero. É isso aí (...)."

O projeto de se estabelecer por conta própria era a imagem que surgia sempre nas falas dos assalariados, trabalhando como forma de valorização da experiência nesses espaços produtivos:

"(...) é bom aqui, você sabe, porque não se tem aborrecimento com patrão. (...) O trabalho aqui é bem superior ao da fábrica, porque aqui temos liberdade de fazer o que se quer, enquanto que lá, se é obrigado e sempre se tem alguém a nos vigiar, não? Aqui, isto não se dá. Tem momentos que uns estão sentados, outros conversando, e, além do mais você não faz tanto esforço como no trabalho da fábrica. Aqui trabalhamos sempre à vontade, fazendo simplesmente o que se quer fazer (...)."

Independência na forma de conduzir o trabalho, não estar submetido a ordem, a comando, foram evocações que freqüentemente retornavam nas falas dos sujeitos. Mas, outras surgiram referentes ao espaço e ao tempo. Quanto ao espaço, a autonomia expressava a liberdade de circulação, de movimentos, a ausência de interdições quanto às entradas e saídas, o poder lhe atribuir uma diversidade de funções e usos, o contato informal entre as pessoas, o acolhimento, os encontros nas pausas da produção, as descontraídas conver-sações. De fato, o que observamos foi uma ausência de fronteiras entre o mundo da privacidade da casa e aquele destinado ao trabalho, fazendo com que as [fim da página 104] pessoas entrassem e saíssem como fazem as pessoas amigas. Todos, em geral, circulavam livremente, entrando na intimidade das peças da casa, como se fossem da família, e, essas idas e vindas entravam nas imagens afetivas do aspecto familiar que simbolicamente, representavam essas unidades evocadas pelos entrevistados. Como testemunhou um jovem trabalhador:

"(...) Aqui eu me sinto em casa. Eu me sinto melhor aqui do que em outros lugares! É um lugar tão aconchegante, agradável, que não vejo diferença entre o local das atividades produtivas e o espaço doméstico (...)."

E outro entra na mesma evocação do sentido dos espaços produtivos:

"(...) Para mim se tem muito mais liberdade quando se está num espaço menor., entende? A gente conhece o proprietário e a sua família, não é? Conhece o clima, o ambiente... Enquanto que, na fábrica, quando a gente chega, ninguém sabe. A gente entra, sai, não sabe nem quem é o patrão, quem nos comanda (...) É por isso que eu digo que, para mim, é muito melhor trabalhar num espaço menor, a gente conhece seu caminho (...)."

As significações dadas ao espaço das unidades produtivas como expressão da independência, do poder trabalhar para si próprio, se associavam, também, nas falas das proprietárias das unidades de confecção:

"(...) Se um dia eu pudesse recomeçar tudo, eu recomeçaria, porque a coisa mais importante do mundo (...) é de ter sua independência, pouco importa o trabalho.(...) Trabalhar para os outros? Eu não faria isto nunca pois eu teria a certeza de perder a chance de crescer por mim mesma. (...) Digamos, eu iria perder minha individualidade, uma vez que o que eu faço, não seria mais meu. (...), o trabalho faz parte praticamente de minha vida, sim, uma parte de minha vida está investida aqui (...)."

Ao lado dessas imagens positivas, evocações negativas marcaram também algumas alusões: a anarquia do trabalho pela inexistência de normas disciplinares; a não privacidade devido à livre circulação das pessoas, extenuante por conta das longas jornadas de trabalho, o não respeito aos domingos e feriados, a repetitividade das tarefas, a má remuneração, agravadas pelas imagens dos espaços muitas vezes insalubres, confinados, que faziam ressaltar as precárias condições em que muitas das unidades produtivas funcionavam.

As visões negativas, relativas tanto ao trabalho, ao tempo como ao espaço, vieram não somente dos sujeitos que estavam à frente do empreendimento, como também dos jovens auxiliares parentes e dos que trabalhavam como assalariados. Eram estes, de fato, os mais expostos às pressões das jornadas de trabalho, das tarefas e do nível de remuneração.

No rastrear das memórias, os tons mais fortes das imagens sobre o trabalho foram dados pelas mulheres, sobretudo as das unidades de alimentação, por se sentirem mais discriminadas quanto às atividades que lhes eram atribuídas. A divisão do trabalho no interior dessas unidades permitia que os homens acumu- [fim da página 105] lassem certas atividades e responsabilidades. Daí a freqüência com que apareciam em seus discursos menções sobre a monotonia dos trabalhos que ficavam encarregadas de realizar, sobre o sentimento de desvalorização por se verem afastadas de quase todas as situações que pudessem exigir deliberações e decisões relativas à unidade produtiva.

O que podemos observar foi que a entrada das mulheres em um setor produtivo, como o da alimentação, que representa uma extensão das atividades domésticas, só em situações muito excepcionais lhes possibilita o assumir de algum papel novo. Elas continuam, na maior parte dos casos, a assegurar as condições indispensáveis para o funcionamento da produção, zelando pelo ambiente de trabalho e o da casa.

Se elas não nos tivessem falado, teria sido difícil perceber estas diferenças e desigualdades, habitualmente escondidas. A proximidade das funções, a semelhança das tarefas e a contigüidade dos espaços, tornou algumas vezes delicado separar o que era atividade doméstica daquelas exclusivamente produtivas. O sentimento foi outro entre a maioria das mulheres engajadas nas unidades de confecção, que, embora exercessem igualmente suas atividades produtivas no espaço doméstico, conseguiram quebrar o círculo do mundo doméstico encontrando espaços de intervenção que tornaram-se a própria razão de ser das unidades.

Paoli (1985) é, entre outros autores, a que mostrou bem a importância na cultura brasileira da organização dos papéis femininos, masculinos e familiares, que sempre determinou e que continua a determinar as regras da divisão do trabalho e das obrigações que prevalecem em seu interior:

"(...) A noção da divisão sexual do trabalho começou a ser pensada também no interior da família, e a partir deste momento veio `a luz a construção social de um espaço tido como inerente à mulher, cujas características iriam, igualmente, determinar todas as posições desiguais da mulher na sociedade.. A partir daí nasceu a exclusão da mulher do mercado de trabalho ou, nas melhores das condições, sua integração intermitente; daí vinha a obrigação para a trabalhadora da produção da força de trabalho, considerada como tarefa principal e representando uma responsabilidade pesada, mas mantida invisível e não reconhecida; daí procedia a acomodação impossível à dupla jornada de trabalho, que atira sobre as costas da mulher as principais conseqüências do empobrecimento; daí se originava ainda a educação parcial fundada sobre os estereótipos sexuais que reforçam o papel feminino (...)." (Paoli, 1985: 71)

Destacamos a riqueza e atualidade dessas reflexões, pois, mesmo em espaços de trabalho como estes, podemos constatar que continua presente o caráter discriminatório da distribuição das tarefas e das responsabilidades, e também da ocupação do tempo e do espaço das mulheres.

As imagens sobre a jornada de trabalho de uma proprietária de uma pequena unidade de alimentação, mesmo se sentindo orgulhosa de estar sempre ocupada e ter sua vida consagrada ao trabalho, resumem bem o que acabamos de colocar sobre a situação da mulher, onde aparece com clareza a pulverização [fim da página 106] e sobreposição das tarefas e do tempo:

"(...)Todos os dias às cinco horas eu me levanto. Quando o dia amanhece, vou para cozinha e coloco a água para fazer o café das crianças e de meu marido e vou lavar roupa. Enquanto a roupa está de molho, vou fazer a entrega dos bolos. Quando volto, começo a preparar o almoço. Não paro! Volto então para a lavagem da roupa. Depois, eu interrompo um pouco para bater no liqüidificador o suco de fruta para preparar o "din-din" (5) , depois que estão prontos para serem vendidos, pois temos um lugar aqui em casa para isto, volto para enxaguar a roupa, vou limpar a casa, passar roupa ao mesmo tempo que participo da preparação dos bolos com Marcos meu marido, e Davi meu sobrinho." (fala de entrevistado)

Tal sentimento no enfrentar, sem questionamentos, tal superposição de tarefas não foi, evidentemente, compartilhado por todas as entrevistadas, sendo mais comum, ao contrário, imagens de descontentamento pelas discriminações a que ficam em geral submetidas, como já comentamos.

As práticas discriminatórias assumidas por alguns pequenos proprietários, não permitindo a participação das mulheres em tarefas de mais responsabilidade, como as externas às unidades ligadas aos assuntos bancários, compras de matéria prima etc., eram justificadas com detalhados argumentos, como fica claro na fala de um deles:

"(...)No fundo é uma questão de conhecimento que eu tenho do mundo exterior, e não ela; eu achei melhor de não implicá-la nos negócios externos da pequena unidade: banco, o pagamento dos encargos sociais, as compras do material, tudo isso. (...) Então, sou eu unicamente que me encarrego de toda esta parte externa (...). Não é interessante para ela! (...)." (fala de entrevistado)

Por trás das imagens de 'falta de domínio' das tarefas externas, por parte das mulheres e o quanto estas pareciam 'desinteressantes', não faziam mais que deixar evidente como, no interior desses espaços, também encontramos formas da mulher se encontrar escanteada de certas atividades. O que ficou claro, no caso específico deste pequeno produtor, foi que só ele decidia tudo, quem determinava quem devia fazer o quê, quem julgava que a mulher não tinha experiência e que, portanto, não estava preparada para se encarregar de certas funções e responsabilidades por não estar à altura de fazê-lo. Daí ele ter achado conveniente não colocá-la nos serviços externos, logo aqueles que a deixariam a par do movimento financeiro da unidade... Então, foi fundamental ele ter podido controlar as atividades da mulher, 'economizando' as responsabilidades e lhe reservando alguma coisa de mais 'compatível' com sua falta de experiência e de conhecimento.

As imagens de deslocamento e secundarização na realização das atividades foram algumas das evocações encontradas nas verbalizações das mulheres do [fim da página 107] setor de alimentação. Com as exigências da produção em grande quantidade, houve a introdução da mecanização, e assim, as pequenas unidades de alimentação, anteriormente de caráter mais artesanal, que produziam numa lógica de quantidade reduzida e que em geral absorviam o trabalho feminino, transferiram para os homens as diversas atribuições da produção. Enquanto a utilização do tempo por estes permanecia limitada aos espaços da unidade, a jornada das mulheres se duplicava: ao mesmo tempo em que se ocupavam dos filhos e das tarefas domésticas, por outro lado, haviam as atividades da produção, onde eram responsáveis pelas de menor importância, monótonas, rotineiras, como as da embalagem dos produtos, lavagem e arrumação do material utilizado na produção, ao lado da limpeza do espaço reservado as atividades do trabalho. Este quadro só colocou mais em evidência a acumulação das tarefas, e a manutenção de uma ordem desigual entre homens e mulheres. A este deslocamento nas atividades e atribuições correspondeu a uma precarização, também, nas condições de trabalho das mulheres, ficando, além do mais, com essas modificações, instaladas em espaços apertados, mal arejados e iluminados.

Seus discursos deixaram claro os diversos motivos de suas representações pessimistas:

"(...) Meu serviço - dizia a filha de um pequeno produtor do setor - é ruim porque eu faço todos os dias a mesma coisa que tenho para fazer. Estou cheia! Isso aqui não muda nunca! Esta história de só embalar bolacha...(...) é ultra chato! Se eu pudesse trabalhar uma hora numa tarefa, e, em seguida mudar para outra... seria outra coisa! Mas, não é o meu caso. O que me fatiga aqui, é justamente a ausência e novidades no trabalho. Eu faço a mesma coisa o tempo inteiro (...)." (fala de entrevistada)

Nas unidades de confecção a situação se diferenciava, dado à própria diversificação de atividades aí existentes, a forma como se dava a organização do trabalho e a divisão das tarefas e das responsabilidades. O que percebemos foi uma nítida centralização das responsabilidades nas mãos das proprietárias e auxiliares que tinham com ela laços de parentesco. De fato, o corte - momento mais importante do trabalho de confecção - o desenho do modelo, a prova e também a administração dos negócios constituíam atividades que não podiam ser realizadas por qualquer pessoa nem de qualquer maneira, ficando então sob a responsabilidade direta da proprietária, fazendo parte de seu domínio exclusivo por razões de competência e da posição que ocupava na unidade produtiva.

Aqui, o responder administrativamente pela unidade ficava integralmente nas mãos das mulheres. No caso das proprietárias casadas, os maridos não se envolviam em nada dos assuntos ligados à unidade produtiva; o engajamento de pessoas do sexo masculino se deu de forma episódica nas confecções "unissex", por ocasião de algum desfile de moda. Trabalharam com contrato em caráter temporário e ocuparam funções de estilista ou, eventualmente, desenhista de modelos. Com exceção destes casos, o que evidenciamos na ocasião de nossa pesquisa, foi que a atividade da confecção continuava tradicionalmente a ser na região, como sempre foi, uma atividade quase que de [fim da página 108] exclusividade da mulher.

A centralização das tarefas pela proprietária não simbolizava apenas a sua carta de recomendação mas, para algumas, um mecanismo para evitar a socialização de um saber especializado, como era o caso do corte. Se este saber fosse compartilhado, ele arriscava de se tornar um elemento pelo qual a mão-de-obra passaria a exigir melhores salários, ou uma forma de encontrar fora alguém que a empregasse pagando o salário solicitado.

"(...)É uma perda de tempo ensinar a alguém porque desde que elas começam a dominar as tarefas aprendidas, elas vão embora (...)." (fala de entrevistada)

Foi como se externou uma das proprietárias.

Guardar os segredos de certas atividades foi um meio de rebaixar os salários, uma maneira de se defender da concorrência, e também uma característica dos períodos de crise. Esta situação nos fez lembrar as antigas corporações artesanais européias, tão bem descritas por Huberman (1981) e Jaegler (1982), cujo momento mais característico era justamente aquele onde os mestres começam a deter o controle total e exclusivo de certas etapas do processo produtivo, que eles chamavam de "controle do ofício".

As auxiliares com laços de parentesco tinham a responsabilidade das tarefas que colocavam a unidade produtiva em relação com o exterior: pagamentos, compras, encomendas, enquanto as auxiliares assalariadas ficavam com a junção e acabamento das peças.

De que forma as auxiliares, com laços de parentesco ou assalariadas, perceberam esta divisão de tarefas? Que concepções elas construíam?

"(...) A gente se sente como na prisão, a gente não tem pausa para nada, você sabe? Essas pessoas são muito exigentes, não sei. Eu não gosto daqui (...), é sufocante (...) é entediante a costura (...) A costura exige muito, é muito cansativo pois exige muito esforço! (...)." (fala de entrevistado)

Nas unidades de alimentação, ao lado das imagens da repetitividade e monotonia das tarefas, sugiram também as relativas ao ritmo compulsivo na utilização do tempo. A imagem em que nem as pausas para refeição eram respeitadas pelo volume de trabalho assim foram igualmente verbalizadas pelo filho de outro proprietário:

"(...) Aqui se trabalha dia e noite, não se tem tempo livre nem para sair. (...) As vezes eu não tenho tempo nem para almoçar; eu estou tão mergulhado no trabalho, que, quando eu levanto a cabeça, eu estou morto de fome(...)." (fala de entrevistado)

Este ritmo de trabalho sem interrupções teve uma importância grande nas referências, sobretudo dos jovens trabalhadores assalariados, fazendo com que o trabalho fabril, onde alguns deles já tinham tido experiência em suas trajetórias, fosse lembrado com saudades:

"(...) O trabalho aqui é diferente justamente por isso. Lá onde eu trabalhava eu ganhava um salário, aqui eu posso ganhar mais ou [fim da página 109] menos, entende? Mas eu não tenho hora para parar, só quando tudo termina é que o expediente acaba.(...) Eu prefiro como na fábrica, ter horas fixas. Pelo menos é isso que eu acho (...)." (fala de entrevistada)

O projeto não permanente em relação às unidades de produção vinha muito atrelado a estas questões da organização do trabalho, como insistiu outro jovem assalariado:

"(...) É bom trabalhar aqui, mas somente quando se é de menor, porque se fica contente com qualquer coisa. (...) Mas, é um trabalho onde não se tem carteira de trabalho, nem nenhum direito... Por isso que é bom só quando se é de menor, porque não se tem maiores obrigações (...)." (fala de entrevistado)

E outras imagens de descontentamento afloraram nas falas, dando destaque, desta vez, à questão da remuneração como bem desabafou um jovem trabalhador em relação a seu pai, apesar das justificativas que procurava dar a seu respeito:

"(...) Eu acho que as pessoas ganham muito pouco em relação ao que elas fazem, mas papai não tem meios de pagar salário elevado. (...) O que eu queria, era encontrar um emprego, mas hoje, isto é, qualquer coisa de muito difícil, não acha?(...) Então, o que eu faço é comercializar. Eu compro o material necessário a nossa produção e revendo para o meu pai, meu primo e a outras pessoas que têm também suas unidades de produção, facilito os pagamentos, e assim vai.Aqui, com papai, o que eu ganho por semana é uma miséria, se ganha muito pouco (...)." (fala de entrevistado)

Esta maneira de perceber as irregularidades infligidas, o baixo nível de pagamento na unidade produtiva familiar foi encontrada não só entre os filhos, mas também entre as filhas engajadas também em atividades. Em suas falas, achavam não só natural que a situação fosse assim, como aceitavam com gratidão, quando alguma remuneração ocorria, que ela se desse em relação aos filhos homens do que às mulheres, como alegou com segurança uma delas, casada:

"(...) Eu não tenho precisão de nada. Se eu preciso de alguma coisa, por exemplo, no fim do ano, ele pode me dar. Eu o ajudo, mas não quero nada (...) Se tratasse de uma pessoa de fora, é claro que eu seria obrigada de exigir, porque estaria trabalhando para o outro, percebe? Mas, para meu pai, eu trabalho e não quero nada.(...) Eu moro aqui, utilizo a casa sem pagar nada, então o que eu faço para ele é o meu pagamento, certo? É o que eu penso (...). O filho é diferente. Se ele trabalha com o pai, é justo que ele receba remuneração, é um homem, não é? Mas, uma mulher? (...)." (fala de entrevistado)

Por essas evocações, estamos diante de uma organização de trabalho baseada numa lógica onde se amalgamam elementos de uma racionalidade que predomina no mundo industrial, e, a interferência de uma outra ordem - [fim da página 110] aquela da ética familiar - ainda muito forte na cultura do Nordeste. e, além de todos os valores que lhe servem de suporte: as formas arbitrárias de regulação do trabalho, como o não pagamento dos salários, das obrigações sociais, o não respeito aos horários de trabalho.

Os discursos nos permitiram apreender a mistura e a ambigüidade dos sentimentos ressentidos pelos jovens trabalhadores em relação a seus pais, e a enorme dificuldade de tomar a distância que lhes permitissem assumir atitudes mais críticas. Estas nunca seriam admissíveis num tipo de cultura familiar como a existente.

O que podemos refletir é que a partir das falas dos proprietários e de seus auxiliares, parentes ou não, foi de que existe no interior das unidades de produção, uma espécie de jogo estratégico: o da cumplicidade silenciosa, regu-lamentada pela ética familiar, onde a instrumentalização e os afetos funcionam em alternância. Trata-se, talvez, de uma maneira de suportar esta situação, enquanto se aguarda um futuro distante e sempre remetido para depois.

Não foi só sobre o trabalho que as imagens críticas dos sujeitos se construíram; afloraram também em suas falas outras relativas ao espaço. Aqui, as evocações sobre a contigüidade entre os lugares de moradia e o da produção se apresentaram com imagens bem diversificadas. Enquanto que entre os entrevistados das unidades de alimentação foram freqüentes as alusões do espaço confinado, opressor, por conta muitas vezes das instalações reduzidas e improvisadas; o mesmo não se deu para os sujeitos das unidades de confecção. O que vinha com força em suas falas, se não teve o tamanho dos espaços a ser posto em questão, dado à própria qualidade das casas, nem por isso as imagens deixaram de vir associadas a uma gama de inconvenientes - dispersão, barulhos, invasão do espaço privado pela clientela, riscos à concentração e à criatividade, a não separação dos problemas domésticos com os do trabalho. Nas falas de algumas auxiliares com laços de parentesco, elas deixaram claro que este era um dos motivos que as levavam a desejar o trabalho assalariado, para justamente tomar distanciamento do confinamento dos problemas de casa:

"(...) Meu sonho é de trabalhar fora de casa; eu detesto trabalhar aqui. Eu não vejo o menor sentido ficar aqui dentro. É um espaço extremamente limitado, muito pequeno, monótono. Eu me sinto muito isolada das pessoas; eu adoraria encontrar alguma coisa fora, onde fosse mais distraído, onde eu pudesse me distanciar dos problemas da casa. (...) Aqui os problemas não me largam um só minuto, é isso aí. Alguém diz uma coisa, o outro rebate.(...) Eu acho trabalho a melhor coisa do mundo; ter um trabalho ... ganhar dinheiro para comprar o que desejar e não depender somente do marido (...). É por isso que eu sonho de encontrar um lugar numa grande loja, num magasine, onde tem bastante gente e onde é animado (...)!" (fala de entrevistado)

Já entre as proprietárias, as alusões sobre o espaço eram sempre favoráveis. Ao contrário das verbalizações de algumas jovens costureiras, ele assegurava as condições favoráveis para a criatividade. Isto ficou bem evidente na fala enfática de uma das proprietárias:

[fim da página 111]

"(...) Aqui eu me sinto feliz (...) eu faço o que eu quero(...) Hoje eu sou muito mais eu mesma. (...) Tudo que eu faço, sai de minha cabeça; até o presente momento, tudo que eu faço, fui eu mesma que criei (...). é como uma espécie de música harmoniosa que toca na minha cabeça! (...)." (fala de entrevistado)

Bela metáfora para este momento singular da liberdade de criação e de realização dos modelos que o espaço proporcionava.

Outra proprietária, que em sua trajetória de trabalho havia trabalhado numa fábrica de confecções, assim se referiu ao significado de ter o seu próprio espaço de trabalho:

"(...) Trabalhar em casa é, de qualquer modo, melhor do que trabalhar fora. O trabalho dá muito mais independência, a gente ter seu próprio negócio, é muito melhor do que trabalhar na fábrica. A gente se sente uma outra pessoa quando é a proprietária, não é verdade? E isto é muito importante. A gente não recebe mais ordens. Sou eu agora que posso dá-las (...)." (fala de entrevistada)

Ao lado disso, a vantagem, sobretudo para as entrevistadas que tinham ainda filhos pequenos, de poder trabalhar em casa e assim cuidarem também, quando necessário, das crianças. Instalações precárias, insalubres só tivemos um único caso, no meio das unidades estudadas.

No entanto, a essas imagens se juntaram outras, desta vez não tão otimistas:

"(...) Aqui, eu vejo meu trabalho como uma espécie de calo. É como se eu calçasse um sapato 34 enquanto o meu número mesmo é 35 ! (...)." (fala de entrevistado)

Foi a imagem que uma proprietária da confecção utilizou para simbolizar as dificuldades e apreensões em relação a seu trabalho. Aqui ele aparece muito mais como uma obrigação do que um desejo:

"(...) Sim, é verdade! Ou eu trabalho, ou eu morro de fome, não alimento nem mesmo minha família. Mesmo me sentindo doente eu tenho de trabalhar de toda maneira, é uma questão de sobrevivência. Então, é uma questão de obrigação (...)." (fala de entrevistada)

E continuou suas queixas com alusões negativas acerca da falta de privacidade, dos barulhos que impediam a concentração, provocado pela junção dos espaços de moradia e de trabalho, que ela colocava como limitações à sua liberdade pessoal e profissional:

"(...) É necessário silêncio, a gente precisa estar sozinha para poder se concentrar. Ou bem você se concentra, ou você não consegue fazer nada que valha a pena. Você pensa que a gente tem um ambiente favorável com estas entradas e saídas das pessoas? (...) É assim que podemos perder um tecido, e o tecido custa muito caro, você sabe? (...)." (fala de entrevistada)

O tempo, por sua vez, estava presente como uma dimensão fundamental [fim da página 112] para o êxito do trabalho, por se trabalhar com a moda. O tempo da moda, o acompanhamento das novidades, eram os valores tidos como importantes para não se ficar ultrapassado. Trabalhar com a moda é trabalhar continuamente com o tempo e a experiência. Daí a busca de uma atualização constante. Tal como o espaço, este também não deixou de ser evocado das formas mais variadas, expressando mesmo a heterogeneidade das situações de vida e lugares em que estavam os sujeitos entrevistados. Assim, as falas expressavam ora imagens valorativas da flexibilidade na organização das atividades (na não existência de horários fixos, nas interrupções e nas pausas, como na ausência de prazos na preparação e entrega dos produtos), ora a não estandartização da criatividade.

Apesar de constituírem minoria, encontramos ainda costureiras que, em seus discursos, deixavam com força o significado do trabalho enquanto arte, enquanto expressão de criatividade. Em falas, em geral auto-elogiosas, carregavam nos tons sobre o orgulho do reconhecimento público da qualidade da marca de sua confecção, do perfil profissional de seu trabalho:

"(...) Você deve mostrar ao cliente o que vai ser lançado, o que vai ser utilizado, entende? A arte toda está aí; você deve estar informado de tudo, saber de tudo, mas criar também à sua maneira. Conhecer as cores, os tipos dos tecidos que vão estar na moda, mas criar seu tipo de roupa, seu estilo. Criar e não copiar o que o outro está fazendo. Então, eu acho que isto é arte, porque você pára tudo, pega um lápis e vai tentar criar o que vai fazer, o que vai cortar para agradar o público! (...)." (fala de entrevistado)

Analisando os discursos das proprietárias vimos que, em geral, apresentavam traços bem egocêntricos. Eles se construíam em torno das imagens da competência profissional, de sua criatividade, da originalidade do estilo que elas imprimiam em suas confecções, bem como controle do trabalho, segurança profissional, reputação obtida pela qualidade oferecida dos produtos ofertados:

"(...)Eu dou muito mais atenção ao criar, realizar, (...) ao ousar e lançar minhas idéias (...). A questão é ser competente no domínio que você escolher e poder mostrar seu trabalho. (...) Nestas condições então, você faz coisas maravilhosas aqui (...). Você deve colocar junto a criatividade e a arte... Este é o nosso cuidado permanente, entende? De colocar arte em tudo que fazemos (...)." (fala de entrevistada)

"(...) Eu sou muito criativa! Eu sou muito mais do lado do zelar pela criatividade! Se eu tivesse tempo de esboçar tudo que me passa na cabeça! (...) Aí sim que eu produziria muito mais! É assim que eu invisto em mim mesma: já fiz um curso de estilismo, vou fazer outro de modelagem (...), e penso ir para a Itália com uma bolsa de estudos (...)!" (fala de entrevistada)

Na mesma ocasião das nossas entrevistas, outras imagens afloraram nas falas das proprietárias sobre a questão da atualização como maneira de permitir a expressão da criatividade, de assegurar a singularidade e de evitar a [fim da página 113] estandartização. Dialoga-se com um outro "chronos" o tempo presente e o tempo futuro, como dizia bem uma delas:

"(...)Aquela pessoa que trabalha com a moda deve estar constantemente se atualizando. Deve olhar o que vai se passar nos próximos seis meses, entende? Assim, para a moda de verão, digamos, você já deve saber no fim do inverno o que vai se dar no verão (...). Por outro lado, no verão, você tem que já está sabendo qual vai acontecer no inverno do próximo ano (...). Você tem que saber exatamente em que você vai trabalhar, para você não se perder no tempo, mas para saber o que você vai confeccionar (...)." (fala de entrevistada)

Se encontramos ainda costureiras em cujas falas apreciam com força as imagens do significado atribuido aos tradicionais "ateliês" de costura mais individualizada, de modelos exclusivos, observamos também uma preferência acentuada pela confecção estilo "pronta-entrega". Podemos afirmar mesmo, que a maioria das unidades visitadas já trabalha com este sistema, e as que não adotaram ainda falaram da intenção de fazê-lo, tão logo a situação econômica tornasse possível a compra de máquinas mais modernas. Segundo as falas das próprias costureiras, a produtividade aumentava significativamente na "pronta-entrega" porque, sem perder tempo com a confecção de modelos únicos para cada cliente, a estandartização possibilitava o corte e a montagem de duas ou três peças ao mesmo tempo, o que simplificava bastante o trabalho.

Outra imagem resgatada sobre a "pronta-entrega" foi a de sua praticidade. De fato, como as confecções na pronta-entrega já se apresentam prontas, terminadas para o cliente, diminuem os aborrecimentos, tanto no que se refere à escolha dos modelos, como no que se refere às reclamações da clientela por ocasião da prova.

Ao lado destas alusões favoráveis contidas nas representações do tempo na pronta-entrega, outras afloraram, relativas à longevidade das jornadas de trabalho, homogeneidade, opressão, expressões das tarefas repetitivas e sem criatividade que este novo estilo de confecção implantou, ao lado do desrespeito aos direitos (a não observância do trabalhar nos domingos, feriados, o não ter férias, carteira assinada, etc).

Com esta opção elas descartaram o peso do trabalho criativo e singular, para substituí-lo pela quantidade, que repete ao infinito um mesmo modelo, o que caracteriza todo o trabalho em escala. Não se tem mais tempo a consagrar a um trabalho personalizado, como nos ateliês tradicionais, onde predominava a confecção dos modelos singulares, exclusivos, cheios de detalhes e refinamentos, cuja concepção e criação absorviam todos os momentos do tempo, onde as máquinas entravam apenas como acessórios, não rivalizando em nada com as mãos hábeis e cuidadosas das costureiras. Estas, em geral, constituíam os eixos centrais da produção, conduziam todo o processo com suas inspirações, suas escolhas, suas trocas de idéias. Como sujeitos do processo de trabalho, se mergulhavam por inteiro no ato produtivo, e definiam seus próprios ritmos e cadências.

Com a pronta-entrega, as máquinas mais avançadas passaram a substituir o ato criativo pela estandartização e a repetição das peças; a costureira tornou- [fim da página 114]se acessório e tinha daí por diante que seguir o ritmo, em conflito com o acabamento estético da confecção. Uma proprietária nos passou bem esta imagem:

"(...) Eu pretendo ampliar minha unidade para a pronta-entrega (...). A gente ganha mais tempo, sabe? Para fazer cinqüenta calças, eu tenho um único modelo; então, eu ganho um tempo enorme; eu corto todas do mesmo tamanho, da mesma forma, com a linha da mesma cor (...)." (fala de entrevistada)

Assim, as valorizações do trabalho enquanto arte e criatividade começaram a ceder lugar para o ritmo racional, que garante o lugar no mercado consumidor. As habilidades pessoais passaram ao segundo plano, as máquinas peformantes foram priorizadas, a velocidade tornou-se a norma.

A outra face das transformações na expressão mais pessoal do trabalho, ao qual foi submetida no presente às imposições do ritmo industrial, foi a imposição de uma outra organização do tempo do trabalho, o afastamento das costureiras mais hábeis e a retomada dos ateliês.

De fato, o que observamos ao longo de nossa pesquisa foi que a jornada de trabalho se organizava de tal maneira a permitir às auxiliares ter tempo disponível para que se ocupassem também de seus pequenos ateliês de costura.

Estas modificações nas relações de trabalho, minimizando as coerções decorrentes das irregularidades em relação à lei, apontaram para a concretização de um sonho ainda percebido como distante, aquele de poder possuir seu próprio ateliê de costura.

As insatisfações das assalariadas eram contornadas pelas proprietárias através de estratagemas que tomavam a forma de um tratamento totalmente amigável e de partilha da clientela para que as assalariadas pudessem trabalhar por própria conta. Esta solução dada para as auxiliares terem seus próprios negócios foi a melhor saída encontrada pelas proprietárias, pois além de terem diluído os conflitos, os confrontos (uma vez ocupando o mesmo lugar enquanto pequenas proprietárias), trouxeram efeitos ainda mais importantes nos seus imaginários, o de fugir, enquanto pequenas proprietárias, das duras condições de vida que levavam.

Transformando as relações de trabalho em camaradagem, as proprietárias apagaram os conflitos e estimularam, nos trabalhadores, a imagem de um empregador não mais percebido como diferente, mas como semelhante, partilhando dos mesmos interesses e dos mesmos projetos.

E, assim, vimos se confirmar nossa hipótese de trabalho sobre o apagar - e a imposição/aceitação - das irregularidades nas pequenas unidades produtivas, a partir da organização do tempo e do espaço.

Do mesmo jeito, havia irregularidades cometidas contra os auxiliares parentes, a partir da organização do tempo e do espaço. Alimentando a ética familiar, os proprietários imobilizam seus parentes e evitam a confrontação que, neste contexto não podia, de nenhuma forma, se manifestar, por conta das obrigações afetivas e dos deveres familiares. Os laços de gratidão e de obrigação moral interiorizados depois de tanto tempo são extremamente difíceis de se desfazer. Os laços afetivos de camaradagem e de solidariedade impedem os [fim da página 115] trabalhadores assalariados de se lançarem na Justiça para restabelecerem os direitos perdidos.

A dispersão das unidades produtivas mostrou ser um dos fatores que vêm impedindo, então, a construção de uma identidade profissional e de práticas de caráter mais coletivos para colocar em questão as irregularidades existentes no interior dessas unidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, o que pudemos concluir foi que a maneira como os trabalhadores coletivos arranjaram seu espaço e seu tempo produtivos foi um indicador, não apenas das suas realidades social e cultural, como também de suas ações mais pessoais e subjetivas. Esta "coreografia", carregada de sentido, definiu, tal como as idealizações e valores, a natureza de seus projetos sociais e de suas identidades.

As imagens do tempo e do espaço, presentes em todos os momentos nas falas dos sujeitos entrevistados, indicaram o desejo de uma ordem produtiva alternativa e virtual, onde o exercício do poder e da autoridade deixavam abertas as ocasiões de exprimir a singularidade.

A autonomia, outro grande tema constantemente presente entre os homens e as mulheres de todas as idades, significando freqüentemente a idéia de independência econômica que provinha do controle do espaço e do tempo do trabalho. Ser autônomo no trabalho simboliza a liberação das tensões reais, tanto na vida pessoal como no trabalho, liberação que é preciso preservar custe o que custe uma vez que ela é fruto de uma conquista, às vezes aliás, somente existente no plano da idealização, que muitas das irregularidades que aí se manifestaram quebraram a especificidade desses espaços uma vez reproduzindo as existentes igualmente em espaços produtivos maiores. Foi unicamente através da aproximação dessas dimensões subjetivas e observando concretamente a vida dessas unidades que foi possível enriquecer a abordagem econômica da pequena produção, percebendo aí um duplo movimento ao mesmo tempo: por um lado, o que reproduz um 'status quo', e por outro, o que anuncia mudanças possíveis.

É nas situações de confrontação que as contradições afloram e que os aspectos mais pessoais se manifestam, sobretudo para preencher os frustrantes vazios que podem se tornar veredas de novas esperanças. Daí a importância de encontrar no tempo, graças a ação da memória, os objetivos ainda não atendidos nos espaços produtivos, onde as experiências vividas mostraram a busca de uma ordem na qual outros espaços e outros tempos tornariam possível o desabrochar desejado.

As falas, os discursos, a linguagem são vias que dão acesso às idéias e valores dos sujeitos e às suas experiências de vida. "(...) A memória se articula formalmente e duradouramente na vida social pela linguagem", escreve Bosi (1992: 28):

"Pela memória, as pessoas que estão ausentes tornam-se presentes. Com a passagem das gerações e das estações, este processo largado no inconsciente lingüístico, reaflora sempre quando se faz uso da fala que evoca e invoca. É a linguagem que permite conservar [fim da página 116] e reavivar a imagem que cada geração se faz das anteriores. Memória e fala são, no fundo, inseparáveis, elas são a condição que torna possível a reversibilidade do tempo (...)."

E Novaes (1992: 09) escreve sobre a mesma questão:

"(...) Contar história (...) somente a partir do tempo presente, tempo fragmentado, direcionado, instante fugitivo tido como o único tempo real", é negar a articulação de épocas e de situações diferentes, o simultâneo, o tempo da história e o pensamento do tempo. Além do mais é esta articulação que permite o diferenciar de múltiplas condutas no tempo e de reconhecer que certas práticas políticas e culturais, consideradas estranhas ou, ao contrário, indispensáveis à um momento. determinado, sejam vistas de maneira diametralmente oposta a um outro momento. Esquecer o passado, é negar toda experiência efetiva de vida; negar o futuro, é abolir a cada instante a possibilidade do novo (...)."

A reconstrução do espaço e do tempo constituída pelos sujeitos sociais, isto é, a reconstrução das apropriações e das idealizações a partir da memória relatada nos discursos, permitiu não somente descrever as representações mas também reunir o que podemos chamar um espaço-desejo (uma utopia - um espaço qualquer, abstrato, ou lugar nenhum - sem dúvida, ou antes, uma heterotopia - um outro espaço potencial) e um tempo-desejo (ou seja, uma "uchronie" ou uma "hetérochronie").

As imagens do tempo e do espaço tornaram-se então instrumentos para construírem, além ou aquém da ordem produtiva já estabelecida, uma outra ordem produtiva alternativa, não mais utópica, no sentido absolutamente fora do tempo e do espaço reais, mas sob forma de uma realização, bastante parcial, de potencialidades deixadas abertas e de onde as representações e as idealizações são uma maneira de dar sentido e transformar, por pouco que seja o mundo das realidades cotidianas.

Assim, através do apreender as evocações resgatadas das falas dos sujeitos vimos materializar as representações, referências, alusões, significados e através delas traçar o perfil e o sentido dados a esses universos produtivos complementando, desta forma, as abordagens existentes entre eles. Aqui é que acreditamos situar a importância do enfoque por nós assumido nesta pesquisa: pela singularidade conferida aos sujeitos de poderem, pelas suas falas, atualizarem tempos, lugares e espaços para eles significantes.

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NOTAS

1) Este texto é uma retomada do capítulo teórico da tese de doutoramento apresentada à Universidade de Picardie (Amiens, França), em 1994, sob o título Non je ne veux plus etre le serf de personne: le cas de la petite produccion a João Pessoa-Pb.
2) Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa).
3) Tradução própria.
4) Designação dada pelos pequenos produtores às pessoas de sua confiança que se ocupavam de colocar na praça, isto é, no mercado, no circuito de venda, a produção, em troca de um percentual (nunca revelado) sobre o total vendido.
5) De preparo costumeiro em ambientes mais populares de algumas cidades do Nordeste, o din-din pode receber denominações diversas: consta de colocar em pequeninos sacos de plástico o suco, em geral artificial, e congelá-los, para que fiquem com a consistência de picolé.



RESUMO
TRABALHO, TEMPO, ESPAÇO E SUBJETIVIDADE


Este é um estudo de pequenas unidades urbanas de produção, de acordo com uma aproximação que enfatiza a dinâmica individual, ideológica e prática das pequenas empresas dependentes, que como tal deixam os fatores econômicos em uma posição secundária. As unidades estudadas misturam atividades de comerciais e industriais, dirigidas por seus proprietários, através da racionalidade de suas práticas produtivas e seus negócios. Usando os dados obtidos de 38 entrevistas com os participantes de 13 unidades de produção baseadas na área urbana de João Pessoa, mostramos a diferenciação entre as pequenas unidades estudadas, de acordo com: a) a natureza da produção, isto é, alimento e manufatura, assim como o caráter não formal de sua inserção no mercado; b) posição dos sujeitos no lugar de funcionamento como proprietários, assistentes parentes e não-parentes. Nós usamos uma estrutura conceptual simples, em que o espaço e o tempo foram as categorias principais, examinadas, pelos atores sociais, como indicadores das organizações materiais e ideais. Nossa aproximação é qualitativa e permite uma explanação desobstruída das percepções, dos racionalismos e dos subjetividades que uma aproximação quantitativa não conseguiria.
PALAVRAS-CHAVE: pequena empresa urbana; trabalho familiar; Paraíba.

ABSTRACT
WORK, TIME, SPACE AND SUBJECTIVITY

This is a study of small urban units of production according to an approach which emphasises the individual, ideological and practical dynamics of small and dependent enterprises which as such leaves the economic factors in a secondary position. The units studied are engaged in a mixing of trade and industry activities, brought about by their entrepreneurial proprietors and the rational of their productive and trading practices. Using data obtained from 38 interviews with participants of 13 units of production based in the urban area of João Pessoa, we show the differentiation among the small units studied according to: a) the nature of production, i.e., food and manufacture, as well as to the not formal character of their inception in the market; b) position of the subjects on the working place as proprietors, relative and non relative assistants. We used simple conceptual framework, according to which space and time as main categories were examined which, as viewed by the social actors, are indicators of the material and ideal organisations. Our approach is qualitative and allows a clear explanation of perceptions, reasonings and subjectivies that a quantitative approach would not achieve.
KEYWORDS: small urban unit of production; familiar work; Paraíba.


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Número 15 - setembro de 1999  |   Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


Este site foi modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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