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Carla Mary S. Oliveira (2)
Não podemos negar que vivemos uma época marcada por contrastes. Oscilamos, diuturnamente, entre o êxtase e a depressão, entre a miséria e o fausto, entre o avanço técnico e a barbárie. Esquecemo-nos, contudo, de que essa ambivalência não é característica apenas de nossos tempos. Na verdade, em diferentes momentos históricos o tecido da estrutura social se viu retesado por essas contradições e, em inúmeras vezes, sua trama cedeu aos rompantes ocasionados por esse embate.
Alguns desses momentos marcados pela ambivalência possuem, por isso mesmo, um especial atrativo para os estudos acadêmicos. Esse é o caso das grandes transformações que influíram diretamente na organização social, como a chamada Revolução Agrícola do Neolítico, a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, e a "Revolução Cibernética" que hoje atravessamos.
Mas existem também fatos que, por terem se estruturado a partir de manifestações ligadas a elementos estéticos particulares, foram vistos pela crítica de historiadores e sociólogos, muitas vezes, como de menor influência em relação aos mecanismos de saber e poder de nossa sociedade. Poderíamos citar como exemplo desse tipo de avaliação os estilos (3) Românico, Gótico e Barroco.
Entretanto, um dentre esses estilos tem sido, ao longo dos últimos dois séculos, constantemente reavaliado e reinterpretado por estudiosos das mais diversas correntes teóricas. O Barroco, especialmente, teve o poder de romper unanimidades e levar à revisão de paradigmas que eram, aparentemente, sólidas definições conceituais.
Desse modo, ao retomarmos as idéias de alguns autores que trataram da estética barroca, o que pretendemos é, sobretudo, revê-las sob o prisma da contemporaneidade. Para que se torne possível essa revisão, no entanto, é preciso, também, que tracemos um painel de como foram surgindo as diferentes concepções sobre o Barroco, isto é, daquelas idéias que se tornaram paradigmas dentro do estudo da estética barroca e que, de certa forma, influenciaram um considerável número de críticos e estudiosos da Arte. Além disso, o fato de vivermos uma época em que o embate de realidades extremamente distintas faz parte de nosso dia-a-dia nos leva, inadvertidamente, a uma associação desse cotidiano com o universo barroco e seus paradoxos. Em outras palavras, ao [fim da página 151] esmiuçarmos os falares sobre o Barroco estaremos, na verdade, buscando respostas para muitas das inquietações que se nos apresentam nesse limiar do século XXI.
Quase que invariavelmente, o primeiro contato que qualquer estudante tem com o termo "barroco" se dá nas aulas de Literatura do Ensino Médio. Ali se fica sabendo que o significado de "barroco", no final do século XVIII e durante a maior parte do século XIX, foi extremamente depreciativo, chegando até mesmo ao escárnio em relação às obras artísticas tidas como barrocas.
O que temos certeza, no entanto, é que a palavra barroco deriva da denominação dada pelos comerciantes e joalheiros ibéricos do início da Era Moderna a qualquer pérola imperfeita: "barrueco" (Bazin, 1994: 01; Triadó, 1991: 03). Afora essa origem do termo, associado a algo que fugia aos padrões "normais" (uma pérola imperfeita), barroco passou a designar, nas Artes, o "pecado da divergência" em relação ao ideal clássico da Renascença (Gombrich, 1990: 109) e, por extensão, uma arte menor, que desvirtuava o belo e o exato em favor de um virtuosismo exagerado e desmedido por parte dos artistas.
Ainda no século XVII, era comum a crítica às novas formas que se insinuavam na arquitetura e pintura italianas:
"Bramante, Rafael, Baldassare, Giulio Romano e recentemente Miguel Ângelo esforçaram-se por restituir à Arquitetura sua primeira idéia e aparência, escolhendo as formas mais elegantes nas edificações da Antiguidade. Mas hoje, em vez de se homenagearem esses homens tão sábios, eles são injustamente vilipendiados juntamente com os Antigos, acusados de se terem copiado uns aos outros sem dar prova de espírito nem de invenção. E qualquer um inventa uma nova Idéia e larva de Arquitetura a seu modo, e a expõe em público e nas fachadas: homens desprovidos de toda ciência própria do Arquiteto, do qual usurpam o nome. Eles deformam os edifícios, as cidades e os monumentos, abusam com frenesi de ângulos, fraturas e distorções de linhas e deformam bases, capitéis e colunas com brincadeiras de estuque, quinquilharias e desproporções (...)." (Bellori, 1672: 155-156)
Essa visão de que o Barroco seria a corrupção da perfeição greco-romana se iniciou, portanto, quase assim que surgiram as primeiras manifestações artísticas que rompiam com a estética renascentista. De fato, alguns críticos situam outro estilo, o Maneirismo, entre a Renascença e o Barroco (Gombrich, 1990: 111), mas, a nosso ver, sua indefinição entre essas duas estéticas só demonstra que ele foi, na verdade, uma transição entre duas concepções de estar-no-mundo e ver-o-mundo que são, por essência, extremamente distintas. O "pintar à maneira de" se tornou, para os estudiosos de arte, desde meados do cinquecentto, uma degeneração do classicismo renascentista. Em 1610, já era essa a concepção que se tinha acerca da situação das Artes:
"Depois de tantos séculos morta e esquecida, a pintura teve, em nossa época, mestres que a levaram a uma espécie de renascimento, a partir de suas origens grosseiras e imperfeitas. Não teria, porém, renascido e se [fim da página 152] aperfeiçoado tão rapidamente se os artistas modernos não se tivessem guiado pelo magnífico exemplo das estátuas antigas, preservadas até os nossos dias. (...) não é menos verdade que, depois da época em que os representantes das escolas ou dos estilos supracitados de nosso tempo floresceram, e quando todos os outros esforçavam-se por imitar aqueles mestres com bom gosto e conhecimento, a Pintura caiu do pedestal em que se encontrava, e de tal maneira que, mesmo sem voltar às trevas absolutas de seu barbarismo anterior, tornou-se no mínimo deturpada e corrompida, afastando-se do verdadeiro caminho. Assim, todo o conhecimento que era bom extinguiu-se quase que por completo, enquanto novos e diferentes estilos surgiram,, muito distantes da verdade e do plausível, mais apegados às aparências do que à verdadeira substância, com os artistas satisfeitos por deleitarem os olhos do populacho com belas cores e trajes espalhafatosos, utilizando coisas plagiadas de praticamente todas as fontes; de traços pobres, raramente bem compostos, e incorrendo em outros erros bastante evidentes, extraviaram-se todos do caminho exemplar que leva ao melhor." (4) (Agucchi, 1610; citado por Gombrich, 1990: 136-137)
Entre 1610 e 1672 se passou mais de meio século, mas os discursos de Bellori e Agucchi poderiam ser colocados lado a lado e, mesmo assim, nem se perceberia o distanciamento cronológico desses dois falares. Na verdade, seria muito difícil identificar, até mesmo, qual deles foi escrito primeiro...
A existência de uma oposição tão veemente à nova estética que surgia e, também, o fato de que foi justamente na Itália saída da Renascença que se deu esse "surgimento" só reafirmam a singularidade de tal contexto. Foi na Itália que se insinuaram, se desenvolveram e se consolidaram os elementos arquitetônicos e pictóricos que passaram a "delimitar" o estilo Barroco. Foi a partir daí que, através das navegações, do missionarismo católico e do comércio (inclusive o intra-continental), se difundiram as dobras barrocas.
Na Itália, durante todo o século XVII, portanto, existiu uma crítica contrária àquelas características que se generalizavam nas fachadas e interiores das novas construções e, por extensão, nas pinturas e esculturas que as decoravam. Essas novas soluções incluíam o uso de recursos visuais como diagonais, curvas, efeitos de luz e sombra, recuos, avanços, planos horizontais e verticais e vários outros elementos geométricos, "a fim de dirigir nosso olhar para a entrada e levá-lo depois para o alto" (Mainstone & Mainstone, 1984: 80). Quanto à distribuição do espaço interno, ao projeto, às plantas dos templos, houve uma valorização da utilização da figura oval ou de esquemas mais complexos, o que levou "ao abandono das linhas direitas e das superfícies planas" (Conti, 1984: 11). Outra inovação em relação aos templos construídos em épocas anteriores foi a supressão das naves laterais, possibilitando uma melhor visibilidade do altar-mor e do púlpito a partir de qualquer ponto da nave central do templo, além da transformação dos braços do transepto em capelas menores, diretamente ligadas à nave central e destinadas a "cerimônias particulares e para a oração" (Mainstone & Mainstone, 1984: 81).
O fato de que o uso desses recursos rompia com "a idéia renascentista de [fim da página 153] construção redonda e simétrica" (Gombrich, 1979: 302), ao mesmo tempo em que se valorizava o rebuscamento como meio de louvar a Deus é, no mínimo, sintomático do próprio contexto sócio-histórico em que floresceu o Barroco: um continente sacudido pela Contra-Reforma e pelas novas possibilidades do mercantilismo e conseqüente estruturação do colonialismo. Se alguns autores contemporâneos afirmam que ele teria surgido como instrumento da Igreja Católica, tendo sido utilizado sem parcimônia na consolidação da Fé e como meio de impressionar os crentes com a majestade do Catolicismo (Altet, 1990: 73; Bazin, 1994: 09-10; Conti, 1984: 84), através da grandiosidade e imponência das novas soluções arquitetônicas, ainda no século XVIII se via com receio o estilo, que já tinha, então, se espalhado pela maior parte do mundo ocidental.
Segundo Juan Ramón Triadó (1991: 03), o Dicionário da Academia Francesa, publicado em 1740, ainda trazia uma definição depreciativa do termo barroco, assim como a Encyclopédie Méthodique de 1788, na qual o caráter "extravagante" da estética barroca era veementemente atacado. Tal visão se estendeu até o final do século XVIII e persistiu por quase todo o século XIX. Ainda em 1797 o Dicionário de Belas Artes, publicado por Francesco Milizia, na Espanha, acentuava o aspecto pejorativo do termo: "Barroco é o superlativo do extravagante, o excesso do ridículo" (citado por Triadó, 1991: 03). A Grande Encyclopédie do final do século XVIII reforçava essa visão:
"Baroque, adjectif en architecture, est une nuance du bizarre. Il en est, si on veut, le raffinement, ou s'il était possible de le dire, l'abus... il en est le superlatif. L'idée du baroque entraîne avec soi celle du ridicule poussé à l'excès." (5) (citado por Wölfflin, 1888: 34)
Contudo, essa recorrência à interpretação do Barroco como degenerescência do classicismo renascentista não demonstrava a relação que existia - não no sentido causal - entre os fatos da vida cotidiana e as manifestações artísticas. Não se trata de afirmarmos, aqui, que qualquer fato sócio-histórico deixa suas marcas nas representações artísticas de sua época. Na verdade, acreditamos que, em alguns casos e algumas obras específicas, torna-se possível a identificação do universo imagético que influenciou, de algum modo, os artistas e suas criações.
Ora, a Europa do século XVII vivia a consolidação de uma nova realidade, que dizia respeito não só à vida material, social, econômica, mas também às coisas do espírito, da subjetividade. Ocorria, então, uma sutil mudança no modo de os homens letrados encararem tanto o ver-o-mundo quanto o estar-no-mundo: à regularidade racionalista do Renascimento se opôs, naquele momento, a incerteza, o questionamento e uma atormentada tentativa de "renúncia" ao desejo. Esse conflito é que está estampado nas obras barrocas, em sua grande maioria. Não se trata de questionar a existência de Deus, mas sim de se ter uma nova postura frente às coisas do espírito, já que o ser humano passou a se enxergar como um microcosmo repleto de vícios e desejos que precisava [fim da página 154] combater antes mesmo de louvar a Deus. Na visão de Hans J. Hillerbrand, essa atenção às coisas do espírito teve conseqüências não só no campo religioso, mas também na própria vida diária:
"No matter how preoccupied sixteenth-century man was with religion, he did other things but spend every waking moment pondering the things of the spirit. Indeed, some of the things he ostensibly did ad majorem Dei gloriam turned out to have some definite non-religious consequences." (6) (1969: 117)
Assim, se considerarmos os registros barrocos como elementos pictóricos pertencentes a um discurso definido, é possível se proceder a uma análise "lingüística" desse discurso. Torna-se evidente que esses registros são símbolos, portanto, que trazem em si mesmos mais de uma mensagem a ser decifrada por seus "leitores":
"(...) os discursos não são apenas (...) signos destinados a serem compreendidos, decifrados; são também signos de riqueza a serem avaliados, apreciados, e signos de autoridade a serem acreditados e obedecidos." (7) (Bourdieu, 1996: 53)
Até mesmo o fato de existir uma oposição velada à estética barroca nos mostra o quanto a codificação das inquietações que afligiam a intelectualidade e as elites européias naquele momento, através de signos de riqueza e signos de autoridade barrocos, assinalava a permanência de uma resistência, mesmo que diminuta, a essa riqueza e a essa autoridade.
Ao questionar a humanidade dos ameríndios, por exemplo, o homem europeu seiscentista questionava sua própria essência. Mais ainda, ele descrevia a existência de um lugar paradisíaco, povoado por animais fantásticos e homens exóticos, e coberto por florestas que se estendiam para além do alcance do olhar e que, desde então, deu origem a inúmeras visões que passaram a povoar o imaginário europeu acerca do Novo Mundo no século XVI e, especialmente, no século XVII (Baumann, 1992: 58-76). Essa construção simbólica é mais que justificável, principalmente se considerarmos certos detalhes da vida européia do início da Idade Moderna. Enquanto as lutas religiosas e a Inquisição aterrorizavam boa parte do continente, em outras localidades a instalação de novas relações de produção, como o cercamento dos campos na Inglaterra, criariam uma massa de desempregados que viria a inchar as maiores cidades e ficar à margem da riqueza e da prosperidade com que a nova era mercantilista acenava.
Nesse momento de afirmação do poder burguês e de expansão econômica em nível mundial, descortinou-se um novo universo ao europeu: um mundo novo e incógnito, cheio de lugares e possibilidades a serem descobertos e explorados, inclusive pela Igreja.
[fim da página 155]
Recém sacudida pela Reforma, a Santa Sé necessitava de um tipo de representação que fosse além do ideal renascentista de perfeição. Para que os fiéis não debandassem para a "pureza" protestantista, que tentava resgatar valores que haviam sido sufocados pela hierarquia eclesiástica, se tornava urgente o resgate do subjetivismo e expressionismo nas obras de cunho religioso:
"Roma (...) adoptou a noção humanista de que um santo era mais um modelo de virtude do que um amigo ou benfeitor e apresentou figuras heróicas para admiração ou imitação gerais. Os largos acenos do santo barroco eram feitos para uma audiência de milhares de pessoas, e não para a velhinha que lhe acendia a sua vela. O gosto renascentista, e possivelmente o medo de que as pessoas tomassem a imagem pelo santo, proibiu os actos mais vulgares desde que parecessem contemplativos. A extática Santa Teresa, de Bernini, estava muito longe de inspirar intimidade ou reciprocidade; a Virgem morta de Caravaggio, demasiado reservada para consolar." (Bossy, 1990: 119)
No entanto, essa ligação intrínseca entre o discurso católico e a estética barroca é apenas um dos aspectos, dentre inúmeros outros, que caracterizam o estilo Barroco. Além disso, mesmo tendo sido de fundamental importância para a doutrinação cristã no Novo Mundo, o Barroco continuou sendo questionado e depreciado até a segunda metade do século XIX.
Heinrich Wölfflin foi o primeiro crítico de arte a perceber que por trás do universo barroco havia muito mais a ser estudado do que apenas a "degenerescência" em relação ao ideal clássico renascentista. Em síntese, Wölfflin defendia que todos os estilos artísticos surgidos na Arte ocidental até o final do século XIX e início do século XX foram, na realidade, uma alternância entre duas estruturas: a clássica e a barroca. É óbvio que ao enxergar essa polaridade, tão bem demarcada, Wölfflin estava deixando de lado outros aspectos do universo barroco. No entanto, a validade de seu trabalho está, justamente, no fato de ter conseguido chamar a atenção da crítica de Arte para o Barroco e, também, ter definido algumas categorias conceituais do estilo.
Em Renascença e Barroco, Wölfflin deixa claro que não enxerga tipo algum de decadência como característica do Barroco:
"A Alta Renascença não se transforma numa arte decadente, especificamente diversa, mas do ponto culminante o caminho conduz diretamente ao Barroco. Toda inovação é um sintoma do emergente estilo Barroco." (1888: 28)
Além disso, fica explícito no mesmo ensaio que, para Wölfflin, há uma oposição bem demarcada entre o estilo renascentista e o barroco. Ele atribui ao primeiro uma "beleza tranqüila", que causa um "bem-estar geral", enquanto que o segundo domina o espectador com o "poder da emoção", causando um turbilhão "imediato e avassalador" (1888: 47). Desse modo, na visão wölffliniana, essa polaridade de intenções e de como representá-las é que vai definir as características do Barroco, sempre em oposição àquelas do Renascimento. Por isso mesmo, foi Wölfflin o primeiro a perceber que o artista barroco "não evoca a [fim da página 156] plenitude do ser, mas o devir, o acontecer; não a satisfação, mas a insatisfação e a instabilidade" (1888: 48).
Essa insatisfação pode ser entendida como a necessidade de fugir da formalidade do classicismo renascentista e, em resumo, é essa uma das principais teses de Wölfflin. Ele vê o Barroco como "um retorno a um estado informal" (1888: 65), no sentido de a criação não estar aprisionada por regras pré-estabelecidas ou padrões de representação formal.
Certamente, o Barroco é marcado pela multiplicidade de elementos que o definem. Um desses elementos, senão o mais importante, para Wölfflin, é o caráter pictórico que transparece em todas as manifestações artísticas barrocas. Como a característica principal do "estilo" pictórico é justamente o contraste entre luz e sombra, o que ele vai trabalhar, na verdade, é a massa e a matéria. E a matéria representa, por essência, a própria carne e seus desejos. Daí o apelo dos sentidos que Wölfflin identifica no Barroco.
Quase trinta anos depois de Renascença e Barroco, Wölfflin lançou Conceitos Fundamentais da História da Arte (1915). Tratava-se de sua obra da maturidade, mas nela retomava muitas das formulações presentes em Renascença e Barroco. Se antes havia apenas se esboçado sua visão de que na verdade existem apenas dois estilos artísticos, o Clássico e o Barroco, foi em Conceitos Fundamentais que essa teoria se desenvolveu plenamente, através da formulação de cinco pares de conceitos: linear X pictórico; plano X profundidade; forma fechada X forma aberta; pluralidade X unidade e clareza X obscuridade (Wölfflin, 1915: 15-16).
O Barroco wölffliniano seria, portanto, marcado por elementos pictóricos, pela profundidade de composição, pela forma aberta, pela unidade da obra em si mesma e pela obscuridade do objeto representado. Alfredo Bosi resume exemplarmente essa concepção:
"O clássico é linear e plástico; o barroco é pictórico.
O clássico trabalha o espaço figurativo em planos distintos e obedece às leis renascentistas da perspectiva; o barroco penetra o espaço em profundidade, obrigando o olho a avançar ou retroceder diante dos jogos violentos de contrastes entre as imagens.
O clássico fecha a composição reportando cada elemento ao todo, de sorte que as posições fiquem bem definidas (...). O barroco abre a composição, esboçando algumas figuras e realçando cromaticamente outras: a forma é disseminada pelas curvas e espirais que apartam do centro geométrico o nosso olhar perdido entre os caprichos do prazer visual.
O clássico articula cada parte do conjunto, analisando e perfazendo as suas linhas, que são os seus limites: cada figura recebe um tratamento plástico acabado. O barroco vai direto ao coração do efeito pictórico, dando a esta ou àquela figura todo o peso simbólico (ou, freqüentemente, alegórico), que é a chave da obra, merecendo portanto maior tratamento expressivo ou ornamental." (8) (1991: 39)
A definição estilística traçada por Wölfflin, no entanto, se prende quase que completamente aos aspectos externos da obra artística. A nosso ver, esta é [fim da página 157] uma das principais lacunas de sua obra teórica, lacuna essa que, posteriormente, outros autores, como veremos, preencheram.
A alegoria é, em síntese, aquilo que representa algo para dar a idéia de um outro algo. Reino da metáfora e do simbolismo, sua utilização leva a um refinamento extremo do como transmitir uma determinada mensagem.
A arte religiosa cristã, por isso mesmo, se tornou um dos campos em que a alegoria mais foi usada, especialmente em duas épocas bem distintas: nos anos de perseguição romana ao cristianismo primitivo, em que peixes, touros, leões e pombos pintados nas paredes das escuras catacumbas fizeram surgir o sentimento de identidade dos primeiros fiéis; e nos séculos XVI e XVII, nos quais a Igreja Católica investiu forças no sentido de fazer da arte sacra uma ferramenta para a catequese e a persuasão dos fiéis através da sensibilidade.
Após o Concílio de Trento, convocado pelo papa Paulo III em 1545, o "representar algo" na arte religiosa ganhou novos contornos. Ao mesmo tempo em que os seguidores das idéias que se reafirmaram nas discussões do Concílio pregavam, com diletantismo, a simplicidade e a clareza das pinturas e esculturas de cunho religioso, também era recomendado que essas obras atingissem os fiéis através da sensibilidade, e não pela razão, a fim de estimular a piedade pela persuasão dos sentidos (Triadó, 1991: 31).
Na verdade, como bem observa Giulio Carlo Argan, a obra de arte "se faz presente no presente absoluto da consciência que a percebe" (1992: 27), e é justamente esse o sentido pensado, pela Igreja da Contra-Reforma, para as representações artísticas de caráter religioso. Elas deviam atingir a consciência do observador, mas não de forma racional. Além disso, deviam vir respaldadas por uma reverência ao sagrado, por uma "vertigem" frente à santidade.
O gosto pelo alegórico, no entanto, não foi um privilégio da arte barroca. De fato, desde a Antigüidade mais remota o homem usou símbolos e alegorias para explicar e representar seu mundo. Contudo, segundo Benjamin, foi somente na Renascença que tal prática se viu reintroduzida na Europa, especialmente devido ao "gosto" pelo resgate da herança cultural greco-romana e, em alguns casos, egípcia (1925: 190-191).
O ato de produzir uma obra de arte repleta de rebuscamentos, portanto, ia além da simples necessidade decorativa. O rébus (9) renascentista significou a retomada de toda uma simbologia alegórica que além de adornar os monumentos, fachadas arquitetônicas, pinturas e esculturas com imagens carregadas de inúmeros significados - quase sempre enigmáticos - colocavam o fiel em meio a um turbilhão de sensibilidade e Fé.
Por isso mesmo, Walter Benjamin, em seu Origem do Drama Barroco Alemão (1925), diferencia o rébus renascentista do rébus barroco. Para ele, no "Barroco maduro (...) as afinidades com o símbolo se tornam mais evanescentes, e a ostentação hierática se torna mais imperiosa" (1925: 191).
Essa "ostentação hierática" barroca de que fala Benjamin encontrou na [fim da página 158] alegoria seu principal meio de expressão, indo além da mera simbologia. O sentido dessa alegoria retrocedia à visão egípcia e grega, essencialmente místico-histórica (Benjamin, 1925: 193) e que, por isso mesmo, representava todo um conjunto de convenções sociais vigentes nos séculos XVII e XVIII. Mais ainda, a alegoria barroca contrapunha um mundo marcado pela complexidade e construído pelo homem à simplicidade e pureza de significação da natureza.
Desse modo, no Barroco, ao se construir uma alegoria para se representar algo se estava, na verdade, contemplando os aspectos mais íntimos de uma cena bíblica ou da vida de um santo através de uma apoteose simbólica. A alegoria barroca traz para o primeiro plano - ou seja, o da cotidianeidade - a tensão entre imanência e transcendência que se tornou a base da catequese católica da Contra-Reforma:
"(...) A função da escrita por imagens, do Barroco, não é tanto o desvendamento como o desnudamento das coisas sensoriais. O emblemático não mostra a essência 'atrás da imagem'. Ele traz essa essência para a própria imagem, apresentando-a como escrita, como legenda explicativa, que nos livros emblemáticos é parte integrante da imagem representada." (Benjamin, 1925: 207)
Ao desnudar as "coisas sensoriais", a alegoria barroca, quase sempre, tomava como tema aquele momento limítrofe em que a Fé era posta à prova. Os martírios e sua crueldade intrínseca eram o campo de deleite das construções alegóricas, justamente por se prestarem tão bem à representação do puramente sensorial. Segundo Benjamin (1925: 240), essa característica se justificava plenamente por ser o Barroco pouco reflexivo: se o corpo era martirizado, o personagem perdia sua humanidade, transcendendo-a e ascendendo ao patamar do sagrado, pois com a morte "o espírito se libera, [e] o corpo atinge, nesse momento, a plenitude dos seus direitos" (Benjamin, 1925: 241).
Contudo, esse aspecto da alegoria, no Barroco, se constituía numa renovação do contraste entre paganismo e cristianismo - contraste esse existente desde o Cristianismo primitivo - em que o último era reforçado pela Contra-Reforma. Retomando o embate entre o material/demoníaco e o espiritual/sagrado da Idade Média, a alegoria barroca levou a novos horizontes a representação dos medos, desejos e crenças do homem europeu da Idade Moderna.
Não devemos deixar de levar em conta que durante todo o período em que eram produzidas obras barrocas - criticadas das mais diversas formas, como já vimos - havia um refinamento da representação alegórica. Se uma parte considerável dos críticos atacava veementemente a estética barroca, inúmeros artistas faziam uso dela para mostrar as diferenças existentes entre a obra divina e aquela que era fruto da criação humana:
"O conceito de arte como produção de um ser novo, que se acrescenta aos fenômenos da natureza, (...) tomou feições radicais na poética do Barroco, quando se deu ênfase à artificialidade da arte, à distinção nítida entre o que [fim da página 159] é dado por Deus aos homens e o que estes forjam com seu talento." (10) (Bosi, 1991: 14)
Nesse sentido, o que interessava ao artista barroco, de modo genérico, era tentar atingir uma compreensão da "multiplicidade dos fenômenos" (Bazin, 1994: 02) que estava a seu redor, utilizando para isso a obra artística. A representação barroca cristalizava o fluxo de eterno devir, fluxo esse em que se inseriam as coisas do mundo, através da alegoria. Essa alegoria nada mais era do que a dissimulação da diferença - característica fundamental da sociedade européia na Idade Moderna - através de representações tendentes à semelhança.
Sendo a alma o elo fundamental entre o ser humano e a essência divina, o fato de ela ser susceptível às mais diversas paixões e desejos se tornou o principal elemento a ser representado nas artes figurativas do período barroco. O homem barroco era um ser atormentado pelo amor, pela raiva, pelo sofrimento, pela ternura, pela alegria, tristeza, medo, belicismo, fúria, candura, nostalgia, audácia, desespero e tantos outros sentimentos a serem representados que, em última instância, aquilo que mais se destacava nas pinturas, esculturas e projetos arquitetônicos era o movimento, a ação. A esse respeito, afirma Germain Bazin:
"(...) Esses movimentos da alma eram exteriorizados por movimentos do corpo e do rosto, ou seja, pela ação. As manifestações exteriores de um estado de santidade converteram-se nas de um transporte de paixão. O santo do período barroco é um confessor da fé - demonstra a fé através da palavra, do martírio e do êxtase." (1994: 23)
Os "movimentos da alma" que Bazin cita são, a nosso ver, os elementos constituintes do imaginário barroco. Segundo Gaston Bachelard (1991: 147-148), o imaginário se torna palpável quando, fugazmente, se coloca como uma possibilidade de desdobramento do real: o querer ver (subjetivo) algo faz com que esse algo se materialize através de algum elemento do real (objetivo). Desse modo, o Barroco também pode ser visto como a projeção de um "desejo" do imaginário coletivo, ou seja, o de reconstruir um mundo que se encontra desmoronado, que teve suas bases afetadas pelos questionamentos religiosos, pelo desenvolvimento mercantil e pelas contradições sociais.
No entanto, esse "desejo" também é o desejo do próprio artista: desejo de representar o devir, desejo de transcendência, desejo de salvação. Trata-se de um conflito constante entre a carne e o espírito, já que a satisfação de um representa, por extensão, a negação do outro. Paradoxalmente, essa polaridade alma/ espírito X corpo/ carne é que possibilita a transcendência. Gilles Deleuze, ao retomar a obra de Leibniz, desnuda essa aparente contradição:
"No Barroco, a alma tem com o corpo uma relação complexa: sempre inseparável do corpo, ela encontra nele uma animalidade que a atordoa, que a trava nas redobras da matéria, mas nele encontra também uma humanidade orgânica ou cerebral (o grau de desenvolvimento) que lhe permite elevar-se e que a fará ascender a dobras totalmente distintas." (1991: 26)
[fim da página 160]
Desse modo, as singularidades inflexivas das almas individuais podem ser correlacionadas às singularidades de movimento da linha e do ponto no Barroco: seus desvios e curvaturas são o reflexo dessa condição. Mais ainda, cada intervalo na obra barroca, segundo Deleuze, é um espaço aberto ao surgimento de uma nova dobra, uma redobra. O dobrar e o redobrar, dois movimentos de contenção, não se opõem diretamente ao desdobrar, que por essência é uma expansão de algo anteriormente escondido na dobra. Os três movimentos são complementares e representam o afastar-se e aproximar-se da essência divina através de uma contínua "tangência", que coloca toda a obra em constante "suspensão" no espaço, posto que não se consegue superar o conflito divindade X vida profana.
E qual é a mola propulsora dessa vida profana, senão o desejo? É ele que vai moldar a criação de dobras e redobras, a fim de dissimular sua própria essência frente à torrente de dogmas e exemplos catequizantes que passaram a povoar as artes visuais no período Barroco.
Deleuze esclarece que, na perspectiva leibniziana, o objeto barroco se diferencia de seus antecessores justamente por tornar-se um "acontecimento", e desprender-se da concepção quantitativa da História. Nesse sentido, o pensamento de Leibniz se aproxima de Nietzsche, no que diz respeito ao perspectivismo: ele é a "condição sob a qual a verdade de uma variação aparece ao sujeito" (Deleuze, 1991: 37).
Em síntese, a perspectiva barroca independe do sujeito, já que aquilo que a determina é o ponto de vista, o local a partir do qual qualquer sujeito pode observar o objeto barroco e apreendê-lo.
E como o que importa realmente é o ponto de vista, o artista do período barroco coloca sua representação pessoal do desejo sob a possibilidade de ser admirada, interpretada e avaliada por toda a humanidade. Desse modo, a dobra barroca se torna também a dobra do desejo, e por serem ilimitadas as possibilidades de redobramentos e desdobramentos, esse desejo se lança ao infinito, ao devir.
Hoje, às portas do terceiro milênio, numa época marcada pela perspectiva de enormes avanços científicos, tecnológicos, culturais e sociais, volta à tona a discussão sobre a estética Barroca, mas sob novo enfoque. A multiplicidade de nosso mundo, com tudo se partindo em inúmeros fragmentos, plenos de significados mas, apesar disso, carregados de uma instabilidade e de uma mutabilidade que lhes é inerente, tem levado muitos teóricos a reconhecer em nossos dias algumas características do Barroco sob nova roupagem e, por isso mesmo, transmutadas no conceito de Neobarroco.
Omar Calabrese é um dos autores que defendem o uso do termo neobarroco em lugar de "pós-moderno", palavra que, segundo ele, teria como principal característica ter se tornado uma expressão passe-partout, cujo uso abusivo acabou por esvaziar de sentido (1987: 24).
O que se impõe à discussão aqui, no entanto, é tentar ponderar sobre o alcance que alguns aspectos do Barroco têm em nossa sociedade. Calabrese, por exemplo, afirma que "muitos importantes fenómenos de cultura de nosso tempo são marcas de uma 'forma' interna específica que pode trazer à mente o barroco" (1987: 27).
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Trata-se de uma analogia que pode levar ao equívoco de se pensar numa volta à estética barroca. No entanto, o próprio Calabrese adverte sobre essa possibilidade, descartando-a. De certo modo, ele baseia sua posição no formalismo de Wölfflin e dos autores que seguiram sua linha teórica, como Severo Sarduy (1975). O Barroco, na perspectiva wölffliniana, é visto como "uma atitude generalizada e uma qualidade formal dos objetos que o exprimem" (Calabrese, 1987: 27). O próprio Wölfflin enxergava nessa formalidade recorrente, que oscila entre o Barroco e o Clássico, "a imagem de um movimento espiral" (1915: 260) em que a estética e as representações culturais se aproximariam de momentos históricos anteriores sem, contudo, repeti-los por inteiro. A volta ao ponto inicial é impossível, mas a referência a ele, assim como a proximidade a sua essência, não o é. Segundo Calabrese:
"(...) para chamar 'barroco' a qualquer acontecimento cultural, o procedimento continua a ser o da comparação com o acontecimento historicamente definido, até mesmo através de princípios formais." (1987: 33)
Essa postura implica, claramente, em se avaliar todo e qualquer fenômeno cultural como um texto em que se pode identificar inúmeras morfologias, análogas ao gosto e ao estilo de outras épocas históricas. Essa atemporaneidade do Barroco, aliada a sua multiplicidade é, segundo Ariano Suassuna (1999), intrínseca ao próprio estilo:
"A qualquer momento a gente pode encontrar um grande artista barroco (...). O barroco, por ser a primeira manifestação romântica de subversão do clássico, contém em si elementos clássicos e barrocos, medievais e renascentistas, pagãos e religiosos, cômicos e trágicos."
Já Calabrese, ao avaliar a contemporaneidade e rotulá-la como "Idade Neobarroca", procura analisar vários aspectos de nossa sociedade através de nove pares conceituais, quase como Wölfflin fizera com o Barroco em Conceitos Fundamentais de História da Arte (1915). A seu ver, nosso mundo poderia ser definido por meio de conceitos como ritmo/ repetição(11), limite/ excesso(12), pormenor/ fragmento(13), instabilidade/ metamorfose(14), desordem/ caos(15), nó/ labirinto(16), [fim da página 162] complexidade/ dissipação (17), quase/ não-sei-quê (18) e distorção/ perversão (19). A diferença [fim da página 163] entre a proposta de Calabrese e os pares conceituais wölfflinianos reside no fato de que ela não comporta oposições intrínsecas, mas sim complementariedades.
Essa visão de que vivemos numa recriação do Barroco pode ser inquietante, mas nos remete a uma série de questionamentos interessantes: o fato de estarmos, todos os dias, nos dividindo em um extenso rol de fragmentos, dentro dos quais quase sempre utilizamos diferentes máscaras, aumentando cada vez mais a multiplicidade que essa fragmentação acarreta não seria uma característica intrínseca ao Barroco? Mais ainda: essa busca constante pelo devir que todos vivenciam diuturnamente, carregada de tensões entre carne e espírito, desejo e quietude, não é também um aspecto que estava presente no Barroco? A constatação científica de que a estrutura microfísica e até mesmo atômica dos elementos, com os fractais, teria uma configuração muito aproximada às mônadas de Leibniz, sempre se dobrando e redobrando sobre si mesmas, não nos remete ao ideário Barroco? Por fim, a falta de certezas absolutas, característica maior de nossa época, não seria o principal elemento a nos aproximar do mundo Barroco?
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1) Este texto é o primeiro capítulo da dissertação intitulada Arte, Religião e Conquista: os sistemas simbólicos do poder e o Barroco na Paraíba, apresentada, em 06 de agosto de 1999, ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa), como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Sociologia. Também foi apresentado, numa versão preliminar, na sessão temática "Arte e Sociedade" do IV CCHLA Conhecimento em Debate (UFPb - 1º a 05 de março de 1999).
Ao longo dos últimos dois séculos o Barroco tem sido constantemente reavaliado e reinterpretado por estudiosos das mais diversas correntes teóricas, com o rompimento de unanimidades e revisão de paradigmas que eram, aparentemente, sólidas definições conceituais. Ao retomar as idéias de alguns autores que trataram da estética barroca pretendemos revê-las sob o prisma da contemporaneidade, traçando um painel de como foram surgindo as diferentes "concepções" sobre o Barroco, das idéias que se tornaram paradigmas dentro do estudo da estética barroca e que, de certa forma, influenciaram um considerável número de críticos e estudiosos da Arte. Além disso, ao esmiuçarmos os falares sobre o Barroco estaremos, na verdade, buscando respostas para muitas das inquietações que se nos apresentam nesse limiar do século XXI.
In the last two centuries, the Baroque Art has been steadily evaluated and reinterpreted by so many critic and academic studies, bring the end of the unanimity and a paradigm's revision that was, until then, a sedimentary conceptual definition. Analysing some authors that treated the baroque aesthetics, we intend to make a review, based on the contemporary thought, building a picture of the many "conceptions" about the Baroque and the ideas that became paradigms in the studies of the baroque aesthetics and, by the years, has affected a considerable number of Art's critics and studious. In that way, when we investigate the baroque's "speaking of" really we are looking for an answer to the various uneasiness of the 21st century's doorstep.
2) Professora do Departamento de Ciências Básicas e Sociais da Universidade Federal da Paraíba (Campus IV - Bananeiras).
3) Ou, também, os períodos cuja produção cultural foi rotulada sob o estigma desses estilos.
4) Grifos nossos.
5) Em francês na edição brasileira: "Barroco, adjetivo em arquitetura, é uma nuance do bizarro. É, se quisermos, o refinamento ou, se assim se pode dizer, o abuso dele... o superlativo. A idéia do barroco acarreta a do ridículo levado ao excesso" (tradução nossa).
6) Grifos do autor: "Não importa o quanto estivesse preocupado com a religião, o homem do século XVI fazia outras coisas mas gastava cada momento desperto para ponderar as coisas do espírito. Apesar disso, muito do que se fez ostensivamente para 'a maior glória de Deus' passou a ter algumas conseqüências não religiosas bem definidas" (tradução nossa).
7) Grifos do autor.
8) Grifos nossos.
9) Palavra de origem latina, que pode significar a representação de idéias, enigmas, palavras ou sílabas por ideogramas.
10) Grifos do autor.
11) No modelo calabresiano, a sociedade contemporânea seria marcada pelo ritmo e pela repetição, na produção ou no consumo de bens culturais e econômicos, situação que transparece no uso continuado e frenético das mais diversas formas de expressão, inclusive artísticas. Calabrese exemplifica esse conceito afirmando que seriados televisivos, histórias em quadrinhos, romances açucarados e filmes de produção barata repetem exaustivamente a forma presente em alguma obra de sucesso e, desse modo, através da "mecânica repetição" vão aperfeiçoando e produzindo, involuntariamente, uma determinada estética (1987:41). Apesar de uma obra de arte ser "irrepetível", outros autores podem tentar tocar sua aura reinterpretando o mesmo tema, mesmo que através de diferentes meios de expressão.
12) O limite/ excesso de que fala Calabrese é o do campo cultural e dos sistemas culturais, e se aproxima das idéias de Wölfflin, no que diz respeito ao conceito aberto/ fechado presente na oposição Clássico/ Barroco. Calabrese parte do pressuposto de que ao se aceitar "uma idéia espacial da estrutura e da distribuição do saber em sistemas e subsistemas, ou seja, um espaço global articulado em regiões localizadas, deveremos também aceitar que este espaço, para ser organizado, deva ter uma geometria ou uma tipologia" (1987: 61). Em síntese, o campo cultural, na sociedade neobarroca, se pauta pelo estabelecimento de limites e pelas tentativas de excedê-los constantemente, característica que já estaria presente no Barroco histórico, onde essa tendência ao rompimento de limites se manifestou na extrapolação da perspectiva linear com o uso do trompe l'oeil, dos enquadramentos revolucionários, da anamorfose e do escorço (Calabrese, 1987: 64).
13) Para Calabrese torna-se impossível explicar esses dois termos (pormenor/ fragmento) de modo dissociado da conceituação de totalidade. No entanto, ele destaca o fato de que é através da observação do fragmento, ou do pormenor, que se pode apreender "um certo gosto" (1987: 84) e se identificar "pelo menos dois tipos de divisibilidade: o corte e a ruptura" (1987: 85). O pormenor seria esse corte, podendo ser exemplificado, hoje, pelo zoom da câmera televisiva, enquanto o fragmento representa a inexistência de referência para com o todo, como o recorte ínfimo de uma foto super-ampliada, em que se identifica apenas o grão da emulsão fotográfica (Calabrese,1987: 88-89). O pormenor pressupõe a possibilidade de reconstituir o todo de que ele foi apartado, já o fragmento, não.
14) O mundo contemporâneo, assim como o mundo barroco, é um universo povoado de monstros, fruto da necessidade de se representar "não só o sobrenatural ou o fantástico, como, acima de tudo, o 'maravilhoso', que depende da raridade e casualidade de sua génese na natureza e da oculta e misteriosa ideologia da sua forma " (Calabrese, 1987: 106). Ora, a existência desses monstros, sejam eles os ET's dos filmes de ficção científica ou as bestas-feras do Novo Mundo, é proveniente de uma instabilidade mórfica, de uma mutabilidade intrínseca à fantasia sobre outros mundos. Se hoje exercitamo-la com a criação de seres intergaláticos, o homem da Idade Moderna o fazia a respeito das novas terras que se apresentavam em seu horizonte. Paralelamente, designar como monstruoso algo que se desvirtua do gosto médio é, segundo Calabrese, uma característica da tensão estabelecida entre formas opostas de ver o mundo, daí a designação de adjetivos depreciativos ao Barroco histórico e à estética Neobarroca.
15) A idéia de existência de uma ordem imutável das coisas-do-mundo, com um fundo dogmático e intocável, é uma das características do pensamento cristão da Idade Moderna. A ele se opunha a visão "caótica" de homens como Galileu Galilei, por exemplo. A "desordem" do Novo Mundo pressupunha a necessidade de ordená-lo. Já o conceito de caoticidade remete à irregularidade, à "não pertinência local da ordem" (Calabrese, 1987: 133). Essa oposição existente no Barroco histórico se repete hoje, mas com um novo vencedor: à regularidade dogmática cristã se opõem as muitas teorias científicas do caos. Ao conceito de desordem (e da existência de uma ordem que está sendo desrespeitada) contrapõe-se o de caos, designando fenômenos marcados por uma complexidade absurda, que não pode ser compreendida com os instrumentos do pensamento racionalista, por pertencerem a uma outra dinâmica.
16) O nó e o labirinto são imagens recorrentes no Barroco histórico, assim como a descrição de casos - ou histórias - em que a agudeza e perspicácia do espírito humano conseguiu vencê-los e restabelecer a ordem nas coisas-do-mundo. Para Calabrese, "onde quer que ressurja o espírito da perda em si, da argúcia, da agudeza, aí reencontramos pontualmente labirintos" (1987: 146). O nó e o labirinto são complexidades que trazem em si a existência de uma linearidade, de um conjunto, ou mesmo de várias linearidades e vários conjuntos: o nó é uma dobra ou redobra de uma linha - ou mesmo várias - e o labirinto, um emaranhado de percursos, dos quais apenas um leva à saída, ou à solução do problema. Para resolvê-los e desemaranhar o nó e também sair do labirinto é preciso encará-los com a ambigüidade de quem observa a globalidade do sistema em questão e ainda o microcosmo do nó ou do labirinto (Calabrese, 1987: 147).
17) Os conceitos de complexidade e dissipação formam um dos pares mais imaginativos da teoria de Calabrese. Usando correlações com a Física, a Astronomia e a Cosmologia, ele expõe um paradoxo, inerente ao Barroco histórico e ao Neobarroco: todo sistema, seja ele de forças físicas ou mesmo de "forças culturais" tende a complexizar-se e, nesse processo, chegar a um estágio em que passará a dissipar sua "energia", dando origem a outros sistemas. No entanto, essa dissipação é condicionada pela estabilidade/instabilidade do meio em que está inserido o sistema: quanto mais instável ele for, mais propícia é a dissipação das "energias" e a criação de novos sistemas (Calabrese, 1987: 159-168).
18) Apesar de, num primeiro momento, esses dois conceitos de Calabrese remeterem a uma mesma imagem de imprecisão, em sua essência são bem diversos. O quase representa uma possibilidade real de se chegar a uma aproximação de um resultado exato: é o avizinhar-se de algo, tão comum na Matemática pura. Já o não-sei-quê é aquele sentimento "de mal-estar que experimentamos perante o que é incompleto, a inquietação que sentimos por aquilo que é imprecisável, indefinível, inexplicável" (Calabrese, 1987: 172). O oscilar entre essas duas concepções de imprecisão, uma que pressupõe a exatidão e outra que nem a cogita, seria, no modelo teórico calabresiano, uma das características do Barroco histórico que se repetiria no Neobarroco.
19) Segundo Calabrese, tanto o Barroco como o Neobarroco têm como um aspecto característico a distorção do passado e do presente como forma de marcar sua singularidade. Já a perversão da citação distorcida desse passado e/ ou presente é o passo seguinte na reelaboração de seu próprio sistema estético, estando no cerne da multiplicidade das duas estéticas e, portanto, constituindo um de seus elementos basais (Calabrese, 1987: 185-195).
DOBRAS E REDOBRAS:
UMA DISCUSSÃO SOBRE O BARROCO E SUAS INTERPRETAÇÕES
PALAVRAS-CHAVE: crítica estética; Barroco; Neobarroco.
FOLDS AND REFOLDS:
A DISCUSSION ABOUT THE BAROQUE ART AND HIS INTERPRETATIONS
KEYWORDS: aesthetics critic; Baroque; Neobaroque.