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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 55-63
O CONCEITO DE IDEOLOGIA E A PÓS-MODERNIDADE
Lemuel Dourado Guerra (1)
Nas últimas duas décadas assistimos a algumas modificações no campo das ciências sociais que apontam para transformações radicais tanto dentro do âmbito da prática dos intelectuais, na medida em que mudam estruturas de poder e o próprio estatuto do saber é questionado, como também na organização da sociedade concreta, graças às novas determinações do que se convencionou chamar de “nova ordem mundial”.
Se quisermos entender e/ ou caracterizar esse ambiente de transformações em que nos encontramos, pelo menos dois pontos principais devem ser levantados: um deles é a hegemonização dos temas ligados à cultura dentro das ciências sociais em geral, e, particularmente, na sociologia, e outro, a crise dos paradigmas clássicos de explicação da sociedade, principalmente no que se refere ao abalo sofrido nas estruturas de plausibilidade do marxismo.
Podemos localizar na década de 80 uma emergência significativa das questões teóricas sobre o relacionamento entre cultura e sociedade. Há, nesse período, um visível aumento do interesse pelos “estudos culturais”, que saem, aos poucos, da periferia para o centro da produção de vários campos acadêmicos. Esse privilegiamento das análises de questões culturais mais amplas e a constituição da sociologia da cultura como um campo legítimo de pesquisa representam uma transformação importante na sociologia como campo de conhecimentos e parecem apontar para o aumento da importância da esfera cultural enquanto instância de grande poder de determinação da vida social(2).
Por outro lado, um dos produtos mais notáveis dessa nova conjuntura é o surgimento de um conjunto de conceitos - que surge primeiro no âmbito da arquitetura e das artes em geral e depois se estende para a análise de outras partes do sistema social - reunidos sob a rubrica de pós-modernismo.
Sem querer aqui entrar na discussão referente à propriedade do conceito de pós-moderno/ pós-modernismo/ pós-modernidade, é nosso objetivo neste trabalho discutir rapidamente, nos limites determinados pelo próprio espaço de um artigo dessa natureza, de que maneira o conceito de ideologia é abordado - nesta conjuntura em que são descartados vários conceitos tradicionalmente ligados ao marxismo - na teoria do pós-moderno, a partir da apresentação sucinta da contribuição de Jean-François Lyotard, Fredric Jameson e Jean Baudrillard, três escritores que têm marcado expressivamente toda a discussão a respeito da pós-modernidade.
Jean-François Lyotard
A primeira concepção de Lyotard da pós-modernidade pode ser encontrada no seu livro publicado na França, La condition postmoderne. Esta obra foi produzida como uma apreciação a respeito do conhecimento e da natureza da informação na pesquisa científica no final do século XX. Neste livro, o autor [fim da página 55] consegue construir uma reflexão na qual questões relacionadas com áreas como política, economia e estética se interceptam, embora possamos ver nele uma forte ênfase nas questões mais propriamente estético-culturais.
Segundo Lyotard, pós-moderno é “o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX” (Lyotard, 1988: XV). Esse seu primeiro livro é justamente uma tentativa de situar as mudanças ocorridas como conseqüência da crise dos relatos, e em torno da função das grandes narrativas na construção dos discursos e na produção do conhecimento científico, especificamente no que se refere aos processos pelos quais estes obtêm ou reivindicam legitimidade.
Segundo o autor, o que vem marcando a estrutura do campo científico desde a II Guerra Mundial é a perda gradual do poder das metanarrativas - filosóficas e políticas, tais como o marxismo, o humanismo, o iluminismo e outras - de fornecerem estruturas de plausibilidade às teorias produzidas pela academia, o que tornaria a ciência progressivamente desvalorizada e menos necessária à produção do aperfeiçoamento das sociedades humanas.
Entre as causas do declínio do poder regulatório do paradigma da ciência, como observadas por Lyotard, estariam as descobertas dos limites de seus pressupostos e dos procedimentos de verificação, na medida em que os cientistas se deparam com paradoxos e questões imponderáveis, a princípio consideradas irrespondíveis.
Como resultado dessa situação, o próprio poder organizador da ciência tende a se enfraquecer e seu campo a diluir-se em crescentes especialismos, cada qual com seu modo particular de proceder, o que Lyotard chama de “jogos de linguagem” (Lyotard, 1988: 79).
Esses jogos de linguagem não recorrem a nenhum princípio externo de justiça ou de autoridade e podemos observar na sua estrutura de funcionamento que não consideram a existência de uma metalíngua universal. O objetivo do conhecimento científico não é mais a verdade, mas a performatividade, ou seja, a questão não é mais “o que é?”, mas “para que serve?”.
No bojo dessa disseminação dos jogos de linguagem parece que encontramos um certo tipo de dissolução do sujeito social, já que o vínculo social é fortemente de linguagem, e assistimos à multiplicação de jogos de linguagem que obedecem a regras diferentes (Lyotard, 1988: 73).
A sociedade pós-moderna compreende, portanto, uma multiplicidade de jogos de linguagem diferentes e incompatíveis, cada qual com seus próprios princípios intransferíveis de autolegitimação, o que aponta para a passagem do domínio das grandes narrativas para a autonomia fragmentadora das micro-narrativas.
Segundo Lyotard, se por um lado teremos que enfrentar a dificuldade de que nesse estado de coisas parece não haver como regulamentar a ciência em nome de projetos utópicos - de ideologias, ou cosmovisões ligadas a projetos políticos - não sendo possível, por conseguinte, a universidade e outras instituições de pesquisa e ensino ocuparem-se apenas com a transmissão e produção de conhecimento científico e sim de construir um atuação cada vez mais submetida ao princípio da performatividade, por outro, nos libertamos do imperialismo cultural das metanarrativas, acolhendo e promovendo toda [fim da página 56] forma de diversidade cultural, sem recorrer a princípios universais (Lyotard, 1986: 121-122).
O abandono das narrativas centralizadoras é visto por Lyotard de maneira positiva, já que significa a possibilidade feliz de proliferação de múltiplos jogos de linguagem, que não devem ser organizados em consenso ou diálogo de subjetividades. O dissenso entre eles é a condição mesma da invenção e sua diversidade produz uma prática científica que torna nossa sensibilidade à diferença mais aguçada e reforça nossa capacidade de tolerar os limites da ciência.
Entre as críticas feitas à análise de Lyotard está a de que, embora a condução das pesquisas nas universidades esteja cada vez mais sujeita ao princípio da performatividade, às estratégias de instrumentalização da atividade científica, é difícil verificar como isso se vincularia à quebra do consenso inter-subjetivo como elemento constitutivo da legitimidade do conhecimento científico.
Isso não desmerece a prática de construir “olhares” da realidade cada vez mais complexos, no âmbito das ciências sociais, que estão cada vez mais conscientes das maneiras pelas quais a adoção de um dado paradigma de pensamento e de pesquisa determinam sempre aprioristicamente, em certa medida, os tipos de resultados que serão produzidos.
Embora Lyotard trabalhe contra a prática universalizadora da ciência serva das metanarrativas, seu modelo é totalizador na medida em que estabelece uma visão do total colapso das mesmas em toda parte e para sempre. Essa idéia, básica na produção dos principais teóricos da pós-modernidade, teve o poder de produzir, graças às condições assimétricas dentro do campo intelectual, o abandono de modelos de análise que, embora capazes de fornecer categorias válidas de análise da sociedade, saíram da “moda”.
Ainda dentro desse conjunto de objeções feitas à teoria do pós moderno de Lyotard, encontramos a contribuição de Habermas, segundo a qual o ataque do autor apresentado ao princípio da razão é, e, última instância, irracionalista e, em seu objetivo de submeter os princípios de justiça ao “livre” mercado cultural, também acaba sendo conservador (Foster, 1985: 03-15).
Lyotard replica que a crítica à razão universal e às metanarrativas é construída no interesse de uma crítica da ideologia como uma ameaça à livre produção do conhecimento científico, que seria utilizado para fundamentar processos de dominação cultural. Alguns teóricos têm assinalado, no entanto, as ligações existentes entre a sua teoria e as necessidades - em termos de justificação e de condição concreta para a concretização - do estágio contemporâneo do capitalismo(3).
A diversidade proposta na teoria do pós-moderno em Lyotard seria, portanto, uma condição constitutiva do atual estágio do sistema econômico global, que precisa de “todo tipo de perspectiva cosmopolita” (Lyotard, 1986: 62-63). Vendo por esse ângulo, o do aspecto funcional do paradigma da pós-modernidade, torna-se muito difícil distinguir a defesa do pluralismo como uma inovação epistemológica da função ideológica relativa à constante [fim da página 57] diversidade que é exigida para possibilitar e promover o desenvolvimento de mercados globais do capitalismo avançado - o que pode também ser visto como uma ideologização de uma teoria que se pretende não ideológica.
O modelo que veremos a seguir, o de Jean Baudrillard, procura focalizar a pós-modernidade sob o ponto de vista da proliferação da imagem-signo, tentando observar de que maneira as funções ideológicas são exercidas por esse mais recente tipo de mercadoria, hegemônica nessa nova conjuntura.
Jean Baudrillard
Um dos aspectos fundamentais que caracterizariam a pós-modernidade seria a explosão da cultura na vida cotidiana. De acordo com o ponto de vista de Baudrillard, uma inflação de signos que colocaria em cheque a própria distinção entre realidade e ficção é um dos elementos que compõem o quadro das sociedades ocidentais contemporâneas.
Refletindo a respeito das possíveis interpretações da conjuntura recente a partir da contribuição teórica de Marx - às vezes a favor dele, às vezes contra - Baudrillard elabora uma reinterpretação de suas previsões referentes ao desenvolvimento do capitalismo, terminando por sugerir um alargamento crítico da noção de valor, que se estenderia à esfera do simbólico, caracterizando o período pós-moderno como aquele em que a lógica da mercadoria abrangeria desde o mundo material até as instâncias culturais da sociedade.
Assim, seriam três os estágios do crescimento do mercado e do seu elemento identificador, o valor de troca, quais sejam: numa primeira fase somente uma pequena proporção do que é produzido nas oficinas, na agricultura ou outro setor de produção é utilizado para a venda ou troca no mercado; num segundo momento, tudo o que é produzido pelas revolucionárias formas industriais de produção se torna em mercadoria para venda/ troca no mercado; na terceira fase, qualidades abstratas - como sentimentos, o conhecimento - também começam a fazer parte do domínio do valor de troca.
Uma das contribuições de Baudrillard à aplicação da teoria marxista ao contemporâneo está, portanto, em chamar a atenção para o fato de que as transformações ocorridas do segundo para o terceiro estágio foram muito maiores que a compreensão do velho Marx e de muitos de seus seguidores. Diz Baudrillard que naquela transição já não era possível separar os domínios do econômico, do cultural, ou ideológico, porque artefatos culturais, as imagens, as representações e até os sentimentos e estruturas psíquicas tornaram-se parte do econômico:
“Tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objetos deixam totalmente de estar em conexão com qualquer função ou necessidade definida, precisamente porque respondem a outra coisa diferente, seja ela a lógica social, seja a lógica do desejo, as quais servem de campo móvel e inconsciente de significação.” (Baudrillard, 1995: 11)
A transformação que daria origem à necessidade de revisão da teoria marxista para um efetivo entendimento da conjuntura recente seria o fato de que na vida contemporânea, a forma mais desenvolvida de mercadoria não é o objeto material, concreto e sim a imagem.
[fim da página 58]
Esse dado exigiu de Baudrillard uma revisão fundamental: à subordinação das operações da cultura e da significação à atividade econômica presente no marxismo tradicional, ele contrapôs a idéia de que a esfera cultural além de ser autônoma, “invade” a esfera econômica, transformando seu status radicalmente. Em lugar do econômico ser o principal determinante da vida social, a cultura passaria a ser o locus preponderante da moldagem das relações sociais, atuando inclusive sobre o significado dos aspectos econômicos, e, por conseguinte, no seu poder de influenciar a dinâmica das sociedades.
O autor acredita que, ao invés de funcionarem como reflexos superficiais das relações sociais em que se fundamentaram, as ideologias, os produtos da indústria da opinião pública, as significações em geral as permeiam, determinando-as significativamente - o que seria um dos elementos característicos da pós-modernidade.
Essa libertação dos signos de sua base econômica, possível graças à intervenção direta da esfera cultural na esfera da produção da vida material, marca toda a reflexão de Baudrillard a respeito de ideologia, cujos principais pressupostos ele assim apresenta:
“1º Existe uma homologia, uma simultaneidade da operação ideológica no plano da estrutura psíquica e da estrutura social. Não há aqui causa nem efeito, nem super nem infra-estrutura, nem privilégio analítico de um campo sobre o outro, ou de uma instância sobre a outra;
2º O processo de trabalho ideológico visa sempre reduzir o processo de trabalho real. Este processo é sempre um processo de abstração via signos, de substituição do processo de trabalho real por um sistema de oposições distintivas (processo de significação). Mas essas oposições não são neutras. Elas se hierarquizam com privilégio para um dos termos (processo de discriminação);
3º O recorte, a marcação pelos signos é sempre duplicada por uma totalização pelos signos e por uma autonomia dos sistemas de signos. A lógica dos signos opera por diferenciação interna e pós-homogeneização do conjunto. Só o trabalho sobre o material abstrato, formal e homogêneo que são os signos, torna possível este fecho, esta perfeição, esta miragem lógica que faz a eficácia da ideologia. É a coerência abstrata, suturando todas as contradições e divisões, que faz o seu poder de fascínio;
4º Esta totalização permite aos signos funcionar ideologicamente, quer dizer, fundar e perpetuar as discriminações reais e a ordem do poder.” (Baudrillard, 1995: 95-96)
Essa concepção de ideologia está baseada na realidade das sociedades contemporâneas, marcadas pela explosão e aceleração da produção de artefatos culturais, ou de signos, que funcionam como mercadorias, e que apontam para a abstração da troca de produtos materiais sob a lei da equivalência geral, que rege a operacionalização de todas as trocas, subordinando-as ao código semiótico monoliticamente unificador que opera na cultura de massas. BAUDRILLARD, Jean. (1983). Simulations. New York: Semiotexte. CONNOR, Steven. (1993). Introdução às teorias do contemporâneo. São Paulo: Loyola. EAGLETON, Terry. (1986). "Capitalism, modernism and postmodernism". In: Against the grain: essays (1975-1995). London: Verso, pp. 131-148. FEATHERSTONE, Mike. (1995). Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel. GIDDENS, Anthony. (1987). "Nine theses on the future of Sociology". In: Social theory and modern Sociology. Cambridge: Polity Press. HABERMAS, Jurgen. (1985). "Modernity: an incomplete project". In: FOSTER, Hal (ed.). Postmoderne culture. London/ Sydney: Pluto Press, pp. 03-15. JAMESON, Fredric. (1985). "Pós-modernismo e sociedade de consumo". Novos Estudos Cebrap (12). LYOTARD, Jean-François. (1986). Le postmoderne expliqué aux enfants: correspondance. Paris: Galilée, pp. 121-122.
Notas
Neste trabalho temos como objetivo discutir o papel do conceito de Ideologia na Teoria Pós-Moderna, apresentando brevemente as contribuições de três dos mais importantes autores pós-modernos - Lyotard, Baudrillard e Jameson - sobre o conceito acima citado.
Is this work we aim discussing the role of the concept of Ideology in the post-modern Theory, presenting briefly the contributions of three of the most important post-modernists authors - Lyotard, Baudrillard and Jameson - about the concept above.
Uma das proposta de saída desse sistema dominado pela lógica do código dos signos seria, para Baudrillard, a construção de trocas simbólicas espontâneas, que ocorreriam fora do âmbito dos Mass Media, que personificam o código em sua própria forma e funcionam pela negação da resposta ou da troca na [fim da página 59] comunicação de massa. Segundo o autor, esses meios trabalham no sentido de produzir a não-comunicação, confirmando a mudez do público pela simulação de suas respostas através de telefonemas, programas ao vivo, pesquisas de opinião pública com espectadores e outras formas de interação falsificada.
A pós-modernidade, segundo Baudrillard, é uma época em que não existe mais a preocupação de que os signos tenham algum contato verificável com o mundo que representam, o que ele chama de domínio do simulacro. Essa compreensão aproxima o autor da visão marxista do funcionamento da ideologia: a possibilidade de substituir o real por uma versão que, não tendo lastro no real, produz, pelo mecanismo dos universais abstratos, um efeito eficaz de realidade.
Para explicar o processo pelo qual a representação vai gradualmente perdendo o contato com o real, Baudrillard elaborou uma sinopse dos quatro estágios pelos quais teriam passado os signos: inicialmente, o signo é o reflexo de uma realidade básica; no segundo estágio, o signo “mascara e perverte uma realidade básica” (ideologia como falsa consciência); no terceiro estágio, o signo “mascara a ausência de uma realidade básica”; no estágio terminal, o quarto, ele é seu próprio simulacro(4). A simulação toma, na pós-modernidade, a forma de objetos e experiências que se pretendem mais reais do que a própria realidade, o que caracteriza, para o autor, o fenômeno da produção da hiper-realidade.
Assim, conceitos como classe, estado, poder, são considerados por Baudrillard como mistificações vazias, na medida em que suas representações, dentro mesmo das ciências sociais se esforçam por mascarar a existência de um vazio, - o vazio do social -, através de, por exemplo, a realização de pesquisas de opinião pública, consultas pela TV e outras estratégias dos cientistas sociais para elaborar um desenho, um perfil da massa silenciosa, opaca e amorfa (Baudrillard, 1985).
Uma crítica que pode ser feita à visão do segundo autor aqui apresentado é que o seu próprio discurso, se for aceita a lógica de sua argumentação pode estar também mascarando a inexistência de um real que poderia lhe dar lastro, operando, portanto segundo os mecanismos que ele procura denunciar.
Um outro modelo compete com o de Lyotard e o de Baudrillard para fornecer uma explicação das condições sociais e econômicas contemporâneas, ou se se quiser, da pós modernidade: a obra de Frederic Jameson, um crítico literário marxista americano, que também interpreta a nova conjuntura a partir da leitura do social como estando determinado pela esfera cultural.
Frederic Jameson
Uma velha discussão entre analistas marxistas da sociedade é aquela referente às relações entre infra e superestrutura, ou, se quisermos, a questão referente a que esfera da vida social determinaria, (em primeira, última instância ou coisa que o valha) o conjunto da formação social.
Jameson localiza-se na discussão sobre o pós-moderno esforçando-se por entendê-lo como um sinal de importantes transformações culturais e tentando explicá-lo, também, em termos de modificações no conjunto dos processos sociais e no âmbito de uma nova ordem econômica. Para ele, o pós-modernismo é a [fim da página 60] dominante cultural ou a lógica cultural da terceira grande etapa do capitalismo, cuja origem estaria na era pós Segunda Guerra Mundial (Jameson, 1985).
Seguindo a mesma linha de análise de Baudrillard, Jameson modifica os termos da discussão a respeito das relações entre infra e superestrutura, na medida em que se baseia na suposição de que o desenvolvimento da produção de mercadorias, somado ao incremento das tecnologias da informação, produziu o triunfo da cultura da representação, que inverte a direção tradicional do determinismo, de modo que as relações sociais ficam saturadas de signos culturais em mutação, ao ponto de podermos dizer que “tudo em nossas vida social tornou-se cultural” (Jameson, 1996: 74). Na sociedade pós-moderna, portanto, tudo seria mediado pela cultura, a ponto de que até os “níveis” político e ideológico inicialmente constituem um emaranhado no seu modo primário de representação, que é o cultural.
A proposta de Jameson para o entendimento da pós-modernidade passa pela crítica da posição marxista tradicional, segundo a qual as formas culturais comporiam o mecanismo ideológico, de distorção, que impediriam a visão das reais relações econômicas de uma sociedades, sendo um reflexo das atividades econômicas. Trata-se de entender como a lógica da mercadoria entra na esfera dos produtos culturais, simbólicos, transformando-os na principal mercadoria do estágio atual do desenvolvimento do capitalismo. A separação entre cultura e produção econômica está, segundo esse autor, ultrapassada no mundo contemporâneo. No estágio mais avançado do capitalismo, assistimos à expansão do poder do capital no domínio do signo, da cultura e da representação, não havendo meio disponíveis para separar a cultura das outras coisas - o reino cultural se torna idêntico ao sócio-econômico.
A caracterização da pós-modernidade em Jameson aponta, portanto, para três elementos: 1) experiência de hiper-espaços na arquitetura, que nos forçam a expandir os sentidos e o corpo - tornou-se clássico o seu estudo sobre o Hotel Bonaventure, como exemplo dessa tendência pós-moderna; 2) a fragmentação do tempo em presentes perpétuos, como resultado do colapso da relação entre os significantes, que provoca a perda do senso de memória, de temporalidade e, portanto, de história como narrativa em relação à vida do indivíduo - o caráter desconexo da experiência; 3) a transformação da realidade em imagem (Jameson, 1996). Aqui é patente a influência de Baudrillard (como exposto acima) na visão do autor da hegemonia da representação nas sociedades pós-modernas.
Apesar da avaliação freqüentemente negativa da pós-modernidade, Jameson se recusa a condenar por atacado toda a produção da cultura pós-moderna. A tentativa de se manter fiel à metodologia dialética produz neste autor a tentativa de apreender o tempo pós-moderno em seus aspectos positivos e negativos, a exemplo do que fez o próprio Marx em relação aos elementos progressistas do capitalismo burguês (Jameson,1996: 75-76).
Seguindo a linha interpretativa de Jameson, os artefatos culturais na pós-modernidade podem ser encarados como tentativas de expressão e representação de uma nova realidade econômico-social ligada ao fenômeno da globalização e também como um esforço de grupos organizados no sentido de nos distrair e nos desviar da realidade, disfarçando suas contradições, na medida em que as resolve só na aparência.
[fim da página 61]
No seu afã de entender claramente o funcionamento da produção cultural pós-moderna, Jameson analisa todo artefato cultural como portador de elementos ideológicos - que servirão, portanto para a efetivação de processos necessários à presente fase do capitalismo -, mas também como contendo elementos utópicos, embora na forma inconsciente, amiúde distorcida e recalcada - que refletem nosso imaginário mais profundo sobre a maneira como vivemos em sociedade e a respeito de como deveríamos organizar a vida social (Jameson, 1995: 34-35) .
Conclusão
Os três autores focalizados neste trabalho breve, tocam de maneira particular o tema da ideologia no espaço da pós-modernidade. Lyotard trabalha principalmente com as relações entre a ideologia e a produção do conhecimento científico, num momento em que se encontram abaladas a estruturas de plausibilidade de um conjunto consagrado de metanarrativas, apresentando como um dos ganhos da reestruturação do campo intelectual a diminuição da ideologização do saber institucionalizado. Nosso questionamento se dirige ao fato de que é preciso avaliar a medida em que sua própria reflexão sobre o tema pode ser considerada livre da produção de uma visão ideológica a respeito do assunto, já que ele termina trabalhando para o fim de metanarrativas específicas, instaurando, quem sabe, uma muito mais poderosa, principalmente pelo fato de pressupor o consenso, ou o status de pensamento “único”.
Baudrillard, por sua vez, elabora sua contribuição a partir da crítica do conceito de uma certa corrente marxista, que define a ideologia enquanto reflexo superestrutural invertido da esfera da produção, na medida em que a esfera cultural, antes determinada, passa a ser autônoma e determinante, a ponto de ser possível falar no triunfo da cultura da representação, mas não mais em classes, poder, normatividade e outros conceitos que pertencem à etapa anterior do sistema capitalista. Nossa avaliação dessa contribuição é no sentido de que ela é muito menos radicalmente uma revisão da visão marxista da ideologia mencionada do que pode parecer. Usando as mesmas ferramentas do próprio autor, é possível, inclusive, encontrar exemplos de como as relações entre o real e o virtual são construídas nas sociedades contemporâneas sim, via representações midiáticas, mas sempre com referência aos dois eixos fundamentais de grande parte da produção teórica de inspiração marxista a respeito de ideologia, a saber: a questão dos interesses de classes e grupos sociais e a idéia de construção do real nas direções convenientes aos que querem manter posições de poder ou lutam para ocupá-las.
Jameson, na mesma linha de Baudrillard, aponta para inseparabilidade da esfera cultural e da produção no espaço pós-moderno, destacando o importantíssimo papel mediador da cultura na contemporaneidade, o que coloca para os analistas do tempo presente a necessidade primeira de separar os níveis político e ideológico no seu modo primário de representação, que é o cultural.
De acordo com o que vimos acima, a posição dos autores acerca do tema da ideologia coloca-os longe daquela segundo a qual estaríamos vivendo o day after do fim das ideologias, ou daquela que decreta a caduquice do conceito enquanto um instrumento heurístico. Suas contribuições indicam a relevância [fim da página 62] de a cada momento revermos a relação teoria-realidade, no sentido de reelaborarmos os modelos de análise, sempre com o objetivo inescapável da atividade das ciências sociais de dar sentido à construção humana da história.
Referências Bibliográficas
__________________ . (1985). À sombra das maiorias silenciosas. São Paulo: Brasiliense.
__________________ . (1995 a). Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa: Edições 70; Rio de Janeiro: Elfos.
__________________ . (1995 b). A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70.
__________________ . (1996). A transparência do mal. 3ª ed. Campinas: Papirus.
________________. (1995). As marcas do visível. Rio de Janeiro: Graal.
________________. (1996). Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática.
_______________________. (1988). O pós-moderno. 3a ed. Rio de Janeiro: José Olympio.
1) Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus II - Campina Grande).
2) Conforme, por exemplo, Featherstone (1995: 52); Giddens, 1987.
3) Como, por exemplo, Eagleton (1986).
4) Conforme Baudrillard (1983: 10).
O CONCEITO DE IDEOLOGIA E A PÓS-MODERNIDADE
PALAVRAS-CHAVE: ideologia; teoria; pós-modernidade.
THE IDEOLOGY'S CONCEPT AND THE POST-MODERNITY
KEYWORDS: ideology; theory; post-modernity.