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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 85-100


O OUVIDOR UNIVERSITÁRIO

Rubens Pinto Lyra (1)

 
Introdução


Experiências internacionais

As primeiras Ouvidorias universitárias surgiram no Canadá, em 1965, na Universidad Simón Froser e nos Estados Unidos, em 1967, na Universidade Estadual de Nova York e, também, na Universidade de Berkeley. Mas somente em 1985 tivemos a criação, na América do Sul, de sua primeira Ouvidoria universitária: a da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

Na seqüência, foram criadas Ouvidorias em várias Universidades européias, especialmente na Espanha, como as das Universidades de Salamanca, Granada, Léon e Complutense de Madrid.

Mais recentemente, universidades canadenses, como a de Manitoba e a de Laval, criaram a função do Ombudsman.

Entretanto, o Ouvidor da UNAM, denominado Defensor de los Derechos Universitarios, é o que mais se destaca, seja pelo prestígio de que goza e pelo status conquistado, seja pela importância da Universidade em que atua, que conta com um corpo discente de aproximadamente 300.000 alunos.

É bem verdade que o perfil dos ouvidores universitários espalhados em diversos continentes nem sempre coincide com o do ombudsman sueco. Esta instituição sofreu várias metamorfoses, de tal forma que os órgãos criados sob sua inspiração têm características bastante diversificadas, inclusive os que se desenvolvem em um mesmo país, conforme comprova a experiência da Ouvidoria tupiniquim.

O perfil do Defensor Universitário da UNAM é o do titular de um órgão de controle da legalidade. Cabe-lhe, pois, essencialmente, “vigilar la correcta aplicación del orden legal universitário cuando un estudiante o miembro del personal académico invoque una violación a un derecho de caráter individual” (inciso I do Art. 10º do Reglamento de la Defensoria). Nesses casos, esta propõe as medidas que considere necessárias para o restabelecimento da ordem jurídica (UNAM, 1992).

A atuação da Defensoria Universitária Mexicana, circunscrita ao campo do direito, exige que o seu titular seja um “jurista de prestígio y com amplio conocimiento de la Legislación Universitária”.

A diferença em relação ao ouvidor brasileiro é flagrante: este atua, regra geral, sobretudo no controle da qualidade do serviço prestado, pronunciando-se, conseqüentemente, em relação ao mérito deste.

Nessa ótica, o ouvidor assume, freqüentemente, como veremos adiante, o papel de indutor de mudanças estruturais na instituição em que atua. Não obstante, algumas características da Defensoria Universitária da UNAM, consagradas no regulamento que a criou, parecem dever ser absorvidas pela [fim da página 85] Ouvidoria universitária brasileira, de contornos ainda não completamente delineados:

  1. sua independência “que se impone frente a qualquiera y a todas las autoridades y funcionarios de la UNAM, inclusive ante la máxima autoridade legislativa como es el Consejo Universitário, ante al Tribunal Universitário, autoridade suprema en materia judicial y aun frente al Rector, primera executiva”.

  2. da mesma forma “también es independiente respecto qualquier grupo politico”, a fim de garantir estrita imparcialidade nas suas manifestações.

A exigência de qualificação acadêmica, comprovada no “ejercicio distinguido de una cátedra, del estudio constante que se traduce em la especialidad en un área específica, en la elaboración reflexiva de trabajos de investigación". Isto porque tais predicados “establecen un vínculo de enorme importancia (...) com todo lo relacionado com la vida universitaria, lo que se genera en el trato permanente com los académicos y los estudiantes” (UNAM, 1992).

Surgimento e disseminação das ouvidorias universitárias no Brasil

No dia 9 de março de 1990, vinha à lume, em artigo publicado na imprensa paraibana, a primeira proposta divulgada no país, de criação de uma Ouvidoria universitária. A síntese do que havíamos exposto naquele pequeno trabalho continua pertinente e atual(2):

“[Ao Ouvidor] caberia receber queixas e sugestões, reclamações e denúncias sobre o desempenho dos serviços da Universidade e encaminhá-las, acompanhadas de parecer, aos órgãos competentes. Estes disporiam de tempo limitado para responder ao ombudsman, sob pena de responsabilidade administrativa. Seria, obviamente, dada ampla publicidade às atividades desenvolvidas pelo Ouvidor, que não teria qualquer poder decisório e sim o poder irrestrito de [fim da página 86] encaminhar e debater toda matéria que fosse submetida à sua apreciação, bem como o de formular sugestões e críticas aos diversos níveis e setores da administração universitária. O ombudsman teria mandato de dois anos e seria eleito, seja pelos colegiados superiores da instituição, seja por eleição direta.” (Lyra, 1990)

Acrescente-se, ainda, que, no exercício de sua função de Mediador, o Ouvidor “coloca em prática um processo de resgate da cidadania no âmbito da comunidade acadêmica, criando condições para que todos compreendam a necessidade de cumprir os seus deveres e exigir os seus direitos” (Reitoria, 1994).

Todavia, foi necessário aguardar o ano de 1992 para ver criada a primeira Ouvidoria universitária do Brasil: a da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Na seqüência, foram instaladas as Ouvidorias da Universidade de Brasília (UnB), em 1993, e da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1994.

Após a criação dessas duas Ouvidorias, esperava-se que o ano de 1996 se constituísse em um marco, com a promessa da criação da figura do ombudsman em várias Universidades: nas Federais de Juiz de Fora (UFJF), Santa Catarina (UFSC), Paraná (UFPR), Rio Grande do Norte (UFRN) e São Carlos (UFSCar), e nas Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Todavia, a criação de Ouvidorias ocorreu naquele ano, apenas, na UFSC e na UFJF.

Em relação às demais instituições as expectativas se frustaram, com a alegação, formulada por dirigentes da maioria destas, de que nelas faltavam servidores com perfil adequado para o cargo ou, quando não, recursos necessários ao pagamento da gratificação a que faz jus o ouvidor. Argumentos pobres, que apenas denotam o pouco empenho dessas instituições em criar mecanismos efetivos de controle da sociedade sobre a universidade, única forma de elevar a um patamar superior a democracia universitária, tolhida pelas limitações inerentes à democratização corporativista do poder acadêmico (Lyra, 1998).

Neste contexto, teve-se ainda que amargar, a desativação, em 1997, da Ouvidoria da UnB, e, em 1999, da Ouvidoria da UEL, ambas por motivos não claramente explicitados, embora em relação à Universidade Estadual de Londrina a sua direção tenha justificado (?) a medida pela necessidade de contenção de gastos.

A desativação da Ouvidoria da UnB, de marcante atuação no seu período de funcionamento, deixa no ar uma interrogação: teria sido o incômodo causado pela atuação do Ouvidor a determinados setores acadêmicos o motivo que levou a suspensão de suas atividades?

Enfim, deve-se registrar que a Ouvidoria da UFPR, criada pela Resolução 75/97, do seu Conselho de Administração, permanece até hoje no papel.

Em 1997, assistiu-se à criação de apenas uma Ouvidoria universitária, a primeira do Norte-Nordeste: a da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Porém, desde 1998, este quadro desanimador foi superado com a criação de nada menos que quinze Ouvidorias universitárias.

Naquele ano, entraram em funcionamento Ouvidorias na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP), na Universidade Salvador [fim da página 87] (UNIFACS), na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).

Em 1999, nas Universidades Federais da Paraíba (UFPb) e do Rio Grande do Norte (UFRN); na Universidade Católica de Brasília (UCB) e nas seguintes Instituições Estaduais de Ensino Superior: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio (FAFICOP), Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), ambas naquele Estado; Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), Faculdade de Medicina de Rio Preto (FAMERP) e Faculdade de Engenharia Química de Lorena (FAENQUIL), todas no Estado de São Paulo. Finalmente, no primeiro semestre do ano 2000, instalaram-se duas novas Ouvidorias no país: a da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP).

Observe-se que, de 1992 até 1997, a expansão das Ouvidorias nas Universidades foi lenta e pouco expressiva: de uma para quatro. Porém, no espaço de dois anos e meio, este número saltou para dezenove. Ou seja, neste curto período, houve um crescimento de 375%.

As Ouvidorias universitárias , (dezoito ao todo) constituem, portanto, a primeira rede nacional de Ouvidorias, públicas, na sua quase totalidade, assim distribuídas: 9 (nove) em Instituições Estaduais de Ensino Superior ( UECE, EPUSP, EMBAP, FAFICOP, UNESP, FAMEMA, FAMERP, FAENQUIL E UERJ); 6 (seis) em Instituições Federais de Ensino Superior (UFES, UFSC, UFJF, UFV, UFPb e UFRN); 3 (três) em Instituições Particulares de Ensino Superior (UNIFACS, ECB e UNIDERP) e 1 (uma) em uma Instituição Comunitária de Ensino Superior: a UNISC.

Com a recente incorporação, em 1999, e no primeiro semestre do ano 2000, de algumas das maiores e das mais qualificadas instituições de ensino superior brasileiras, essa rede de Ouvidorias universitárias – a maior do país - passa a ocupar um lugar proeminente na determinação do perfil do ombudsman na esfera pública, e no processo de disseminação deste instituto(3).

Espera-se que a instalação, prevista para ainda este ano, em caráter experimental, da Ouvidoria da Universidade de Campinas (UNICAMP), e da Ouvidoria Geral da Universidade de São Paulo (USP) - esta com a função de coordenar as Ouvidorias das Unidades dessa Universidade - venha a consolidar, [fim da página 88] em definitivo, a existência do instituto do ombudsman na comunidade universitária brasileira.

Papel do ouvidor universitário

O ombudsman universitário se situa, em nosso entender, no contexto da chamada democracia participativa, ainda que a virtual inexistência de estudos de Ciência Política sobre as Ouvidorias não tenha permitido análises em profundidade sob este prisma. Consideramos, com efeito, que o exercício da democracia participativa se materializa em institutos como o referendo e o plebiscito, mas também em órgãos colegiados ou unipessoais que ensejam a participação semi-direta da comunidade no controle social da administração pública, ou na sua própria gestão.

As Ouvidorias, os Conselhos de Direitos Humanos e o Orçamento Participativo figuram com destaque entre os órgãos constituintes da nova esfera pública da cidadania que preservam e valorizam a res publica, condição necessária para a formação de uma consciência cidadã, voltada para o universal.

A Ouvidoria é, precisamente, um instrumento de transparência, e, como tal, indispensável à garantia da lisura, impessoalidade e eficácia do exercício da função pública.

A Ouvidoria transmuda ação do particular que, acionando-a, se investe, de certa forma, do múnus público, ao revestir a sua demanda, originariamente fundada numa lesão privada, com o “manto da indumentária pública”. É justamente por ser um instrumento privilegiado de transparência na Administração que a expansão das Ouvidorias encontra tenaz resistência, em um país onde a influência do patrimonialismo faz as classes dominantes conceberem o Estado como uma extensão do seu domínio privado. Uma tal mentalidade não data de hoje, pois, conforme relato de Frei Vicente do Salvador, primeiro historiador brasileiro, datado de 1627, “nenhum homem nesta terra é repúblico nem zela nem trata do bem comum, senão do bem particular” (Comparato, 1993).

Infelizmente não são somente políticos conservadores que se sentem alérgicos ao controle social. Também na esfera pública, o vírus do corporativismo, do autoritarismo e do populismo conspiram contra concepções e práticas voltadas para o interesse público. Daí a importância da ação do Ouvidor.

Entendemos que este, especialmente o Ouvidor universitário, deve ter como função primordial o “controle do mérito, da oportunidade, da conveniência da prestação do serviço público” (Dallari, 1993). Na verdade, esta questão é decisiva, já que não se trata apenas de se obter um “desempenho correto” da administração. Mas sim de, através das sugestões e críticas formuladas por integrantes da comunidade universitária, ou da própria sociedade, torná-las verdadeiras co-gestoras da administração universitária.

O papel desempenhado pelos Ouvidores universitários tem sido, conforme definição dada por um dos seus pioneiros, o Professor Hugo Brandão, o de “fomentador de soluções e do desenvolvimento institucional” (Brandão Jr., 1995).

Com efeito, a atividade, própria do Ouvidor, de ausculta dos problemas que dizem respeito ao quotidiano da Universidade, lhe credencia

[fim da página 89]

“a agir como um crítico interno, que a partir das demandas que lhe são encaminhadas, monta uma verdadeira radiografia da instituição. Com estes dados elabora pareceres sobre as necessidades de mudanças nos seus procedimentos e normas, objetivando o aperfeiçoamento do desempenho e do relacionamento institucionais...”. (Vilanova, 1997)

A proposta de criação de uma Ouvidoria, enviada ao Conselho Universitário pelo Reitor da UNICAMP, Professor Hermano Tavares, entende que o ombudsman universitário pode “contribuir com a Administração na identificação de problemas sistêmicos, na correção de injustiças, na proposição de novos procedimentos, atuando assim como agente de mudança” (Tavares, 1997).

Agente de mudança, na medida em que o poder de proposição do Ouvidor se materializa em iniciativas de caráter estruturador, susceptíveis de promover a modernização democrática da Universidade.

Agente de mudança, também ,através da realização de mais justiça, mais eficácia e de maior participação da comunidade universitária e da sociedade nos destinos da instituição universitária.

A Ouvidoria constitui-se, em suma, no fato gerador de um novo estilo e de uma nova práxis administrativa, graças à transparência e ao salto de qualidade que pode alcançar a gestão dos negócios públicos, quando tonificada pela intervenção consciente e construtiva da cidadania.

Existe, contudo, entre os partidários da democracia direta, e de outras formas de participação coletiva da cidadania na esfera pública, aqueles que encaram com reservas a ação do Ouvidor. Isto porque não vêm com bons olhos o encaminhamento de questões de interesse pessoal a nível individual, pois essa prática poderia, na opinião de tais críticos, resvalar para procedimentos individualistas, em detrimento de uma práxis coletiva.

São receios infundados tendo em vista que as questões do quotidiano da administração, que lesam apenas determinados indivíduos e não a coletividade, não têm outra maneira de serem equacionadas a não ser caso a caso, individualmente. A diferença, com a Ouvidoria, é que se cria um mecanismo de reparação da lesão - que de outro modo persistiria - eliminando injustiças ou tornando efetivo, ou mais eficaz, o serviço que a instituição pública deve prestar.

E será o próprio usuário - ou o cidadão comum - que, através do ombudsman, irá contribuir para melhorar o funcionamento , como um todo, da administração, ao concretizar, na ação desta, o binômio eficácia-democracia. Quer dizer, os melhores resultados no interesse do maior número.

Além do mais, a Ouvidoria também favorece soluções coletivas na medida em que:

  1. estimula o cidadão a abandonar atitude de passiva resignação, face ao desempenho insatisfatório da instituição pública, tornando-o protagonista da mudança;

  2. ajuda-o, na maioria dos casos, a perceber que a solução das questões de seu interesse imediato, pautada nos princípios de eficácia e de justiça, é indissociável do aprimoramento, em benefício de todos, da ação desenvolvida pelos responsáveis pela res publica;

    [fim da página 90]

  3. toma iniciativas de caráter estruturador que objetivam promover mudanças de interesse geral da comunidade universitária e da sociedade.

Perfil do ouvidor universitário

A figura do Ouvidor, nas Universidades, se caracteriza, em primeiro lugar, pela diversidade e pela fragilidade de seu perfil institucional. Mas, em quase todas essas instituições, foi necessário contornar a legislação vigente, visto que o cargo de ombudsman universitário não existe no plano de cargos e salários, nem dos Estados nem da União.

Assim, a despeito da diversidade das situações existentes, quase todas as Universidades que gratificam o Ouvidor têm em comum a necessidade de recorrer a um artifício jurídico que consiste na sua nomeação para funções de Assessoria a fim de lhe assegurar percebimento de gratificação, em geral de cargo de direção (CD) ou equivalente. Artifício jurídico, porque o ombudsman, pelo menos em tese, é a antítese cabal do Assessor, já que, representante da comunidade, deve gozar de plena autonomia em relação ao dirigente da Instituição(4).

Entre as Ouvidorias, existiram aquelas, como a da UEL, onde não houve sequer portaria de designação do Ouvidor. O Reitor escolhe um dos seus assessores para ocupar, de fato, esta função, porém, sem criá-la formalmente.

Constatamos que esta fórmula é semelhante a que foi adotada pelo Prefeito Roberto Requião, quando da implantação, em março de 1996, da primeira Ouvidoria pública do país. Assim, o decreto que a criou previa, não a criação de um órgão, mas a atribuição de funções especiais a um dos cargos do funcionalismo municipal. A estratégia, além de elidir a necessidade de aprovação da Câmara dos Vereadores, garantia a instituição, nesta fase experimental, um caráter especial: criava-se a função do Ouvidor, sem se criar uma Ouvidoria (Gomes, 1996).

Mas, na maioria dos casos, os Ouvidores têm sido escolhidos pelo Reitor e designados para o cargo, que advém ao mundo jurídico mediante simples portaria! Entre estes, apenas um, na UECE, o foi com atribuição de mandato (dois anos).

Somente duas Universidades, a UFPb e a UFJF, criaram a Ouvidoria mediante Resolução do Conselho Universitário (CONSUNI), que escolhe o titular do nóvel função para um mandato de dois anos. Trata-se de um importante avanço já que, do ponto de vista jurídico, a função de Ouvidor sai do limbo institucional em que se encontrava e, do ponto de vista político, resgata a idoneidade do ombudsman, agora dotado da necessária independência para o exercício de sua função.

Todavia, enquanto o cargo de ombudsman não for inserido nos sistemas normativo federal e estadual que regem as Instituições de Ensino Superior (IES), a atribuição da gratificação ao Ouvidor - que lhe garante remuneração e status [fim da página 91] condizente com as responsabilidades de seu cargo - fica na dependência de livre decisão do Reitor.

Este, com efeito, mesmo quando ato normativo do Conselho Universitário estabelece a atribuição de gratificação para a função de ombudsman, pode negá-la, visto que é de sua competência exclusiva designar servidor para exercer função gratificada ou cargo de direção.

Desta forma, a situação do Ouvidor fica sujeita à correlação de forças políticas existente na sua IES, favorável ou não à instituição do ombudsman, e à credibilidade deste. Caso se defronte com um Reitor negligente, ou avesso a mudanças, fica à mercê de eventuais represálias do dirigente máximo da instituição, como, por exemplo, o corte de sua gratificação.

Vê-se, portanto, que a instabilidade - segunda característica do ombudsman universitário - é decorrência direta da inexistência desse cargo nos planos de cargos e salários dos servidores das Universidades. O que somente será sanado com a modificação da legislação vigente.

A terceira característica da Ouvidoria é que seu titular dispõe de poderes investigativos limitados. Assim, por exemplo, na UFPb, cabe ao Ouvidor apenas “receber e apurar a procedência de reclamações ou denúncias que lhe forem dirigidas por membros da comunidade universitária ou da comunidade paraibana em geral” (Inciso 7º, Art. 6º da Res. 06/98, que criou a Ouvidoria). Não lhe cabe porém, instaurar sindicâncias e inquéritos administrativos.

Quando ocorrer indícios convincentes de violações às normas legais, caberá ao Reitor, por solicitação do Ouvidor, tomar as medidas acima referidas.

Por contraste, os Ouvidores dos Estados (existem Ouvidorias desse gênero no Paraná, Ceará, São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul) e dos Municípios (notadamente Santos e Campinas) dispõem de poderes investigativos amplos, sendo que, no Paraná, ao Ouvidor compete, inclusive, realizar auditoria, sindicância e processo administrativo (Cf. inciso III, Art. 2º do Decreto 498, de 01/03/1995).

Poderes investigativos amplos certamente não se coadunam com o perfil do Ouvidor universitário. Este já dispõe de um espaço de atuação bastante amplo que deve se esgotar na sua função de mediador, seja entre a comunidade universitária ou a sociedade como um todo e a direção da IES, seja no âmbito da instituição, dirimindo conflitos internos. Mediador a quem cabe, também, formular publicamente críticas aos setores da Universidade que permanecem indiferentes às sugestões emanadas da Ouvidoria.

O quarto aspecto distintivo das Ouvidorias universitárias está apenas se esboçando, mas com fortes chances de plena afirmação. Diz respeito à tendência, que se delineia na implantação de algumas das novas Ouvidorias: a de garantir a autonomia ao Ouvidor, mediante eleição pelo colegiado máximo da instituição, e atribuição de mandato fixo. Se vitoriosa esta tendência, a Ouvidoria Universitária contrastará, também nesse aspecto, com as demais Ouvidorias existentes cujos titulares, no Brasil, continuam sendo de livre nomeação dos dirigentes dos órgãos fiscalizados. Não são, pois, eleitos para o cargo nem dispõem de mandato fixo que lhes garanta a necessária estabilidade.

As exceções são a UFPb e a UFJF, que envolvem o Conselho Universitário na escolha do Ouvidor.

[fim da página 92]

Contudo, a UFPb foi mais além, no que diz respeito à autonomia do Ouvidor. Com efeito, este pode ser indicado não apenas pelo Reitor, mas por qualquer integrante do CONSUNI, que o escolhe livremente. Outra diferença: na UFJF, o CONSUNI apenas chancela a escolha do dirigente máximo da instituição, enquanto na UFPb o Conselho Universitário o escolhe livremente.

Uma terceira diferença: na UFPb, o ombudsman dispõe de mandato fixo.

Constituídas as novas Ouvidorias, no respeito à autonomia do cargo de ombudsman, as instituições de ensino superior poderão exercer influência determinante na mudança qualitativa do perfil do Ouvidor Público brasileiro, hoje submetido à uma constrangedora capitis diminutio: a de serem escolhidos para a função que exercem justamente por aqueles cujas administrações se encontram, em tese, sujeitas à sua fiscalização.

No I Encontro Nacional de Ouvidorias Universitárias, ocorrido em João Pessoa, nos dias 16 a 18 de junho de 1999, os Ouvidores universitários brasileiros se posicionaram, na Carta de João Pessoa, em prol da constituição de Ouvidorias “como unidades administrativas dotadas de autonomia funcional, sendo seus titulares eleitos pelo órgão colegiado superior da instituição, com mandato certo e que tenham por finalidade a promoção da democracia e o estímulo à participação do cidadão na gestão universitária” (Carta de João Pessoa, junho, 1999).

O II Encontro Nacional de Ouvidores Universitários, realizado no dia 30 de maio de 2000, em São Paulo, ratificou este posicionamento, embora reconhecendo a validade das experiências das Ouvidorias atualmente existentes nas IES, que ainda não alcançaram autonomia plena. (Carta de São Paulo, maio de 2000).

As resistências à ouvidoria: o corporativismo e o autoritarismo

A figura do ombudsman tem sido tradicionalmente hostilizada - em geral veladamente - por todos aqueles que, preocupando-se apenas com o seu umbigo, adotam uma postura defensivista, buscando, tão somente garantir, vegetativamente, a sua auto-preservação.

Temem - e tremem - diante da perspectiva de um órgão de controle - ainda mais democrático! - que tenha força suficiente para sacudir os bolsões de ineficiência instalados na Universidade, e que se preocupa em conformar o funcionamento dessa instituição aos interesses da sociedade.

Assim, algumas corporações sindicais se opõem à Ouvidoria por temerem o questionamento do desempenho dos servidores da universidade e o poder que exercem no âmbito da instituição(5).

O que ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ilustra o acima referido. Segundo depoimento da Professora Sidnéya Gaspar de Oliveira, Ouvidora da UFSC, a primeira tentativa de criação da Ouvidoria ocorreu em 1984, na primeira gestão do atual Reitor Rodolfo Pinto da Luz. Entretanto, sua iniciativa não logrou apoio do Conselho Universitário.

[fim da página 93]

Em 1994, na gestão do então Reitor Antônio Diomário de Queiroz, um dos integrantes da representação estudantil no Conselho Universitário voltou a colocar em pauta a criação de uma Ouvidoria. Todavia, a sua criação foi abortada tendo em vista a resistência das corporações universitárias a esta proposta. Alegou-se, nessa ocasião, que a Ouvidoria poderia esvaziar a força de representação das entidades de classe na medida em que o ombudsman atraísse para a sua órbita o encaminhamento e a resolução das reivindicações da comunidade universitária. Em 1996, de volta à Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina o professor Rodolfo Pinto da Luz, cumprindo compromisso decorrente do seu programa de candidato criou, em maio do corrente ano, através de portaria, a função do ombudsman. (Oliveira, 1996).

Outro exemplo de resistência corporativa à criação da Ouvidoria se expressa na laboriosa gestação desse instituto na Universidade Federal da Paraíba (UFPb), por nós proposta em março de 1990.

Em 1993, o Reitor eleito, Professor Neroaldo Pontes de Azevedo, que nos havia encomendado um projeto de criação da Ouvidoria na UFPb, desistiu, às vésperas de sua instalação, alegando “resistências” até hoje não explicitadas. Seu sucessor e atual Reitor, Professor Jáder Nunes de Oliveira, que tomou posse em outubro de 1996, também incorporou no seu programa de candidato a idéia de criação da Ouvidoria. Todavia, a proposta, somente encaminhada ao Conselho Universitário (CONSUNI) em 1998, sintomaticamente, continha graves restrições à autonomia do Ouvidor, tais como a proibição de prestar declarações sobre assuntos submetidos à sua apreciação - salvo às partes interessadas e a órgãos da Universidade. (UFPb, 1997).

Todavia, o dirigente máximo da UFPb aceitou, após negociações, que se escoimassem da proposta acima referida os aspectos que comprometiam a idoneidade da função do ombudsman. Assim, foi finalmente criada, e “dotada de plena autonomia e independência” a Ouvidoria Geral da UFPb, mediante a Resolução nº 6, de 1 de setembro de 1998, e o seu primeiro titular solenemente empossado, no dia 17 de Março de 1999.

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Uma das principais formas de resistência à Ouvidoria poderia ser chamada de “corporativismo de facção”: os grupos que disputam o poder na Academia não conseguem constituir um espaço público, dotado de eticidade própria - no caso em espécie, o que objetiva o aprimoramento de práxis democrática, assegurando o respeito ao direito de participação e o zelo pela máxima eficácia na prestação dos serviços da universidade.

O tênue compromisso das facções universitárias com a democracia explica a desconfiança recíproca da parte adversa em respeitar as regras do jogo, caso esta venha a se investir de alguma parcela de poder. Cada facção julga a outra pelo seu próprio comportamento. Assim, um ombudsman escolhido com o apoio dos adversários - e, pior ainda, por eles - poderia, nesta lógica de raciocínio, transmudar-se em candidato natural ao “poder paralelo”.

Parafraseando Calligaris,

“trata-se de uma cena cultural em que o sangue comum (os interesses de facção) conta mais do que a autonomia do juízo moral. [fim da página 94] A ética é a da tribo (da facção). A pátria (a facção) está acima dos pruridos de qualquer indivíduo.” (Calligaris, 1999)

Daí ser tão difícil se achar alguém com o “perfil adequado” para o cargo, Leia-se: alguém efetivamente comprometido com as regras do jogo institucionais, capaz de agir imparcialmente, no exercício do múnus público, sem outro norte para a sua conduta que não o respeito ao direito e à verdade dos fatos.

E não se trata apenas das universidades supostamente mais “atrasadas”, mais sujeitas ao populismo e ao poder sindical. Foi na respeitada UNICAMP que, recentemente, o Reitor Hermano Tavares se viu na contingência de retirar de pauta a proposta de criação do cargo de Ouvidor, face à reação do Conselho Universitário, preocupado com a possibilidade de o Ouvidor vir a exercer algum tipo de poder paralelo.

Outro fator de resistência à criação do ombudsman universitário é o autoritarismo populista. Certa feita, um Reitor declarou-me: “na minha instituição, o Ouvidor sou eu, estou em permanente contato com as bases, ouvindo os seus reclamos”.

Tanto democratismo escamoteia de fato o temor de que alguém que exerça o poder de fiscalizar, independentemente da administração, possa identificar violações às normas de transparência, impessoalidade e de igualdade, entre outras, que regem uma administração pública democrática.

Implantada a Ouvidoria, e a despeito dos apoios que recebe o Ouvidor ao exercício de seu mister

“observa-se uma cultura institucional ainda não madura o suficiente para receber críticas. Isto se manifesta no interesse de alguns administradores saberem a origem das reclamações, ou seja, o nome dos reclamantes. Quando estes concordam em se identificarem, ouvimos sempre comentários pejorativos sobre os mesmos, no sentido de desqualificá-los, dando um caráter de irrelevância às reclamações apresentadas. Há ainda casos de professores que, ao serem cientificados pela Ouvidoria de reclamações de alunos, no tocante à falta de assiduidade, pontualidade, falta de habilidade de relacionamento e deficiência na transmissão de conhecimentos, pressionam os alunos no sentido de identificarem a procedência das reclamações, chegando a ameaçá-los com maior severidade nas provas. Há registro de estudante que chegou a ligar chorando para a Ouvidoria, solicitando que sua reclamação fosse tornada sem efeito, dada a reação do professor. Observa-se que muitos estudantes evitam levar tais tipos de problemas às Coordenações e Chefias dos Departamentos ou Cursos, temendo por represálias dos professores alvos das reclamações, ou porque assim já o fizeram e nenhuma providência foi adotada para a correção do problema. Tal fato acontece em face do corporativismo, ou simplesmente, devido as chefias se sentirem pouco à vontade para chamar a atenção dos colegas.” (Vilanova, 1997)


[fim da página 95]

A avaliação dos ouvidores

A avaliação de desempenho das Ouvidorias, passados oito anos desde a instalação da primeira delas, é ainda provisória e inconclusiva. Isto porque, das dezenove existentes, apenas uma têm período de vida superior a cinco anos: a da UFES: Além do que, não foram feitos estudos sobre o funcionamento das Ouvidorias Universitárias, salvo através de relatórios, raramente analíticos.

Por fim, a troca de Ouvidores, pelo menos na UFES, implicou em completa mudança nos métodos e na filosofia de trabalho adotada (Cf. Doxsey, 1999).

Impõe-se, neste primeiro esboço de avaliação, uma constatação inicial: os Ouvidores não têm se restringido à abordagem puramente casuística e pontual das demandas, nem se contentado com a solução, a nível puramente individual, das questões submetidas à sua avaliação.

Vários Ouvidores têm procurado inserir sua intervenção em um processo de questionamento dos próprios padrões de conduta prevalecentes nas universidades.

Jaime Doxsey, ex-Ouvidor Geral do Espírito Santo, enfatiza a necessidade de renovação das bases éticas da vida acadêmica. Seria esta a condição indispensável para uma efetiva modificação de comportamentos autoritários que dificultam a resolução de questões de fundo, atinentes às relações entre aqueles que têm interesse legítimo no desempenho da universidade e esta instituição.

Doxsey mostra que “a ética acadêmica” enquanto terminologia ou conceito, não faz parte da cultura institucional universitária, pelo menos no sentido de configurar um princípio organizacional formal o que “complica consideravelmente a capacidade institucional para lidar com problemas éticos de qualquer espécie”.

Na sua análise, Doxsey destaca o fato de que “os problemas de ordem ética decorrentes das relações em sala de aula não são problemas disciplinares”. Descarta, assim, ab initio, o que qualifica de “uma ação autoritária por parte da Ouvidoria”, com base em uma intervenção “de cima” para reparar a situação “em baixo”.

Na sua forma de ver, os que buscam a Ouvidoria “podem ser entendidos como pessoas dependentes, vítimas de uma estrutura institucional arbitrária e autoritária, sem esperança de se tornarem sujeitos capazes de reivindicar seus direitos ou pleitear a solução de seus próprios problemas”.

Doxsey propõe então como alternativa a formação de uma consciência crítica dos segmentos universitários quanto à natureza ética da conduta acadêmico-científica já que “uma abordagem ética isolada não é garantia das mudanças estruturais e da cultura institucional necessárias para encarar o descaso existente”.

Para viabilizá-las, seria então imprescindível “construir respostas institucionais para negociação e resolução dos problemas”, dotando a estrutura administrativa dos mecanismos necessários à promoção da ética acadêmico-científica. O que “inclui um componente de liderança institucional dedicado ao fomento da conduta acadêmica ética” (Doxsey, 1999).

Todos os Ouvidores constataram uma demanda reprimida por soluções para muitos problemas, acumulados ao longo do tempo. Talvez seja por isso que as reclamações continuam a liderar o ranking das demandas endereçadas à Ouvidoria. Reclamações que provêm, na sua expressiva maioria, dos estudantes. As sugestões, contudo, ocupam o segundo lugar nas estatísticas das Ouvidorias.

[fim da página 96]

A solicitação de informações ocupa lugar destacado nas demandas apresentadas, o que levou uma delas a propor e obter a criação de um Balcão de Informações na instituição (Oliveira, 1997).

A conclusão da Ouvidoria da UECE, relativa à importância da inovação representada pela Ouvidoria, é consensual entre os Ouvidores:

“(...) a Ouvidoria revelou-se um instrumento importantíssimo de participação da comunidade interna e externa no levantamento de problemas e na apresentação de propostas de solução, propiciando um constante feedback à Reitoria, no sentido do atendimento aos anseios e expectativas da comunidade.” (Vilanova, 1997)

O ofício de mediação do Ouvidor é requisitado para resolver os conflitos, os mais diversos, tais como entre professores e chefias de Departamentos; entre funcionários e chefias e entre os próprios funcionários para a obtenção de informações, dificultadas pela complexidade e pelo burocratismo da instituição universitária; pelos estudantes, em relação ao cumprimento das obrigações dos professores, e pela comunidade externa, que solicita informações e reclama do mau atendimento que recebe (Vilanova, 1997).

Na UFPb, a atuação da Ouvidoria tem privilegiado o fortalecimento e a disseminação dos instrumentos de participação da comunidade universitária e da sociedade na gestão institucional, nos seus diferentes níveis, como forma de garantir mais fácil identificação dos problemas existentes e os meios mais adequados para a sua resolução; maior criatividade nas soluções a serem implementadas e o aprimoramento crítico da administração, capaz de promover mudanças de fundo na vida universitária.

Para alcançar tais resultados, a Ouvidoria tem-se empenhado no efetivo funcionamento do Conselho Consultivo, formado por representantes da sociedade; no pleno exercício, pelo Conselho Universitário (CONSUNI) e pelos Conselhos de Centro, do seu poder de formulação e de debate das políticas da Universidade, nas suas respectivas esferas de atuação. Poder até agora indevida e anormalmente concentrado nas mãos Reitor e dos Diretores de Centro, face ao burocratismo exacerbado que ainda domina o funcionamento dos colegiados acima mencionados.

Por outro lado, o Ouvidor, no seu papel de indutor de mudanças estruturais, tomou a iniciativa de apresentar, em dezembro de 1999, ao Conselho Universitário, proposta de implementação, a curto prazo, da reforma acadêmica e administrativa da instituição. E isto por entender que a modernização democrática da universidade, aliando a busca de eficiência com a gestão participativa, é o caminho a ser trilhado pelas universidades que desejem se afirmar como produtoras do conhecimento, e, portanto, como espaço, por excelência, do exercício da cidadania e do espírito crítico (Lyra,1999).

Em maio do ano 2000, durante a campanha para eleição do Reitor, a Ouvidoria divulgou um elenco de propostas, entre as quais a referente à função do educador (questão ética, capacitação didática e pedagógica), indicando a urgente necessidade de se discutir esse tema, adotando-se, a curto prazo, medidas inovadoras a respeito (Multidéias, 2000).

Outro episódio marcante, também no mês de maio, foi a mediação [fim da página 97] realizada pela Ouvidoria entre os estudantes da residência universitária masculina e a administração superior. Após um debate com dezenas de estudantes desta residência, o Ouvidor conseguiu estabelecer entre estes e o Reitor um canal de comunicação, desfazendo um clima de hostilidade em relação ao dirigente máximo da UFPb. Dessarte, a retomada do diálogo ensejou, também, o atendimento de boa parte de uma extensa lista de reivindicações apresentadas pelos estudantes.

Porém, nem tudo são flores. Persiste, na UFPb, em alguns segmentos da Administração, pouco interesse e hostilidade não declarada em relação ao trabalho do Ouvidor, sofrível empenho na resolução das questões que lhes são apresentadas pela Ouvidoria e sistemático desrespeito aos prazos estabelecidos para a prestação dos esclarecimentos solicitados .

Desacostumados com a nova forma de controle social representada pela Ouvidoria, tais setores chegam, em alguns casos, a questionar a própria legitimidade da mediação promovida pelo Ouvidor.

Desgostosos com os resultados obtidos, na identificação dos problemas existentes e na (nem sempre desejada) correção desses problemas, tentam cercear, na prática, o livre exercício das funções do Ouvidor, causando constrangimento aos que a ele recorrem.

Espera-se contudo, que o grau de consciência alcançado pela comunidade universitária em relação à necessidade de órgãos de participação na gestão da universidade – como é o caso da Ouvidoria - , conjugado com o apoio emprestado pelo Reitorado à sua ação, torne a permanência do ombudsman universitário uma conquista irreversível.

Para concluir, trazemos à colação as conclusões de uma ex-Ouvidora da UFJF, segundo a qual o trabalho da Ouvidoria “é muito mais de valorização da cidadania do que avaliação institucional”. Para o usuário do serviço, mesmo aquele que faz uma reclamação contundente, o importante é participar, é ter uma resposta, não é oferecer um veredicto sobre a instituição. Assim, “a crítica quanto a um determinado aspecto institucional não indica descrédito. Ao contrário, ao reclamar e ao sugerir, o cidadão revela sua confiança de que a instituição tem vitalidade e pode ser mais eficiente e eficaz, com a participação de todos” (Castro, 1997).

O êxito do Ouvidor na sua missão de mediar os conflitos da Universidade será proporcional à sua capacidade de amplificar e disseminar uma mentalidade e uma práxis participacionista.

O que ocorrerá na medida em que consiga exercitar, na sua plenitude, a chamada “magistratura da persuasão”. Quer dizer, um “poder sem poderes” que “desta própria condição retira paradoxalmente sua base de apoio e força” (Wleide, 1995).

Onde, pois, senão na instituição universitária, locus por excelência do diálogo e da persuasão, na qual o binômio eficácia-democracia é conditio sine qua non para a realização dos seus fins, pode melhor prosperar este instituto privilegiado de promoção da cidadania?

[fim da página 98]

Referências Bibliográficas


Notas

1) Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Sociologia e em Direito da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa), Ouvidor da mesma instituição e presidente do Fórum Nacional das Ouvidorias Universitárias.

2) Com uma única ressalva: passados quase dez anos, o amadurecimento de minhas reflexões sobre o papel do Ouvidor faz-me descartar como válida a alternativa de eleições diretas, pelas seguintes razões: a - não faria sentido uma campanha eleitoral para a escolha do ouvidor, uma vez que não sendo dotado de poder administrativo, não teria programa a propor, tornando assim, inócua e sem motivação tal campanha; b - a mobilização decorrente da realização de eleições diretas levaria a polarização da comunidade universitária, dividida entre os eventuais candidatos a ouvidor, identificando-o com as facções existentes na universidade. De tal forma que o ouvidor eleito ficaria sem condições de, ao investir-se no cargo, apresentar-se como árbitro imparcial, equanimemente distanciado dos interesses grupais. E teria também dificuldades de exercer o papel de mediador, que necessita de apoio do maior número para obter êxito na busca de agregação de consensos; c - Se o eleito tiver sido apoiado pelo Reitor, a ele devendo o cargo, este não poderá ser exercido com efetiva autonomia. Se adversário da administração, será tentado a exercitar o poder paralelo, seja colocando-se ele próprio como candidato à sucessão, seja pondo a Ouvidoria a serviço de uma candidatura oposicionista. Um tal processo, como se vê, conduz a partidarização, no sentido figurado, como na situação acima descrita, ou no sentido próprio do termo, caso partidos políticos, como ocorre freqüentemente, venham a apoiar candidatos à Reitoria.

3) Existem atualmente duas Redes Nacionais de Ouvidorias Públicas. Além da formada pelos ombudsmen universitários, existe a que congrega Ouvidorias de Polícia, em número de cinco: nos Estados de São Paulo, Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (ordem cronológica).De lento crescimento e de dimensão ainda modesta, as Ouvidorias de Polícia deverão propagar-se rapidamente, estimulados pela decisão do Governo Federal de tornar efetiva a reforma das Policias Estaduais, e pela ação, de eficácia já demonstrada, do recém-criado Fórum Nacional das Ouvidores de Polícia (Imprensa Oficial, 1999: 271-284). É importante assinalar que o Ouvidor de Polícia do Estado de São Paulo dispõe de plena autonomia perante o Governo e a polícia daquele Estado. Com efeito, o Ouvidor é escolhido pelo Governador entre os componentes de lista tríplice elaborada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, constituída majoritariamente por entidades de direitos humanos, independentes do poder público.

4) A autonomia do Ouvidor é necessária pois que este “deverá defender os interesses da sociedade, e, neste sentido, criticar ações administrativas, atividades de ensino, pesquisa e extensão e formação que deixem de operar com agilidade, eficácia e honestidade as tarefas para as quais a instituição foi criada e que estão estipuladas, precisamente, no Estatuto, no Regimento Geral” e nos demais atos normativos da IES (UFSC, 1994).

5) O único sindicato docente no país que se mobilizou a favor da criação de uma Ouvidoria na sua universidade (como também, em prol de um Conselho Consultivo, formado por entidades representativas da sociedade) foi a ADUFMAT - Associação dos Docentes da Universidade de Mato Grosso (ADUFMAT, 1999: 12).

RESUMO
O OUVIDOR UNIVERSITÁRIO


O Ouvidor universitário surge na esfera pública brasileira no ano de 1992, na Universidade Federal do Espírito Santo. Das quatro existentes até 1992, este número subiu para 18. O que representa, em dois anos, um crescimento de 450%. Neste trabalho analisamos o papel político do Ombudsman, e o perfil do Ouvidor universitário, pondo em evidência os traços específicos deste tipo de Ouvidoria. Examinamos, também os empecilhos à sua disseminação: corporativismo, autoritarismo e populismo. Concluímos este estudo mostrando como as Ouvidorias universitárias concebem a sua atuação, e quais as questões de maior relevo presentes no cotidiano de seu trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: ouvidor universitário; perfil; atuação.

RÉSUMÉ
L'MÉDIATEUR UNIVERSITAIRE


Le médiateur universitaire apparaît dans la sphère publique brésilienne dans l'année 1992, à l'Université Fédérale de Espírito Santo. Des quatres médiateurs qui existaient jusqu'à 1997, leur nombre est passé à dix-huit au début 2000. Ce qui réprésente, en deux ans, une croissance de 450%. Dans ce travail nous analysons le rôle politique du médiateur universitaire et son profil, en mettant en évidence les trais spécifiques de ce genre de médiateur. Nous examinons, aussi, les obstacles à sa dissémination: corporativisme, autoritarisme et populisme. Nous concluons cette étude en montrant le champ d'action du médiateur universitaire, comme celui-ci conçoit ses fonctions et les questions les plus importantes, présentes dans le quotidien de son travail.
MOTS-CLÉS: médiateur universitaire; profil; champ d'action.  





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Número 16 - set/2000  |   Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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