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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 241-243


A SOCIOLOGIA DA PRÁTICA E A PRÁTICA DA SOCIOLOGIA
O PENSAMENTO TEÓRICO DE BOURDIEU

Carla Mary S. Oliveira (1)



PINTO, Louis. (2000). Pierre Bourdieu e a teoria do mundo social. Trad. de Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: Editora FGV, 192 p.

Publicado originalmente em 1998 pela editora parisiense Albin [fim da página 241] Michel, esta análise de Louis Pinto(2)  sobre a trajetória teórico-conceitual de Pierre Bourdieu já parte de uma postura, por si mesma, anti-bourdieuniana: dar conta de uma obra construída por alguém que se recusou, sempre, a assumir a confortável posição de “leitor” como comentador de qualquer autor, tal qual outros autores de sua geração, dos quais se destacam Michel Foucault e Gilles Deleuze. Esta abordagem contraditória está claramente definida ainda na Introdução, onde podemos ler que o que motivou e encantou Pinto, no que diz respeito às idéias de Bourdieu, foi justamente seu rompimento “com uma maneira de ser intelectual caracterizada por programas, proezas ‘teóricas’, ‘debates’, provas iniciáticas cujas alternativas são tão sublimes por sua amplitude filosófica quanto indefinidas em suas conseqüências empíricas e mesmo teóricas” (p. 9). Em outros termos, Pinto na verdade se justifica e se desculpa por usar um tipo de abordagem que não “condiz”, de fato, com a teoria sociológica presente nas obras de Bourdieu.

Apesar desse pequeno paradoxo que inquieta o próprio autor, Pierre Bourdieu e a teoria do mundo social se torna, aos poucos, um agradável passeio pelo universo conceitual e existencial que contribuiu para a formação de Bourdieu e a posterior gênese de suas idéias. A preocupação que transparece na Introdução consegue mostrar-se fecunda, pois ao fim do texto percebemos que o estudo proposto sobre a obra de Bourdieu não se tornou nem paráfrase nem hagiografia: pelo contrário, trata-se de análise profunda e verdadeira que não podemos considerar como mera obra de vulgarização feita para atender a uma crescente demanda formada por neófitos leitores de Bourdieu.

Para conseguir este feito Louis Pinto se debruça sobre a trajetória de Bourdieu desde suas condições de emergência no campo intelectual francês nos anos 50 até nossos dias, alinhavando-a com considerações acerca da grande diversidade de objetos estudados pelo sociólogo e as categorias teóricas que criou neste meio tempo. Que expressão poderia definir mais satisfatoriamente este livro? Talvez “postura reflexiva” sirva bem a esse objetivo. Na mesma linha de Bourdieu, Pinto considera que fazer ciência se trata “de saber o que se faz efetivamente quando se diz o que se faz” (p. 14), ou seja, esmiuçar claramente a prática sociológica a fim de compreender o trabalho empírico e suas derivações teóricas, especial-mente se elas se constituem em inovações conceituais como as categorias de habitus, campo, capital e mercado simbólico. De fato, o autor discorre sobre seu significado e os vários usos destas categorias feitos por Bourdieu ao longo de sua trajetória. Desse modo, entender as obras mais antigas ou mesmo os trabalhos mais recentes de Bourdieu pode tornar-se menos espinhoso após a leitura desta obra.

A teoria da prática proposta por Bourdieu é vista como uma alternativa ao estruturalismo, superando as limitações do campo de pesquisa e colocando a questão de uma antropologia geral que engloba a etnologia e a sociologia. Em suma, se trata de “apreender o senso prático em ação dentro da própria atividade de teorização” (p. 60). Tal visão converge com a afirmação do próprio Bourdieu [fim da página 242] em Le sens pratique:

“(...) constitue le principal produit de toute mon enterprise, (...) au titre de contribution théorique à une théorie de la pratique, mais en tant que principe d’une définition plus rigoureuse, moins livrée au hasard des dispositions individuelles, du rapport juste à l’objet qui est une des conditions le plus déterminantes d’une pratique proprement scientifique en sciences sociales” (3)  (1980: 30).

Esse entendimento do fazer teórico é que dá à obra de Bourdieu sua reflexividade tão característica, com sua “maneira de agir sobre a própria definição da teoria, de intervir no campo da produção teórica” (p. 63).

Em resumo, a produção teórica de Bourdieu é vista, neste livro, como uma revolução simbólica no que diz respeito à visão do mundo social, remetendo a teoria sociológica a um novo enfoque, que escapa “às oposições que toda uma tradição intelectual nos apresenta como insuperáveis” (p. 181). Tal tradição seria representada especial-mente pela presença de um marxismo filosófico na cena intelectual francesa do pós-guerra, onde os grandes questionamentos passavam pelo problema do humanismo: saber se o homem pode servir como fundamento teórico e ético das ciências sociais e da filosofia e, também, em que medida ele se realiza na história. A postura de Bourdieu seria menos ortodoxa, opondo-se à visão bipolar da dialética de tradição hegeliana e construindo, semelhan-temente ao “método histórico-filosófico” de Michel Foucault (p. 31), um novo enfoque para a história social das formas simbólicas, centrado na relação crítica e reflexiva com o saber.

O legado sobre o qual Bourdieu se apóia está muito mais próximo de sua formação filosófica, aproveitando “o duplo legado da história das ciências (Gaston Bachelard, Georges Canguilhem) e da fenomenologia na versão oferecida por Husserl e Maurice Merleau-Ponty, e seduzido pelo modelo prestigioso de Claude Lévi-Strauss” (p. 32).

Na verdade Louis Pinto crê que a grande contribuição de Pierre Bourdieu à teoria do mundo social é, justamente, pôr em xeque a relação que qualquer leitor de sua obra tenha com a cultura e com a ciência e, mais ainda, questionar o que comumente se espera desta relação.

Referência Bibliográfica




Notas

1) Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa). Bolsista CAPES.

2) Sociólogo e filósofo francês, diretor de pesquisas no CNRS.

3) “(...) constitui o principal produto de todo o meu trabalho, (...) no sentido de contribuição teórica a uma teoria da prática, senão como princípio de uma definição mais rigorosa, ao menos liberto do acaso dos arranjos individuais, da relação conforme o objeto, que é claramente uma das condições mais determinantes de uma prática propriamente científica nas ciências sociais.” (Tradução livre).




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Número 16 - set/2000  |   Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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