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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 11-23
AS LIDERANÇAS DO MOVIMENTO SEM TERRA NA PARAÍBA:
AMBIGÜIDADES E APROXIMAÇÕES IDENTITÁRIAS
Tereza Correia da Nóbrega Queiroz (1)
Introdução
Este trabalho discute a construção da identidade de lideranças populares que integram movimentos sociais, tomando como referência empírica o caso do Movimento Sem Terra na Paraíba.
As lideranças tem um papel destacado na articulação dos grupos sociais, seja em sua dinâmica interna seja na presença que o movimento alcança no espaço público. Privilegiamos neste trabalho a questão da identidade, que diz respeito à maneira como a liderança constrói uma imagem de si. Nesta construção, a liderança projeta os ideais do grupo, consegue aglutinar um conjunto diferenciado de pessoas, articular um discurso e práticas públicas, além de falar para os outros da existência, dos problemas e dos desejos do grupo.
Toda identidade, sendo uma construção imaginária elaborada pelo sujeito, é também povoada pela alteridade, o que remete ao trabalho permanente do sujeito em busca de sua unidade e diferença. As relações com os outros abrangem tanto o passado como o convívio presente, e imprimem sua marca na imagem de si produzida pelo sujeito. A identidade resulta, assim, de relações com os outros, aliados e antagonistas, nas quais são produzidos sentidos e são definidos lugares. Essas relações devem ser compreendidas em sentido amplo, abrangendo passado, presente e futuro.
O estudo da identidade de lideranças envolve, portanto, a reconstituição prévia do lugar de que falam os líderes, lugar esse que resultou de relações estabelecidas no passado, e que é preenchido por uma carga de significados que foram historicamente construídos e que continuam a ser negociados no presente. O lugar de que falam é socialmente preenchido, com um sentido demarcado, porém nada é fixo, estando os sentidos atribuídos num jogo permanente de deslocamentos e disputas que tem a ver com os intercâmbios sociais e simbólicos entre os diversos grupos em presença. O tipo de grupo, as relações que um movimento social vem historicamente estabelecendo com outros setores sociais são, portanto, elementos constitutivos da identidade social do grupo e individual da liderança.
Todo movimento social seleciona do passado acontecimentos, personagens, eventos em relação aos quais constrói elos de filiação que passam a constituir uma dimensão importante de sua identidade e de sua legitimidade no presente. O significado assumido no presente pelos movimentos é assim tributário de outros personagens que assumiram e deram significado ao lugar, deixando traços que marcam a constituição posterior da identidade de seus ocupantes, que a reinventam, porém a partir das construções aí já registradas.
Também importante é a modelagem realizada por instituições que mais [fim da página 11] diretamente tem se envolvido nos últimos tempos com movimentos populares. Neste campo situamos como especialmente marcantes na América Latina a influência da Igreja Católica em sua vertente dedicada ao trabalho com organizações populares, e a dos partidos de esquerda que, ao atribuírem aos mais desfavorecidos um papel transformador na sociedade, também imprimem a marca do modelo de liderança que projetam como um dever ser para os pretendentes a ocupar esse lugar.
As lideranças populares dialogam ainda com o outro impessoal, corporificado nos modelos hegemônicos presentes na esfera pública. Neste momento, o debate sobre a questão social e sobre as formas de participação popular vem sendo colocado em segundo plano, em decorrência de uma maior valorização do jogo do mercado e das ações de agentes individuais. Ao mesmo tempo, a idéia da política como encontro de diversidades vem sendo menosprezada. Neste contexto, ações populares de caráter coletivo tendem a ser desqualificadas, o mesmo ocorrendo com lideranças populares que são avaliadas pela ótica dos modelos empresariais e burocráticos de liderança, e invalidadas pela sua diferença.
É sobre essa multiplicidade de outros que se efetiva o trabalho do sujeito participante de um movimento social, que no mesmo momento em que é preenchido pela alteridade, dela se distingue demarcando um perfil próprio.
Movimentos Sociais e Lideranças
Os movimentos sociais tem sido um tema polêmico no campo das ciências sociais, e objeto de muito investimento por parte de alguns estudiosos, pela proximidade que apresentam com o tema da mudança social. Com certa freqüência, alguns estudiosos vem se dedicando ao trabalho de sistematizar o “estado da arte” do que vem sendo produzido. Entre estes, situamos Ilse Scherer-Warren, que em diversos artigos vem esquematizando o panorama do debate teórico ao qual acrescenta suas próprias contribuições.
Em um trabalho recente ela vê, com simpatia, uma tendência de síntese entre enfoques analíticos distintos, que passam a contemplar tanto a relevância dos processos organizativos e da formação das identidades, mas também as lutas de poder entre membros das ações coletivas. Outro aspecto destacado como importante é a articulação entre os níveis locais, translocais e globais. Propõe um agenda de pesquisa que abarca três dimensões: a da sociabilidade, a da espacialidade/territorialidade e a da temporalidade (Scherer-Warren, 1989). Os movimentos sociais consistem em movimentos de ação coletiva, formados por redes movimentalistas, que constróem uma identidade coletiva com a qual se defrontam com outros atores sociais no espaço público. Esses movimentos tem suas especificidades em decorrência da conjuntura política em que atuam, dos distintos atores que o constituem e dos outros com os quais interagem. Formulam uma narrativa pública a partir da qual legitimam suas pretensões ao reconhecimento. Os movimentos têm um importante papel na democracia por afirmarem uma alteridade a ser levada em conta no debate público. Nesses processos, as lideranças tem um lugar de destaque.
Escolhemos como foco central do estudo a questão identitária, que permite ultrapassar abordagens que se restringem ao pequeno grupo ou aquelas que dão realce apenas à personalidade dos que ocupam o lugar do líder. No presente [fim da página 12] artigo vamos analisar como as lideranças do MST na Paraíba constróem uma imagem de si, o que supõe um conhecimento tanto sobre os processos sociais nos quais as lideranças e seus grupos estão imersos, como sobre o trabalho do sujeito que, através de suas práticas discursivas ou não, produz sentidos, demarca e circunscreve seu próprio lugar.
O MST e sua expressão na Paraíba
O MST surgiu no início da década de 80, no sul do país, expressando os conflitos decorrentes do processo de modernização conservadora que se fazia de forma a ampliar o contingente de trabalhadores excluídos do acesso à terra. De início como reação à questões localizadas em Estados do sul do país, ele começa a se alastrar por diversas outras unidades da Federação e a exprimir um conjunto de demandas que se unificam em torno da bandeira da Reforma Agrária. Com uma atuação expressiva, principalmente através de ocupações de terras improdutivas, marchas e outras formas de manifestações no cenário das cidades, o MST se torna o ator principal das lutas dos trabalhadores rurais que em grande parte se reconhecem no movimento. Também o governo, embora a contragosto, passa a negociar com o movimento, o que significa um reconhecimento de sua força e da influência que alcançou entre sua base social.
A expansão do MST porém se deu de forma desigual, o que remete às dinâmicas e peculiaridades das diferentes regiões do país. Na Paraíba, havia uma expectativa de que o movimento teria uma rápida expansão em decorrência de uma tradição já acumulada de luta de trabalhadores rurais, e também da multiplicidade de conflitos no campo, além de que a principal influência organizativa - a da Igreja Católica - era considerada pelos dirigentes de MST como tímida e incapaz de dar conta dos potencial de conflitos reprimidos que o Estado apresentava.
Essa última avaliação, entretanto, não se revelou correta. Desde o início da década de 80 ocorreram tentativas de organização do movimento na Paraíba, mas ele se expandiu muito lentamente. Os relatos orais dos atuais dirigentes são cheios de lacunas no que se refere á história do movimento, além de serem escassos os registros históricos. Atualmente o MST acompanha cerca de 12 assentamentos no Estado, num conjunto de 141 projetos sob supervisão do INCRA. Uma das explicações possíveis para tal fato é a grande influência exercida pela Pastoral da Terra no Estado, assim como algumas experiências mal sucedidas do Movimento em seu início, que acabaram por desgastar sua imagem junto à opinião pública.
A identidade de lideranças do MST
As análises aqui desenvolvidas sobre a identidade das lideranças do MST tiveram por base entrevistas realizadas com diversos representantes do movimento, que ocupam posições distintas de atuação: os dirigentes, os líderes de assentamentos e os de acampamento.
Um aspecto que chama atenção nos discursos dos dirigentes é uma certa uniformidade, o que nos remeteu à força dos processos de formação de líderes a que o Movimento dedica uma atenção especial. São freqüentes os cursos realizados e que dizem respeito à formação política, à organização e gerenciamento de empresas rurais, ao cooperativismo, à técnicas agrícolas, etc.
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O exame de alguns exemplares de textos utilizados na realização destes cursos mostrou uma diversidade de orientações. Encontramos desde textos de Lênin, de Mao Tsé-Tung sobre as funções de direção de movimentos revolucionários, a textos de Frei Leonardo Boff sobre a mística, textos sobre lideranças populares, bem como “cartilhas” referentes à história dos movimentos de trabalhadores rurais.
Os discursos dos líderes constituem uma forma de discurso político. Trata-se de um gênero que tematiza as relações de poder em seu conteúdo e se constitui externamente em ato político por sua posição mesmo na estrutura ideológica de poder, sendo produzido na cena política. Tem uma base essencialmente polêmica, apresentando a hipertrofia da função argumentativa.
Os cadernos de formação
Os cadernos de formação usados no cursos de treinamento de lideranças, destacam as qualidades que devem ser possuídas pelos líderes - compromisso político, competência, respeito da base, fidelidade com a causa do povo e da organização. Destacam ainda como aspectos importantes: a vivência num coletivo, a mística. Também tematizam sobre a formação da consciência, no que se atém a um rígida concepção materialista, segundo a qual a posição ocupada no processo produtivo determina a consciência do indivíduo. Propõem, então, que só a produção coletiva pode mudar a consciência individualista e personalista do camponês.
Um dos cadernos de formação aponta para a necessidade de resgatar determinados valores sufocados pelo capitalismo e pelo neo-liberalismo, a exemplo da solidariedade, da beleza, da valorização da vida e de símbolos humanitários.
A disciplina é também vista, nos manuais de formação, como uma necessidade prática e objetiva do MST, indispensável à realização da reforma agrária. A disciplina é interpretada sobretudo como respeito às decisões coletivas, sendo a indisciplina vista como traição aos objetivos do movimento.
Um texto de Mao Tsé-Tung, também usado nos cursos de formação de lideranças, destaca as qualidades imprescindíveis ao militante comunista: coragem, crítica e autocrítica permanentes, supremacia dos interesses coletivos aos individuais.
Outro texto analisado tem caráter mais pragmático, tratando da dinâmica das reuniões. Faz críticas ao líder centralizador e valoriza o de feições mais democráticas que sabe dividir o poder, as tarefas, e a responsabilidade com toda a comunidade.
Tendo em vista que o foco principal de análise é o da construção da identidade das lideranças, elegemos como principal matéria de análise os discursos dos líderes entrevistados.
O discurso das lideranças
Algumas dimensões orientaram o trabalho de interpretação do material empírico: a questão da enunciação que é definida como “atitude do locutor diante de seu próprio discurso, como inserção do sujeito no interior de sua própria fala, como tomada de posição do sujeito em relação ao conjunto de representações, do quadro ideológico que o governa e de que ele é o suporte, como o ato de produção do discurso” [fim da página 14] (Robin, 1994: 28).
Outra dimensão destacada é a da polifonia, que se refere às distintas vozes presentes no discurso. Para Ducrot, existe polifonia “quando é possível distinguir em uma enunciação dois tipos de personagem, os enunciadores e os locutores” (apud Maingeuneau, 1989: 76). O locutor seria aquele que, no enunciado, é apresentado como seu responsável, enquanto os enunciadores seriam seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que se lhes possa atribuir palavras precisas (apud Maingeuneau, 1989: 77).
Os discursos aqui analisados foram produzidos em situação de entrevista, quando os líderes foram abordados enquanto representantes do MST, e em locais legitimadores desta posição (secretaria do MST em João Pessoa, assentamentos e acampamentos sob influência do Movimento). As questões colocadas buscavam provocar falas em que se explicitassem as representações dos líderes sobre o lugar que ocupam.
Os discursos dos líderes constituem uma forma de discurso político, sendo aquele que, além de tematizar as relações de poder em seu próprio conteúdo, se constitui externamente em ato político por sua posição mesma na estrutura ideológica do poder, sendo produzido dentro da cena política. Além disso, tem uma base essencialmente polêmica (Aziz, 1989; Robin, 1982).
O contexto no qual se inserem os líderes entrevistados é aquele de um movimento social que vem assumindo a liderança da luta política pela reforma agrária no Brasil, luta esta que é por eles entendida como expressão de luta de classes, e que vem se configurando atualmente como um movimento de massas, sob a direção de quadros políticos recrutados nessas lutas e especialmente treinados para a ela darem continuidade. Trata-se, portanto, de um movimento onde o papel da liderança na condução da luta é especialmente valorizada.
Alguns pressupostos que são explicitados nos textos e cartilhas utilizados durante os cursos de formação de lideranças orientam o discurso dos líderes, especialmente daqueles que formam o núcleo militante: o de que sem direção política o processo de luta pela reforma agrária não caminha; e que é através da prática que se formam os militantes. As pessoas entrevistadas para esta pesquisa formam uma comunidade discursiva, aqui entendida no sentido que Maingeuneau dá ao termo(2) . O núcleo central desta comunidade, que integra os militantes propriamente ditos do MST, é constituída predominantemente por jovens, cuja trajetória de vida passou por experiências junto a práticas sociais da Igreja Católica, ou que foram recrutados em processos de ocupação de terras. São submetidos com certa freqüência a cursos de treinamento. A experiência de vida, a faixa etária e a origem social explicam o entusiasmo com que se dedicam às tarefas do movimento e a vontade de transformar a sociedade. São, em sua maioria, jovens que encontram no MST um espaço para canalizar energias na busca de solução de problemas atuais e de projetos de futuro.
No caso do MST, a comunidade discursiva que vivenciam é também um espaço de sociabilidade atrativo, onde podem exercitar certa autonomia pessoal e responsabilidade política, embora controlados pela organização. O que se [fim da página 15] expressa nas falas, que oscilam entre a explicitação do eu do enunciado e o uso de formas indeterminadas, é a associação a um sujeito coletivo - a organização.
Interpelados a partir deste lugar institucional, as lideranças constróem representações que não só refletem as coerções da organização que representam, mas são também um dos momentos de encenação e de constituição de sentido do que é ser líder. Não há relação de exterioridade entre discurso e realidade, mas todo discurso é construído previamente como experiência social, sendo a relação social desde o início linguagem (Maingeuneau, 1989: 34-35).
No caso em questão, temos um discurso político radical, marcado pela preocupação em divulgar o ideário do movimento e em conquistar aliados potenciais. Trata-se ainda de um discurso que se apóia em determinadas figuras e entidades a partir dos quais busca se legitimar: os trabalhadores, a massa, o povo, a organização, o Brasil.
Na análise dos discursos procuramos discernir como os sujeitos tratavam a questão identitária, construindo categorias a partir do que fosse suscitado nas falas e das questões teóricas que vínhamos pesquisando. Algumas questões foram destacadas pela prevalência que tiveram nos discursos: o que é ser líder; a relação com o outro: organização; bases; outros líderes; antagonistas; imprensa; órgãos governamentais; a diversidade dos cenários de atuação: ocupações, acampamentos, assentamentos; a temporalidade: representações sobre o passado e o futuro.
É preciso destacar ainda que sob a designação genérica de lideranças do MST encontramos uma diversidade de posições, cada uma das quais remetendo a situações distintas e que se revelavam na especificidade dos discursos: a) o núcleo dirigente propriamente dito; b) os dirigentes de associações de assentamentos; c) líderes de acampamentos. Aqui, por razões de espaço, será analisado apenas o discurso do núcleo dirigente, além de termos suprimido as transcrições de falas dos sujeitos entrevistados.
O discurso deste núcleo é orientado por alguns princípios básicos, entre os quais destacamos um sentimento de justiça acerca da luta pela conquista da terra, o objetivo de construir no Brasil uma sociedade mais justa, a importância estratégica da organização - a direção do MST - na construção destes objetivos.
Para um dos entrevistados (1) sua auto-imagem é a de uma pessoa altruísta, desde a infância preocupada em contribuir com as pessoas, para que tenham uma vida digna, para que não passem fome, alguém cujos objetivos pessoais se confundem com os coletivos, que sacrifica a vida familiar para se dedicar aos outros. O lugar de líder é ainda um lugar de dificuldade e de responsabilidade, marcado pela preocupação em não errar para não prejudicar os trabalhadores.
Muitas das falas explicitam um apagamento do sujeito da enunciação (uso das expressões “a gente” e “você”, em lugar do “eu”) evidenciando o desejo de apresentar o lugar do líder como um lugar de apagamento da individualidade e de submissão ao coletivo.
O lugar de líder é visto de forma idealizada, envolvendo algumas qualificações, como a de lugar de responsabilidade, difícil de ser ocupado, lugar no qual não se pode errar, que se define a partir da prática.
Em alguns casos, percebemos um certo desconforto com o desempenho [fim da página 16] do papel de líder, na medida em que a ocupação deste lugar é justificada como decorrência de hábitos arraigados e traços incorporados á cultura popular.
As qualificações utilizadas remetem a uma concepção do lugar do líder como um lugar da verdade (onde não se pode errar) aproximando-o do lugar do mestre. Nesta fala destaca-se o uso do tempo imperativo - “você tem de” - marcando o dever ser que vem impregnado na concepção de líder, demarcando seu lugar como um lugar idealizado. É o que se evidencia também no uso repetido do verbo “precisar”.
O lugar de liderança é, também, um lugar de conflito entre imagens de si e imagens que os outros tem do ocupante deste lugar, exemplificando o jogo de qualificações X desqualificações que se tece em torno das identidades e que o exame da imprensa pode ilustrar.
Identificamos, assim, em jornais e periódicos de circulação nacional, em contraposição à auto-atribuição de responsabilidade feita pelos líderes, sua desqualificação como irresponsável. O jornal O Estado de S. Paulo traz como título de uma notícia o seguinte enunciado; “Saque é cuidadosamente planejado”, apresentando como subtítulo “Os líderes que idealizam a ação nem sempre participam, mas quem vai não pode desistir”(3) . Este tipo de enunciado, típico do discurso jornalístico, onde o enunciador não se explicita na enunciação, mas cuja formulação impessoal tem como efeito de sentido a aparência de objetividade, de testemunho isento dos fatos, insinua a irresponsabilidade das lideranças do MST.
Por outro lado, o enunciado de um líder “a sociedade sempre confiou em líderes, não é? Ela segue o líder” procura impessoalizar o dito, generalizar uma atribuição sobre o comportamento coletivo em relação ao líder, distanciando portanto o enunciador do seu próprio enunciado, colocando em outro lugar a responsabilidade por uma forma determinada de comportamento. Esta formulação, porém, pode também ser associada à auto-reflexividade.
Destaca-se ainda, em uma das falas, o uso da expressão “você” substituindo o “eu” do sujeito da enunciação. Para Brandão (1998), este uso pode indicar um tipo de enunciação em que o sujeito enuncia de outro lugar, buscando uma impessoalidade que tenha como efeito de sentido a objetivação dos fatos. É, aliás, o que parece fazer o mesmo líder entrevistado em outro momento de sua fala, quando usa repetidas vezes a expressão “você”, em substituição ao “eu” da enunciação.
Outra dimensão da identidade do líder: a inserção no meio do povo, o reconhecimento do povo, a confiança do povo. É a referência ao povo que confere legitimidade à tomada da palavra pelo líder. A expressão “você” substituindo o “eu” da enunciação dá como efeito de sentido a generalização desta legitimidade a todo aquele que ocupa o lugar de líder do MST.
Observou-se, ainda, além de características discursivas já apontadas anteriormente, o uso do metadiscurso do locutor indicada pela expressão “quer dizer”, que exprime uma forma de retificação da fala, manifestação de controle sobre o próprio discurso. Ainda o mesmo entrevistado, que estendeu-se bastante sobre o que é ser líder, dá destaque em sua fala a qualificações pessoais - a sinceridade, a coerência - que considera base para o desempenho do papel de [fim da página 17] líder. A preferência pelo pronome “eu” explicita o sujeito da enunciação e marca distância em relação ao outro - o genérico, as pessoas que, passíveis de incorrerem em erro, levariam o líder a assumir uma atitude de punição - “eu intervenho”: aí muda o relacionamento, indicando a ocupação de uma posição de autoridade por parte do enunciador, até certo ponto contraditória com a prática das direções coletivas. É provavelmente expressão da distância real existente entre um líder mais experiente, e outros que estão apenas se iniciando no mister.
Outro trecho da mesma entrevista completa a série de qualificativos atribuído às lideranças - o risco de vida, a clareza em relação a esse fato - integrando uma série de qualificações que definem a identidade das lideranças do MST: responsabilidade, coerência, sensibilidade para expressar os anseios do povo, coragem.
Já em outro enunciado, a tomada da palavra pelo líder é justificada pela função de representação, observando-se o uso de expressões que buscam eliminar a ambigüidade do discurso - “uma pessoa que sempre; muito fiel”; por outro lado a uso do negativo - “ele não vai ter aquele nível de não saber representar o grupo dele” - indica a presença do outro que defenderia posição contrária a do enunciador e que este refuta ao nível do discurso, como forma de manter o controle sobre o sentido. Trata-se aqui da dimensão dialógica que está presente, de forma clara ou implícita, em todo discurso.
O entrevistado 4 exemplifica, com seu discurso, a função de representação, caracterizando-a através da metáfora da cabeça em relação ao corpo.
Ressalte-se aqui esta comparação entre o líder e a metáfora organicista da cabeça, reforçada pela comparação que faz com o partido político e o Estado, e que dá forma a uma concepção de liderança que se enquadra no que seria a suposta tendência popular - a necessidade de ter um chefe, sendo que, neste caso, o enunciador não se distancia em relação ao enunciado, mas o reforça ao se subsumir na generalidade da terceira pessoa.
Esta qualificação de liderança como tendo cabeça boa, como dirigente, se aproxima também da que aparece em uma entrevista com um dos primeiros contatos do MST na Paraíba, que enfatiza a importância do líder que é capacitado, tem boa cabeça, para evitar o controle por mediadores que pertencem a outras instâncias.
Nesta entrevista, as qualificações das lideranças do MST são apresentadas em oposição às da Pastoral da Terra, sendo que o tom imperativo predomina mais uma vez para afirmar o dever ser da liderança do MST. A presença de outro enunciador é sugerida - “porque se deixar solto não anda” - diante do qual o enunciador se distingue e afirma.
A reiteração desta tendência em momentos históricos distintos parece indicar certa impaciência dos setores dominados com o lugar que lhes é atribuído na sociedade brasileira, bem como a lentidão e o descaso com que foram encarados os projetos de reforma agrária brasileira.
O uso de quantificadores é outro recurso utilizado para enfatizar a dissolução do eu da enunciação no coletivo representado ora pela sociedade ora pelo movimento, sendo que a legitimidade das aspirações do líder é justificada com a utilização dos quantificadores “de todo mundo”, “com todos [fim da página 18] da sociedade”, que sendo dito do lugar do dominado, manifesta o desejo de generalização da perspectiva de mudança que o Movimento Sem Terra encarna.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito à representação que o líder faz de sua relação com a organização. Esta relação é semantizada como disponibilidade do líder em relação à organização, e esta como um agente racional que decide em função da necessidade:
Em um dos enunciados a oposição é feita entre a organização - que controla, que dispõe - e a militância - o coletivo de líderes - que tem de estar disponível. Esta afirmação torna mais enfática a disponibilidade do eu da enunciação frente aos desígnios da organização. Esta disponibilidade em relação à organização aparece em outra entrevista sob a seguinte justificativa: como decorrência da necessidade, estabelecida esta pela organização. Ou seja, a disponibilidade é mediada pela hierarquia da organização. Com efeito, nesse enunciado, se explicita a hierarquização do Movimento entre instâncias nacionais e locais. A decisão por determinadas ações é justificada como decorrência da necessidade, omitindo-se a dimensão subjetiva presente em toda escolha.
É perceptível também uma construção da imagem do líder como aquele que está de acordo com os valores da base, embora a formulação negativa do enunciado revele alguma tensão entre líder e base: o uso do advérbio totalmente modaliza certas afirmações revelando as marcas do sujeito, as distâncias entre ele e as bases, e as avaliações que sobre elas produz.
Outro imperativo da identidade do líder aparece na formulação - “a gente sempre tem que ...” , diante do que o enunciador se coloca - “eu acho” - manifestando sua adesão ao enunciado.
O movimento e a atuação dos líderes são semantizados também com a nomeação dos resultados do movimento; a capacidade do Movimento de transformar marginalizados em cidadãos é modalizada de forma enfática com a expressão “coisa que é perfeita mesmo”. Num dos enunciados, oposições são estabelecidas entre o não-cidadão - “o que não tem futuro”, e o cidadão - “que vai ser dirigente, líder de comunidade ou político e que senta à mesa com autoridades”.
Os constrangimentos que são associados ao lugar de líder aparecem no discurso com a utilização da forma imperativa (“ele tem que”) com que são enumeradas as qualidades dos líderes do MST, entre as quais se destaca “a submissão à normas” e “a disponibilidade diante da organização”. O lugar de líder portanto é semantizado como um lugar de sujeição.
Observamos, numa das entrevistas, a presença do advérbio “totalmente” que modaliza ao exagero a qualidade de submissão do líder à organização. H. Robin entende o conceito de modalização como “a marca que o sujeito não cessa de dar a seu enunciado, isto é, como a adesão que o sujeito pode dar a seu discurso” (1994: 28). O mesmo enunciado apresenta também uma minimização das dificuldades em alcançar as idealizações projetadas, entre as quais se inclui a atribuição de lugar da verdade, lugar de mestre: “não pode errar”.
As dificuldades a serem enfrentadas por um líder do Movimento ganham destaque no discurso produzido pelas entrevistas. O entrevistado 3, por exemplo, tematiza essas dificuldades ao referir-se a sua vinda para a Paraíba. Predomina na fala deste líder o tom imperativo, ao tematizar seu papel como mediador entre bases e Movimento. O uso do imperativo parece indicar as [fim da página 19] dificuldades em alcançar as idealizações projetadas, “o dever ser” que preside a atuação dos líderes, bem como as de ampliação do Movimento no local para o qual foi designado.
O trabalho identitário se processa também com a afirmação de oposições entre as lideranças do MST e outros tipos de lideranças, o que se refere tanto ao estilo quanto aos métodos utilizados. Nas falas analisadas ressalta-se o caráter coletivo da direção do MST, em contraposição ao “presidencialismo” próprio de outras entidades, do campo mesmo da esquerda. A negação utilizada é uma forma discursiva que dá ênfase à qualidade atribuída ao enunciador e ao coletivo que ele representa. Além disso, a expressão presidencialismo evoca lugar de poder oficial, lugar de governo, o que contribui para destacar a forma de direção colegiada defendida pelo enunciador. As palavras escolhidas pelo enunciador pretendem excluir toda tensão e ambigüidade em relação às qualidades atribuídas à organização de que faz parte: “o método nosso, que na verdade tá certo”.
Um termo recorrente nas falas é o de necessidade, que também procura retirar toda ambigüidade das ações desenvolvidas pelo Movimento. É também uma forma de eximir o enunciador de sua responsabilidade na ação - ações necessárias, que decorrem da natureza das coisas e que eximem, de certa forma, o sujeito da responsabilidade por suas próprias ações. Elas teriam que acontecer.
O uso de citações é um dos recursos apontados por Maingueneau como expressão da polifonia do discurso. Para ele, a citação pode ser interpretada ora como recurso à autoridade, já que o locutor não acreditando muito em sua verdade, recorre a outro, ora uma maneira hábil de dizer o que se pensa sem responsabilizar-se por isso. Porém se se leva em conta o grau de adesão do locutor à citação, é possível discernir uma nuance de significados nas escolhas realizadas pelo locutor. O entrevistado 3 usa a citação como forma de conferir autoridade às concepções que defende. Estimulado a refletir sobre seu papel como líder do MST, a resposta é dada com a citação de líderes expressivos da esquerda, e com a enumeração de suas características, qualificativos que reforçam aspectos anteriormente citados - liderança se adquire com o seu trabalho, no ter aceitação de sua base, do seu reduto de trabalho. Em outro momento desta entrevista, aparece novamente a atribuição de que o povo por sua formação cultural precisa de líderes. Nesta fala também se colocam algumas contraposições entre o líder do MST e outras formas de lideranças históricas (o cacique, o messias). O que distingue o líder do MST é ter clareza sobre o futuro e sobre as relações entre base e liderança.
Outro dos entrevistados apresenta um discurso marcado por expressões que evidenciam uma forte adesão do enunciador ao seu enunciado, a exemplo de “na verdade, isto é certo”. Está também presente neste discurso a inscrição do MST na história dos movimentos rurais, apresentando-se como continuidade de outras lutas pela terra, o que constitui uma forma de lhe conferir legitimidade.
Os discursos do núcleo dirigente do MST na Paraíba configuram identidades em elaboração, fortemente marcadas pelo discurso institucional do movimento, e pelas tarefas políticas a que este se propõe. Apresentam ainda as marcas da ambigüidade entre assumir-se como sujeito, direção política, e o papel de representação referido e submetido por um lado à organização e por [fim da página 20] outro ao povo, às bases.
É também marcado pela preocupação com uma determinada imagem pública, considerada pelo movimento como fator importante nas lutas que estão se processando. Conhecendo a importância da imagem na era midiática, sabem que o jogo político passa necessariamente por esta construção identitária.
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O objetivo deste trabalho é estudar a identidade de lideranças populares, tema considerado ainda pouco explorado na produção sociológica acadêmica. Toma como referência empírica o Movimento Sem Terra no Estado da Paraíba, e, elegendo como matéria-prima o discurso de suas lideranças, explora a complexidade e ambigüidades envolvidas na construção de suas identidades. Algumas dimensões são destacadas devido à relevância que assumem nesta construção: a articulação com a identidade coletiva do Movimento, a inscrição no tempo e o espaço de lutas, o diálogo com os oponentes e aliados. O trabalho acentua a dimensão processual das identidades, que se exprime na diversidade de modelos identitários existentes, que variam de acordo com o status da liderança no Movimento, as redes sociais envolvidas, e o grau de envolvimento de liderança. Destaca também a importância e natureza dos processos formação de liderança orientados pelo Movimento e que constituem um meio de manter controle o sentido atribuído ao papel de líder, em oposição à diversidade de sua base social e os processos de desqualificação operando na esfera pública. Além disso, o trabalho acentua algumas ambigüidades nas práticas do Movimento, especialmente relativo a cidadania e democracia. O Movimento Sem Terra tem um importante papel na ampliação da cidadania no Brasil, mas certos elementos presentes na construção de identidade de suas lideranças podem ser associados a uma cultura política autoritária.
The objective of this work is to study the identity of popular leaderships, theme considered still little explored in the sociological academic production. The work considers as empirical reference the Landless Movement in the state of Paraíba, Brazil, and electing its leaderships discourse as raw material, explores the complexity and ambiguities of the construction of its identity. Some dimensions are highlighted because of the relevance they assume in this construction: the articulation with the colective identity of the Movement, the inscription in the time and the space of struggles, the dialogue with opponents and allies. The work underlines the processual dimension of the identities represented by the diversity of existing identity models, which vary according to the status of leadership in the Movement, the social networks involved, and the degree of leadership involvement. It points out the importance and nature of the processes of leadership building lead by the Movement as a way to keep control over the meaning attributed to this leadership role, as opposed to the diversity of its social basis and the processes of disqualification operating in the public space. Furthermore, the work stresses some ambiguities in the Movement's practices, specially regarding citizenship and democracy. The Landless Movement has an important rule in amplifying citizenship in Brazil, but certain elements present in the identity constitution of its leaderships are associated with an authoritarian political culture.
Notas
1) Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa).
E-Mail: terezaq@zaz.com.br
2) Maingueneau entende comunidade discursiva como “o grupo ou a organização de grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os textos que dependem da formação discursiva” (1989: 56).
3) O Estado de São Paulo, 1/ jun./ 1998.
AS LIDERANÇAS DO MOVIMENTO SEM TERRA NA PARAÍBA:
AMBIGÜIDADES E APROXIMAÇÕES IDENTITÁRIAS
PALAVRAS-CHAVE: identidade; lideranças populares; Movimento Sem Terra; discurso.
THE LEADERSHIPS OF THE LANDLESS MOVEMENT IN PARAÍBA, BRAZIL:
AMBIGUITIES AND IDENTITY APPROXIMATIONS
Keywords: identity; popular leaderships; Landless Movement; discourse.