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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 151-170


O RURAL E O URBANO:
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E IMPLICAÇÕES
NO UNIVERSO DOS GRUPOS DE COCO-DE-RODA

Henrique J. P. Sampaio (1)

 



Considerações teóricas sobre o limite do rural e do urbano

A cidade e seus respectivos fenômenos sociológicos foram alvo de preocupações de pensadores de primeira categoria como Georg Simmel, Karl Marx, Friedrich Engels e Max Weber, que tiveram forte influência na sociologia. Como o pensamento de Simmel foi, de certa forma, incorporado por Weber, trataremos a seguir de uma breve comparação entre Marx / Engels e Weber na abordagem deste tema.  

Tanto para Weber quanto para Marx a cidade aparece como sendo o lugar do mercado. Entretanto, Weber, em seu ensaio “Conceito e categorias de cidades” (Velho, 1979), ao estudar a gênese das cidades, coloca que a principal característica delas foi chegar a um nível muito elevado de autonomia pela constituição de um mercado (de bens, de capitais e de mão-de-obra), de um exército, de tribunais, etc. Nesse sentido, as cidades foram pré-condições para o surgimento do capitalismo, embora esse sistema intensificasse, em um momento diferenciado do tempo e do espaço, o seu crescimento (Oliven, 1982: 15). A base da argumentação de Weber está centrada em dois fatores: primeiro, em um estudo histórico da formação do capitalismo ocidental constituído de forma completamente diversa e nunca antes encontrado em parte alguma do mundo, pois estava fundado numa organização racional assentada no trabalho livre; segundo, num racionalismo específico racionalismo esse “determinado pela capacidade e disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta racional” (Weber, 1992: 11) que teve como base uma ética protestante, a qual valorizou o trabalho e criou as condições sociais necessárias para a formação e expansão da mentalidade econômica. Esta forma de abordagem que enfatiza a mentalidade e ação racionais dos indivíduos é eminentemente culturalista.  

Marx, embora tendo utilizado também um método de estudo de cunho histórico, chegou a conclusões bem diferentes. A sua ênfase repousa no surgimento da propriedade privada e na divisão social do trabalho. A ampliação das relações comerciais, a separação dos produtores dos bens de produção e a subseqüente mercantilização das relações, das pessoas e das coisas refletem um predomínio do econômico e do político nas “relações entre pessoas, grupos e classes sociais” (Ianni, 1984: 07). Toda a argumentação de Marx está fundada nas relações concretas que os homens mantêm entre si para a produção da vida material. Embora nessa abordagem estejam englobados valores, idéias e concepções de vida, tais elementos são determinados pela produção material. Portanto, há duas formas totalmente diferentes de explicar o mesmo processo, o capitalismo. Enquanto para Weber o fundamental é um determinado espírito [fim da página 151] capitalista formado em condições históricas específicas, para Marx as relações de produção formadas no curso da história ocidental é que são essenciais para a compreensão e transformação desse sistema. 

No processo histórico do Ocidente a cidade, segundo Marx, proporcionou a liberação do trabalhador dos vínculos jurídicos do feudalismo e a aparente liberdade que passou a vigorar na cidade, aliada ao parcelamento do trabalho, constituíram a base da alienação do homem. A necessidade de administração da cidade faz surgir, pela primeira vez na história, a divisão em duas grandes classes, produto da divisão do trabalho e do domínio sobre os bens de produção. (Marx & Engels, 1996: 78). 

Não obstante a diferença teorico-metodológica dos dois pensadores, podemos apreender que em relação à cidade há uma concordância no sentido delas serem o lugar de fenômenos sociais característicos. A diferença está em que, para Weber, a ênfase recai sobre a autonomia da cidade, pelos aspectos que mais a caracterizam, como a fortaleza, o mercado, o caráter de associação e, para Marx, esses fatores somados à forma produtiva que nela se desenvolve fazem surgir e crescer a divisão social do trabalho e dão origem à formação de classes antagônicas como resultado dessa nova base social, assentada nesse novo modelo de produção. A cidade com as características aqui apresentadas representa a consagração de um “modelo” social exclusivo ao Ocidente, pois que, segundo Weber, cidades existiram em diferentes épocas e em diferentes lugares, mas só no Ocidente elas alcançaram esse estado de racionalização tão associado ao ethos capitalista ocidental (Weber, 1992: passim). Do mesmo modo, para Marx, o processo histórico que inicia o capitalismo somente pode ser visto no Ocidente. 

O argumento de Weber sobre a autonomia das cidades, bem como o de Simmel sobre o caráter blasé existente no meio urbano, somados às idéias de Durkheim sobre a excessiva divisão do trabalho que levava à anomia social influenciaram bastante a sociologia americana. Esta sociologia, que teve na Escola de Chicago a sua principal manifestação e entre os seus expoentes mais importantes Robert Ezra Park e Louis Wirth, encarou a cidade como sendo o locus de fenômenos sociais dela exclusivos, independente de quaisquer influências externas, desembocando numa teoria fundada apenas numa análise conjuntural.  

Para Oliven (1982: 24), a teoria de Wirth associa-se à teoria de continuum folk-urbano, desenvolvida pelo antropólogo americano Robert Redfield e se encaixaria no modelo das teorias de contraste, tais como as de Durkheim (solidariedade mecânica x orgânica) e de Weber (tradicional x racional). A principal crítica dirigida a esta teoria diz respeito ao próprio modo idealista que ela caracterizou a sociedade folk nas palavras de Redfield (apud Oliven, 1982: 24) “pequena, isolada, analfabeta e homogênea” e a sociedade urbana - heterogênea, complexa e com especialização exacerbada, tendendo assim para a patologia social. Entre esses dois extremos existiria um grande número de gradações com traços mais acentuados de um ou de outro conforme a proximidade dos pólos. De fato, ela não resistiu às críticas de Lewis em estudo desenvolvido na mesma região que a originou, provando que a urbanização não se processa de uma única forma, porque responde às condições históricas, [fim da página 152] sociais e culturais em que está inserida (1982:27).  

No outro lado da questão, o da pesquisa rural americana, Maria Isaura Pereira de Queiroz (1978: 51) apontou que ela também não fugiu muito ao modelo em questão, ou seja, incorreu no mesmo erro de se ater a uma análise a-histórica e concebida de forma tão independente que a sociedade rural poderia ser pinçada e apreendida em si mesma. Quer dizer, não há um entendimento de que o conjunto das partes de uma sociedade é um importante elemento influenciador desta. 

Uma outra teoria, a da modernização, muito popular entre os cientistas sociais americanos, pode ser enquadrada entre as teorias de contraste ou dualistas. Esta teoria está voltada para a análise da mudança social, seja no âmbito da sociedade, seja na do indivíduo, a partir de uma ênfase em fatores culturais e psicossociais. Dizendo de uma outra forma, a mudança no comportamento econômico e social seria decorrente desses fatores culturais e psicossociais. O ponto chave dessa teoria está na forma como é operada a oposição entre os seus dois conceitos básicos: tradicional x moderno. Eles estariam dispostos em dois extremos de um continuum (Oliven, 1982: 32). As sociedades, os indivíduos e os comportamentos de pessoas, grupos e classes seriam caracterizados de uma forma ou de outra, dependendo da aproximação de um dos dois pólos. Dessa forma, uma sociedade seria atrasada ou adiantada a depender do grau de modernização ou tradicionalismo das atitudes, valores e comportamentos dos membros dessa sociedade. Para ficar mais claro o que isso significa, tomemos como exemplo o conceito de moderno nessa acepção. O moderno, para os teóricos da modernização, caracterizado ao nível da sociedade, baseia-se nos pressupostos da urbanização, de elevados níveis educacionais, da industrialização, da mecanização extensiva, etc. (Smith & Inkeles, apud Oliven, 1982: 31). Ao nível do indivíduo, baseia-se na existência de um conjunto de atitudes e valores, modos de sentir e agir requeridos pela sociedade moderna. Por dedução, o tradicional, seja ao nível da sociedade ou do indivíduo, representa exatamente o oposto. Com relação a essa teoria, Maria Isaura Pereira de Queiroz assim se posicionou:

“(...) a perspectiva adotada foi em geral a de considerar que se tratava de duas sociedades bastante díspares, que podiam se interinfluenciar, porém que constituíam duas ‘coisas’ de essência diversa, que não se misturavam. Ou então, quando se misturavam, os elementos citadinos constituíam ‘inovações’ no meio rural. Tinham-se sempre em mente o ‘atraso’ da sociedade rural em relação à sociedade urbana, e este atraso era interpretado como um indicador seguro da diferença essencial existente entre ambas.” (1978: 265)

Tal abordagem permite que se comparem, nesses termos, o meio rural e o meio urbano, regiões, países e continentes. Para tanto basta eleger os modelos típicos ideais dos dois extremos. Em geral, o parâmetro de sociedade moderna utilizada é a sociedade americana, considerada como o ponto máximo do continuum. É curioso notar os pontos de contato e de distanciamento dessa teoria com a desenvolvida pelos estudiosos da Escola de Chicago. Ambas as teorias estão preocupadas com a explicação das mudanças sociais e com o [fim da página 153] surgimento de novos comportamentos sociais nas sociedades urbano-industriais, porém partem de problemas diferentes e chegam a conclusões também diferentes. Os estudiosos desta Escola dedicaram-se a explicar o comportamento desviante nas grandes cidades industrializadas e chegam à conclusão de que esse modelo de desenvolvimento levaria a um enfraquecimento das relações entre os indivíduos, com um predomínio de relações impessoais, promovendo um estado de anomia social. Já os teóricos da modernização, dedicando-se a uma explicação do desenvolvimento econômico-social, apresentam um ponto de vista extremamente otimista com relação ao avanço da sociedade urbano-industrial. Tal otimismo se dá pela forma positiva com que é encarada uma tendência sistêmica de homogeneização que trataria de igualar pessoas, grupos, classes e sociedades. Desta forma, Maria Isaura Pereira de Queiroz disse que:

“tanto a urbanização do meio rural, quanto os processos de colonização e de desenvolvimento, formariam um conjunto orientado para a homogenização (sic) cada vez maior de todas as sociedades humanas ocidentais, convergindo para uma forma social semelhante. Na base dessa forma social semelhante, e como fator determinante, estariam o avanço tecnológico cada vez maior, associado a relações de produção que tenderiam a ser idênticas em todos os países capitalistas.” (1978: 266)

Esta teoria, segundo Oliven (1982:30-38), não passa de uma ideologia para justificar o estado de desenvolvimento dos países com hegemonia política e econômica. Aproxima-se muito das teorias raciais do século passado, carregadas de etnocentrismo. Ela apenas higienizou um pouco o seu vocabulário, trocando termos como civilização por modernidade, barbárie por tradição (Tipps apud Oliven, 1982: 36). Além desse etnocentrismo, as críticas desse autor podem ser resumidas da seguinte forma: a de ser um modelo a-histórico, mecanicista e linear de mudança social com forte viés evolucionista; a de ignorar que as sociedades estiveram em contato de forma desigual nos últimos séculos, como é o caso das relações entre as metrópoles e suas colônias, e que isso condicionou o estado de desenvolvimento dessas mesmas sociedades e sua posição no confronto de forças no mundo atual; a de ser uma deturpação da abordagem clássica de Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo que, levada ao extremo do universalismo, caiu no que o autor chamou de “determinismo cultural” e, ironicamente, refutou um dos princípios básicos do seu pensamento - o relativismo; a de ignorar que comportamentos, instituições e valores que normalmente são considerados tradicionais, longe de constituir disfunções, estão completamente ajustados à dinâmica das sociedades industriais. 

A partir do conceito de sociedade global desenvolvido por Maria Isaura Pereira de Queiroz (1978), Oliven postula uma superação da dicotomia rural / urbano. Nessa abordagem, há três sociedades - a tribal, a agrária e a urbana - que podem coexistir no tempo e no espaço, havendo, entretanto, no caso brasileiro, a prerrogativa da sociedade urbana sobre as demais. (Queiroz, 1978: 46-51).Essa abordagem não elimina a existência do meio rural, nem mesmo em regiões como o continente europeu, onde há apenas a sociedade urbana. Essa [fim da página 154] perspectiva propõe que o campo, na sociedade urbana, está integrado ao seu sistema numa relação de dominação-subordinação. Tal relação coloca o campo e a cidade em posições recíprocas diferentes, de acordo com o lugar onde esteja centralizada a produção, seja no campo ou na cidade (1978: 268). 

É essa a concepção de sociedade global que Oliven compartilha com Maria Isaura Pereira de Queiroz. Uma abordagem que propõe uma análise histórica e articulada entre o particular e o geral, ou seja, a cidade deve ser analisada numa relação recíproca com uma sociedade mais ampla. Desta forma, a superação das dicotomias rural/ urbano e tradicional/ moderno, referidas anteriormente, apresentou-se como uma necessidade para fugir dos perigos do etnocentrismo, do preconceito e, mais ainda, da ideologia que justifica a dominação das sociedades hegemônicas. 

Embora essa abordagem seja muito instigante, ela também não consegue enquadrar no seu corpo teórico as relações tradicionais. No máximo consegue enxergar bolsões de resistência nos lugares mais distantes. Maria Isaura até fez referências à existência de culturas tradicionais encravadas nas camadas mais baixas da sociedade (1978: 306), pequenos agricultores e pecuaristas principalmente, porém não há uma reflexão dessas relações tradicionais articuladas, seja por oposição, seja por complementaridade com a sociedade urbana da qual ela trata. Tampouco sua argumentação comporta relações tradicionais no âmbito urbano e em setores modernos de nossa economia, como Martins nos faz ver no trecho a seguir:

“Nessa dinâmica (de um novo como desdobramento de um velho), é que pode ser encontrada a explicação para o fato de que são os setores modernos e de ponta, na economia e na sociedade, que recriam ou, mesmo, criam, relações sociais arcaicas ou atrasadas, como a peonagem, a escravidão por dívida, nos anos recentes.” (1994:30)

Oliven (1982), por seu lado, tenta enquadrar esse ponto de vista chamando a atenção para o fato de que, em determinadas ocasiões, “comportamentos que parecem ser ‘tradicionais’ são em verdade altamente racionais dadas as circunstâncias” (1982: 38). Embora haja comportamentos conforme o indicado e que se ajustam à sociedade urbano-industrial, há de fato comportamentos que, ajustados ou não à sua lógica, continuam sendo tradicionais porque não seguem a lógica racional da industrialização nem foram produzidos por ela. Este é um exemplo de contradição existente na nossa sociedade que, freqüentemente, é reforçado pelo sistema que atualmente é dominante. O autor contrapõe-se totalmente a considerar a tradição fora dos quadros aqui mencionados. Recusa-se, inclusive, a aceitar aquela proposição de Weber de distinguir o tradicional do racional, pelo recurso da ação tradicional - cuja realização se deve a um costume ou a um hábito enraizado - ou pelo recurso da ação afetiva - motivada pelos sentimentos do agente pelo(s) seu(s) interlocutor(es), contrapostas a uma ação racional com relação a fins - atitudes cujo planejamento é orientado pelos resultados a serem alcançados (1995: 417). Deste modo, perguntamos então, como enquadraríamos o estudo da cultura caipira realizado por Antonio Candido em Os parceiros do Rio Bonito (1964)? Faria parte dos estudos ligados às teorias de contraste ou dualistas tão criticados por este posicionamento teórico? Na realidade, não é [fim da página 155] esse o caso. Trata-se, no nosso entendimento, de uma lacuna no pensamento desses dois autores - Maria Isaura Pereira de Queiroz e George Oliven. 

A dificuldade em encaixar a tradição no quadro teórico decorre, ao nosso ver, de que ela estaria, na visão desses autores, ligada ao universo da permanência, obstaculizando a percepção da mudança social. Pensamos, ao contrário, que a tradição deve ser entendida como um núcleo estruturado que vai sendo preenchido pelos indivíduos de acordo com as condições impostas pelo seu desenvolvimento. Dessa forma, a tradição se liga a uma identidade de uma comunidade, ou seja, à sua própria cultura. Nesse sentido, acreditamos que, sem recorrer ao esquema do continuum folk-urbano ou da teoria dualista, não devemos esquecer do conceito de “tradição” somente porque foi associado a uma teoria desacreditada. Devemos, ao contrário, enquadrá-lo no referencial teórico em questão até mesmo porque, como ficou muito bem demonstrado no estudo de Candido, não é uma coisa incompatível com uma análise histórica e com os demais elementos constituintes dessa abordagem. 

Thompson (1998), procurando conceituar a “cultura plebéia” ou “tradicional”, demonstrou uma preocupação com o fato do termo “tradição” estar ligado à permanência e propôs apenas uma substituição, sem contudo, alterar o significado dele. Afirmou ele:

“Longe de exibir a permanência sugerida pela palavra ‘tradição’, o costume era um campo para a mudança e a disputa, uma arena na qual interesses opostos apresentavam reivindicações conflitantes.” (1998: 16-17)

Concordo com essa preocupação, mas não vejo a necessidade, no contexto brasileiro, de buscar uma outra palavra para designar o conceito de tradição, uma vez que essa palavra já está consagrada na literatura científica brasileira. Outro aspecto relevante acentuado por Thompson é a dissociação existente entre a cultura da plebe e das classes hegemônicas, a distinção entre o modo de vida rural, onde os costumes são mais arraigados e o modo de vida da gentry(2)  ou dos nobres, ligados aos rituais da nobreza e próximo daquilo que Maria Isaura Pereira de Queiroz chamou de “estilo de vida citadino burguês” (1978: 57). Como vemos, a distinção entre campo e cidade, nessa ótica, passa obrigatoriamente pela oposição e pelos conflitos existentes entre as classes. Levar em consideração essa contraposição, atualmente, torna-se cada vez mais importante, na medida em que o desenvolvimento urbano-industrial vai rompendo barreiras regionais e nacionais, aprimorando os processos técnicos e incrementando o fluxo de circulação do capital com tal magnitude que o mundo, já globalizado, torna-se a cada dia um pouco menor. Em virtude desse processo, a sociedade global brasileira caminha, por um lado, para uma homogeneização dos padrões de consumo e, por outro, vai acentuando cada vez mais as diferenças sociais, na medida em que surgem novos sujeitos históricos - movimentos indígenas, negros, de mulheres, etc. A explicação disso, para Oliven, reside no fato de que existe um duplo processo que é, ao mesmo tempo, simultâneo e [fim da página 156] complementar, ou seja, a mesma intensificação da acumulação capitalista que homogeneiza as classes situadas em áreas de pressão econômica mais forte, promove uma heterogeneização dos indivíduos de uma forma desigual e assimétrica (1982: 74). 

Este processo tornou-se mais evidente com a consolidação e o incremento da industrialização ocorrida no final da década de 1950 e início da de 1960, promovendo uma inversão tanto nos locais de residência da população brasileira quanto na ocupação desta, passando da agricultura à indústria e ao comércio (Santos, 1993: 29). Esta mudança do campo para a cidade, do setor primário para o setor secundário e terciário da economia é o móbil da inversão citada por Maria Isaura Pereira de Queiroz da equação rural / urbano no que se refere à dominação. O que Oliven acentua, por um lado, é que a migração do campo para a cidade, impulsionada pelo desenvolvimento industrial aliada às melhores condições sanitárias, promove o crescimento populacional urbano que é mais marcante nas classes subalternas ao mesmo tempo que relega a estas uma menor participação nos benefícios sociais, econômicos e políticos proporcionados por esse desenvolvimento. Desse modo, as diferenças culturais se acentuarão na proporção inversa às desigualdades econômicas (1982: 79). Por outro lado, paralelo a esse processo, ocorre que a população migrante, composta fundamentalmente pelos desafortunados, anexada aos aglomerados urbanos, fica mais sujeita às influências ideológicas e, por isso, é pressionada a se ajustar aos novos padrões de consumo que a faz tender à uma homogeneização pela padronização dos comportamentos individuais (1982: 76). 

O primeiro processo, da heterogeneização, é exemplificado com o estudo de Antonio Candido (Os parceiros do rio bonito) quando ele se refere à incorporação da população rural pela cidade. Nesse processo, Candido demonstrou que há uma mudança de comportamento no sentido de substituir os antigos pelos novos enfatizando três reações adaptativas: 1) aceitação dos traços impostos e propostos; 2) aceitação apenas dos traços impostos; 3) rejeição de ambos (Oliven, 1982: 79; cf. também Candido, 1964: 133, 174, 175). Oliven enfatizou a necessidade de se considerar a defasagem como um processo heterogeneizador da homogeneização. O segundo processo da homogeneização é ilustrado com as observações de Maria Isaura Pereira de Queiroz quando de sua análise do processo histórico de formação das cidades brasileiras no ensaio “Do rural e do urbano no Brasil”. Segundo essa autora, a moda e todo o comportamento refinado adotado nas principais cidades, da época colonial até o século XIX, foram importados da Europa, provando que o gênero de vida pode se difundir fora do ambiente e das condições materiais que o geravam (Oliven, 1982: 80; cf. também Queiroz, 1978: 57, 296-306). Do encontro desses dois processos, Oliven concluiu:

“Existe assim uma constante dialética entre heterogeneidade e homogeneidade em sociedades capitalistas. Quanto mais elas padronizam comportamentos, orientações e opções, mais elas tendem a enfatizar uma individualidade e um raio de escolhas que em verdade podem ser bastante limitados; quanto mais estas sociedades se diferenciam internamente, aumentando distâncias sociais, tanto mais elas tendem a difundir a ideologia de que todos são iguais, criando [fim da página 157] freqüentemente o que foi chamado de ‘o padrão da igualdade manifesta e da desigualdade sutil’.” (1982: 82)

Entretanto, mesmo concordando com esse ponto de vista, devo ressalvar que entender a mudança social na cultura caipira demonstrada por Candido como uma defasagem significa dar ênfase à homogeneização, decretar a morte da cultura tradicional, ou seja, significa escrever uma história previamente como se a história não fosse feita pelos próprios homens nas condições materiais em que eles estão inseridos, conforme Marx expôs. Ademais, a homogeneização, enquanto tendência, não é um fenômeno pronto e acabado, pelo contrário, está submetida à dinâmica social e, dessa maneira, no conflito de classes e culturas sujeita-se aos avanços e recuos conforme o próprio deslocamento e desenvolvimento irregular do capital. Portanto, a resistência empreendida pelos indivíduos, grupos e classes que não compartilham dos valores culturais hegemônicos não pode ser caracterizada apenas como um elemento fortuito de permanência, mas como resultado de uma luta diária para a manutenção dos seus costumes. Esta luta ganha em significado e importância quando os indivíduos portadores dessa cultura tradicional adquirem a consciência do que as inovações têm representado na prática para eles. A esse respeito, expôs Thompson:

“A inovação é mais evidente na camada superior da sociedade, mas como ela não é um processo tecnológico/social neutro e sem normas (‘modernização’, ‘racionalização’), mas sim a inovação do processo capitalista, é quase sempre experimentada pela plebe como uma exploração, a expropriação de direitos de uso costumeiros, ou a destruição violenta de padrões valorizados de trabalho e lazer.” (1998: 19)

O ambiente urbano como símbolo e locus destas inovações promove a desagregação da cultura tradicional, contudo, sem conseguir fechar totalmente o leque de opções a ponto de determinar o seu fim. Oliven apontou uma necessidade dos indivíduos das classes subalternas gerarem um “duplo mecanismo de sobrevivência”(3)  que, no meu entendimento, cria condições para um estado de latência da cultura tradicional no meio urbano. Tal mecanismo é que permite aos indivíduos, grupos ou classes recriarem juntos ou separadamente nesse meio a cultura tradicional. Esse pensamento fica revigorado quando lembramos do processo de “ruralização das cidades” referido por Milton Santos em que numerosas correntes migratórias fez invadir as práticas rurais no meio urbano. Nas palavras desse autor:

“(...) o grande número de pobres urbanos cria o caldo de cultura para que nas cidades, sobretudo nas grandes cidades, vicejem formas econômicas menos modernas, dotadas de menor dinamismo e com menor peso na contabilidade estatística do crescimento econômico.” (1993: 55)  

“(...) o fato de que os pobres venham para a cidade e abandonem o campo modernizado, leva a que no urbano se recriem condições [fim da página 158] para a utilização do velho econômico.” (1993: 56)

Embora, como já frisamos antes, não se possa afirmar que a cultura tradicional esteja com seus dias contados, inclusive pelas possibilidades intermitentes que surgem para o seu “renascimento”, também não podemos fechar os olhos, num otimismo glorioso, diante desse processo de desterro das populações rurais, acreditando que não haja conseqüências danosas para elas. Num sistema capitalista como o nosso, profundamente predador, em que o moderno com suas máquinas e técnicas renovadas invade o campo, repelindo os pobres (1993: 10); em que as populações migrantes, no seu percurso do campo para a cidade, deixam atrás de si todas as referências de suas vidas para habitarem favelas em condições, muitas vezes, piores do que as de antes; em que os valores tradicionais e as pessoas são transformados em mercadorias para serem vendidos no mercado de bens de consumo ou de trabalho; não podemos pensar senão no que Ecléa Bosi chama de “desenraizamento” (Bosi, E., 1992: 17-24). São múltiplas as causas do desenraizamento e diversos os grupos e pessoas que sofrem as suas conseqüências. Podemos citar entre as principais o racionalismo e a automação existentes, principalmente, na sociedade urbana. A primeira, provoca um choque nos “estrangeiros” pela imposição de novos padrões de referência de mundo que os obriga a compreender e a respeitar. Assim, ocorre a exigência do conhecimento da leitura para permitir os deslocamentos e o acesso aos serviços da cidade, o conhecimento mínimo de sua geografia para saber se localizar, etc.. A segunda, aliena o trabalhador nas fábricas, seja pela total ignorância a respeito do destino do produto do seu trabalho, seja pelo serviço parcelado e pelo ritmo frenético das máquinas que somente mãos ágeis podem acompanhar. Aliás, um automatismo tão exacerbado que invade todos os lares através dos eletrodomésticos e que domina inclusive o lazer. Desse modo, a única coisa que resta nessa situação para os migrantes é como afirmou Ecléa Bosi: “Não buscar o que se perdeu: as raízes já foram arrancadas, mas procurar o que pode renascer nessa terra de erosão” (1992: 17). 

A solução proposta para essa problemática não é um retorno ao campo, à antiga sociedade e cultura tradicional, pois eles mesmo, transformados que foram, já não existem na forma que essas pessoas deixaram. Trata-se de buscar formas de enraizamento ou re-enraizamento numa reelaboração dos elementos dispostos na sociedade: o culto, a música, a educação baseada na liberdade e gratuidade do conhecimento e as demais coisas que conduzam as pessoas ao encontro (Bosi, E., 1992: 37-41). Portanto, a reinterpretação e a reelaboração traduzidas em práticas populares é o que garante a recuperação da humanidade do migrante e é ao mesmo tempo a materialidade da resistência. 

Implicações teóricas no universo da pesquisa:
os casos do Guruji e de Jacumã no município do Conde
 

A minha pesquisa está centrada em duas comunidades de agricultores e pescadores dos distritos de Guruji e Jacumã, pertencentes ao município do Conde, distante sete quilômetros de João Pessoa, capital da Paraíba. Ela investiga, a partir de dois grupos localizados em cada comunidade, as mudanças e adaptações de uma manifestação cultural popular, o coco-de-roda ou simplesmente coco - designação dos próprios manifestantes -, muito freqüente [fim da página 159] no litoral nordestino. 

A proximidade das duas comunidades da cidade de João Pessoa por mim observadas e o avanço da urbanização sobre elas chamaram-me a atenção para os impactos sociais que a modernização tem provocado e aqueles que estão por acontecer. Tal situação tem me feito refletir sobre a dualidade que aqui apresento e que pude, antes mesmo das leituras, perceber.  

O contexto que encontrei e que já vinha acompanhando desde 1993 de forma incerta chamou minha atenção para as transformações por que passavam os distritos em questão. O distrito de Jacumã, distando quinze quilômetros ao Sul da cidade do Conde, está situado à beira mar, em um local privilegiado pelas belezas naturais. Ele é o ponto turístico, sem sombra de dúvidas, mais importante do município ao qual pertence e um dos mais importantes do Estado. Além disso, fica próximo de outras praias, como Tabatinga e Coqueirinho, muito procuradas pelas pessoas residentes nas cidades próximas nos fins de semana e, mais ainda, no verão. Atualmente, uma estrada nova está sendo construída, ligando as praias de João Pessoa às do Conde, de tal forma que o distrito vai se tornar também um ponto de passagem obrigatório para muitas praias ao Sul, ainda pouco exploradas pelo turismo, e para a praia mais conhecida do Estado, Tambaba - única praia oficial de nudismo do Nordeste. Ele recebe uma quantidade elevada de pessoas que faz de Jacumã o seu principal ponto de lazer nos finais de semana. A população do distrito não é muito grande, embora não tenha dados estatísticos ainda que me permitam precisá-la, mas para o momento, basta dizer que o distrito aparenta ser maior que o próprio município ao qual pertence. Ele é constituído de pescadores, pequenos funcionários públicos municipais, de pessoas que foram atraídas pelas oportunidades de trabalho nas casas, granjas e apartamentos, pelo trabalho nos restaurantes, bares e pequeno comércio locais, pelo trabalho nas construções de casas e prédios. Há ainda entre os seus moradores um número ainda pequeno de pessoas da classe média que, pela constituição de um patrimônio, resolveu e pôde ali se instalar, fazendo do local de lazer a sua moradia. 

É um lugar que viveu e ainda vive uma especulação imobiliária fortíssima e, a cada dia, os seus terrenos valem mais. Tem um alto índice de construções de casas e pequenos prédios de apartamentos. As oportunidades de trabalho são sazonais e dependem em muito do movimento turístico que pode ser maior ou menor a depender das condições climáticas. A pesca artesanal está em declínio e a única atividade pesqueira que ainda exerce atrativo é a pesca da lagosta. Por isso, é muito comum no verão os pescadores e as pessoas mais pobres desocuparem suas casas, mudarem-se para a casa de parentes, ou ainda, mudarem-se para o quartinho dos fundos para alugar aos turistas com o objetivo de conseguir uma renda complementar nessa estação. Este é o contexto em que está inserido um dos grupos de coco que estamos estudando, formado em sua maioria por pescadores e residentes da Vila de Pescadores de Jacumã, atualmente uma rua afastada umas cinco quadras da praia, com casas de ambos os lados. 

O outro grupo está situado no distrito de Guruji(4), distante dez quilômetros [fim da página 160] ao Sul da cidade do Conde e, atualmente, ponto obrigatório de passagem para Jacumã e demais praias. Este distrito, cujo percurso histórico ainda está por ser traçado, surgiu, provavelmente, de uma evolução de um bairro rural e um adensamento populacional favorecido pela localização geográfica, ou seja, ser o ponto de passagem de todo o fluxo de pessoas que se dirigem a Jacumã. Ele é muitas vezes menor que Jacumã no que se refere ao equipamento urbano, considerando aí ruas, calçamento, eletrificação, fornecimento de água, etc., mas demonstra ser muito populoso no seu interior(5). Possui ainda poucas casas de alvenaria, a maioria sendo de pau-a-pique, e a eletrificação e o fornecimento de água restringe-se à parte central do distrito. A grande maioria de seus habitantes é de agricultores que trabalham em terras próprias, como posseiros ou assentados, ou em terras arrendadas, ou como alugados. Há ainda uma minoria constituída por pessoas que, possivelmente, vivem de emprego fora do distrito ou de um pequeno comércio nos bares e bodegas do lugar, mas dificilmente encontraremos entre os seus moradores alguém que trabalhe num só lugar com uma única atividade. Quase todos, com baixo e incerto rendimento, são obrigados, em dado momento, a fazer algum “bico” - vender frutas na beira da estrada; trabalhar de alugado; colher acerola uma fazenda das proximidades, sendo pagos por produtividade; vender os produtos da lavoura na feira em João Pessoa ou no próprio Conde; catar caranguejo no mangue; pescar; ou seja, realizar uma infinidade de trabalhos paralelos que complementem a renda familiar. Aliás, é a família a principal unidade produtiva desse distrito. Dificilmente veremos alguém trabalhar sozinho na roça, a principal atividade dos seus moradores. E os poucos momentos de separação dão-se quando estão realizando trabalhos paralelos em que a renda está atrelada ao trabalho de uma só pessoa (o alugado, por exemplo) ou quando o filho ou a filha passam a constituir uma nova unidade familiar através do casamento. A partir de então vão trabalhar para si, nas roças alheias ou ainda na dos próprios pais. 

Quando expomos nossas preocupações com os impactos da modernização sobre as comunidades citadas, estamos nos referindo a um processo célere de desenvolvimento ocorrido nos dois distritos mencionados que data de não mais que vinte anos, ou seja, de 1980 para cá. Um desenvolvimento que está estreitamente ligado aos processos econômicos que ocorrem na região que os engloba, liderada pela cidade de João Pessoa, capital do Estado. A crescente complexidade da capital gerada pela instalação de indústrias, pelo desenvolvimento do comércio e de serviços, fez crescer as classes médias que procuraram cada vez mais oportunidades de lazer fora dos limites do município sem, contudo, afastarem-se muito dele. Paralelamente a isso, os movimentos ecológicos chamaram muito a atenção das pessoas para as belezas naturais brasileiras e podemos dizer que o usufruto desses locais entrou na moda. Tal circunstância proporcionou que as fazendas que dominavam completamente o território que compreende esses distritos fossem em grande parte transformadas [fim da página 161] em loteamentos, principalmente aquelas áreas que ficavam na orla, pois eram as de maior valorização e mais fáceis de vender.  

A especulação imobiliária ganhou ímpeto quando da reforma e do asfaltamento da estrada que corta a cidade do Conde e liga os distritos do Guruji e Jacumã. Estrada e rede elétrica conseguida a partir de interferências políticas locais junto ao governo do Estado, exercida pelos grandes proprietários das terras que seriam imediatamente beneficiadas com a expansão dessa infra-estrutura. A partir de então tudo mudou nesse lugar. Os pescadores de Jacumã foram convencidos a mudar de suas casas de taipa à beira mar para outras do mesmo tipo construídas no lugar da atual Vila dos Pescadores. Deixaram a condição de posseiros de sítios com medições em torno de 15 ou 20 de frente por 30 de comprimento, conquistada pela ocupação por gerações e gerações, para a de proprietários de terrenos com, no máximo, 10 de frente e 20 de comprimento. Houve, portanto, embora eles mesmos não expressem isso conscientemente, uma perda na mudança tanto de espaço quanto das benfeitorias realizadas. O lugarejo constituído somente pelas casas dos pescadores, com espaçamentos razoáveis entre uma casa e outra, passa então a ter um rápido desenvolvimento com a ocupação dos espaços pelas casas construídas pelos mais aquinhoados da capital e de outras cidades próximas. E o desenvolvimento inicial que proporciona uma maior divulgação do lugar, aliado às facilidades de acesso pelo incremento do transporte coletivo e asfaltamento, resulta numa valorização ainda maior do espaço e um nível de construção ainda maior para satisfazer uma demanda crescente por imóveis que estejam à disposição para aluguel na alta estação. Tal demanda, impulsionada pelo turismo circunscrito à região litorânea da Paraíba, somada a uma política de turismo do Estado, ainda que incipiente, faz com que a Praia de Jacumã seja incluída no roteiro turístico paraibano, reforçando ainda mais o seu desenvolvimento. 

Outro processo que corre em paralelo a esse desenvolvimento e que o reforça, ao mesmo tempo em que é reforçado por ele, é o da constituição de “granjas de final de semana” ao longo da estrada que liga a cidade do Conde a Jacumã. Essa foi uma outra perspectiva que se abriu aos fazendeiros locais para concretizar a valorização de suas terras sem, contudo, deixarem de ser proprietários, mantendo, assim, o prestígio político local que elas lhes conferem. O loteamento para granjas foi a forma privilegiada nas partes periféricas do Guruji, afetando em muito os agricultores, que acabavam sendo expulsos da terra. Porém, o processo de expulsão dos agricultores de Guruji não começou assim nem ocorreu sem resistência. Faz-se necessário agora uma descrição, mesmo rápida, dos conflitos de terra no Guruji, para compreender como esse processo ocorreu e quais as ligações desse evento com o grupo de coco e qual a carga de influência que tem na problemática dos limites entre o rural e o urbano. 

O conflito iniciou-se por volta de 1979(6), com a venda da fazenda Guruji I, [fim da página 162] e com a tentativa do novo proprietário, o fazendeiro João Gonçalves da Silva, de expulsar os moradores das terras que por muitas gerações ali moravam e mantinham uma relação de parceria com o antigo proprietário. O projeto de pecuária extensiva que o novo dono queria implantar não comportava o regime de parcerias nem os arrendamentos que somados abrangiam mais de 40 famílias. Foi convocada uma reunião do novo proprietário com os parceiros e arrendatários e colocada uma proposta de mudarem de moradia e deixarem de utilizar os lotes que até então ocupavam para o plantio, passando a plantar em outros lotes. Essa mudança, porém, significava perder todas as benfeitorias feitas nos sítios que cada morador e/ou seus progenitores tinham contribuído para realizar. A comunidade não aceitou e a partir de então ocorreu uma série de violências contra os moradores que tentavam resistir. As lavouras, por diversas vezes, foram arrasadas pelos tratores do proprietário. Árvores foram arrancadas e muitos agricultores foram perseguidos. A resistência empreendida fez com que o proprietário desistisse das terras e as vendesse para o fazendeiro Luciano Aníbal Pedrosa de Melo que já tinha outro projeto em mente, que também não comportava os agricultores na terra. Seguiu-se, então, uma série de tentativas de expulsão dos agricultores que resistiam, a ponto do proprietário utilizar métodos ainda mais violentos. Somaram-se a todo esse problema as tentativas de igual ordem em fazendas vizinhas, como a fazenda Guruji II e Barra de Gramame, generalizando o conflito para quase todo o distrito. Entretanto, após anos de luta e em meio a esses conflitos, algumas faixas de terra foram loteados em pequenos pedaços e vendidos para a formação de granjas; a falta de informação dos moradores não permitiu que o processo fosse impedido antes mesmo de tornar-se impossível de ser revertido. Nessa mesma época, a faixa de terra litorânea foi loteada para a construção de casas de veraneio. Como essa parte não tinha e ainda não tem infra-estrutura alguma, quase nada foi construído, mas já foi desde essa época, aproximadamente 1992, toda vendida. O conflito da fazenda Guruji I somente foi resolvido com a desapropriação das terras para fins de reforma agrária no início da década de 1990. O da fazenda Barra de Gramame foi resolvido da mesma forma já em 1996 e até agora não foram definidos os lotes de cada família assentada. 

A resistência ferrenha dos agricultores, por mais de dez anos de luta, tem duas explicações fundamentais, que tentarei resumir aqui. A primeira foi a atuação da Pastoral Rural, que ajudou na organização da resistência, deu suporte jurídico à luta, deu visibilidade ao conflito ao fazer circular na imprensa da capital notícias sobre ele e conscientizou politicamente a população local. A segunda foi o apego à cultura tradicional e seu respectivo modo de vida - viver da agricultura, plantando determinados produtos, segundo determinadas relações de trabalho. Somando-se isso a uma necessidade de se apegar ao que Antonio Candido chamou de “um mínimo de fórmulas tradicionais” (1964: 176) na tentativa desesperada de preservar sua identidade, sua cultura e seu grupo - mínimo esse que não foi garantido em nenhuma das negociações para desocupar [fim da página 163] as fazendas - tem-se como resultado uma resistência de tal ordem que somente a morte passa a ser seu limite. 

Como afirmei anteriormente, preocupada com a defesa dos direitos dos agricultores, a Pastoral Rural organizou a resistência. Promoveu sistematicamente reuniões com os agricultores para discutir as ações das horas, dias, noites e semanas seguintes, muitas delas transformadas em missas campais ou findadas com orações coletivas. A luta era intensa, e mesmo à noite era preciso fazer vigília para que os tratores não passassem por cima das roças. As lideranças do movimento eram extremamente perseguidas e não podiam transitar livremente, pois estavam sempre na iminência de sofrerem atentados ou mesmo serem obrigadas a acatar uma recente ordem de prisão conseguida pela força política e econômica dos fazendeiros ou pela habilidade técnica de advogados muito bem remunerados. Nesse ambiente repleto de perseguições, as reuniões assumem uma posição de destaque na resistência dos agricultores, não somente pelo planejamento das ações, mas também pela carga de esperança no futuro que ela traz e, principalmente, pela capacidade de enraizamento que elas geram mediante os cânticos litúrgicos e as orações. É o que Ecléa Bosi aponta a reunião como encontro, como ato político de militância que, segundo a estudiosa, é a única que “pode propor e propor de novo a totalidade passado-presente como um mesmo tecido de lutas e esperanças” (1992: 30). Essa mesma reunião que proporciona esperança de um futuro melhor, associada a cânticos religiosos, nos quais observa-se a redundância de palavras e sons que assumem uma função encantatória, forma um ambiente que cria o enraizamento que, por sua vez, dá força e substância à resistência. 

Entendida desse modo, fica mais fácil compreender por que essa forma de organização foi transposta e adaptada à brincadeira do coco, ou seja, a formação de um grupo determinado em que cada membro tem uma função, ainda que frouxamente determinada, e a realização de reuniões para qualquer decisão a ser tomada, seja para a realização de festas no lugar, seja para atender a um convite externo para participar em alguma festa comunitária, ou para a apresentação do coco. Outro elemento importante, que também faz parte da explicação do surgimento do grupo configurado dessa forma, diz respeito à própria circulação dos seus participantes nos diversos acampamentos, onde quer que houvesse alguma luta pelos direitos dos camponeses no litoral paraibano. Nestes acampamentos, a brincadeira do coco sempre apareceu como uma forma de aproximar todas as pessoas presentes e isso suscitou os convites e a necessidade de uma maior organização do grupo. A própria conscientização política conseguida nesse movimento proporcionou uma inserção de conteúdos de crítica político-social nos cocos, mediante o surgimento de temas que denunciam o racismo e a exploração dos poderosos sobre os trabalhadores pobres. Um exemplo característico disso pode ser encontrado no nome dado ao grupo, “Novo Quilombo”, que remete claramente para uma busca de identidade e filia-se a uma resistência contra os poderes constituídos de uma sociedade opressora. 

Com o fim dos conflitos, resolvidos com a desapropriação das fazendas, a configuração entre espaços urbanos e espaços rurais ficou bastante complicada. O núcleo central do Guruji ficou definido como área urbana e as suas adjacências, [fim da página 164] especialmente nos lugares onde estão localizadas as roças, continuam sendo área rural, embora alguns loteamentos não tenham sido revertidos, constituindo também área urbana, como por exemplo toda a faixa de terra ainda não ocupada de Barra de Gramame. Este foi, de fato, o primeiro problema que a pesquisa nos colocou a respeito das fronteiras entre o rural e o urbano, que me impulsionou a tentar esclarecer no presente estudo. E os questionamentos suscitados foram: o que significa ser rural? Sob que critérios devemos defini-lo, segundo as definições espaciais apresentadas pela situação administrativa definida pelo setor público ou segundo o modo de vida que percebemos naquela área? Que implicações pode ter essa definição de urbano feita pelo poder público para aquelas áreas? Depois de ter tratado o problema teoricamente, ainda que de forma panorâmica, me sinto mais a vontade para tentar responder a essas questões. 

Entendo, pois, que tanto o rural quanto o urbano não podem ser definidos segundo os critérios da administração pública, embora tais definições impliquem em conseqüências futuras no que se refere à tendência, urbana ou rural, para a qual vai correr uma ou outra área. Queremos dizer com isso que o resguardo de uma área loteada para fins de urbanização, mesmo que ainda não ocupada, resulta num afastamento das condições que poderiam configurá-la como rural, ou seja, dificilmente ela poderia ser ocupada para o estabelecimento de roçados, seja porque os proprietários não são agricultores e os lotes não possuem tamanhos adequados para essa atividade, seja porque torna-se muito difícil uma ocupação bem sucedida das terras loteadas por parte dos agricultores locais.  

Tal situação se ainda não se configura em um avanço da cidade sobre o campo, aponta para esse processo, a depender exclusivamente dos rumos que os fluxos de capital vão tomar na região. Retornando ao primeiro argumento desse parágrafo, cremos que o rural seja melhor definido segundo a forma de ocupação do espaço e o modo de vida existente. De modo que a mesma convivência que há no meio urbano entre classes e culturas diferenciadas também haverá no meio rural. A mesma gradação que acreditamos existir no meio urbano, dos espaços mais racionais aos menos racionais, também deverá ser considerada no meio rural. Acredito que essa abordagem sugerida pela bibliografia especializada permite-me enxergar a cultura tradicional no meio rural e no meio urbano, tanto quanto é possível também enxergar o avanço da racionalidade e dos desenvolvimentos técnicos na cidade e no campo. 

Colocada a questão nestes termos e a partir da realidade encontrada no campo, posso caracterizar a área de Guruji como de baixo uso de equipamentos técnicos e de tecnologias no trabalho e na vida dos seus agricultores, o que Milton Santos denominou como sendo “espaços opacos” (Santos, 1993: 47). Embora a população, de uma maneira geral, não seja avessa completamente à introdução de equipamentos técnicos e de novas técnicas de plantio, apega-se com maior confiança à forma de trabalho tradicional e ainda cultiva hábitos e valores tradicionais. A experiência ainda se sobrepõe à ciência, apesar de não ser totalmente incompatível a convivência das duas. É um comportamento coerente com o que foi apresentado por Antonio Candido (1964) a respeito das reações adaptativas da cultura caipira frente às modernizações em que ela aceita somente os dados impostos, rejeitando os propostos e, assim, mantendo todo o resto. É [fim da página 165] isso que permite a coexistência de um novo com um velho que podemos ver até mesmo nos atos mais banais, como o de um preparo do café que, a título de exemplo, descrevemos a seguir: ainda é comum entre alguns agricultores o hábito de misturar o café torrado e pilado por eles com o café industrializado. Inquiridos sobre o porquê de tal mistura, responderam que serve, por um lado, como medida de economia porque o café rende mais e, por outro, porque mantém o gosto do café que estão acostumados a consumir. Inquiridos mais uma vez por que não usar somente o café preparado por eles, a resposta foi incisiva, ao afirmar que dava muito trabalho. A explicação nos pareceu muito justa, considerando que as mulheres, de uma maneira geral, assumem uma dupla jornada de trabalho, com o cuidado da casa e dos filhos e compondo mais uma força de trabalho na roça. De forma que o serviço doméstico tem que ser simplificado sem, contudo, alterar por completo os hábitos e gostos por longo tempo cultivados. 

Em Jacumã, pelos menos em relação aos pescadores, também há o apego às formas de vida tradicional, entretanto ela está muito mais degradada. Os pescadores ainda praticam uma pesca artesanal(7), mas está ficando cada vez mais difícil a manutenção da família somente com a renda da pesca. O declínio da atividade pesqueira, em decorrência da escassez do pescado, abala a organização social dos pescadores porque obriga a mudança de atividade dos membros da família e conseqüentemente impede a sua reprodução enquanto grupo. As causas da falta de peixe nessa praia não são conhecidas por mim, nem mesmo pelos pescadores, mas pesquisas têm mostrado que as causas mais freqüentes são a pesca predatória e a poluição (Maldonado, 1986: 43-44), hipótese a ser considerada em Jacumã em decorrência do rápido desenvolvimento nesse lugar, que sugere uma emissão elevada de poluentes no mar por esgotamento sanitário. Além disso, conforme nossas próprias observações, o manguezal foi totalmente destruído, em parte por aterramento para servir para construção, em parte pela própria poluição dos esgotos das residências. A degradação do mangue com certeza reduz o aparecimento de peixe nessa área, embora não se possa precisar a dimensão do impacto causado e, portanto, afirmar que é esse o motivo do desaparecimento dos peixes. 

A motorização dos barcos, ocorrida há aproximadamente três anos, além da introdução de materiais de pesca feitos de fibras sintéticas na composição das redes, tarrafas e outros utensílios, há mais tempo, aparece, segundo a denominação dos estudiosos, como mecanismo de “atualização da pesca artesanal”(1986: 38) e deveria ser uma superação das barreiras naturais (ventos, correntezas, etc.), bem como solução para o problema da escassez do peixe. Entretanto, tal fato não ocorreu, porque os barcos foram fabricados com madeira verde, que não demorou a gerar problemas de flutuação e inundação dos motores, causando defeitos e entravando a pescaria. A forma como os barcos [fim da página 166] motorizados foram introduzidos representou uma alteração substancial na organização dos pescadores de Jacumã, porque foi mediante a fundação de uma cooperativa que se conseguiu o empréstimo bancário que viabilizou a compra dos barcos. A “modernização” fez com que os pescadores se desfizessem dos barcos antigos e o problema dos novos significou ficar sem pescar até se conseguir dinheiro para pagar o conserto deles. Além disso, ainda tinham que continuar pagando o financiamento. Tal fato gerou uma crise da pesca, agravada pela escassez do peixe e até hoje não resolvida. 

Essa crise na atividade de subsistência, conjugada com o crescimento da urbanização em Jacumã tem proporcionado uma corrosão da cultura tradicional e, por conseguinte, um reflexo direto sobre a brincadeira do coco. O desmantelamento da comunidade dos pescadores ainda não foi completa, mas podemos dizer que afetou sobremaneira o grau de solidariedade existente no grupo. A conta dos barcos não é coletiva, mas individual. A família já não está envolvida como um todo na pesca artesanal, dividindo-se em outras atividades, na maioria das vezes desconectada da atividade tradicional, ou seja, a pesca. O crescimento urbano acentuado representou também um aumento das relações indiretas frente às relações do tipo face a face, identificado pelos próprios pescadores nos casos de violência que já aparecem no lugar e na dificuldade que hoje se tem para conseguir realizar um serviço que necessite da ajuda dos companheiros de profissão. A memória da comunidade aparece como a principal vítima desse processo, pois, interrompida pelo distanciamento das pessoas e pela falta do completo envolvimento da família na atividade produtiva, conjugada a uma vida mais curta em conseqüência das duras condições de trabalho enfrentadas ao longo dos anos não consegue reproduzir-se como antes. O coco nesse contexto aparece sob dois ângulos: primeiro como o ápice do afloramento da memória coletiva; segundo como a representação da crise pela qual ela passa. 

O coco em Jacumã, que antes dos loteamentos e da transferência da comunidade dos pescadores ocorria com muita freqüência ao longo do ano, passou a manifestar-se somente no São João, São Pedro e casualmente um ou outro dia do ano. Vários são os motivos que temos conseguido perceber em nossas investigações a respeito dessa redução. As condições anteriormente apontadas do declínio da atividade pesqueira e do recuo dos níveis de solidariedade estão entre eles. Isso ocorre porque a brincadeira do coco, por ser uma festa aberta a toda a comunidade, por ser regada com bebidas alcoólicas (cachaça e batidas de fruta) em quantidade e ser dependente da reunião de várias pessoas para montar o pavilhão(8), torna-se uma festa muito “cara” segundo os padrões de vida atuais dos pescadores de Jacumã. Outro motivo que se mistura com esse é o fato da festa atualmente estar muito atrelada aos “patrocinadores”, ou seja, aquela pessoa que paga ou fornece todo o material necessário, roupas, bebidas, comidas, madeiras, palhas, lonas para o pavilhão, além dos instrumentos musicais necessários. Atualmente, duas pessoas da comunidade exercem essa função, sem no entanto terem situação financeira [fim da página 167] para tal, dependendo sempre de favores externos e realizando a festa de forma precária. É exatamente essa dependência externa que tem nos feito aventar a hipótese de ter existido, após a mudança da comunidade da beira da praia para o local atual, uma intromissão dos coronéis locais no financiamento da festa. Esta seria apenas mais um desdobramento do clientelismo político e das relações paternalistas que até hoje são muito fortes entre os fazendeiros, os chefes políticos e os pescadores do lugar. A dependência de pessoas externas à comunidade para a realização da festa desobrigou os seus integrantes de uma contribuição material para a festa e atuou como mais um elemento desenraizador, por retirar uma noção que lhes era muito cara, a noção de pertencimento ao grupo, base de toda a solidariedade que lhe dá sustentação. Por fim, um último elemento a ser apontado é a forma como a comunidade se apropria do espaço em que está inserida. A configuração urbana transformou o espaço e a forma como a comunidade se relaciona com ele. A rua agora é pública, é passagem dos carros de pessoas estranhas à comunidade e do transporte público, portanto alvo de interesses mais amplos e, inclusive, mais importantes para o poder público municipal. Dessa forma, a comunidade não pode utilizá-la a seu bel prazer, segundo seus próprios interesses e nas ocasiões em que lhe aprouver. Portanto, depende de espaços privados para a realização de suas festas e deve obedecer às limitações que o meio urbano lhe coloca, horário de silêncio, pedido de autorização aos poderes constituídos para dispor de espaço público, etc. 

O rápido histórico aqui traçado, dos distritos de Guruji e Jacumã, bem como o contexto apresentado das duas comunidades, permitem-me uma breve comparação com o objetivo de evidenciar as diferenças existentes quanto à organização da brincadeira do coco e às expectativas que cada grupo mantém em relação ao futuro da brincadeira e da própria vida. A princípio, uma comparação entre agricultores e pescadores não parece válida porque o tipo de atividade para o sustento próprio e familiar parece tão distinto que não haveria pontos de contato. No entanto, estou encarando ambas as comunidades como adeptas e produtoras de uma cultura tradicional. Cultura esta que é baseada em concepções de tempo e espaço, por ambas compartilhadas, diferenciados da nossa, ou seja, baseadas nos ciclos da natureza que conferem a agricultores e pescadores uma autonomia no trabalho e na vida que não é acessível aos assalariados. 

Ambas as comunidades sofrem com os problemas da urbanização que avança sobre elas e com a nova configuração do espaço provocada por esse processo. Entretanto, podemos perceber que a diferença entre as duas, no que se refere aos impactos gerados pela “modernização”, dá-se na igual medida da intensificação desse processo sofrido por cada uma e na resistência implementada face a ele. Quer dizer, a desorganização social e os problemas de solidariedade do grupo são maiores em Jacumã do que em Guruji. Nesse último, a resistência e a luta empreendidas por anos foram sentidas nos cocos pela alteração na sua forma de organização e no conteúdo de seus versos, que apontam para uma continuidade no futuro. Em Jacumã percebemos já uma certa resignação quanto à dissolução das relações comunitárias e da cultura tradicional. O futuro incerto da pesca aponta para uma vitória completa da “cultura urbana” sobre a cultura tradicional. 

[fim da página 168]


Considerações finais 

Tentei nesse ensaio discutir a distinção entre o rural e o urbano a partir de uma oposição entre a cultura hegemônica da nossa sociedade e a cultura tradicional, procurando identificar como isso ocorre no nosso universo de pesquisa. Pude perceber a importância que assume uma análise processual como procedimento explicativo dos fenômenos sociais, bem como da necessidade de recorrer a uma visão mais ampla para compreender melhor as particularidades enfocadas. De certa forma, tentei seguir esses passos, muito embora o alcance tenha sido ainda muito tímido. 

A visão do problema exposto por estudiosos experimentados no tratamento desse tema objetivou trazer à discussão as colaborações que estiveram ao nosso alcance e que tinham posicionamentos mais aproximados ao que julgamos ser apropriado. Entretanto, não me furtei, naquilo que minha visão crítica pôde perceber, de fazer meus próprios julgamentos diante das idéias expostas. Ademais, o tema em questão, embora esteja fora de moda atualmente, rendeu uma discussão muito prolongada entre estudiosos de várias partes do mundo que acaba com qualquer pretensão de esgotar a discussão em um rápido sobrevôo como o que realizamos sobre suas questões básicas. Espero ter cumprido a missão que me reservei a de, no enfrentamento entre duas visões de mundo distintas, evidenciar os problemas que os dados empíricos têm me colocado e propor um caminho para sua investigação. 

Referências Bibliográficas 


Notas

1) Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba, Pesquisador do Laboratório de Estudos da Oralidade (Campus I - João Pessoa).

2) O termo em questão, conforme nota do redator da edição brasileira, não encontra um similar em língua portuguesa que garanta uma tradução fiel. A melhor tradução, no nosso entendimento, é pequena nobreza.

3) Sobre esse "duplo mecanismo de sobrevivência" ver Oliven (1982: 56).

4) O distrito de Guruji, territorialmente, está sendo considerado de uma forma bastante ampla, maior do que os próprios moradores o consideram, contendo não somente o complexo de casas que o compõe, mas também o conjunto de casas, granjas, vilas e sítios que o circundam. Essa forma de abordá-lo, pelo menos no momento, objetiva facilitar a exposição e decorre da dificuldade de precisar os seus limites, mesmo observando os depoimentos colhidos até o momento.

5) Todos os dados estatísticos ainda nos faltam, é uma etapa da pesquisa que ainda está por vir.

6) A imprecisão das datas afirmadas aqui decorre de que ainda estamos nos baseando somente nos depoimentos e, portanto, tal fato está em conformidade com a própria concepção de tempo dos nossos colaboradores. Eles não regulam suas vidas pelo tempo linear com horas, dias e anos sucedendo-se e concebidos de forma precisa. Regulam-se conforme o tempo cíclico, de acordo com os ritmos biológicos da natureza. Portanto, não se preocupam com a idade que têm e, muito menos, em precisar os eventos passados. Antes estão preocupados com a importância que tais eventos têm em suas vidas. Para se ter uma idéia clara da noção de tempo cíclico, cf. Thompson ("Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial", 1998).

7) Estamos considerando aqui a definição de pesca artesanal apresentada por Simone Maldonado em Pescadores do mar. Segundo a autora, a pesca divide-se em duas formas básicas, a artesanal e a industrial. A primeira é aquela praticada de forma simples, com baixa tecnologia e destinada ao consumo doméstico e mercado interno. A segunda, mais complexa, envolve um assalariamento e uma mecanização acentuada (Maldonado, 1986: 42-43).

8) A montagem do pavilhão requer compra ou empréstimo da madeira, da lona usada na cobertura e das comidas e bebidas que motivam os homens a oferecer a força de trabalho para o serviço.

RESUMO
O RURAL E O URBANO:
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E IMPLICAÇÕES
NO UNIVERSO DOS GRUPOS DE COCO-DE-RODA


O acelerado movimento de expansão do capitalismo expresso na globalização vem encurtando as distâncias, ligando os mercados regionais e impulsionando a integração de todas as regiões do mundo. O crescimento dos mercados e a maior interação entre eles é o móbil de uma crescente urbanização que se reflete no avanço da cidade sobre o campo e na modernização da agricultura. O avanço da estrutura que dá suporte ao desenvolvimento econômico promove transformações no espaço e mudanças sociais agudas, modificando ou superando as culturas tradicionais. Esse processo tem sido tratado pelos cientistas sociais por dois ângulos opostos. De um lado, aqueles que crêem na homogeneização cultural da sociedade; de outro, aqueles que acreditam na heterogeneização pelo surgimento de novos sujeitos sociais em decorrência da luta de classes. Em tais circunstâncias estamos preocupados em descobrir quais são os mecanismos de ajustamento e quais as estratégias de resistência utilizadas por dois grupos populares de coco-de-roda, situados no município do Conde para manter a sua cultura e identidade. Procuramos saber qual a expectativa e que tipo de reação esses dois grupos têm desenvolvido frente às interferências geradas por essa onda de urbanização.
PALAVRAS-CHAVE: rural-urbano; resistência cultural; coco-de-roda.

ABSTRACT
THE RURAL AND THE URBAN:
THEORICAL CONSIDERATIONS AND IMPLICATION
IN THE "COCO-DE-RODA" GROUPS


The fast movement of capitalism expansion expressed in the globalisation is shortening distances, linking regional markets and making the integration of parts of the world. The growth of markets as well as the biggest interactivity among them causes a great urbanisation that is reflected in the growth of cities towards the country and in the modernisation of the agriculture. The advance of the structure supports the economical development that provides transformations in the space and strong socials changes. These changes modify or overcome traditional cultures. This process has been considered by social scientists from two opposite angles. On one hand those who believe in making cultural society homogeneous; On the other hand, those who think that the cultural society is heterogeneous because new social subjects has been coming from classes struggle. In such circumstances we are interested in discovering which are the mechanisms to adjust them and which are the resistance strategies used by two different popular groups of "coco-de-roda", situated in Conde Suburb to maintains their cultural identity. We searched for the expectation and what kind of reaction these two groups has been developed in front of the interferences formed by a "wave" of urbanisation.
KEYWORDS: rural-urban; cultural resistance; "coco-de-roda" groups.



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Número 16 - set/2000  |   Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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