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Política & Trabalho 17 - Setembro / 2001 - pp. 131-132


RAÍZES E NÉVOAS DA GLOBALIZAÇÃO

Edvaldo Carvalho Alves (1)



BAUMAN, Sygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.



Sygmunt Bauman é professor emérito de sociologia das Universidades de Leeds e Varsóvia e possuidor de uma vasta produção intelectual em pleno andamento. Aqui no Brasil, as principais obras de Bauman já traduzidas são: O mal-estar da pós-modernidade, Modernidade e holocausto e Globalização: as conseqüências humanas. Todas editadas pela Jorge Zahar Editora.

Neste último livro, como o próprio nome já sugere, Bauman busca desmitificar o "mito" em que se transformou o conceito de globalização, trazendo à tona as catastróficas conseqüências que este processo está operando principalmente na base da atual sociedade, ou seja, nas camadas mais pobres da população. Nas suas palavras, o presente livro é "uma tentativa de mostrar que no fenômeno da globalização há mais coisas do que pode o olho apreender; revelando as raízes e conseqüências sociais do processo de globalização, ele tentará dissipar um pouco da névoa que cerca esse termo que pretende trazer clareza à condição humana" (p. 7).

Com uma escrita clara e bastante concisa, como se percebe pelo trecho acima citado, mas sem perder o rigor inerente a uma obra científica, o autor consegue nos fazer perceber que o conceito de globalização, tal qual é utilizado freqüentemente pela maioria dos teóricos e jornalistas, esconde e camufla mais que esclarece a atual realidade social. O atual processo de globalização, segundo Bauman, é um processo contraditório em si mesmo que, ao mesmo tempo em que une todo a Terra por meio da compressão do tempo/ espaço operacionalizada pela extraordinária velocidade de movimento oriunda principalmente da chamada Terceira Revolução Industrial – a revolução informacional – também separa e segrega um número gigantesco de seres humanos que não conseguem e nunca conseguirão, devido a lógica interna do processo, ter acesso às suas beneficies. Assim, para o autor, a globalização aumenta ainda mais o fosso que separa as classes possuidoras (que agora se tornaram globais, pois podem mover-se e mover seus investimentos sem restrições de um lugar para outro, sentindo-se "em casa" em qualquer lugar do planeta devido à homogeneização do espaço em que elas habitam e freqüentam) das classes despossuídas. Estas são denominadas por Bauman como locais, estando impossibilitadas de moverem-se e presas a uma espacialidade na qual nem conseguem mais decifrar seus códigos, sinais e símbolos, porque estes escaparam aos seus controles e não são mais produzidos por elas, uma vez que "os centros de produção de significado e valor são hoje extraterritoriais e emancipados de restrições locais" (p. 9).

O que isto significa e quais suas conseqüências ? Para Bauman, a falta de compreensão dos símbolos, sinais e códigos, elementos estes que dão sentido e permitem o transcurso da vida em sociedade por parte das classes despossuídas, impossibilita-lhes uma comunicação com os chamados globais, fazendo com que ambos habitem e vivam em mundos totalmente diferentes e polarizados. Esta "(...) progressiva ruptura de [fim da página 131] comunicação entre as elites extraterritoriais, cada vez mais globais, e o restante da população, cada vez mais localizada", é uma das principais causas do surgimento de tendências neotribais, fundamentalistas e etnofóbicas e também da nova hierarquia e estratificação social que tem na mobilidade o seu fator mais poderoso e cobiçado. Entretanto, nunca é demais ressaltar que esta mobilidade, isto é, liberdade de movimento e ausência de restrição espacial, como já nos falava o filósofo inglês John Locke com bastante clareza, é determinada de forma visceral pela propriedade ou, no mínimo, pelo controle sobre esta.

Outro aspecto importante discutido pelo autor neste livro diz respeito à criação de uma "classe de proprietários ausentes", isto é, empresas extraterritoriais que possuem uma total independência e não têm nenhuma responsabilidade em relação aos poderes locais das territorialidades onde as mesmas estão instaladas ou pretendem se instalar. Esta assimetria de poder tem trazido para as empresas um amplo raio de manobra, que se estende desde a possibilidade de flexibilizar as relações de trabalho e de produção sem maiores dificuldades e conflito até a total desinstalação da unidade produtiva caso seus interesses não sejam atendidos. Por outro lado, as conseqüências dessa maior liberdade do capital frente ao trabalho têm também solapado os mecanismos e instrumentos governamentais, principalmente os relativos à determinação da política econômica, fato que tem suscitado muitas discussões sobre o atual papel e força do Estado-Nação. Nesta parte do desenvolvimento de suas idéias, Bauman pode chegar a chocar aqueles que acreditam que o Estado é por natureza uma instituição que tem por finalidade arbitrar o conflito social em busca de alcançar o bem comum. Isso porque este autor deixa claro que a instituição 'Estado' é uma forma ou instrumento específico de dominação de uma parcela da sociedade sobre o seu conjunto e que, no atual estágio no qual nos encontramos, esta instituição foi amputada de algumas de suas características definidoras – justamente porque estas já não mais servem aos interesses das classes possuidoras –, como por exemplo, a noção de soberania.

Portanto, este pequeno livro de Sygmunt Bauman disseca o processo de globalização em todas as suas manifestações: sociais, políticas, econômicas e culturais. Não traz nenhuma solução, mas isto não é de sua intenção e acreditamos que não é este o nosso papel enquanto Cientistas Sociais. Enfim, o livro retira o véu que encobre e torna opaca a realidade, que ora se apresenta de forma geral, externa e coercitiva, para que assim possamos encarar as forças reais que estão configurando e dando movimento ao mundo neste momento histórico-social.


Nota

1) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos.







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Número 17 - set/2001  |   Universidade Federal da Paraíba  |   Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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