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Política & Trabalho 17 - Setembro / 2001 - pp. 91-111


DRAMAS CLIMÁTICOS E RESPONSABILIDADE SOCIAL:
A RELAÇÃO ENTRE O RITMO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS
- DIAS DE TRABALHO E DESCANSO - E O CLIMA URBANO

Tárik Rezende de Azevedo (1)

Introdução

Qualquer observador medianamente atento aos noticiários veiculados por diversos tipos de mídia terá notado o imenso lugar que neles ocupam os fenômenos climáticos, especialmente inundações e secas, e seu imenso cortejo de dramáticas conseqüências sociais, econômicas e políticas, especialmente nas grandes concentrações urbanas. Menos evidente, mas não menos freqüente, é o debate entre as vítimas das conseqüências desses eventos - seja do desmoronamento de barracos precariamente construídos em encostas ou à margem de cursos d’água, seja de uma crise energética de dimensões nacionais - os Movimentos Sociais populares e outros atores que representam a cidadania, os técnicos e os políticos a respeito das causas de tais catástrofes e das possibilidades e responsabilidades quanto a seu controle.

Cabe sempre recolocar a pergunta: fenômenos climáticos são apenas da alçada da Geografia e da Meteorologia ou interessam também à Sociologia, à Economia, à Política; dependem apenas da Natureza, de Deus, ou são passíveis de algum grau de controle humano? É o que tratamos de fazer neste artigo, subsidiado por nossa pesquisa no campo específico das variações climáticas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (2).

Muitas vezes trata-se da atmosfera e de seus processos e eventos significativos para as atividades humanas como submetidos a vicissitudes que estão além do controle humano, pois estariam além das possibilidades de compreensão e/ ou intervenção humana. A decorrência dessa maneira de ver é que a falta ou excesso de chuva, por exemplo, tenda a ser, sinceramente, encarada pelo povo e, talvez maliciosamente, tratada por aqueles que detêm poder e responsabilidade política e econômica como simples fatalidade. No entanto, a perspectiva da intervenção nos processos atmosféricos lentamente tem se desenvolvido ao longo das últimas décadas. Sobretudo porque crescem as evidências, em diversas escalas, de que a atividade humana altera os processos atmosféricos e o clima, mesmo que de forma acidental. As áreas de grande concentração urbana, são, provavelmente, o objeto mais susceptível à intervenção deliberada sobre o clima de forma "racionalizada" e/ ou, ao menos, à apropriação ativa para além da escala microscópica de cada uma das edificações [fim da página 91] em si.

A questão cresce em importância se a olhamos do ponto de vista das iniqüidades sociais. O universo conhecido de relações desiguais de acesso aos frutos do trabalho humano é vasto e, entre eles, já se reconhecem vários exemplos relacionados à atmosfera e ao clima urbano (Tarifa & Armani, 2001). Este trabalho introduz um exemplo dos mais perversos: no caso da RMSP, a população que habita os fundos de vale, sobretudo as margens dos cursos de água, é constituída majoritariamente por famílias de baixa renda. São, quase sempre, áreas públicas ocupadas por favelas em resposta ao fato de que, sendo a terra reserva de valor no Brasil, o acesso à propriedade é extremamente restrito. Assim, a metrópole com fração considerável da área urbana dedicada à especulação imobiliária e sem uso efetivo, não disponibiliza senão as margens dos córregos a uma fração considerável de sua população. Córregos que recebem direta e indiretamente a quase totalidade do esgoto produzido pela cidade.

Pois bem, este trabalho sugere que a intensificação das chuvas da tarde e início da noite seja derivada diretamente da introdução de montantes expressivos de energia e poluentes na atmosfera, de maneira socialmente desigual, pela própria população. Apresenta resultados de nossa pesquisa que indica fortemente que no caso da RMSP, hoje, a fração majoritária da poluição atmosférica e do calor dissipado provém dos veículos automotores. Assim, de forma simplista, a principal "causa" da intensificação da chuva é o incremento e adensamento de automóveis em circulação. Esta mercadoria é usufruída justamente pela fração da população que não habita as favelas de fundo de vale. Assim, milhares de crianças de famílias que consomem fração proporcionalmente ínfima de energia e geram fração ainda mais desprezível dos poluentes atmosféricos, adoecem todos os anos quando a água invade suas casas. Outras crianças, porém, justamente aquelas que pertencem às das famílias que geram uma maior quantidade de poluição, embora às vezes estejam presas nos congestionamentos, freqüentemente estão protegidas pelo vidros do carro equipado com ar condicionado, e certamente estão protegidas do contato com os esgotos; ao chegar em casa não percebem que o fato da mesma ainda estar lá é quase um privilégio.

A cidade produz - em parte - seu clima

Os grandes aglomerados urbanos destacam-se enquanto objeto privilegiado no estudo geográfico do clima. O caráter intensivo da intervenção humana proporciona contrastes espaciais mais discerníveis e maior possibilidade de identificação segura do papel da atividade humana no clima. Por outro lado, o tamanho da população é a própria medida da importância de eventual impacto advindo das alterações impostas ao sistema climático local. A poluição atmosférica, por exemplo, tende a ser tão maior quanto a população de cada área urbana, ao menos no Brasil. Sendo esta mesma população a mais atingida pela poluição que produz, justifica-se a investigação sistemática dos processos que geram e redistribuem os poluentes.

Em nossa pesquisa, estabelecemos uma estimativa do montante de energia dissipada direta e indiretamente pela biomassa e atividades humanas na RMSP em cada um dos anos das últimas décadas e a comparamos com a estimativa [fim da página 92] da média anual do montante de radiação solar global ao nível do solo na mancha urbana, concluindo que os montantes são comparáveis numa mesma escala decimal de magnitude, e que esse montante de energia adicional deve ser significativo nos processos que caracterizam o clima urbano da RMSP (Azevedo, 2001 a).

Passamos, então a trabalhar com o conceito de ritmo semanal das atividades humanas como instrumento para investigação do papel da energia dissipada direta e indiretamente pela biomassa e atividades humanas e adicionada ao sistema climático, distinguindo-a dos fluxos de energia que seriam derivados das propriedades dos materiais dos elementos construtivos da área urbana sob os ritmos diário e anual da radiação solar e o ritmo dos tipos de tempo associado à circulação secundária. Agregando registros meteorológicos horários de São Paulo, desde 1990, constatou-se que os valores médios e extremos tendem a apresentar variação significativa em função do dia da semana. A temperatura do ar, por exemplo, tendeu a ser significativamente maior em direção à quarta-feira, o mesmo ocorrendo com a chuva no período da tarde e início da noite (Azevedo, 2001 b; Azevedo & Tarifa, 2001).

A partir desses dados, podemos argumentar que:

"As atividades humanas apresentam múltiplos e variados ritmos, no entanto, o ritmo da semana de trabalho ocidental é, sem dúvida, o mais marcante de todos nas áreas urbanas. Este ritmo é completamente arbitrário em relação aos ritmos astronômicos e em relação à circulação secundária, o que faz do mesmo conveniente para a investigação do papel das atividades humanas no sistema climático. A semana regular de trabalho é marcada pelo dia de menor atividade urbana, ou seja, o domingo. No entanto, os outros dias da semana nem sempre são dias 'úteis'. Ao longo de vários anos, a probabilidade dos feriados ocorrerem em qualquer dia da semana é praticamente constante, exceção as datas móveis (Páscoa e Carnaval). Mas, como existe o hábito das 'pontes', a quarta-feira é o dia da semana em que se acumula mais dias 'úteis'." (Azevedo & Tarifa, 2001)

No entanto, a justificativa apontada por estes autores é hipotética. O fato de uma hipótese parecer lógica não faz da mesma automaticamente verdadeira. No mesmo trabalho (Azevedo & Tarifa, 2001) pergunta-se: “Qual foi a real distribuição dos dias ‘úteis’ e feriados nas últimas décadas? Procede a hipótese de que haja mais dias úteis às quartas-feiras ao longo de alguns anos?”.

Neste trabalho, então, procuramos: (1) verificar se realmente ocorreram mais dias úteis às quartas-feiras e progressivamente menos em direção às segundas e sextas, no século XX e nos períodos estudados nos trabalhos anteriores (Op. cit.); (2) testar se agregados os mesmos registros meteorológicos, contrapondo dias de trabalho e descanso, há variação significativa e coerente com a hipótese de que nos dias de trabalho os fluxos de poluentes e calor antropogênicos são significativamente mais intensos.

Optamos por expor aqui, detalhadamente, os conceitos, convenções e critérios lógicos usados para classificar os dias para, por um lado, evidenciar o caráter histórico dos calendários e ritmos de atividade humana e sua [fim da página 93] controlabilidade, e, por outro lado, facilitar a avaliação crítica do procedimento por nós empregado e sua eventual aplicação por outros.

A Humanidade cria seus ritmos - Conceitos, critérios e procedimentos

O calendário convencional como representação simplificada dos ritmos astronômicos

Na maior parte do mundo, inclusive no Brasil, se adota oficialmente o Calendário Gregoriano, instituído em 1582 em parte da Europa. Progressivamente foi adotado e/ ou imposto no resto da Europa e colônias, e, nos dois últimos séculos no resto do mundo. Com a disseminação dos microcomputadores pessoais e a conexão progressiva de todos os lugares em uma rede unificada de telecomunicação em tempo real, sobretudo como condição para as operações comerciais, nos parece ser razoável imaginar que, durante este século, tornar-se-á o padrão de referência de todos os seres humanos. De forma genérica e simplista dir-se-ia que constitui um aspecto sutil dos processos de homogeneização cultural embutidos na globalização de e para os mercados. Este processo de unificação dos calendários iniciou-se muito tempo antes, durante a consolidação do Império Romano e é fruto de invenção humana, e não apenas de submissão a determinações naturais e astronômicas.

Porque o ano solar, ou ano sideral, não é múltiplo exato da duração dos dias solares, e menos ainda o ciclo lunar, os calendários desenvolvidos por diferentes culturas em diferentes épocas, adotaram expedientes convencionais para ajustar o resíduo entre o número exato de ciclos diários ou lunares e um número inteiro, variando a duração do ano convencional (ano calendário). No entanto, o resíduo de tempo para adoção do ciclo lunar como unidade de contagem do tempo implica necessariamente em uma variação muito maior na duração dos anos calendários que a adoção do ciclo diário.

O Calendário Gregoriano baseia-se no ciclo diário e implica em apenas dois tipos muito simples de correção. Os anos cuja divisão por quatro é exata são chamados anos bissextos e têm 366 dias enquanto os outros anos têm 365 dias. Compensa-se, desta forma, o fato do ano de 365 dias atrasar aproximadamente ¼ de dia em relação ao ano solar. Foi, por exemplo, o caso de 1996, um ano bissexto. Os anos cuja divisão por 100 é exata, ao invés de terem 366 dias, como indica a primeira regra de correção, devem ter 365 dias, a não ser aqueles que sejam múltiplos exatos de 400. Isto compensa, em parte, o fato do quadriênio do Calendário Gregoriano avançar aproximadamente 1/32 dia em relação ao quadriênio solar. O ano 2000, por exemplo, foi bissexto. Finalmente, há um terceiro ajuste determinado posteriormente com o aumento da precisão das medidas astronômicas, que ainda não foi aplicado. Consiste na supressão de um ano bissexto da segunda regra a cada 4000 anos, para compensar o fato de que, mesmo com as correções anteriores, o Calendário Gregoriano avança pouco mais que um dia em 4 milênios solares. No caso deste trabalho, apenas a primeira convenção é significativa pois quase todos os registros meteorológicos do Brasil se referem a uma seqüência de anos bissextos [fim da página 94] sem a ocorrência do previsto na segunda convenção (3).

A divisão do ano calendário em doze meses é uma reminiscência do calendário lunar. Neste, é adotado o mês sinódico que corresponde ao período aparente de revolução da lua em torno da Terra em relação ao sol, aproximadamente 29 dias e meio, caso do calendário judaico e do calendário muçulmano. No entanto, os anos calendário compostos por números inteiros de meses sinódicos resultam em progressiva e significativa defasagem em relação ao ano sinódico, e conseqüentemente ao ritmo climático anual. Isto cria dificuldade ao homem comum em relacionar o calendário lunar ao calendário da atividade agrícola.

No Calendário Gregoriano, o resíduo dos doze meses sinódicos em relação ao ano solar foi distribuído dentre os meses, desvinculando a duração do mês convencional do mês sinódico, tradição herdada do calendário Juliano. Donde se pode concluir que os meses do ano calendário, de fato, são períodos de duração arbitrária em relação aos ritmos astronômicos e também dos ritmos climáticos destes derivados. Para os objetivos deste trabalho, importa mesmo o fato do dia a mais dos anos bissextos consistir num vigésimo nono dia no segundo mês, que nos outros anos tem 28 dias.

A semana ocidental de trabalho tem sete dias e, por convenção, inicia-se no domingo. Foi adotada oficialmente pelo império Romano no século I, mas tem origem remota na região da Mesopotâmia. Provavelmente originou-se da representação simplificada do mês sinódico, que, grosseiramente, pode ser arredondado de 29 dias e meio para 28 dias, já que o que marcava a passagem do mês eram as "fases" da Lua. Mesmo arredondando para 29, ainda é difícil a referência a partes do mês em números inteiros pois é um número primo. Considere-se que este padrão surgiu em diversas culturas em momentos diferentes, mas quase sempre antes do surgimento da representação matemática formal. Não existiam os números fracionários na Mesopotâmia há cinco mil anos. As semanas eram, na origem, uma forma simples de referir-se em que quarto do mês sinódico, ou em que "fase" estava a Lua, por pessoas comuns que usavam apenas os números inteiros. E, de fato, o "atraso" da posição da Lua, tal como observada a olho nu, em relação ao período de vinte oito dias só é evidenciado quando esta defasagem é acumulada ao longo de vários meses sinódicos.

Os Gregos, antes da ocupação romana, alternavam meses de 29 e 30 dias o que leva a crer que não se referiam ao ciclo lunar em "quartos". Os romanos por sua vez, adotavam um calendário de 10 meses de 29 e 31 dias, posteriormente modificado pelo acréscimo de mais dois meses, Janeiro e Fevereiro com 29 e 28 dias e do décimo terceiro mês com 22 ou 23 dias a cada dois anos. Júlio César instituiu o fim do décimo terceiro mês redistribuindo-o ao longo dos outros [fim da página 95] doze.

No Calendário Revolucionário Francês, o arredondamento do mês lunar foi feito para 30 dias, o que resultava em 12 meses iguais mais cinco ou seis dias especiais no final de cada ano. Os nomes dos meses eram relacionados a fatos recorrentes ou marcantes do ritmo climático e do calendário agrícola anual. Assim, o Brumário era o mês das brumas (neblina, fim do outono), Germinal era o mês em que germinavam as sementes e brotavam as árvores (início da primavera), etc. Não havia semanas mas, sim, três décadas por mês. Poucos anos depois, Napoleão I restabeleceu o Calendário Gregoriano.

Fica, portanto, esclarecido que, de fato, a semana de trabalho ocidental tem duração arbitrária em relação aos ritmos astronômicos e em relação aos ritmos climáticos a eles relacionados e que sua permanência é de caráter histórico e cultural o que significa, evidentemente, a possibilidade de modificá-la a partir de acordos sociais.

As datas comemorativas, os dias feriados e as "pontes"

O hábito de contar a passagem do tempo e de marcar e comemorar periodicamente eventos significativos remonta à pré-história. Provavelmente, a sucessão das estações do ano e dos ciclos lunares devem ter sido os padrões de contagem do tempo com maior duração desde a pré-história. Estes padrões podem ser encontrados em culturas remanescentes ainda hoje. Consiste, por exemplo, em indicar a idade de uma pessoa em tantas luas ou tantas primaveras. A agricultura implica, na maior parte dos casos, na necessidade de algum tipo de planejamento do preparo do solo e da semeadura; num calendário agrícola. Todos os povos antigos que desenvolveram calendário baseado no ano solar, eram sedentários e tinham economia baseada na produção de excedente agrícola.

A repetição de datas, ou a alusão a eventos passados, é sempre uma comparação com um período de referência convencional e, portanto, tem um caráter arbitrário, inclusive no Calendário Gregoriano. Por exemplo, os solstícios e equinócios não ocorrem em dias fixos já que o ajuste de algumas horas a cada quatro e cem anos faz com que o momento exato de cada um destes eventos oscile normalmente dentre três dias, o mesmo ocorrendo com o momento da passagem de uma constelação à outra do zodíaco. Some-se a isto a precessão dos equinócios, os quais adiantam em relação à esfera celeste num ciclo que se repete em milhares de anos. Um outro exemplo mais familiar; considere-se a data e hora de nascimento de uma pessoa num ano seguinte a um ano bissexto, sua idade, registrada de forma convencional nunca coincidiria com a idade contada de forma astronômica. Por isto é que normalmente diz-se que se comemora em 25 de dezembro o nascimento de Jesus de Nazaré e não que ele tenha nascido, de fato, nesta data. Se considerássemos o ano solar do ponto de vista astronômico, a data teria variado centenas de vezes entre 22 e 28 de dezembro desde a adoção do Calendário Gregoriano.

O mesmo se aplica, portanto, às outras datas comemorativas fixas e ao momento de mudança de um ano convencional ao próximo. Não é fortuita esta discussão, pois esclarece que não há relação direta, e portanto não há determinação natural, entre a ocorrência de eventuais fatos astronômicos periódicos, e certas datas comemorativas em dias fixos que implicam em redução [fim da página 96] significativa das atividades humanas, sobretudo no caso da RMSP.

Há também que considerar que as datas comemorativas oficiais são criadas a partir de um determinado ano, por exemplo: o dia 12 de outubro só foi instituído, como feriado nacional no Brasil, depois de 1980, embora por tradição se comemorasse muito antes a data da "aparição" de Nossa Senhora, sobretudo no Centro-Sul; o feriado de primeiro de janeiro, recente, já existia nos séculos passados como dia santo católico. Por outro lado, certas datas religiosas foram importantes no século XIX e progressivamente entraram em desuso no século XX, sobretudo nas áreas urbanas, como as "festas juninas": "São Pedro", "Santo Antônio" e "São João" (4).

Existem, no entanto, datas comemorativas móveis. Na época da instituição do Calendário Gregoriano, o "calendário pagão" europeu era um calendário em parte lunar e em parte solar. Certas festas "pagãs" dependiam das luas e outras dos solstícios e equinócios. A Igreja Católica impunha um período mínimo de dias de autocomiseração física e purificação espiritual antes da Páscoa, em que não poderiam ocorrer estas festividades "pagãs". No entanto, havia um conflito causado pelo atraso progressivo do calendário Juliano em relação aos solstícios e equinócios o que, no final da Idade Média tornava difícil a ocorrência da "Festa da Carne" (carnaval) antes da Páscoa num mesmo ano. Em parte, este foi o motivo da adoção do novo calendário e da segunda regra de correção secular. Por tradição, pelo conflito com as festas pagãs e pela herança do calendário judaico no surgimento do cristianismo, a Páscoa, no final da idade média, foi, como ainda é, definida como o primeiro domingo depois da lua cheia que se segue ao equinócio de março. No entanto, o período entre duas luas cheias adotado na contagem eclesiástica não corresponde ao mês sinódico para evitar que a data da Páscoa católica coincida com a data da Páscoa Judia. O que é um método bizarro de determinação de data comemorativa pois não encontra similares em qualquer outra cultura ou civilização. Só pode ser compreendido enquanto produto histórico. A "Sexta-Feira Santa", o dia de "Corpus Christi" e o dia do Carnaval são determinados a partir do dia da Páscoa (5).

Estas quatro datas são importantes na investigação proposta neste trabalho pois implicam num tratamento distinto daquele das datas comemorativas fixas. Além disto, sendo o Brasil país majoritariamente católico, estas datas implicam hoje, mais por tradição do que por devoção, em dias de descanso generalizado na RMSP. Não é possível calcular estas datas através de algoritmo com poucas regras. No entanto, pelo fato de sempre caírem em dias fixos da semana, é possível deduzi-los com simplicidade do número de dias úteis por dia da semana em cada ano. No entanto, para determinar com exatidão em que dia de cada um dos anos passados ocorreram é mais simples recorrer a uma coleção de calendários daqueles anos do que calcular (Tabela 02).

[fim da página 97]

Dependendo da tradição cultural de cada país - ou região - existe, com maior ou menor intensidade, o hábito de emendar o período de "não trabalho" desde algumas datas comemorativas ao domingo e/ou sábado, principalmente quando há apenas um dia intercalado. São, no Brasil, chamados "pontes" e, na RMSP, ocorrem apenas em feriados nacionais. As pontes passaram a ser mais freqüentes e mais significativas, sobretudo nas áreas urbanas, durante a última metade do século XX. Provavelmente devido à redução da influência do catolicismo, ao aumento da mobilidade relacionada à disseminação crescente do uso do automóvel e do hábito de abandonar a mancha urbana por alguns dias, procurando descanso em outras localidades. As "pontes" são fundamentais neste trabalho pois, a princípio, ocorrem nas segundas e sextas feiras. Além da redução dos montantes de energia e poluentes dissipados pela população pela conjunção de um período de "ócio" generalizado, muitas vezes parcela significativa da mesma abandona a mancha urbana da RMSP, sobretudo em condições de "bom tempo" meteorológico (6).

A maior parte dos municípios da RMSP tem um dia comemorativo próprio, relacionado à data de sua criação ou emancipação, à fundação do núcleo urbano original ou a um "Santo Padroeiro". Considerou-se que, neste caso, é significativo apenas o dia 25 de Janeiro, data em que se comemora a Fundação de São Paulo. Este município abriga a maior parte da população e dos estabelecimentos geradores de emprego e renda da RMSP. Presumimos que os outros feriados municipais não sejam capazes de gerar redução expressiva na atividade da metrópole. Normalmente o dia 25 de janeiro não é acompanhado de "pontes" (7).

Evidentemente, para cada localidade há que considerar fatores distintos que implicam em ritmos distintos da atividade urbana. No caso da RMSP, porém, [fim da página 98] e certamente de outras áreas urbanas, o ritmo de trabalho e descanso generalizado é o que marca o ritmo do fluxo de poluentes atmosféricos e do fluxo global de energia dissipada pelas atividades humanas.

Classificação dos dias em "úteis" e "não úteis"

Considerou-se que os dias "úteis" sejam dias de trabalho para a maior parte da população urbana e que os "não úteis" sejam dias de descanso ou 'não trabalho" para a maior parte da população urbana. Certamente é uma simplificação grosseira da realidade, sobretudo quando consideramos o trabalho doméstico. No entanto, suficiente para a investigação preliminar da possível relação entre os processos da atmosfera urbana e o ritmo do trabalho de milhões de pessoas, termo constitutivo das grandes cidades. Sobretudo porque, em nossa pesquisa, o montante estimado de energia dissipada a partir dos veículos automotores, da atividade industrial, comércio e serviços corresponde a quase três quartos do total dissipado na RMSP por sua população (Azevedo, 2001 a).

Considerou-se que todos os sábados e domingos não são dias úteis. Mas, a rigor, não significa que os sábados sejam realmente dias de descanso generalizado. Esta é a primeira aproximação do problema. De fato, ao longo do século XX, este dia da semana foi progressivamente deixando de ser dia "útil" e/ou dia de trabalho. O sistema financeiro, bancos, e a maior parte dos estabelecimentos públicos atualmente não funcionam neste dia na RMSP. Até a década de cinqüenta, a maior parte das escolas funcionava. No comércio varejista, predomina o meio-dia de trabalho. A adoção de indicadores de intensidade da atividade urbana, no futuro, permitirá distinguir melhor os sábados dos domingos.

Considerou-se que as datas comemorativas nas quais há redução significativa da atividade urbana na RMSP, vista sob o prisma energético, ou dias de descanso generalizado, sejam os da tabela 01. Considerou-se que em todos os anos tenha ocorrido "ponte" na sexta-feira, se esta é o dia subseqüente a um feriado, e na segunda-feira, se esta é o dia que antecede um feriado, embora, a rigor, só seja possível ter certeza disto recorrendo à documentação histórica, o que, por ora, não foi feito. O dia 25 de janeiro, fundação de São Paulo, foi considerado feriado dissociado de pontes.

Em síntese, os critérios adotados para separar os dias de um determinado período em dias de "trabalho" e "descanso" na RMSP, em ordem crescente de precedência, foram: 1) todos os dias são dias "úteis"; 2) todos os sábados e domingos são dias "não úteis"; 3) todas as datas da Tabela 01 e da Tabela 02 são dias "não úteis"; 4) todas as segundas-feiras que antecedem imediatamente as datas do critério três e todas sextas-feiras que sucedem imediatamente as datas do critério três são "pontes" de feriados, e portanto, são dias "não úteis"; 5) não se aplica o critério quatro no caso do dia 25 de Janeiro do critério três; 6) não se aplica o critério três no dia 1 de maio dos anos anteriores a 1937.

Em anexo, são apresentados dois programas em linguagem Visual Basic para o ambiente de "macros" da planilha Microsoft Excel. O primeiro programa gera uma planilha com o calendário desde 1°/ jan./ 1900 até 31/ dez./ 2010, com a referência do dia da semana. O segundo programa aplica o algoritmo do parágrafo anterior ao calendário gerado pelo primeiro programa. Ambos podem [fim da página 99] ser facilmente alterados em função das peculiaridades de outros lugares ou dos dados meteorológicos eventualmente disponíveis.

Tabela 01
Dias feriados na Região Metropolitana de São Paulo

Data
Admite "ponte"?
Descrição
1° janeiro
sim
Dia da Confraternização Universal
21 de abril
sim
Dia de Tiradentes
1° de maio
sim
Dia Internacional do Trabalho
7 de setembro
sim
Proclamação da Independência
12 de outubro
sim
Dia da Padroeira do Brasil
2 de novembro
sim
Dia de Finados
15 de novembro
sim
Proclamação da República
25 de dezembro
sim
Natal
25 de janeiro
não
Fundação de São Paulo
(feriado municipal)
45 dias antes da Páscoa
sim
Terça-Feira de Carnaval
2 dias antes da Páscoa
sim
Sexta-Feira Santa
Data Móvel
(Tabela 02)
sim
Domingo de Páscoa
60 dias depois da Páscoa
sim
Dia de Corpus Christi
(Quinta-Feira)
Fonte: Enciclopédia universal ilustrada (1924).

Registros meteorológicos

Para este trabalho, utilizamos os registros horários ininterruptos de temperatura do ar, velocidade do vento e precipitação atmosférica do período pioneiro de outubro de 1998 a novembro de 2000, da estação meteorológica experimental (8) do Laboratório de Climatologia e Biogeografia do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo; e os registros horários de temperatura do ar, pressão e precipitação atmosférica da década de 90, da Estação Meteorológica da Água Funda (9), no Parque do Estado, Zona Sul do Município de São Paulo, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo.

Todos os registros por horário foram agrupados em dias "úteis" e "não úteis" segundo os critérios expostos acima. Em seguida, obteve-se a média [fim da página 100] aritmética simples por horário em cada grupo.

Tabela 02
Data das Páscoas de 1900 a 2002


Ano
Dia
Ano
Dia
Ano
Dia
Ano
Dia
Ano
Dia
1900
15/04
1921
27/03
1942
05/04
1963
14/04
1984
22/04
1901
07/04
1922
16/04
1943
25/04
1964
29/03
1985
07/04
1902
30/03
1923
01/04
1944
09/04
1965
18/04
1986
30/03
1903
12/04
1924
20/04
1945
01/04
1966
10/04
1987
19/04
1904
03/04
1925
12/04
1946
21/04
1967
26/03
1988
03/04
1905
23/04
1926
04/04
1947
06/04
1968
14/04
1989
26/03
1906
15/04
1927
17/04
1948
28/03
1969
06/04
1990
15/04
1907
31/03
1928
08/04
1949
17/04
1970
29/03
1991
31/03
1908
19/04
1929
31/03
1950
09/04
1971
11/04
1992
19/04
1909
11/04
1930
20/04
1951
25/03
1972
02/04
1993
11/04
1910
27/03
1931
05/04
1952
13/03
1973
22/04
1994
03/04
1911
16/04
1932
27/03
1953
05/04
1974
14/04
1995
16/04
1912
07/04
1933
16/04
1954
18/04
1975
30/03
1996
07/04
1913
23/03
1934
01/04
1955
10/04
1976
18/04
1997
30/03
1914
12/04
1935
21/04
1956
01/04
1977
10/04
1998
12/04
1915
04/04
1936
12/04
1957
21/04
1978
26/03
1999
04/04
1916
23/04
1937
28/03
1958
06/04
1979
15/04
2000
23/04
1917
08/04
1938
17/04
1959
29/03
1980
06/04
2001
15/04
1918
31/03
1939
09/04
1960
17/04
1981
19/04
2002
31/03
1919
20/04
1940
24/03
1961
02/04
1982
11/04
1920
04/04
1941
13/04
1962
22/04
1983
03/04

Embora o ritmo do trabalho fosse marcado pelo ritmo diário da insolação em sua origem, como de fato ainda o é para parcela expressiva da humanidade, no caso da RMSP a correspondência entre os dois não é mais imediata. O período de maior atividade urbana inicia-se, normalmente pouco antes do nascer do sol. Sobretudo nas áreas periféricas, em que o transporte até as áreas mais centrais normalmente consome mais de hora e meia. A partir das sete horas da manhã formam-se os primeiros congestionamentos, sobretudo nas principais vias de ligação. Este tráfego intenso de veículos mantém-se o dia todo e se estende quase até meia-noite. Há uma expressiva população de estudantes noturnos, parte do comércio mantém suas atividades até às 22:00h e muitos dos estabelecimentos de serviços estendem sua atividade madrugada adentro. A influência da atividade urbana sobre a sua atmosfera se prolonga, portanto, além da meia-noite. Além disto, como as edificações, os pavimentos e o próprio solo apresentam certa inércia térmica, continuam irradiando calor que foi [fim da página 101]

Tabela 03 Dias úteis e não úteis no século XX

Século XX
Dia da
Semana
Total
(Dias)
Úteis
Não Úteis
Dias
%
Dias
%
% Sobre
Total
Sábado
5.218
0
0
5.218
100
-
Domingo
5.218
0
0
5.218
100
-
Segunda
5.217
4.885
93,6
332
6,4
25
Terça
5.218
4.998
95,8
220
4,2
16,6
Quarta
5.218
5.094
97,6
124
2,4
9,3
Quinta
5.218
4.995
95,7
223
4,3
16,8
Sexta
5.218
4.790
91,8
428
8,2
32,3
Total
(Seg. a Sex.)
26.089
24.762
94,9
1.327
5,1
100
Total
36.525
24.762
67,8
11.763
32,2
-


Década de 90
Dia da
Semana
Total
(Dias)
Úteis
Não Úteis
Dias
%
Dias
%
% Sobre
Total
Sábado
521
0
0
521
100
-
Domingo
521
0
0
521
100
-
Segunda
522
485
92,9
37
7,1
27,6
Terça
522
499
95,6
23
4,4
17,2
Quarta
522
509
97,5
13
2,5
9,7
Quinta
522
502
96,2
20
3,8
14,9
Sexta
522
481
92,1
41
7,9
30,6
Total
(Seg. a Sex.)
2.610
2.476
94,9
134
5,1
100
Total
3.652
2.476
67,8
1.176
32,2
-


1° nov. 1998 a 31 out. 2000
Dia da
Semana
Total
(Dias)
Úteis
Não Úteis
Dias
%
Dias
%
% Sobre
Total
Sábado
104
0
0
104
100
-
Domingo
105
0
0
105
100
-
Segunda
105
96
91,4
9
8,6
32,1
Terça
105
99
94,3
6
5,7
21,4
Quarta
104
103
99
1
1
3,6
Quinta
104
100
96,2
4
3,8
14,3
Sexta
104
96
92,3
8
7,7
28,6
Total
(Seg. a Sex.)
522
494
94,6
28
5,4
100
Total
731
494
67,6
237
32,4
-
Autor: Tárik Rezende de Azevedo.


[fim da página 102]

armazenado durante o dia e início da noite durante a madrugada. Ao menos no caso da RMSP, é conveniente estender o conceito de dia até a madrugada seguinte. Significa, que, no caso da temperatura do ar, por exemplo, é admissível que a mesma tenda a ser maior nas madrugadas que sucedem dias "úteis" e menor nas que sucedem dias de descanso. O horário mais propício para separar os dias considerando simultaneamente o ritmo da insolação e o do trabalho é o do final da madrugada, quando os efeitos da insolação e da atividade humana do dia anterior são mínimos mas os do dia em questão ainda estão começando. Isto ocorreria por volta das seis ou sete horas da manhã (10).

Resultados e conclusão

O exame da tabela 03 permite verificar que, de fato, acumulou-se mais dias úteis em direção à quarta-feira nos três períodos considerados. Embora os critérios adotados para separação dos dias entre "úteis" e "não úteis" tenham sido baseados em suposições sem o exame de documentação histórica, a variação na distribuição dos dias "não úteis" dentre os dias de segunda a sexta-feira é suficientemente grande para que não haja a negação da hipótese a partir de uma investigação mais meticulosa. Isto decorre do fato de faltarem, na tabela 03, feriados e dias de baixa atividade urbana que efetivamente ocorreram. Nenhum destes feriados e dias de baixa atividade urbana foram datas móveis com dia da semana fixo. Portanto, distribuíram-se mais ou menos eqüitativamente por dia da semana ao longo de vários anos (11).

Os dias "não úteis" constituem pouco mais de cinco por cento, dos dias de segunda a sexta-feira, o que representa parcela significativa dos mesmos. Ao longo do século XX, por exemplo, ocorreram pouco mais de 1300 dias "não úteis" de segunda a sexta-feira. Considerando-se estes dias feriados somados aos sábados e domingos, constata-se que representam quase um terço do total de dias nos três períodos abordados na tabela 03. Esta proporção aproximada de dois dias "úteis" para cada um "não útil" implica numa questão de estatística. A probabilidade pura de um determinado evento específico, mesmo que desvinculado do dia da semana ou do fato de ser ou não feriado, já seria de dois terços para os dias "úteis" e de apenas um terço para os dias "não úteis". Isto significa que o procedimento empregado em Azevedo e Tarifa (2001) no qual selecionam-se os eventos extremos de cada série de observações meteorológicas [fim da página 103] por dia da semana não se aplica no caso da classificação dos dias em "úteis" ou "não úteis". Naquele caso, a distribuição da probabilidade pura de determinado evento por dia da semana é quase perfeitamente eqüitativa, tornando válida a comparação da maior temperatura registrada por dia da semana, por exemplo.

A média da temperatura horária do ar dos dias "úteis" foi maior que a dos dias "não úteis" nos dois casos investigados (gráfico 01). Resultado coerente com a hipótese de que os fluxos de poluentes e energia dissipada pelas atividades urbanas sejam mais intensos nos dias "úteis" que nos outros (12).

O desvio da temperatura dos dias "úteis" por volta das sete horas da manhã é nulo, aumentando continua e consistentemente até 0,5°C por volta das 11:00h na Estação do Laboratório de Climatologia e Biogeografia. Até às 17:00h se mantém uma diferença entre 0,5 e 0,6°C. Daí em diante a diferença diminui continuamente mas ainda apresenta-se entre 0,2 e 0,3°C maior por volta das sete horas do próximo dia.

O primeiro momento de aquecimento diferenciado mais intenso pode ser relacionado ao período do dia em que, gradativamente vai-se iniciando o funcionamento das diversas atividades com horários diferenciados. Por exemplo, as escolas começam suas atividades por volta das sete, os estabelecimentos comerciais com portas na rua entre oito e nove, os escritórios e diversos serviços públicos entre nove e dez, as lojas em centros de compras às dez e, finalmente, os bancos às dez e trinta. Às 16:00h os bancos são fechados, por volta das 17:00h parte dos serviços públicos já encerraram suas atividades, entre 17:00h e 19:00h os escritórios de negócios e parte das lojas com portas na rua fecham. Parte significativa da população urbana ainda transita pela cidade durante algumas horas. Não são apenas pessoas voltando para casa. Muitos constituem as dezenas de milhares de estudantes noturnos, dezenas de milhares de pessoas que recorrem a diversos serviços ou vão às compras. No final da tarde e início da noite milhares de restaurantes, bares e estabelecimentos semelhantes entram em atividade ao longo do dia e vão fechar por volta da meia noite de domingo a sexta ou durante a madrugada nas sextas e sábados. Mesmo a parcela que no início da noite vai chegando em casa, ainda toma seu banho, prepara a refeição e assiste à televisão pelo menos até cerca de dez da noite, o que implica em montante expressivo de energia consumida e dissipada. Assim, o gráfico 03, com certa "liberdade poética", pode ser interpretado como singelo retrato de uma metrópole que acorda nervosa e apressada em seus múltiplos ritmos de trabalho que se somam num ritmo maior, mas que reluta em parar e ir para a cama descansar.

Sem dúvida, meio grau Celsius, em si, não representa muita coisa. Em termos de conforto não faria a menor diferença, sobretudo no caso de São Paulo. No entanto, esta diferença de temperatura deve se configurar apenas sobre a mancha urbana e uma periferia imediata indiscernível até o presente momento. Esta diferença entre o interior e o exterior da atmosfera urbana deve implicar [fim da página 104] numa tendência de redução da pressão atmosférica em direção às áreas mais adensadas e/ou centrais. O campo de vento deve sofrer uma deformação em direção à área urbana, fazendo convergir os poluentes que são adicionados ao ar, dificultando portanto, sua dispersão.

Gráfico 01
Desvio da média da temperatura do ar por horário nos dias "úteis"
em relação aos dias "não úteis" - São Paulo




Durante a década de noventa a pressão atmosférica realmente tendeu a ser menor nos dias "úteis" em relação aos dias "não úteis" (gráfico 02). No entanto, para caracterizar perfeitamente esta redução de pressão, a Estação Meteorológica da Água Funda está localizada numa posição desfavorável, na porção sul de uma mancha urbana de mais de dois mil quilômetros quadrados. Próxima a Serra do Mar e numa altitude maior que a da área central da cidade, recebe antes a brisa marítima quando esta ultrapassa a Serra e se derrama sobre o Planalto. Por outro lado, na estação do Laboratório de Climatologia e Biogeografia não há, por hora, o registro horário contínuo da pressão atmosférica mas a velocidade média do vento dos dias "úteis" foi 16% maior que nos dias "não úteis".

Se há esta convergência do vento sobre a área urbana, acentuada nos dias "úteis", deve haver maior circulação vertical. Deve haver uma intensificação nos processos convectivos e portanto, intensificação na formação de nuvens. Possivelmente também ocorra um aumento na intensidade e freqüência da chuva nos dias "úteis", sobretudo no período da tarde e início da noite.

De fato, a média diária do total de chuva entre as 6:00h do dia e 6:00h do próximo, foi 9% e 29% maior nos dias "úteis" que nos "não úteis" respectivamente, na Estação da Água Funda e na Estação do Laboratório de Climatologia e Biogeografia. A diferença se exacerba no período da tarde e início da noite. Na segunda Estação, entre 14:00h e 24:00h a precipitação média diária foi 59% maior nos dias "úteis". Ou seja, de fato, choveu proporcionalmente mais nos dias úteis, no entanto, resta distinguir se é a intensidade ou a freqüência, ou ambas que aumentaram nos dias "úteis".

A proporção de referência para a freqüência, no caso da Estação do [fim da página 105] Laboratório de Climatologia e Biogeografia, é a proporção de 2,09 dias "úteis" para cada dia "não útil". Se a freqüência de horas com chuva fosse regida apenas pela probabilidade pura, seria esta a proporção de horas com chuva entre os dias "úteis" e "não úteis". Quando considerado o período de seis horas de um dia às seis horas do próximo, a proporção foi de 2,21. Ou seja, globalmente, ocorreram 6% a mais de horas com chuva nos dias "úteis". No entanto, a proporção foi de 2,41 no período de 14:00h de um dia às 2:00h do próximo. Ou seja, ocorreram 15% a mais de horas de chuva no período da tarde e início da noite nos dias "úteis". O mesmo procedimento aplicado à Estação da Água Funda, resultou em 7% a mais de horas com chuva das no período de 6:00h às 6:00h.

A intensidade (13)  média da chuva na Estação do Laboratório de Climatologia e Biogeografia entre 6:00h do dia e 6:00h do próximo foi 20% maior nos dias “úteis”. No período de 14:00h do dia às 2:00h do próximo, a intensidade foi 37% maior. Na Estação da Água Funda, a intensidade entre 6:00h e 6:00h foi 8% maior nos dias “úteis”, enquanto no período de 14:00h às 2:00h, foi 12% maior. Se fosse possível determinar o tempo exato de chuva, e não apenas o número de horas com chuva, como temos, provavelmente as diferenças fossem ainda maiores.

No entanto, ainda seria importante tentar distinguir se as chuvas mais intensas, são mais freqüentes nos dias úteis e se nestes dias sua intensidade tende a ser maior. Normalmente considera-se que 10 mm em uma hora seja um bom limite inicial para isolar as chuvas mais intensas. No caso da Água Funda, a freqüência de chuvas de mais de 10 mm no período de 6 às 6:00h foi 21% maior nos dias úteis. No período de 14:00h às 2:00h foi 28% maior. A proporção entre o total de chuva recolhida entre 6:00h e 6:00h nas horas com mais 10 mm em dias "úteis" em relação aos "não úteis" foi de 2,75. Ou seja, 30% maior que a proporção de 2,11, dada pela probabilidade pura. No período de 14:00h às 2:00h foi 37% maior.

Em síntese, além de chover mais, a freqüência da chuva e sua intensidade foram significativa e consistentemente maiores nos dias "úteis" no período de dois anos dos registros meteorológicos da Estação do Laboratório de Climatologia e Biogeografia e na década de 90 na Estação da Água Funda. As evidências apresentadas sugerem que isto seja decorrente da deformação diferenciada do campo térmico e barométrico da atmosfera urbana causada pela variação dos fluxos de calor e poluentes emanados pela própria população.

[fim da página 106]

Gráfico 02
Desvio da média da pressão atmosférica por horário
dos dias "úteis" em relação aos dias "não úteis"
Água Funda - São Paulo - 1990 a 1999




Considerações finais

Embora os resultados apresentados sejam extremamente sugestivos, devem ser tomados com ressalvas. A mancha urbana da RMSP tem mais de dois mil quilômetros quadrados, apresenta-se implantada em diversos compartimentos do relevo e tem uma complexa distribuição da densidade populacional e das atividades econômicas. De fato, não há um "centro", mas muitos. Há milhões de pessoas e veículos automotores circulando ao longo do dia. Há poucas estações meteorológicas. Certamente não é seguro estender conclusões tomadas a partir de dois pontos para a metrópole inteira. Há que investigar os processos atmosféricos e a atividade urbana em "tempo real", já que, até o presente, as cadeias de causalidade estabelecidas são hipotéticas (Tarifa, 1976). Os raciocínios apresentados parecerem coerentes e os valores médios confirmam as tendências sugeridas, mas, por ora, constituem evidências parciais.

Por outro lado, no caso da RMSP, há claramente uma incidência aparentemente crescente de eventos pluviais intensos que culminam em enchentes e toda uma séria de decorrências que, em alguns casos, chegam a constituir "pequenas" calamidades. Aparentemente não podem ser atribuídos apenas à mudanças climática em escala regional ou global, ou ao aumento da impermeabilização do solo e assoreamento dos cursos de água. Estes eventos estão sendo estudados, no entanto, não se sabe até que ponto esta é uma especificidade da RMSP. Em outras áreas urbanas, sobretudo nas áreas metropolitanas, também é plausível que a atividade urbana modifique os processos atmosféricos a ponto de modificar a estrutura pluvial. Em parte, este trabalho convida outros pesquisadores a realizar investigações semelhantes em outras localidades.

Não há, aparentemente, pesquisa sistemática sobre os dias de trabalho e descanso na perspectiva apontada neste texto. De fato, sequer há bibliografia [fim da página 107] que esgote a questão dos feriados no Brasil, muito menos suas variações regionais e sua evolução ao longo do tempo, que seria da alçada dos historiadores. Por outro lado, a definição de dia "útil" e "não útil", aqui apresentados como sinônimos de dias de trabalho e descanso, é reconhecidamente precária e certamente discutível sob os pontos de vista sociológico, antropológico e econômico. Assim, queremos crer que as questões das quais partimos e os resultados iniciais a que chegamos certamente podem ser também um convite para que pesquisadores de outras áreas se debrucem sobre o problema cujo esclarecimento mais amplo provavelmente poderá subsidiar a cidadania em busca de melhores e mais justas condições de vida.

Referências Bibliográficas

Anexos

Programa calendário dias “úteis”

Planilha “pascoas”

A1=”Ano”
B1=”Dia”
A3 a A104 preencher com anos de 1900 a 2002, formato número
B3 a B104 preencher com as datas da páscoa da Tabela 02, formato data

Planilha “calendario”

A1=”Dia solar”
A3 a A37622 preencher com números inteiros de 1 a 37620
B1=”Data”
B3 a B61 preencher com os números inteiros de 1 a 59, formato data
B62 a B37622 preencher com os números inteiros de 61 a 37621, formato data
C1=”Ano civil”
C3=INT(A3/365,25)+1900
C4 a C37622 copiar e colar fórmula de C3, formato número sem decimais
D1=”Dia do ano civil”
D3=INT(((A3/365,2491432)-INT(A3/365,25))*365,2491432)
D4 a D37622 copiar e colar fórmula de D3, formato número sem decimais

[fim da página 108]

E1=”Dia da semana”
E3=ARRED((A3/7-INT(A3/7))*7+1;0)
E4 a E37622 copiar e colar fórmula de E3, formato número sem decimais
F1=”Dia útil?”
F3=SE(E3=1;0;SE(E3=7;0;1))*SE(G3=1;0;1)
F4 a F37622 copiar e colar fórmula de F3, formato número sem decimais
G1=”Feriado ou ponte?”
G3 a G37622 preencher com zeros, formato número sem decimais
H1=”Observações”

Macro “pascoa”

Sub pascoa()
‘ Macro gravada em 20/04/01 por Tarik Rezende de Azevedo
Dim d(105) As Double        ‘cria variável para datas da pascoa
Worksheets(“Pascoas”).Activate ‘ativa planilha Pascoas
For l = 2 To 104                 ‘conta linhas
d(l) = Cells(l, 2) \ 1             ‘registra data da páscoa
Next l                             ‘próxima linha
Worksheets(“Calendario”).Activate ‘ativa planilha Calendario
For l = 2 To 104                   ‘conta datas de páscoa
If d(l) > 0 Then                   ‘pula data nula
If Cells(d(l) + 1, 2) = d(l) Then ‘confere data
Cells(d(l) + 1, 7) = 1
Cells(d(l) + 1, 8) = “Páscoa”
Cells(d(l) + 1 - 2, 7) = 1
Cells(d(l) + 1 - 2, 8) = “Sexta-feira Santa”
Cells(d(l) + 1 + 60, 7) = 1
Cells(d(l) + 1 + 60, 8) = “Corpus Christi”
Cells(d(l) + 1 + 61, 7) = 1
Cells(d(l) + 1 + 61, 8) = “Ponte”
Cells(d(l) + 1 - 47, 7) = 1
Cells(d(l) + 1 - 47, 8) = “Carnaval”
Cells(d(l) + 1 - 48, 7) = 1
Cells(d(l) + 1 - 48, 8) = “Ponte”
End If
End If
Next l                               ‘próxima data
End Sub

Macro “datafixa”

Sub datafixa()
‘ Macro gravada em 20/04/01 por Tarik Rezende de Azevedo
For l = 3 To 37623                   ‘conta linhas da planilha
If l / 376 = l \ 376 Then Cells(2, 9) = l / 376 ‘controle visual
’01 de Janeiro
If Cells(l, 4) = 1 Then              ‘identifica 01/01
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Dia da Fraternidade Universal”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
End If
’25 de Janeiro
If Cells(l, 4) = 25 Then
Cells(l, 7) = 1
Cells(l, 8) = “Fundação de São Paulo”
End If
‘Identifica bissextos
If Cells(l, 3) / 4 = Cells(l, 3) \ 4 Then b = 1 Else b = 0
If Cells(l, 3) = 1900 Then b = 0
’21 de abril
If Cells(l, 4) = 111 + b Then         ‘identifica 21/04
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Dia de Tiradentes”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”

[fim da página 109]

        End If
End If
’01 de maio
If Cells(l, 3) > 1936 Then          ‘seleciona anos a partir de 1937
If Cells(l, 4) = 121 + b Then         ‘identifica 01/05
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Dia Internacional do Trabalho”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
End If
End If
’07 de setembro
If Cells(l, 4) = 250 + b Then         ‘identifica 07/09
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Proclamação da Independência”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
End If
’12 de outubro
If Cells(l, 4) = 285 + b Then         ‘identifica 12/10
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Dia da Padroeira do Brasil”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
End If
’02 de novembro
If Cells(l, 4) = 306 + b Then         ‘identifica 02/11
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Dia de Finados”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
End If
’15 de novembro
If Cells(l, 4) = 319 + b Then         ‘identifica 15/11
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Proclamação da República”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
End If
’25 de dezembro

[fim da página 110]

If Cells(l, 4) = 359 + b Then         ‘identifica 25/12
        Cells(l, 7) = 1
        Cells(l, 8) = “Natal”
    If Cells(l + 1, 5) = 6 Then     ‘identifica sexta-feira
        Cells(l + 1, 7) = 1
        Cells(l + 1, 8) = “Ponte”
        End If
    If Cells(l - 1, 5) = 2 Then     ‘identifica segunda-feira
        Cells(l - 1, 7) = 1
        Cells(l - 1, 8) = “Ponte”
        End If
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Notas

1) Doutor em Geografia, pesquisador do Laboratório de Climatologia e Biogeografia e professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

2) Agradecemos ao Prof. Dr. José Roberto Tarifa, Coordenador do Laboratório de Climatologia e Biogeografia do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, por sugestões e críticas oportunas.

3) Deve-se lembrar apenas que, nos raros casos em que houve registro meteorológico no ano 1900 no Brasil, este não foi bissexto. Além disto, neste mesmo ano ocorreram pequenas correções no sistema de horário universal, ou seja, todos os relógios foram ajustados para compensar pequenas diferenças que haviam sido acumuladas entre a contagem de horas convencional e a duração média do dia solar, determinado com precisão progressiva.

4) Neste trabalho, desconsideraram-se estas datas neste trabalho, pois não foi possível, por ora, determinar a partir de quando deixou de implicar em redução significativa das atividades urbanas da RMSP. O prejuízo concorre no sentido contrário ao da hipótese.

5) Agradecemos ao historiador Jair Mongelli Jr., chefe do Arquivo da Cúria de São Paulo, pelas datas das Páscoas do Século XX e outras informações.

6) Durante o Governo José Sarney houve a tentativa de mobilizar os dias feriados que caíssem nas terças e quintas-feiras para segundas e sextas evitando a prática das "pontes". O expediente foi aplicado apenas num ano e depois abandonado, sobretudo porque são feriados religiosos e/ou são feriados também na maior parte dos países do mundo. Desconsiderou-se este detalhe neste trabalho, o prejuízo é no sentido contrário ao da hipótese.

7) Há ainda dias específicos em que foi decretado feriado por motivos diversos, mas sempre uma única vez. Por exemplo, no dia seguinte ao Golpe Militar de 1964 ou dias de luto oficial. Desconsiderou-se estes dias que implicariam em pesquisa exaustiva sobre documentação histórica e/ou jornais de época, já que, sua falta concorre no sentido contrário ao da hipótese. Haveria ainda, numa análise mais detalhada, dias em que há redução significativa das atividades urbanas por motivos culturais absolutamente desvinculados do calendário oficial ou religioso. Por exemplo nos dias de jogos da seleção brasileira de futebol, sobretudo nas décadas de setenta e oitenta. Evidentemente, a reconstituição destas datas só é possível mediante pesquisa detalhada da documentação histórica. Possivelmente tenham sido dezenas de dias ao longo do século XX. A falta, novamente, concorre contra a hipótese. Por outro lado, em outras áreas urbanas, que não a da RMSP, deve haver o caso inverso, ou seja, dias ou períodos em que há um aumento expressivo da atividade urbana e da energia dissipada em determinados feriados ou no período de férias escolares, como nos Carnaval, ou nos "Carnavais fora de época".

8) Mantida desde meados de 1998: uma para fins didáticos, em curto prazo, e gerar séries de registro meteorológico para estudos climáticos em médio e longo prazo. Consiste numa estação meteorológica automática Campbell.

9) Em funcionamento ininterrupto desde 1933. Consiste em estação convencional que atende os critérios da Organização Meteorológica Mundial para ser considerada estação meteorológica padrão. Sua série de registros é reconhecida na literatura como detentora de qualidade e confiabilidade excepcionais (Santos, 1964).

10) Os registros meteorológicos são tradicionalmente gerados e referenciados em função do calendário gregoriano e do horário civil. No entanto, os relógios das estações meteorológicas não são ajustados para o "horário de verão", ou similar, dependendo do país ou região, evitando equívocos na comparação de registros de datas diferentes. Se os montantes de energia e poluentes dissipados pela população implicam em alterações significativas nos processos atmosféricos, é de se esperar que seja também significativa a diferença dos períodos em "horário de verão" em relação àqueles em que não. Este fato importante não foi considerado neste trabalho preliminar, o prejuízo é, mais uma vez, no sentido contrário ao da hipótese.

11) Isto decorre das datas fixas avançarem um dia da semana de um ano para o próximo ou dois no caso em que se passa por um bissexto, já que o número 364 é múltiplo de 7. Por exemplo, se o Natal de um ano foi numa segunda-feira, o próximo será na terça, a não ser que o próximo seja um ano bissexto, incidindo a data na quarta.

12) O fato da Estação Meteorológica da Água Funda apresentar um desvio menor pode ser explicado pelo fato desta estar inserida no interior da maior área densamente arborizada da RMSP, o Parque do Estado, relativamente isolada, portanto, da influência direta do calor emanado das atividades humanas.

13) A forma mais simples de avaliação da intensidade da chuva é a proporção entre o total de chuva e o tempo de chuva. Neste caso, dispõe-se apenas do número de horas com chuva, que, de fato, é maior que o tempo de chuva real. Esta discrepância faz com que a intensidade resultante da substituição do tempo de chuva pelas horas com ocorrência de chuva seja sensivelmente menor que a intensidade real. Mas, como este é um trabalho preliminar e pretende-se apenas comparar os dias "úteis" e "não úteis", este problema pode ser relegado.


RESUMO
DRAMAS CLIMÁTICOS E RESPONSABILIDADE SOCIAL:
A RELAÇÃO ENTRE O RITMO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS
- DIAS DE TRABALHO E DESCANSO - E O CLIMMA URBANO


Este trabalho busca contribuir, através de pesquisa geográfica, para a resposta à questão, social e politicamente relevante: até que ponto os fenômenos climáticos, especialmente em grandes áreas urbanas, são passíveis de controle humano. Investiga a hipótese de que o ritmo de trabalho e descanso da população da Região Metropolitana de São Paulo influencia os processos próprios da atmosfera urbana. Os resultados preliminares, ora apresentados, sugerem que sim. Classificaram-se os registros recentes de duas estações meteorológicas na área urbana em dias "úteis" e "não úteis". Os valores médios da temperatura do ar, da velocidade do vento e da precipitação atmosférica foram significativamente maiores enquanto da pressão atmosférica menor nos dias "úteis". Secundariamente confirmou-se a hipótese de que ocorrem mais dias "úteis" às quartas-feiras e progressivamente menos em direção ao domingo ao longo de alguns anos.
PALAVRAS-CHAVE: Atividades Econômicas; Trabalho; Descanso; Clima; Cidade de São Paulo.

ABSTRACT
CLIMATIC DRAMAS AND SOCIAL RESPONSIBILITY:
THE RELATIONSHIP AMONG THE RHYTHM OF THE ECONOMIC ACTIVITIES
- DAYS OF WORK AND DAYS OF REST - AND THE URBAN CLIMATE


This paper tries to contribute, through geographical investigation, to answer a socially and politically relevant question: how much of climatic phenomena can be put under human control, specially in large urban areas? It investigates the hypothesis that the rhythm of work and rest of the population of São Paulo’s Metropolitan Region affects urban atmospheric processes. Preliminary results suggest that this is true. Meteorological data registered in two different points of the urban area were classified according to "working" days or "not working" days. On "working" days the median values of air temperature, wind velocity and rain were higher and the median value of atmospheric pressure was lower. Also the hypothesis that more "working" days occur on Wednesdays - if periods longer than one year are considered - was confirmed.
KEYWORDS: Economic Activities; Work; Rest; Climate; City of São Paulo.





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Número 17 - set/2001  |   Universidade Federal da Paraíba  |   Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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