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Política & Trabalho 17 - Setembro / 2001 - pp. 132-134


IMAGÉTICAS MULTIDISCIPLINARES

Adriano de León (1)



KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro (org.). Imagem e memória: ensaios de antropologia visual. Rio de Janeiro: Garamond, 2001.



O foco dos estudos das Ciências Sociais é o simbolizado pelo homem e [fim da página 132] não o próprio homem. Assim enuncia Michel Foucault como um alerta para os novos arqueólogos do social.

Nos acontecimentos do curto século 20 se delineia este mundo de signos, num período bem mais imagético do que histórico. É neste caldo primevo de imagens que o antropólogo Koury lança seu olhar a partir de pesquisas, algumas destas já concretizadas nos livros Usos e imagens nas ciências sociais (1997) e Imagem e ciências sociais (1998). No presente volume, o professor Koury se alia a pesquisadores de peso como Miriam L. Moreira Leite, o americano Jay Ruby, o professor Ariosvaldo Diniz, entre outros de igual importância.

Para Ítalo Calvino, ler significa aproximar-se de algo que acaba de ganhar existência. A partir deste mote, os sentidos da paixão pela coisa vista e criada guiam o leitor neste livro de ensaios construídos com a magia das imagens do tempo. As temporalidades das imagens em territórios da memória, do luto, do medo e da ficção são tópicos do inventário de fatos no livro narrados.

As Ciências Sociais que se esvaziam de sentidos nas metanarrativas do século XIX, remontam seus objetos investigando novos campos do saber. Imagem é memória e memória é compartilhamento das condições sociais no tempo e espaço. As Ciências Sociais, guiadas pela antropologia de Gilbert Durand, Georg Simmel, Gilberto Velho, pelos arautos da Nova História, abrem-se a uma inovação metodológica cuja base é eminentemente interdisciplinar. Os processos sociais, os estigmas, a organização do cotidiano já não se perdem nas falas daqueles que já morreram, vez que se cristalizam na prata dos daguerreótipos, nas películas de Lumière ou nas digitalizações que dão formato ao nosso mundo atual.

As imagens refletem também um processo de territorialização próprio. O narrado pelos sujeitos em forma iconográfica é a forma de compor o mundo num contexto de longa duração que percorre o texto de Ana Luiza Rocha e Cornelia Eckert, a partir de um debate entre as teses de Henri Bergson e a fenomenologia da imaginação de Gaston Bachelard.

Num estudo sobre representação da morte na fotografia, Miriam L. M. Leite busca em Marcel Proust elementos da criação, recriação e esquecimento na sua obra Em busca do tempo perdido. Num exercício maravilhoso de enxergar na literatura elementos para uma arqueologia das imagens, a autora trabalha com a "grafia da luz" para reconstituir as memórias. O tempo da fotografia e o tempo cronológico são os aportes teóricos que Miriam toma na leitura de Proust.

Fotografar a morte e os rituais de morrer são os termos-chave do texto do professor Mauro Koury, a partir de uma investigação única no campo da Antropologia Visual apoiada num levantamento nacional sobre os rituais de morte e o morrer no cenário urbano brasileiro. Numa construção teórica aos moldes da Sociologia Histórica, o autor monta o quadro do imaginário simbólico sobre a morte e seus rituais a partir dos relatos de como as fotos dos mortos eram montadas. O modelo de composição da foto seria, portanto, um reconstituinte da sociedade brasileira no período estudado. Recorrências como a boa morte, a morte em paz, a passagem tranqüila, o dormir e a inocência registram a [fim da página 133] formação familiar, suas emoções e estrutura. As hierarquias do poder, a posição do morto fotografado nos diversos estratos sociais e as mudanças no ato de registrar o luto correspondem a um novo modelo de sociedade a qual passa a reproduzir a vida familiar em eventos que negam a morte e "higienizam" a vida. Faz, Koury, assim, uma arqueologia da família brasileira a partir das imagens de luto num ensaio dos mais arrojados.

Persegue as imagens de luto nos Estados Unidos o professor Jay Ruby. Trata-se de um ensaio ilustrado por fotos de moribundos através das quais busca o autor uma explicação de ordem psicológica para tais ações.

O professor Ariosvaldo Diniz traduz no seu riquíssimo ensaio o significado do imaginário da cólera no século 19. O efeito Nova História toma Ariosvaldo que, tão bem quanto Jacques Le Goff e Georges Duby, reconstrói a história do medo a partir do imaginário da cólera no Brasil. A imagem é antes de tudo um fenômeno especular a qual projeta o real via processos de identificação. Neste esteio, a cólera é vista de forma arquetípica nas imagens da peste e das pragas da história do homem. O corpo colérico degradado, as associações da cólera às imagens do mal, os processos de suplício são os recortes que o autor lança mão para montar o imaginário do medo da peste no Brasil do século XIX. Numa profusão de imagens, a doença foi socialmente construída, ora retratando a sociedade como caos, ora a ordenando face às novas atitudes diante do medo da morte.

Clarice E. Peixoto e Marc Henri Piault escrevem dois artigos sobre o uso das imagens na antropologia. O primeiro descreve seqüências de filmes etnográficos e sua interpretação da memória do cotidiano. O segundo analisa roteiros de filmes nos quais se embatem o real e o ficcional e seus corte que enfatizam, dissimulam ou mascaram os acontecimentos.

O gosto da leitura deste livro é uma suspeita agradável aos olhos do leitor: a Antropologia Visual rasga as disciplinas fechadas das narrativas sem sujeito, sem autor, revelando com suas artes imagéticas uma colcha de retalhos de fina costura. Li e me deliciei.


Nota

1) Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I – João Pessoa).







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Número 17 - set/2001  |   Universidade Federal da Paraíba  |   Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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