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Política & Trabalho 17 - Setembro / 2001 - pp. 115-127
TRÊS PIONEIROS NA SOCIOLOGIA DAS EMOÇÕES (1)
Thomas J. Scheff (2)
Este ensaio trata dos trabalhos sobre vergonha coletiva realizados por Norbert Elias (The civilizing process, 1994) e Richard Sennett (The hidden injuries of class, 1973), e o desenvolvimento do conceito de vergonha por Helen Lynd (Shame and the search for identity, 1958). Inicio com Elias porque seu trabalho sobre vergonha surgiu primeiro, originalmente publicado em alemão, no ano de 1939.
Os estudos sobre emoções tornaram-se importantes na sociologia quando estes três sociólogos se detiveram na análise sociológica de uma emoção específica. Antes do trabalho de Elias, de Lynd, e Sennett sobre o conceito de vergonha, os estudos sobre emoção pairavam apenas como uma sombra no pensamento sociológico. Durkheim, seguramente, deu proeminência ao que ele chamou de "emoção social". G. H. Mead, por seu turno, incluiu o conceito de emoção como um ingrediente importante da psicologia social. Parsons, por sua vez, promoveu a emoção para um dos quatro componentes básicos da ação social no seu esquema teórico (Parsons & Shils, 1955).
A inclusão da emoção, porém, foi realizada de modo abstrato e virtualmente sem sentido. Nosso conhecimento sobre as emoções, até o presente momento, não é generalizado, mas específico para emoções particulares. Por exemplo, todos nós sabemos alguma coisa sobre a raiva.
Não temos nenhuma dúvida de que o que nós pensamos que nós sabemos pode não ser a verdade. Mas muito do que nós sabemos é provavelmente preciso, ou pelo menos preciso o bastante para que, freqüentemente, possamos nos fazer entender e entender o que o outro pretende expressar. Sobre a raiva sabemos, ou acreditamos saber, sobre as fontes das quais ela surge, das diferentes formas e graduações que ela pode levar, e alguns dos resultados para os quais pode nos conduzir. Nós também temos tipos semelhantes de conhecimento e convicções sobre outras emoções primárias, como o medo, o pesar, a vergonha, o desprezo, a repugnância, o amor e a alegria.
Nosso conhecimento comum sobre as emoções permite nossa comunicação sobre este assunto, e contém, nele incluso, vôos de fantasia. As diferentes emoções podem ter várias semelhanças subjacentes, mas muito mais óbvias são as grandes diferenças em suas origens, formas de aparecimento, e trajetórias.
É por esta razão que as declarações gerais sobre as emoções, em alguns teóricos das Ciências Sociais, no abstrato, tenham tão pouco significado. Algo do que Durkheim, Mead, e Parsons disseram sobre as emoções poderia parecer plausível quando aplicada a uma emoção particular como, por exemplo, sobre [fim da página 115] a raiva ou o desprezo, mas não para a maioria das outras emoções. As fontes, as formas de aparecimento e as conseqüências da raiva e do medo, por exemplo, são diferentes o suficiente para que se as proíba de aparecerem juntas. Em todo caso, Durkheim, Mead e Parsons não desenvolveram conceitos sobre as emoções, nem investigaram a ocorrência atual delas na vida real, nem coletaram dados que poderiam afetar algumas proposições sobre o papel das emoções na conduta humana.
Os três sociólogos, cujos trabalhos agora passo em revista, deram os primeiros passos para a investigação de uma emoção específica. Nos seus vários estudos aqui descritos, eles nem sempre nomearam a emoção de vergonha. Sennett, por exemplo, no seu Hidden Injuries, não fez nenhum esforço para desenvolver um conceito sobre a vergonha, e a nomeou poucas vezes apenas. Como se pode verificar aqui, então, o ato de nomear é parte importante de uma investigação.
Todos os estudos sobre emoções , desenvolvidos por estes pioneiros, envolveram a emoção que chamo de vergonha. Por vergonha, eu compreendo uma grande família de emoções que incluem diversos cognatos e variantes, como o embaraço, a humilhação e relaciona-se a sentimentos que envolvem reações de rejeição ou sentimentos de fracasso e inadequação.
Estes três pioneiros agiram de forma independente um do outro, e de outros pesquisadores, nos seus estudos sobre emoção. No caso de Elias e Sennett, suas descobertas sobre a vergonha parecem, quase, que foram feitas ao acaso, como que forçadas pelos dados por eles observados ou levantados. Certamente, o trabalho de Elias sobre o limiar da vergonha, na história de quatro culturas européias, parece fazê-la surgir de todo e qualquer lugar. O livro de Lynd sobre a vergonha é contemporâneo com os primeiros escritos de Goffman sobre o embaraço. No seu livro houve uma citação do artigo de Goffman sobre os trabalhos da face, e nele percebeu que o ponto principal do trabalho facial era o da procura de uma significação para o rosto que evitasse o embaraço ou a vergonha. Embora Lynd fosse uma socióloga, ela também estava interessada na teoria psicanalítica; o livro dela, também, faz um balanço da literatura psicanalítica sobre a vergonha.
Eu não incluí, neste ensaio, Goffman como um dos pioneiros na sociologia da emoção, embora ele tivesse um íntimo contato com ela. Goffman nunca foi tão longe como Sennett ou Elias na compreensão da emoção vergonha, e certamente não tão longe como Lynd, embora ele tenha tido muitas oportunidades para assim o fazer. Em seus primeiros trabalhos sobre os tipos de apresentação e a idéia do EU e sobre o trabalho facial, os sentimentos de embaraço e ausência de embaraço estiveram na linha central do seu pensamento, porém sem nomeá-las. Nos seus estudos sobre estigma e asilos, a vergonha, mais uma vez, é o elemento chave, mas ele a menciona só de passagem.
Há apenas um ensaio no qual a nomeia. É um breve capítulo sobre embaraço e controle social, contido no seu livro Interaction ritual (1967). Mas, aqui, ele está baseado no princípio da habilidade de manobra, o lado psicológico do embaraço que pode ser evitado. Desde que reivindico (Scheff, 1997) que o conceito de emoção não pode ser entendido sem se evocar os seus componentes internos e externos, isto é, o envolvimento psicológico e social, me parece que [fim da página 116] este ensaio não avançou no sentido de uma sociologia da emoção, só sedimentou a idéia de que o comportamento humano pode ser entendido, em termos estritamente estruturais.
O trabalho de Sennett também sofreu um pouco de influência externa. Ele cita o livro de Lynd sobre vergonha em The Hidden Injuries of Class (1972), e possui um capítulo sobre vergonha no seu livro Authority (1980), no qual cita a tradução inglesa de Elias The Civilizing Process: A History of Customs (1978). A comparação e as conexões possíveis entre o trabalho de Elias e Sennett figurarão mais adiante em minhas anotações sobre Sennett, desde que podem nos ensinar algo sobre o nomear e sobre o anonimato de emoções específicas. Como sugerirei, a vergonha é o ponto central do The Hidden Injuries, a primeira aproximação de Sennett para a noção de vergonha, embora não exista nenhum conceito de vergonha neste livro. No caso de Elias, o contrário é a verdade; o conceito de vergonha é o fio condutor do The Civilizing Process (1939), mas quase desaparece em The Germans (1996), embora a vergonha seja ainda um assunto central e importante, também, neste último livro.
"Uma característica do processo civilizador, com força equivalente a do conceito de racionalização, é a da forma peculiar assumida na direção da economia do que nós chamamos de vergonha e repugnância ou de embaraço." (Elias, 1982: 292)
Elias esboçou uma teoria da modernidade, usando trechos de manuais de aconselhamento em um plano histórico muito longo, os últimos cinco séculos. Ao examinar os conselhos relativos a etiquetas, especialmente sobre os modos de mesa, sobre o funcionamento do corpo, sobre a sexualidade, e sobre a raiva, ele sugere que o aspecto central da modernidade envolve uma verdadeira explosão da vergonha.
Embora ele use uma terminologia um pouco diferente, a tese central de Elias relativa a modernidade está próxima da minha própria questão (Scheff, 1990). Em minha análise da modernidade, eu aponto o que considero ser as conseqüências alienantes da modernidade: a diminuição do limiar da vergonha no momento da ruptura das comunidades rurais, e a diminuição do reconhecimento da vergonha, que também pode ter tido conseqüências poderosas nos níveis da consciência e do autocontrole.
Eu citarei apenas um único dos muitos trechos dos manuais de aconselhamento usados por Elias. Ele primeiro apresenta um longo trecho de um manual do século XIX, intitulado A Educação das Meninas (Von Raumer, [fim da página 117] 1857), que aconselha para as mães como devem responder a perguntas sexuais. Como resposta para a questão "De onde vêm os bebês?", Von Raumer sugere "que as Crianças devessem permanecer o maior tempo possível com a convicção de que um anjo trazia os pequenos seres para a mãe...".
Se o assunto surgisse novamente, a criança deveria ser duramente advertida: "Não é bom para você saber tal coisa, e você deve tomar cuidado para não escutar mais nada sobre isto". Von Raumer conclui esta passagem com um conselho que chama a atenção para a vergonha da mãe e lhe aconselha que envergonhe a filha: "Uma menina verdadeiramente educada sentirá vergonha dali em diante de ouvir coisas deste tipo".
Este conselho sugere três quebra-cabeças diferentes:
1. Por que o autor, Von Raumer, oferece para a mãe um conselho tão absurdo?
2. Por que a mãe segue o seu conselho (como a maioria o fez)?
3. Por que as filhas o seguem (como a maioria o fez)?
A Teoria feminista moderna poderia responder à primeira pergunta afirmando que o conselho de Von Raumer surge a partir de sua posição de poder: ele buscou dar continuidade a supremacia masculina, aconselhando a mãe que agisse segundo o modelo consoante com o papel das mulheres como subordinado ao dos homens: o papel da mulher é kirche, kueche, kinder (igreja, cozinha, crianças). Mantendo as mulheres ignorantes da sexualidade e da reprodução poderia, talvez, assim, ajudar a dar continuidade a este sistema.
Esta formulação provavelmente é parte de uma resposta completa, mas não atende às outras duas perguntas. Por que as mães e as filhas submetem-se a ignorância? A formulação de Elias provê uma resposta para todas as três perguntas, sem contradizer a resposta feminista. Cada uma destas pessoas, o homem e as duas leitoras hipotéticas, a mãe e a filha, são detentores da mesma vergonha, em relação a questão da sexualidade, para pensarem claramente sobre ela. Poderia ser verdade que o conselho de Von Raumer fizesse parte de uma posição chauvinista masculina dele, mas é também verdadeiro que ele se encontrava bastante envergonhado para pensar no significado do seu conselho também. Pensamentos e emoções são partes de uma mesma cadeia causal.
O estudo de Elias sugere, assim, um modo de compreensão sobre a transmissão social do tabu sobre a vergonha. O adulto, o autor Von Raumer neste caso, se encontra não só envergonhado sobre a questão sexual, mas se encontra, principalmente, envergonhado de se encontrar envergonhado e, provavelmente, envergonhado da vergonha que ele despertará no leitor dele.
A mãe, respondendo ao texto de Von Raumer, por sua vez, reagirá, provavelmente, de um modo semelhante, e se envergonhará, e ficará envergonhada de estar envergonhada, e ficará envergonhada de causar mais adiante vergonha na filha. O conselho de Von Raumer é, deste modo, parte de um sistema social no qual o esforço para um tipo de delicadeza civilizada resulta em uma reação em cadeia infinita de vergonha não nomeada, anônima. A reação em cadeia se dá, ao mesmo tempo, no interior das pessoas e entre elas, uma espécie de "triplo espiral": uma espiral dentro de cada outra, e entre elas mesmas (Scheff, 1990). Elias mostrou que havia muito menos vergonha no que diz respeito aos costumes e as emoções, na primeira parte do período por ele [fim da página 118] estudado, do que havia no século XIX, e então, deduzo, muito menos vergonhas entrelaçadas.
No final do século XVII e começo do XVIII, uma mudança começou a acontecer nas formas de aconselhamentos sobre costumes e maneiras. O que era dito abertamente e diretamente no passado começa a ser apenas indicado, ou não completamente dito. Além disso, justificações abertas são cada vez menos dadas. Uma pessoa é cortês porque é a coisa certa a fazer. Qualquer pessoa decente será cortesã; a intimação deixa de ser direta. As más maneiras não estão apenas erradas pela ação e demonstração pessoal, mas tornam-se indizíveis, de agora em diante. Este é o início da repressão.
As mudanças que Elias documenta são graduais mas de caráter inexorável. Em uma continua sucessão de pequenos desenvolvimentos, os manuais vão se tornando silenciosos sobre a confiança de costumes, de estilos e de identidade sobre o respeito, a honra e o orgulho, e sobre a ausência da vergonha e do embaraço. No final do século XVIII, a base social do decoro e da decência tinha ficado virtualmente indizível. Distinto de Freud ou de qualquer um outro, Elias documenta, passo a passo, a sucessão de eventos que conduziram à repressão das emoções na civilização moderna.
No século XIX, segundo Elias, novos modos são inculcados, de adulto para adulto, através de um discurso verbal no qual justificações são oferecidas. A socialização modifica-se pouco a pouco, passa das mudanças lentas e conscientes realizadas por adultos durante séculos, para uma doutrinação rápida e silenciosa das crianças, desde a mais tenra idade. Nenhuma justificação é oferecida à maioria das crianças; a cortesia tornou-se absoluta. Além disso, qualquer a pessoa decente não teria que ser contida, como foi sugerido no texto interpretado acima. Nas sociedades modernas, a socialização da maioria das crianças, automaticamente, inculca e reprime a vergonha.
Embora a análise de Elias da mudança do limiar da vergonha na história européia agora pareça extraordinariamente importante, foi a última vez que ele explicitamente se referiu a este processo. Nenhum dos seus muitos trabalhos subseqüentes retornou a uma análise explícita da vergonha. Na próxima seção, comparando a sua experiência com a de Sennett, sugerirei uma explicação.
"Em uma classe de crianças italianas, em sua maior parte escuras, eles foram logo notados. De início, o professor separou as duas crianças (...). Para elas, ele falou com um calor especial na voz. Ele nunca as louvou abertamente (...) mas uma mensagem que eles eram diferentes, e melhores, foi espontaneamente espalhada." (p. 81)
Sennett e Cobb discutem que os professores elegem para atenção e elogio apenas uma porcentagem muito pequena dos estudantes, normalmente estudantes que são talentosos ou de classe média, ou mais próximos em ações e aparência da classe média. O elogio e a atenção permitem aos estudantes desenvolver o potencial para sua realização. A maior parte dos meninos, contudo, são ignorados e, de modo sutil, rejeitados:
"(...) quando as crianças completam dez ou onze anos a divisão entre os muitos e os poucos já é, como que, esperada e existe uma expectativa ‘para que eles façam algo por eles mesmos’ lá fora, ao ar livre (...). [A massa dos] meninos na ação de classe, parece como se eles estivessem servindo um tempo, como se o trabalho escolar e turmas tivessem se tornado em algo vazio, como um hiato, um espaço em branco nas vidas que eles esperam sobreviver (...)." (pp. 82-83)
[fim da página 120]
Esta declaração é uma acusação condenando as escolas públicas. Existem apenas alguns poucos meninos da classe trabalhadora que alcançam e desenvolvem o seu potencial em virtude do seu talento acadêmico ou atlético superior.
A grande massa, porém, não o faz. Para estes últimos, antes que haja uma abertura do mundo da cultura e da realização pessoal, as escolas públicas fecham esta possibilidade. A educação, em lugar de se tornar uma fonte de crescimento pessoal e cultural, provê apenas vergonha e rejeição. Para a maioria dos estudantes das escolas públicas, sobrevivendo dia após dia, a educação significa uma constância de sentimentos de vergonha e embaraço todos os dias. Estes estudantes aprendem, em torno do segundo ou terceiro grau, que é melhor ficar calado na classe do que correrem o risco do ridículo ou da humilhação de uma resposta errada. Até mesmo os estudantes que possuem as respostas corretas tem que lidar com a pronúncia certa, a vestimenta ou a aparência física apropriada. Para a maioria dos estudantes, o processo de educação é um vale de vergonha.
"(...)as técnicas existentes para o estudo da natureza humana nunca foram tão abundantes; nunca houveram tantas pessoas ocupadas com seus usos. Se a compreensão da identidade... poderia ser realizada por tais meios, [o problema de identidade] teria assegurado a sua solução. Mas como todo modo de ver também é um modo de não ver, a mesma multiplicação de categorias e a mesma precisão, de técnicas podem também... atuar como barreiras (...).
Certas experiências, não facilmente etiquetadas, diluíram-se, completamente, através das categorias ou, se informaram uma localização e um nome, circunscreveram-nas de tal um modo que o seu caráter essencial ficou perdido... Entre estas experiências, encontram-se... a vergonha, a ansiedade, a alegria, o amor, o sentimento de honra, a admiração, a curiosidade, o desejo, o sentimento de orgulho, o respeito próprio. Destas, apenas a ansiedade foi assunto de um amplo e especializado estudo." (1958: 16)
Note-se que a lista de Lynd contém três outros tópicos, além da vergonha, que estão estreitamente relacionados ao ato de envergonhar. São eles: o sentimento de honra, o sentimento de orgulho, e o auto-respeito. Os estudos sobre emoções entre-culturas, realizados por Paul Ekman (1972), são um bom exemplo do que ela está dizendo sobre o sentimento de vergonha. Este conceito perdendo-se, analiticamente, sufocado pela rede de técnicas em uso. Embora a vergonha seja, obviamente, uma emoção central em todas as culturas e eras históricas, Ekman e o seu grupo de trabalho a omitiram completamente, como muitos outros estudiosos da emoção.
Lynd explica que a vergonha, seus cognatos e emoções a ela relacionadas, foram deixados de fora dos estudos porque se encontram profundamente silenciadas, mas estão, também, e ao mesmo tempo, tão intricadas nos negócios humanos quanto pode ser sentida a relação da água para o peixe. Ela afirma este ponto de muitos modos, mas, aqui particularmente, através da sua distinção cuidadosa entre o sentimento de vergonha e o de culpabilidade. Ela nota que a [fim da página 124] culpabilidade é normalmente sentida como extremamente específica e se encontra perto da superfície; envolve atos específicos feitos, ou não realizados. A culpabilidade, desta forma, está próxima ao que uma pessoa fez. A vergonha, por seu turno, se encontra sobre o EU, sobre o que a pessoa é.
A culpabilidade, também, envolve sentimentos de que o ego é forte e intacto: a pessoa é poderosa o bastante para ferir o outro, e a pessoa também é poderosa o bastante para fazer indenizações. A vergonha, por contraste, apresenta-se através de um sentimento de fraqueza e de dissolução do ego, ou mesmo através do anseio interior de sufocação e desaparecimento do EU. A culpabilidade é uma emoção altamente individualista, reafirmando a centralidade da pessoa isolada. A vergonha é uma emoção social e reafirma a interdependência emocional das pessoas.
O trabalho de Lynd, junto com Lewis (1971), provê a consolidação de um campo científico para o estudo sobre o sentimento vergonha, e um jogo de direções e diretrizes para a sociologia e a psicologia da emoção.
O desenvolvimento de um conceito para o sentimento vergonha, que inclui definições analíticas e operacionais, é de uma importância crucial para o estudo científico desta emoção. Pode parecer que os testemunhos subjetivos sobre os estados da vergonha não sejam válidos. A maioria dos estados da vergonha não são experienciados conscientemente, mas se encontram no inconsciente ou não são nomeados. São evitados ou se encontram em formas latentes, como uma vergonha indiferenciada, aqui utilizando a terminologia de Lewis (1971). Por esta razão, estudos que confiaram apenas em testemunhos subjetivos dos informantes, ao invés de observações aprofundadas contidas nestes discursos, foram hábeis em omitir, na maior parte deles, a vergonha. Também não está claro que relatos dos testemunhos dos informantes são sobre sua própria vergonha e não de outros, e de que outros relatos são necessários.
Novos estudos são fundamentais para que se estabeleça a validade destes relatos subjetivos sobre a vergonha. Um possível projeto terá de basear-se nos relatos subjetivos das experiências com o sentimento vergonha do EU e dos outros, em um diálogo que possa ser gravado em vídeo. Deste modo, a validade das narrativas poderia ser conferida e contrastada com avaliações de especialistas. Retzinger (1991) descobriu que, quando mostrou aos seus informantes o vídeo de suas disputas, a maioria deles pode identificar a raiva nas suas próprias faces, até mesmo quando não tinham sido chamados a atenção para isso, na ocasião. Mas nenhum deles pode identificar vergonha nas suas próprias faces e gestos.
Este e outros trabalhos sugerem, assim, que ainda é prematuro basear estudos sobre o sentimento vergonha apenas tendo por base as narrativas dos informantes.
Para continuar o seu desenvolvimento, a sociologia e psicologia da emoção devem seguir os parâmetros desenhados por Elias, Sennett, e Lynd. Se pudéssemos concordar com um método fidedigno e válido para o estudo da vergonha, poderíamos começar testando as hipóteses chaves sobre a vergonha coletiva estabelecida por estes pioneiros, de que a vergonha está aumentando nas sociedades modernas mas, e ao mesmo tempo, a consciência sobre a vergonha está diminuindo, e, de que, os membros da classe trabalhadora e das [fim da página 125] classes baixas encontram-se tocados pelo sentimento de vergonha pelo seu próprio status.
Há muitas possibilidades de testes de hipóteses implicadas em Lynd (1961). Uma centralmente importante é a do efeito de reconhecer a vergonha no laço, na rede de onde emerge: ela propôs que um laço estará seguro pela extensão do reconhecimento da vergonha entre os participantes. Esta idéia também foi central para os trabalhos de pesquisa desenvolvidos por Lewis (1971) e pela sua prática altamente estimulante em psicanálise, mas ainda tem que ser testada objetivamente.
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Notas
RESUMO
TRÊS PIONEIROS NA SOCIOLOGIA DAS EMOÇÕES
Os estudos sobre emoções tornaram-se importantes na sociologia quando três sociólogos se detiveram na análise sociológica de uma emoção específica. Este ensaio trata dos trabalhos sobre vergonha coletiva realizados por Norbert Elias (The Civilizing Process, 1994) e Richard Sennett (The Hidden Injuries of Class, 1973), e o desenvolvimento do conceito de vergonha por Helen Lynd (Shame and the Search for Identity, 1958).
PALAVRAS-CHAVE: Emoção e Sociedade; Sociologia da Emoção; Vergonha Coletiva; Norbert Elias; Richard Sennett; Helen Lynd
ABSTRACT
THREE PIONEERS IN THE SOCIOLOGY OF EMOTION
Emotions became important in sociology when three sociologists dealt with a specific emotion. This essay deals with the work on collective shame by Norbert Elias (The Civilizing Process, 1994) and Richard Sennett (The Hidden Injuries of Class, 1973), and the development of the concept of shame by Helen Lynd (On Shame and the Search for Identity ,1958).
KEYWORDS: Emotion and Society; Sociology of Emotion; Collective Shame; Norbert Elias; Richard Sennett; Helen Lynd.