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O NASCIMENTO DA "CELESTE OLÍMPICA"
Vamos empreender uma longa viagem de volta no tempo. Estamos em 1904. Este foi o ano de nascimento da FIFA, a Federação Internacional de Futebol Association. Desde então sonhava-se com a realização de um grande torneio mundial de futebol que reunisse as maiores escolas de futebol do planeta. Em 1905 já houvera uma tentativa frustrada, quando nenhum país se inscreveu. A idéia só começou a se concretizar em 1914 quando em um Congresso da entidade, o holandês Hirschmann relançou o antigo sonho quase esquecido. Sugeriu-se até que o Torneio Olímpico de futebol fosse uma espécie de Copa do Mundo de Seleções. Nesse meio tempo, a Europa começou a ser devastada pela I Grande Guerra. Os planos são novamente interrompidos pelo conflito, até que em 1920 Jules Rimet é eleito para o cargo de presidente da FIFA, durante o Congresso realizado pela entidade. Daí para frente, foram retomadas as negociações e em 1928, em Amsterdam, foi enfim aprovada uma resolução da mais alta importância: a cada quatro anos haveria uma competição internacional de futebol, sendo que o país que vencesse três delas, levaria a taça em definitivo para casa. A primeira Copa foi programada para 1930, afastada do âmbito do COI (Comitê Olímpico Internacional). O sonho levaria 26 anos para se tornar realidade. Uma taça foi desenhada pelo artista francês Abel La Fleur e levou o nome de Jules Rimet, numa justa homenagem ao grande empreendedor. Restava escolher o país a ter a honra de sediar a primeira Copa do Mundo. O Uruguai venceu a disputa e foi eleito por aclamação em 1929, em Barcelona, por diversas razões, entre elas, pelo fato de ser talvez a melhor seleção da época. Havia conquistado o ouro olímpico nas Olimpíadas de Paris (1924) e de Amsterdam (1928), além de que em 1930 o país comemoraria o Centenário de sua Independência. Naquele tempo havia dificuldades para se aceitar um convite para participar de um evento tão distante, nos confins meridionais da América do Sul. Uma viagem de navio da Europa para o Uruguai levava não menos de 15 dias; o profissionalismo estava ainda engatinhando, o que dificultava a liberação dos jogadores de seus afazeres profissionais; e, finalmente, a Europa estava à beira de uma guerra, passando por uma série de problemas de ordem econômica. Jules Rimet foi feliz em seus esforços, embora só conseguindo confirmações de quatro países europeus: a Romênia, a França, a Bélgica e a Iugoslávia. A Romênia aceitou de imediato, pois seu monarca, o Rei Carol, era um entusiasta do futebol. Ele mesmo selecionou, ao acaso, 15 jogadores e os pôs num trem para Gênova, de onde embarcariam, junto com os franceses e os belgas, no transatlântico "Conte Verde". A bordo, os jogadores treinaram na piscina de água doce, praticando exercícios com halteres e correndo em volta do convés. Quanto aos iugoslavos, vieram no "Flórida", navio de luxo fretado para o turismo de ricaços. Como é de se imaginar, foi um verdadeiro regime de "dolce far niente". Resultado dessas viagens: as quatro equipes desembarcaram em Montevidéo trazendo jogadores fora de forma e com peso acima do ideal. Foram muito sentidas as ausências da Holanda, Suécia, Hungria, Itália e Espanha que desistiram, agastadas pelo fato de terem também sido candidatas a sediar a Copa. A Alemanha, Áustria, Suíça e Tchecoslováquia alegaram dificuldades de caráter econômico em meio à crise mundial. As federações britânicas também se negaram a participar, pois eram contrárias ao profissionalismo que ensaiava seus primeiros passos. Assim sendo, este primeiro Mundial ficou restrito a treze seleções, as quatro européias citadas e as americanas, a saber: Estados Unidos, México, Brasil, Chile, Paraguai, Perú, Bolívia, Argentina e Uruguai, o anfitrião da festa. Enquanto isso, os uruguaios, antes mesmo de ter seu país confirmado como sede, se preparavam para o grande evento esportivo. Construíram um enorme estádio, batizado de "Centenário", previsto para uma capacidade final de 100.000 torcedores. Infelizmente, ele não ficou pronto a tempo, de modo que os primeiros jogos foram realizados no estádio com o concreto ainda fresco. Além disso, os anfitriões se responsabilizaram pelos gastos de hospedagem das diversas seleções. O Uruguai era, sem dúvida, um dos principais favoritos ao título, tendo em vista suas últimas conquistas: dois ouros olímpicos (24 e 28) e dois campeonatos sul-americanos (24 e 26). Havia sido vitorioso em importantes encontros nos jogos olímpicos de 24, colhendo magníficos resultados contra a Iugoslávia (7x0), a França (5x1), a Holanda (2x1) e na final contra a Suíça (3x0). Nas Olimpíadas de 28, derrotaram os holandeses, os alemães e os italianos, triunfando na final contra seu tradicional adversário, os argentinos. Nascia a "Celeste Olímpica" (celeste pelo fato de esta ser a cor de sua camisa). O Uruguai foi a primeira grande seleção da história. Seus jogadores eram muito bem dotados tecnicamente e possuíam uma garra incomparável. Seu maior astro era Leandro Andrade, "A Maravilha Negra". Ficaram famosas suas noitadas durante as Olimpíadas de 24, ao conquistar inúmeras admiradoras exibindo-se dançando o tango em night-clubs parisienses. A Copa do Mundo começou no dia 13 de julho de 1930. Foram sorteados quatro grupos, sendo um com quatro participantes e os outros com três, totalizando treze países. De cada grupo estaria classificado apenas o 1o colocado. Os países selecionados para as semifinais foram a Argentina, o Uruguai, a Iugoslávia e, pasmem, os Estados Unidos. A equipe norte-americana era quase toda formada por jogadores veteranos da Escócia. A Bélgica, considerada favorita do grupo, sentiu muito a ausência de seu craque maior, o jogador Raymond Braine. Da Europa, apenas a Iugoslávia conseguiu ultrapassar esta etapa e avançar rumo às semi-finais. O Brasil, por sua vez, envolvido em problemas resultantes da briga entre a CBD e a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), só levou jogadores do Rio de Janeiro. Resultado: perdeu logo na estréia para a Iugoslávia (2x1), vencendo a Bolívia em seguida (4x0), não logrando a classificação. Nossa seleção já gozava de algum prestígio internacional, tanto assim que de, 1931 em diante, uma leva de jogadores brasileiros rumou para a Europa em busca do Eldorado, materializado pelo profissionalismo em ascenção no Velho Continente. A campanha uruguaia nas eliminatórias foi tranquila. Derrotaram os peruanos pelo placar de 1x0, gol de Castro. A seguir, venceram com folga a Romênia por 4x0, gols de Dorado, Scarone, Anselmo e Cea. A grande rival Argentina emplacou três vitórias: 1x0 sobre a França, 6x3 em cima do México e 3x1 no Chile. Destaque especial para o centro-avante argentino Stábile, com 5 gols nesses três jogos. Stábile viria a ser o artilheiro máximo do Mundial, com 8 gols. As semi-finais começaram em 26 de julho, com dois jogos. No primeiro, a Argentina goleou os Estados Unidos por 6x1, tendo Stábile assinalado dois dos seis gols portenhos. Na outra partida, o Uruguai também goleou a Iugoslávia pelo mesmo placar, marcando Cea (3), Anselmo (2) e Iriarte para a Celeste Olímpica. Para a finalíssima sobraram, como era de se esperar, Uruguai e Argentina. O dia: 30 de julho, com o Estádio Centenário abrigando cerca de 93.000 torcedores. O juiz escolhido, apenas três horas antes do jogo, foi o belga John Langenus. Ele aceitou, mas exigiu duas cláusulas: um seguro de vida para si, tendo como beneficiária sua família e a presença de uma lancha ancorada no porto, pronta para zarpar no mais tardar uma hora depois de a partida haver terminado. Os argentinos haviam reservado 20.000 ingressos e alugaram, às pressas, dez vapores para atravessar o Rio da Prata, rumo a Montevidéo. Navegaram entusiasmados, aos gritos de "vitória ou morte!". A expectativa tomou conta de todos e cercou o jogo com uma atmosfera de apreensão. Os portenhos e os uruguaios já se haviam enfrentado inúmeras vezes, havendo uma pequena supremacia argentina, com 44 vitórias e 39 derrotas. Pouco antes do início da partida, ainda nos vestiários, o centro-avante titular uruguaio Peregrino Anselmo pediu para não jogar, sendo imediatamente substituído por Héctor "Manco" Castro (ele só tinha um dos braços). Castro era muito querido pelo público por sua garra incomparável. O time da casa era em grande parte formado por jogadores do Nacional (oito, incluindo Andrade, Cea e Scarone, os destaques da equipe) e do Peñarol (com cinco convocados). O juiz Langenus, por outro lado, defrontou-se com um problema de última hora: ambas as seleções queriam atuar com suas respectivas bolas, pois havia uma leve diferença de peso entre ambas. Sua solução foi salomônica, pois decidiu que cada tempo seria jogado com uma das bolas. O curioso é que cada equipe ganhou o tempo no qual foi utilizada sua própria bola. A 1a etapa da tão aguardada final foi dominada pela equipe argentina, que fez 2x1. Para o 2o tempo, os argentinos pareciam algo assustados pelo jogo que corria pesado em campo e pela ululante torcida uruguaia. Monti e Varallo, por exemplo, não deveriam ter jogado de tão apavorados que estavam, segundo relatos da época (Monti se sagraria campeão mundial em 34, jogando pela Itália na condição de "oriundi"). Na etapa final, os futuros campeões se lançaram desesperadamente ao ataque, conseguindo assinalar dois gols. A Argentina se recuperou, mas o Uruguai, jogando no contra-ataque, conseguiu fechar a partida com um triunfo de 4x2. Os gols foram marcados por Dorado, Cea, Iriarte e Castro para os campeões e Peucelle e Stábile para os vice-campeões. Após a partida, o argentino Manuel Ferreira, um dos destaques de sua equipe, declarou que "alguns disseram que o Uruguai hostilizou a Argentina porque deu muitas patadas. Isso não é verdade. Eles jogaram forte como sempre fizeram, inclusive eu". A Argentina foi derrotada, mesmo tendo um ataque dos melhores, no qual se destacava a figura de seu centro-avante artilheiro Stábile. Os argentinos tinham realmente uma excelente equipe, tanto assim que haviam conquistado a Copa América nos anos 27 e 29, o que valorizou bastante a conquista uruguaia. Entre os campeões, citemos Pedro Cea, vice-artilheiro da Copa, Héctor "Manco" Castro, um verdadeiro coringa, jogando em todas as posições da dianteira, Héctor Scarone, um dos maiores jogadores de então, e José Leandro Andrade, o mais famoso craque do time. Terminada a Copa, um verdadeiro carnaval tomou conta de Montevidéo. Os jogadores uruguaios foram aclamados como heróis, Héctor Scarone à frente. Os jornais locais saudavam seu atacante com manchetes onde estampavam seu apelido, "El Mago". Enquanto isso, o choro e as desculpas de sempre dominavam a capital argentina. A culpa sobrou para os atletas, tendo alguns sido acusados de não terem jogado o que poderiam. Na verdade, o que faltou aos argentinos foi saber dominar os nervos na partida final. O Uruguai, por sua vez, surpreendeu o mundo com seu jogo de toques e de passes curtos, o oposto do futebol que normalmente era empregado na Europa, com passes longos e emprego de força física. O futebol sul-americano acabara de surpreender, suplantando o futebol europeu e tomando-lhe das mãos a vanguarda. Enquanto isso, começava na Argentina, logo após a Copa, o êxodo de seus grandes ídolos em direção aos países de além-mar, onde poderiam ter melhores oportunidades profissionais. O Uruguai jogou a final com Ballestreros; Nazassi e Mascheroni; Andrade, Fernandez e Gestido; Dorado, Scarone, Castro, Cea e Iriarte. A Argentina pisou o gramado com Botasso; Della Torre e Paternoster; Juan Evaristo, Monti e Suarez; Peucelle, Varallo, Stábile, Ferreira e Mario Evaristo. Vamos, a seguir, enfocar três campeões mundiais que tiveram participação decisiva na grande conquista. José Leandro Andrade, conhecido como "A Maravilha Negra". Meio-campista, foi um precursor de nossos modernos alas, graças às suas constantes subidas para o ataque. Foi o principal jogador uruguaio das Olimpíadas de 24 na França, o que originou sua merecida fama. Iniciou sua carreira no Bella Vista, transferindo-se depois para o Nacional, clube em que foi campeão nos anos de 22 e 24. Conquistou, também, o bi-campeonato olímpico em 28. Encerrou sua carreira jogando pelo Peñarol, onde foi campeão em 32. Levantou os campeonatos sul-americanos de 23 e 26. Era um jogador técnico, com um fôlego impressionante e, além do mais, dotado de muita garra. Héctor Scarone, apelidado de "O Mago", um dos maiores jogadores uruguaios de todos os tempos. Era um meia-direita criativo e armador de jogadas para o ataque, além de um emérito artilheiro. Jogou toda sua carreira pelo Nacional, sendo oito vezes campeão uruguaio entre 1916 e 1934. Marcou mais de 300 gols por seu clube. Andou pela Itália e pela Espanha, onde brilhou em várias equipes. Foi campeão olímpico de 24 e 28. Participou de 64 partidas por sua seleção. Depois, tornou-se treinador em sua pátria e na Europa, tendo sido técnico do Real Madrid. Disputa com Andrade a fama de melhor jogador uruguaio de todos os tempos. Pedro Cea, conhecido como "Peão". Sempre teve um preparo físico invejável, que o fazia se deslocar por todo campo, daí a origem de seu apelido. Meia-esquerda famoso em seu tempo, atuou pelo Club Lito e pelo Nacional de Montevidéo, onde conquistou seu único título nacional, em 1934. Esteve presente em todas as partidas das duas Olimpíadas e da Copa de 30. Conquistou, também, os campeonatos sul-americanos de 23 e 24.
Resumo da Copa (os três primeiros colocados)
O técnico uruguaio era Alberto Suppicci, aliás um "trainer", como eram chamados os técnicos na época. Suppicci nunca havia sido treinador de futebol. Seguia a carreira de "preparador atlético" (o mesmo que "preparador físico" em nossos dias). Dirigia com sucesso o departamento juvenil do Peñarol, quando foi convidado para ser o técnico da seleção para a Copa de 1930. Conseguiu atingir seu objetivo de conduzir o Uruguai o título mundial, graças principalmente a seu plano de treinamento físico e à concentração que escolheu, um sítio calmo e aprazível distante de Montevidéo, que mais parecia um mosteiro. Terminada a Copa, retornou humildemente à sua verdadeira profissão. Foi, anos depois, chefe da delegação pátria nas Olimpíadas de Londres. Curiosamente, foi o técnico de seleção com a melhor estatística em todos os tempos, ao vencer todos os jogos que dirigiu. Vale lembrar, porém, que dirigiu apenas quatro partidas. Faleceu em 1981, totalmente no ostracismo.
A TÁTICA
O sistema tático empregado pelo Uruguai foi a velha "Pirâmide", o 2-3-5, também usado pela Argentina. Devido à ausência da maioria dos times europeus, não foi possível o confronto deste esquema de jogo com os esquemas novos utilizados na Europa, como o WM inglês e as táticas preciosistas da Europa Central, empregadas pela chamada "Escola do Danúbio". Os países sul-americanos continuavam fiéis ao 2-3-5, a também chamada "Escola Rioplatense", introduzida em 1909 pelo escocês John Harley no Peñarol. A verdade é que os uruguaios, graças à Pirâmide, conseguiam um balanço muito bom entre defesa, meio-campo e ataque, alcançando uma boa compactação de todos os setores do time. Quando partiam para o ataque, a defesa também avançava em bloco para retomar as bolas devolvidas pelos defensores contrários. O sistema de retaguarda marcava por zona, tendo em Nazassi quase que um "líbero" jogando na sobra. Os meio-campistas Fernandez e Gestido tinham funções de primeiro combate aos avantes contrários. O grande craque Andrade tinha mais liberdade de ação, subindo constantemente em apoio aos atacantes. A linha de frente formava um "M", com os meias Cea e Scarone encarregados de criar opções para os pontas Dorado e Iriarte e para o centro-avante Castro (ou Anselmo). Este último era um pivô que centralizava a distribuição do jogo ofensivo. Como vimos, o sonho da concretização de uma Copa do Mundo tornou-se realidade somente 26 anos após a criação da FIFA. Os entendimentos e as conversações foram exaustivas para a realização do evento. Jules Rimet e seus antecessores mal poderiam supor que hoje, passados quase 70 anos após o primeiro Mundial, o grande certame estaria mais vivo do que nunca. Valeu a pena sonhar Sorte nossa que o troféu tenha ficado em mãos sul-americanas, tão bem representadas pela Celeste Olímpica.
E-Mails para a coluna: alspm@unisys.com.br André Luiz Medeiros é
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