Carta à amiga e mestra Maria Werneck de Castro

Querida Dona Maria Werneck,

Há alguns anos a senhora já não está mais aqui para conversarmos...Nossas histórias surgiam enquanto pintávamos em sua casa e continuavam no intervalo para o bolo com chá servido em louça de porcelana...

A senhora não me permitia lhe apresentar como professora, pois modesta, dizia que não me ensinava... Muito mais que isso, foi a mestra que me indicou e iluminou o caminho que até hoje percorro.

Exigente, de postura elegante e rígida, com ternura me ensinou a disciplina do trabalho que ultrapassa o domínio da técnica até a arte da profunda entrega, de quem sabe o ofício. Tinha o traço preciso, o compromisso com a exatidão, a honestidade com a ciência, a limpeza da estampa e dos contornos no papel ... e a generosidade com que dividia, sem temor seus conhecimentos com todos os jovens ilustradores que lhe aproximavam.

Quando vi o enorme cuidado com que enxugava seus pincéis em delicado pano de linho aprendi o respeito aos papéis, tintas e pincéis, ferramentas sagradas e nossos companheiros nas jornadas silenciosas noite a dentro. Guardo seus pincéis misturados aos meus como se eles continuassem de certa maneira a carregar em suas cerdas boa parte do nosso convívio e de algum modo possam servir de preciosa orientação no meu vôo solo... Dona Maria Werneck

Tive o privilégio de ser sua discípula e lhe acompanhar até mesmo nos momentos em que a mestra admitia que não poderia mais pintar porque estava envelhecendo e a visão já não mais lhe permitia.... Mesmo assim, a imagem que ficou para sempre é de que possuía uma visão muito adiante de seu tempo: me ensinou a procura da excelência não apenas em cada planta que retrato, mas sobre tudo em todos os setores de minha vida...Com a senhora compreendi que a profissão de ilustrador botânico não cabe apenas nos limites das pranchas, dos livros e compêndios, que dão ao artista enorme prazer.

Mais do que isso, me ensinou que para se tornar um profissional de tão delicado ofício é preciso abraçar a natureza, defendê-la, discuti-la e chamar a atenção para que seja preservada.... À senhora, minha mestra e amiga, agradeço também o despertar dessa consciência onde a vaidade pessoal deve sempre ceder espaço ao objetivo de servir à ciência e às futuras gerações como referência...

São essas noções que nem sempre podem ser expressas em palavras e que hoje fazem parte da minha vida que procuro transmitir a meus alunos ilustradores botânicos... E me sinto feliz por poder de algum modo dizer-lhe mais uma vez "obrigada", seja através das lembranças suas que comigo carrego, seja quando percebo o "desabrochar" de um novo profissional.

Essa minha missão de ensinar a ilustração botânica, que considero mais um legado seu, me mobiliza e me faz ir adiante num irresistível movimento que me envolve, me encanta e é quase um sacerdócio.

Tenho certeza que sua presença está contida em cada nova prancha botânica pintada por um brasileiro, que apresente o rigor científico, a realidade na íntegra e a beleza da alma que nos inspira nos árduos momentos de trabalho...

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