Continuação do 'Diário de Che na Bolívia'


27 de Julho
A ação se desenvolveu assim: oito soldados caminharam em direção à nossa emboscada. Só quatro caíram nela. Houve três mortos e quatro provavelmente feridos. Nos retiramos sem tomar -lhes as armas por ser difícil o resgate. A asma me tratou duro e vão -se acabando os míseros calmantes que tenho.

30 de Julho
A asma me atacou muito. Estive toda a noite acordado. Estávamos preparando o café, quando ouvimos os tiros. Quando Miguel, que trazia um M - 1 e um ferido, chegou dizendo serem 21 soldados se aproximando e que em Boroco existiam 150. Depois desse combate, com dois mortos, restamos 22, entre os quais dois feridos, Pancho e Pombo, e eu com a asma a todo vapor.

2 de Agosto
A asma está sendo muito dura para mim e já usei a última injeção antiasmática; só me restam tabletes para uns dez dias.

7 de Agosto
Hoje completam -se nove meses exatos da constituição da guerrilha, com a nossa chegada. Dos seis primeiros, dois estão mortos, um desaparecido e dois feridos;  eu, com uma asma que não sei como cortar.

8 de Agosto
À noite reuni todo mundo, fazendo o seguinte desabafo: estamos numa situação difícil; o Pancho se recupera, mas eu sou um trapo humano, em alguns momentos chego a perder o controle; isso se modificará, mas a situação deve pesar exatamente sobre todos e quem não se sinta capaz de vencê -la deve dizer logo. É um momento em que se deve tomar decisões grandes; esse tipo de luta nos dá a possibilidade de nos converter em revolucionários, o escalão mais alto da espécie humana, mas também nos permite nos graduar como homens; os que não possam alcançar nenhum desses estágios devem confessá -lo e deixar a luta. Todos os cubanos e alguns bolivianos afirmaram querer seguir até o fim.

9 de Agosto
Lancetaram o tumor no calcanhar, e consigo apoiar o pé, ainda que muito dolorido; e tenho febre.

Análise do Mês de Agosto
Foi sem dúvida o pior mês que tivemos desde que começou a guerra. Estamos num momento de baixa de nossa moral e de nossa lenda revolucionária.

10 de Setembro
Eu cruzei o rio a nada com a mula, mas perdi os sapatos e agora uso sandália, o que não me faz nenhum bem. Estava me esquecendo de assinalar um fato: hoje, depois de mais ou menos seis meses, tomei um banho. Este é um recorde que vários já estão alcançando.

11 de Setembro
A rádio trouxe a notícia de que Barrientos está oferecendo 4.200 dólares por informações que facilitem minha captura vivo ou morto.

22 de Setembro

Alto Seco é um vilarejo de cinqüenta casas situado a 1.900 metros de altitude, onde nos receberam com uma mistura bem dosada de medo e curiosidade.

26 de Setembro

Derrota. Chegamos de madrugada a Picacho, onde todo mundo estava em festa e era o ponto mais alto que alcançamos, 2.280 metros. Às 13h30 ouvimos disparos, o que nos indicava terem os nossos caído em uma emboscada. Organizei a defesa, para esperar os sobreviventes. Logo depois chegaram Benigno, ferido, e depois Aniceto e Pablitom com o pé em más condições; Miguel, Coco e Julio haviam caído e Camba desapareceu, deixando sua mochila. Enquanto fugíamos, percebi que León havia desaparecido.

27 de Setembro
Às 4, reiniciamos a marcha. Ao entardecer, começamos a ver grupos de soldados e uma coluna deles, cujos objetos brilhavam ao sol. Ouvimos gritos assim: "Está ali", "sai daí", "vai sair ou não?", acompanhados de disparos. Não sabemos a sorte do homem e presumimos que podia ser Camba. Nossas baixas haviam sido muito altas dessa vez; a perda mais sensível era a de Coco, mas Miguel e Julio eram magníficos lutadores e o valor humano dos três era imponderável.

28 de Setembro
Às 10, passaram em frente a nós 46 soldados. Às 12, apareceu outro grupo, dessa vez de 77 homens. Nosso refúgio não tem defesa contra um ataque do alto e as possibilidades de escapar são remotas se nos descobrirem.






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