Dados da ABIQUIM (Associação Brasileira
das Indústrias Químicas) mostram que no período de 1990/1998 as
importações, de produtos químicos industriais, aumentaram em 17,2%
enquanto que as exportações aumentaram em 9,7%. Um outro dado
significativo é a redução do valor agregado a indústria química
brasileira de US$ 45 bilhões para US$ 40 bilhões de 1997 para
1998. No contexto da chamada "globalização" (e globalização eu
acho que é a palavra na hora em que tivermos que caracterizar
o desafio) a indústria química brasileira preferiu do ponto de
vista econômico e estratégico a descontinuação da produção de
uma série de especialidades - produtos obtidos e comercializados
em pequenas ou médias quantidades, de alto valor agregado, ao
contrário das commodities, produzidas e comercializadas em grandes
quantidades (milhares de toneladas) e de baixo valor agregado.
Isso porque a produção e a inserção
no mercado de especialidades químicas têm custo elevado. E o custo
elevado se chama inteligência. Inteligência de equipes de técnicos,
de pesquisadores, de vendedores técnicos, de atendimento ao cliente.
A descontinuação dessa produção de especialidades pode ser feita
- e em grande parte o foi - transformando a capacidade industrial
instalada em especialidades químicas para commodities.
A especialidade química requer um alto custo de inteligência para
chegar até o mercado. Na hora em que descontinuo a minha produção
de uma especialidade química e uso a minha capacidade instalada
para a produção de commodities eu posso eliminar todo o
custo da equipe de especialistas, de técnicos, de profissionais
altamente qualificados. Reduzo esse custo e reduzo o meu valor
agregado. Esse aumento na produção de commodities pode
assim ser exportada.
Exporto, portanto, commodities
e importo especialidades. As commodities têm valor muito
inferior ao das especialidades que importo e aí há uma violenta
redução no número de empregos especialmente nas camadas de maior
especialização - os profissionais da química. Esse é o modelo,
isso que estamos vivendo é a nossa inserção atual na globalização,
ou seja, a nossa empresa química instalada no Brasil é a grande
química global. É essa a inserção que desejamos ou temos outra
possibilidade de inserção? Qual é essa outra possibilidade?
Essa possibilidade, em parte e timidamente
exploramos. Por exemplo: o Brasil produz o álcool mais barato
do mundo com tecnologia estritamente brasileira. O Brasil é um
exportador de papel, que também é uma indústria química; um exportador
bem sucedido e o pioneiro no mundo em tecnologia de papel de fibra
curta. Por que? Porque o Brasil produz bem o eucalipto que dá
uma polpa de fibra curta. Esses dois exemplos mostram uma possibilidade
enorme que temos de atuar dentro das peculiaridades brasileiras,
ou seja, as condições climáticas, condições culturais, condições
quaisquer que sejam que no Brasil são diferentes do resto do mundo
dito global; podem permitir um esforço exportador com competitividade
de preço altamente marcada e eventualmente até de qualidade. Devemos
buscar e explorar as nossas vocações.
Por outro lado temos importações
na ordem de dezenas de bilhões de dólares para o Brasil. A essas
importações ainda cabe a pergunta que sempre foi feita: o nosso
processo de substituição de importações está completo? Ainda existe
espaço para ele ou não? Parte desta importação não pode ser substituída
por motivos técnicos. Um exemplo: o Brasil não é auto-suficiente
em fosfato e o importa. Mas a maior parte da importação se refere
a produtos de alto conteúdo tecnológico de alto valor agregado
e, portanto, cabe a substituição. Ou seja, o processo de substituição
de importação não está esgotado de forma alguma.
Outro ponto de igual importância:
o próprio desenvolvimento de produtos que tenham a "cara de Brasil"
e o que tem essa cara? Se eu monto uma petroquímica, eu monto
uma indústria de polímeros e fabrico copinhos descartáveis de
café; quando fiz isso importei: matéria prima = petróleo, tecnologia
da petroquímica, tecnologia do plástico, tecnologia de propaganda
e marketing do copinho, necessidade de uso dos copinhos (pois
até então tomava-se café na xícara que era lavada com detergente
ou sabão).
Temos a possibilidade de criar,
desenvolver, assumir e explorar os nichos culturais que temos.
Por exemplo: um BigAcarajé no lugar do BigMac! Por que não? Existe
química nisso? É claro! Se eu tiver um acarajé congelado eu terei
que usar algum antioxidante para preservar a qualidade dos óleos
e gorduras presentes! Por que não assumir nossa identidade e,
em lugar de descontinuar aquilo que está nosso cotidiano, que
está na nossa cultura e que estabelece o nosso nicho, substituir
por um sabor pasteurizado internacional cuja principal virtude
é satisfazer nossa crescente xenofilia?
De repente "nada do que é nacional
presta", coisa de Terceiro Mundo. Mesmo que se queira fazer coisa
de Primeiro Mundo eu vou ser Terceiro Mundo sempre, porque sou
um imitador. Todo país que hoje ostenta bandeirinha de Primeiro
Mundo mantém sua cara, suas características e se impôs. Se impôs
de alguma forma! A Itália, que se impõe na Europa, jamais adotou
o padrão do vinho francês como paradigma. O vinho italiano tem
personalidade italiana e é exportado, da mesma forma como o vinho
francês o é.
Hoje, para o consumo interno, temos
a possibilidade de desenvolver uma química que seja nossa. Por
que isso não é feito? Como o conhecimento foi administrado na
implantação da grande química que está aí, essa que como vimos
e descontinua especialidades e aumenta a produção de commodities?
Que exporta e importa, com o aumento de importação maior que o
incremento exportador! Toda essa grande indústria foi feita dentro
de modelos totalmente importados, com tecnologia importada. Toda
a implantação da petroquímica brasileira e da química inorgânica
também foi feita dentro desse modelo.
Dentro desse modelo a grande química
dispunha de quadros técnicos numerosos, qualificados e competentes,
de pessoal de alto gabarito seja em economia, em finanças e, consequentemente,
em estudo de viabilidade econômica, seja em competência técnica
em química, capaz de determinar a viabilidade técnica das unidades
produtivas de nossa química. Então as equipes eram perfeitamente
divididas e a confluência entre quem determinava a viabilidade
técnica e quem determinava a viabilidade econômica só convergia
na alta direção da empresa. Essas empresas por um lado desmobilizaram
a sua competência técnica, por outro lado desmobilizaram a sua
competência econômica, nos esforços de redução de custos, ao abandonar
parte das especialidades e usar a capacidade instalada para as
commodities. Na ausência de um Estado regulamentador de implantações,
que limitava a importação através de Cacex e a concorrência interna
através de CDI - Conselho de Desenvolvimento Industrial, essas
empresas não mais têm o seu nicho de mercado perfeitamente protegido
pelo Estado. E não mais tem as suas equipes capazes de demonstrar
a viabilidade técnica por um braço operativo e econômica por outro
braço operativo.
Todo esse modelo de implantação
de indústria levava a um alto custo na folha de pagamentos. Mas
esse alto custo de mão-de-obra não é o alto custo da mão-de-obra
de fábrica, porque embora o Brasil tenha unidades em escala menor
que as internacionais, os salários aqui praticados também são
menores que os internacionais. Então quando comparamos o custo
de mão-de-obra produtiva brasileiro, americano ou europeu, o custo
brasileiro de mão-de-obra direta, de mão-de-obra de fábrica é
absolutamente similar ao americano e é muito inferior ao custo
alemão. A Alemanha é importante porque ela é um país exportador
dessas especialidades químicas tão caras que importamos cada vez
mais.
O alto custo da mão-de-obra brasileira
se caracteriza como o alto custo do "overhead"; é o escritório
que fica na Av. Paulista, na Faria Lima. É o que causa o descompasso
do custo da mão-de-obra na grande indústria química brasileira.
Esse modelo tal como está amarrado leva a uma possibilidade de
superação através de um outro modelo de química. Um modelo de
química a ser implantado por pequena empresa de empreendedor cujo
custo de "overhead" é muito pequeno e que é capaz de ter um custo
de mão-de-obra de fábrica igual ao de qualquer outra grande ou
internacional. E que seja capaz, portanto, de agregar toda a necessidade
de conhecimento técnico e econômico; que seja capaz de distinguir,
de ver nichos de mercado e que tenha o discernimento - nem sempre
fácil - de saber se uma idéia (se um nicho) é uma oportunidade
saudável técnica e economicamente ou se é um "sonho" que só dá
prejuízo. E é muito difícil distinguir entre essas duas coisas.
De novo, citando um exemplo, a indústria
quimica que investe muito em pesquisa e desenvolvimento - desenvolveu
uma metodologia de "descartar projetos inviáveis". A cada 200
projetos de pesquisas iniciados, em média apenas um chega ao mercado.
Apenas um resulta em alguma coisa que chega ao mercado! E a metodologia
consagrada procura avaliar a oportunidade a cada ciclo de estudo.
É a história de cebola: vou arrancando casca por casca; e a cada
casca maior de conhecimento que arranquei, que transformei o desconhecido
em conhecimento, eu reavalio economicamente a oportunidade. O
cerne da metodologia consiste em descartar o projeto inviável
o mais cedo possível; antes que acabe custando mais que o necessário.
Daí que com o mesmo orçamento, no lugar de 200 novos produtos
eu vou pesquisar 400. E se eu pesquisar 400 no lugar de 200 colocarei
2 no mercado no lugar de um só. Em média!
Tenho que ter um profissional de
química que seja capaz - portanto - de agregar qualificações,
competências em: química, engenharia, avaliação econômica e de
oportunidades. E mais do que isso, tenho que ter um profissional
de química que saiba circular e saiba, por exemplo, ir na Finep
(Financiadora de Estudos e Projetos) buscar dinheiro. Num país
como o Brasil, que com todo o potencial existente e todo esse
perfil de indústria química, a Finep por vezes não tem tomadores
de dinheiro para estudos e projetos. Porque não existe iniciativa
que vá lá e tome o dinheiro - dinheiro esse disponível, em condições
especiais, justamente para estimular a implantação do novo! Mesmo
assim faltam tomadores para esse dinheiro para fazer estudos visando
conferir uma oportunidade. De certa forma o mesmo por vezes ocorre
com o BNDES, que pode proporcionar vasto crédito desde que se
demonstre a saúde econômica do empreendimento.
Os profissionais de química brasileiros
são reconhecidamente competentes em técnica. E desconhecem as
demais competências. Os profissionais de química brasileiros têm
uma excelente formação para ser empregado do modelo de implantação
da química que foi bem sucedida nas décadas de 70 e 80, dentro
do modelo CDI, Cacex e CIP. Na hora da exaustão desse modelo,
com as equipes da viabilidade técnica separada da equipe da viabilidade
econômica, os nossos cursos são recalcitrantes em se modernizar,
em colocar no currículo alguma coisa substantiva em avaliação
econômica.
Não conheço nenhum curso (e se eu
estiver enganado, por favor me informe, pois neste caso eu adoraria
ser desmentido) de química ou de engenharia química que tenha
a disciplina de Marketing em seu currículo. Pelo contrário, falou
em marketing o químico se arrepia e fala: "meu Deus! eu vou ter
que ser vendedor!", desprezando um campo de trabalho do químico
dos mais sofisticados que é a engenharia de vendas, a tecnologia
de vendas, a tecnologia de aplicação de produtos. A capacidade
de identificar necessidade e suprir essa necessidade que está
sendo identificada.
Estou falando do conhecimento e
de uma necessidade para que essa química, para que esse desafio
da próxima década possa ser conferido, realizado e implantado.
É a articulação do conhecimento; ele não pode mais ser articulado
por equipes numerosas que convergem o conhecimento numa alta direção
da empresa. O profissional da química pode aprender aritmética
econômica e pode aprender conceito de marketing; dificilmente
o economista vai aprender química com a profundidade que os nossos
recém-formados têm. É mais fácil fazer o caminho inverso; agregar
esse conhecimento nos nossos profissionais da química.
Essa confluência na pessoa e não
na alta direção de uma estrutura caríssima pode abrir um instrumental
para que esses nichos, essas oportunidades sejam abertas.
Vamos falar do conhecimento, o conhecimento
necessário à implantação de nova tecnologia. De certa forma 90%
deste conhecimento é em química e engenharia clássica, tradicional,
que se encontra em qualquer biblioteca; 5% pode ser complementado
no laboratório; e 5% geralmente se erra até dar certo. Contudo,
a geração de conhecimento pode ser feita em duas vertentes básicas.
O conhecimento pode ser gerado como
conhecimento aplicado, como conhecimento que falta para a gente
fechar um pacote tecnológico, por exemplo, o conhecimento necessário
para fabricar papel de fibra curta de alta qualidade. O Brasil
sabia fazer papel de fibra longa, plantar eucalipto e mil coisas.
A tecnologia para fazer papel resistente, de fibra curta era um
acréscimo. Então, esse conhecimento adicional, incremental para
viabilizar como idéia uma oportunidade, leva à "pesquisa aplicada".
É desenvolvimento de conhecimento, geração de conhecimento aplicado.
A outra vertente, o conhecimento
de erudição, é absolutamente necessária para que um país aprenda
e se exercite na geração de conhecimento. Porém, o Brasil tem
alto nível nisso mas não pode se restringir - de novo e ainda
especialmente na próxima década - a geração do conhecimento de
erudição. Conhecimento não aplicado é necessário sempre, mas não
pode ser restrito a ele. Vejam o percurso que o conhecimento de
erudição desenvolvido e gerado faz: o pesquisador no Brasil, através
de verbas brasileiras, desenvolve uma pesquisa e publica num periódico
internacional. Esse conhecimento passa a fazer parte do acervo
global de conhecimento, o qual é apropriado e viabilizado em torno
da produção, de agregação de valor, de dinheiro, economia, conforto,
de bens de consumo e de progresso na humanidade, nas matrizes
das mega-empresas, das multinacionais e empresas globais, cuja
matriz não existe no Brasil. Posteriormente esse mesmo conhecimento
migra da matriz que é no Hemisfério Norte (Europa, EUA e eventualmente
o Japão) para o Brasil, para a sua filial. Daí que, na melhor
das hipóteses, o conhecimento gerado no Brasil, de pesquisa de
erudição, irá gerar riqueza no Brasil através da filial, passando
primeiro pelo editorial do Primeiro Mundo, segundo pela matriz
da empresa lá e em terceiro na filial aqui. As empresas, a grande
química globalizada e instalada no Brasil raramente conversa com
as universidades e centros de pesquisas brasileiros. Fazem isso
somente através do Hemisfério Norte.
Há uma necessidade de superação
para subir do patamar da pesquisa de erudição para a pesquisa
aplicada. É necessário romper todos os obstáculos recíprocos que
existem entre empresa e centro gerador de conhecimento. Isso pode
ser feito por ex-alunos das mesmas instituições que geram conhecimento,
porque conhecem o cacoete, porque sabem o nome, porque sabem a
quem procurar. Mas de novo, esse ex-aluno necessariamente tem
que ter o perfil do empreendedor. Quantos? Não sei! Quantos dos
nossos químicos e engenheiros hoje serão empregados na indústria
tradicional? 10%? 5%? Dos 90% ou 95% que não terão acesso ao emprego
na grande química, quanto se pode ter de empreendedor? Metade
deles já formam um contigente de número suficiente para que esses
desafios sejam contemplados, realizados e transformados em oportunidades.
Vamos portanto investir nos mecanismos
facilitadores do acesso do profissional ao centro do conhecimento.
Como, onde, quando é tema para nossas próximas discussões.
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