“Esses Animais Maravilhosos!!” (II)

 

*A Mula-sem-cabeça*

 

*Esta série de textos pretende elucidar e discutir algumas questões bastante interessantes sobre certos animais e seres especialmente bizarros do nosso imaginário coletivo, sempre sob um ponto de vista acadêmico e científico, não-apelativo e ultra-realista.

 

         Quando me veio a idéia de incluir nesta majestosa coleção de textículos uma análise sobre a mula-sem-cabeça, tive de imediato, confesso, uma imensa vontade de resumir todo o trabalho na frase “absolutamente sem comentários”, tamanha a carga de características dementes contidas neste ser. Por fim, porém, tomei este trabalho como um desafio à minha competência como homem da ciência, pondo seriamente em risco a minha sanidade mental. Felizmente nada aconteceu a ela. Quase nada. Dito isso, vamos à resenha.

         Em primeiro lugar, precisamos saber que a mula-sem-cabeça, além de ser um ser bizarro, é, também, um ser idiota. Para exemplificar isso, formulei algumas sentenças que traduzem de maneira convincente a natureza idiótica (termo acadêmico) que permeia este ser:

         1-A mula-sem-cabeça não tem cabeça.

         2-A mula-sem-cabeça solta fogo pelas ventas (narinas).

         3-A mula-sem-cabeça solta fogo pelas ventas SEM TER UMA CABEÇA.

         4-A mula-sem-cabeça faz passeios noturnos.

         5-A mula-sem-cabeça faz passeios noturnos SEM TER UMA CABEÇA.

         Bem, realmente temos aqui um ser terrivelmente ridículo, e assustadoramente idiota. Analisemos então a característica mais marcante deste animal circense: ele não possui cabeça. Até aí tudo bem, existem muitos animais que não possuem cabeça (como o frango-de-padaria), mas se os observarmos atentamente, perceberemos algo que todos têm em comum: estão mortos. Sendo assim,  a mula-sem-cabeça seria o único animal do gênero sem cabeça que permanece vivo*, ou seja, um ser degenerado. Contudo, mergulhemos mais fundo: O QUÊ LEVARIA UM ANIMAL QUE, POR SUA NATUREZA SEM CABEÇA, DEVERIA ESTAR MORTO, A ESTAR VIVO? Para respondermos a esta questão, temos que analisar um interessante comportamento desta criatura: o fato de ela realmente adorar passeios noturnos. Meus amigos, seria a vontade deste ser de realizar caminhadas à noite tão forte, tão brutal, a ponto de fazê-lo transcender o hábito de estar morto? Bem, pois é o que me parece.

         Resolvido o primeiro enigma, nos surge outra charada: O QUÊ FARIA UM SER QUE DEVERIA ESTAR MORTO TER VONTADE DE CAMINHAR À NOITE? A resposta para mais esta questão não se encontra em outro local, senão na certeza de que todos nós temos, sobre os bens que uma boa caminhada faz ao organismo de qualquer ser terrestre. Percebendo que ficando em sua situação de morte, a mula-sem-cabeça era um ser ocioso e flácido, nada mais plausível e indicado que uma atividade física saudável, como a caminhada, para enrijecer e ativar seus músculos até então obsoletos. A primeira parte da questão já está respondida, mas, POR QUÊ À NOITE? Ora, pois tratando-se de um ser acéfalo, é perfeitamente aceitável a idéia de que nunca percebera o bem que os raios solares fazem aos ossos, o que reduz os possíveis benefícios de sua caminhada.

         Pois bem, continuemos então. A próxima questão diz respeito à procedência do tão aclamado fogo que sai pelas ventas presente nos contos populares. COMO UM ANIMAL EXPELE LABAREDAS DE SUAS VENTAS SEM POSSUIR UMA CABEÇA? Sim, esta é uma questão realmente complexa, mas que à luz da ciência torna-se banal. A resposta reside no fato de que jamais existiu uma labareda saindo de local algum, mas sim, uma plumagem especial de cor vermelho-alaranjada que nasceria no local onde seria a cabeça. Esta plumagem serviria, obviamente, para rituais de sedução pré-coito noturnos, quando a luz da lua, ao bater na coloração das plumas, realizaria um efeito de realce policromático altamente atraente para o sexo oposto. Pessoas dirão “mas mulas não podem se reproduzir”, porém é preciso lembrar que o fato deste animal possuir o nome mula no seu nome composto, de maneira alguma significa que alguma vez em sua vida ele veio a ser uma, e sim que ele PROVAVELMENTE teria um aspecto que faria pessoas ignorantes, porém dotadas de visão, perceberem certo parentesco físico entre os dois animais.

         Não poderíamos nos esquecer de analisar também, algo bastante pertinente, como a forma de alimentação deste ser que, caso o caro leitor não se lembre, não é dotado de cabeça. Ora, COMO UM SER QUE NÃO POSSUI CABEÇA, NEM NENHUMA CAVIDADE BUCAL APARENTE, PODERIA SE ALIMENTAR? A mula-sem-cabeça, a partir do momento em que abandonou seu status de animal morto e resolveu viver, desenvolveu certos hábitos e mecanismos típicos dos seres que vivem, como a capacidade de reprodução e a necessidade de alimentar-se. Analisando seu comportamento tipicamente noturno e sua aparente ociosidade durante o dia, somado à sua falta de cavidade bucal, conclui-se que este animal, ao invés de comportar-se como um típico animal terrestre, possui CLARAMENTE hábitos de seres fotossintetizantes. Rapidamente tudo começa a se encaixar: durante o dia, a mula-sem-cabeça permanece em estado letárgico, em local ensolarado, realizando a hidrólise nas moléculas de água que ficam armazenadas em seu corpo após as chuvas. Assim, libera pela pele (verde, plena de clorofila) o oxigênio. Esta é a fase clara da mula-sem-cabeça. Em sua fase escura, ao cair da noite, ela absorve gás carbônico do ar e, por processos químicos produz a glicose, tal qual os vegetais. Assim, é à noite que a mula-sem-cabeça se torna um ser realmente ativo, consumindo grotescas taxas de glicose com seu caminhar.

         Contudo, ainda nos falta uma última dúvida. Mesmo sem cabeça, é bastante crível que a mula-sem-cabeça deveria possuir um cérebro ou algo parecido, caso contrário seria um arbusto. Pois então: COMO UM ANIMAL SEM CABEÇA, A NÃO SER QUE ESTIVESSE EMPALHADO, CONSEGUIRIA MANTER-SE DE PÉ? Bem, bem, bem; não possuindo uma caixa craniana nem uma estrutura adequada que pudesse abrigar um cérebro, acredito que a mula-sem-cabeça possuiria um sistema nervoso semelhante ao dos platelmintos, ou seja, gânglios nervosos espalhados pelo corpo.

         Concluindo, a mula-sem-cabeça (como ela é REALMENTE, sem características fantasiosas, idiotas e plena de fundamentos científicos) se revela um ser fascinante, cativante e dotado de rara beleza. Algo próximo de uma planária verde com patas, capaz de realizar fotossíntese tal qual uma moita de capim. Isso, caros leitores, é evolução.

 

                                                                                                     Athaulfo Borba

 

*É claro que o leitor pode estar perturbado com a maneira de classificarmos seres sem cabeça como seres perfeitamente normais; porém, devo frisar que esta é uma análise sem preconceitos, por isso observações supérfluas como “não há diferença entre um presunto Perdigão e um ser sem cabeça” não serão levadas em consideração aqui.

            www.alzirazulmira.com/ mula.html                                                                                       Mini-mula

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