Nina Rodrigues

O valor social das raças e dos povos negros que colonizaram o Brasil, e dos seus descendentes

Os dados e documentos coligidos neste trabalho permitem distribuir no seguinte quadro as raças e povos africanos de cuja introdução no Brasil há provas certas e indiscutíveis:

l. Camitas africanos: fulás, (berberes (?), tuaregs (?)).

Mestiços camitas : filanins, pretos-fulos.

Mestiços camitas e semitas: bantos orientais.

2. Negros bantos : a) Ocidentais : cazimbas, schéschés, xexys, auzazes, pximbas, tembos, congos (Martius e Spix), cameruns.

b) Orientais: macuas, anjicos (Martius e Spix)

3 . Negros sudaneses : a) mandês : mandingas, malinkas, sussus, solimas.

b) Negros da Senegámbia: yalofs, falupios, sêrêrês, kruscacheu.

c) Negros da Costa do Ouro e dos Escravos: gás e tshis: achantis, minas e fartis (?) jejes ou ewes, nagôs, beins.

d) Sudaneses centrais: nupês, haussás, adamauás, bornus, guruncis, mossis ( ?).

4. Negros Insulani: bassós, bissau, bixagós.

Será escusado dizer que a esta enumeração bem podem e devem ter escapado muitos povos negros que, principalmente no curso dos três primeiros séculos do tráfico, não deixaram de sua passagem vestígios nem documentos. Seguramente, africanos de muitas outras nacionalidades haviam de ter entrado no Brasil, mas não está nossa intenção arrolar todas as nações, povos ou tribos que aqui tivessem tido representantes. Essa tarefa pode ser muito curiosa e atraente para espíritos desocupados, mas poucos frutos promete. Apenas nos preocupam aqui aqueles povos negros, que, por número de colonos introduzidos, pela duração de sua imigração, ou pela capacidade e inteligência reveladas, puderam exercer uma influência apreciável na constituição do povo brasileiro.

Para julgar a colonização africana no Brasil, do ponto de vista do valor social dos colonos, temos que basta aquela enumeração.

Nesta apreciação, resolutamente pomos à margem as discussões insolúveis sobre a natureza e espécie da inferioridade da raça negra.

II. De fato, não é a realidade da inferioridade social dos negros que está em discussão. Ninguém se lembrou ainda de contestá-la. E tanto importaria contestar a própria evidência. Contendem, porém, os que se reputam inerente à constituição orgânica da raça e, por isso, definitiva e irreparável, com aqueles que a consideram transitória e remediável. Para os primeiros, a constituição orgânica do negro modelada pelo habitat físico e moral em que se desenvolveu, não comporta uma adaptação à civilização das raças superiores, produtos de meio físico e cultural diferente. Tratar-se-ia mesmo de uma incapacidade orgânica ou morfológica. Para alguns autores, e Keane esposa esta explicação, seria a ossificação precoce das suturas cranianas que, obstando o desenvolvimento do cérebro, se tornaria responsável por aquela conseqüência. E a permanência irreparável  deste vício aí se está  a atestar na incapacidade revelada pelos negros, em todo o decurso do período histórico, não só para assimilar a civilização dos diversos povos com que estiveram em contato, como ainda para criar cultura própria.

Bem pouco valiosas e procedentes se afiguram estas razões. A ossificação precoce das suturas cranianas, excluído o caso patológico aqui inadmissível, há de ser um produto da evolução morfológica, proporcional e paralela à evolução funcional, de que é um caso apenas o desenvolvimento físico e mental. Impossível, pois, tornar uma responsável pela outra. A ossificação será precoce mas não prematura, pois ocorre em tempo e de harmonia com o reduzido desenvolvimento mental de que os povos negros são dotados. Recentemente a experiência clínica desfez uma ilusão fundada em erro análogo, por um momento triunfante em neuropatologia. A suspeita ou a crença de que a ossificação precoce das suturas cranianas fosse a causa do atraso no desenvolvimento mental dos idiotas e imbecis, em virtude da insuficiência do espaço oferecido ao desenvolvimento cerebral, acham o seu corolário prático no preconício da craniocto­mia, intervenção cirúrgica destinada a remediar aquele defeito. Mas a experiência frustrou as generosas esperanças depostas nesta intervenção, demonstrando, como era de esperar, que atraso cerebral e precocidade craniana se subordinavam ao mesmo vício degenerativo, tinham a sua causa comum na mesma anomalia evolutiva, e não se ligavam entre si por laços diretos de interdependência genética.

III. Demasiado escasso, por outro lado, é o curto espaço do período histórico para nele se fundar a afirmação categórica de uma impossibilidade futura de civilização do negro. Quando nos ensina a explicação evolutiva, que andavam errados todos os cálculos ou cômputos da idade humana e que por milênios de séculos se devem contar as aquisições lentas e progressivas do seu aperfeiçoamento, não é argumentando com o que nos ensina o curto período do conhecimento histórico dos povos que se pode lavrar a condenação do negro a uma estagnação eterna na selvageria.

No entanto, não pecam menos por exageradas as pretensões otimistas. A alegação de que por largo prazo viveu a raça branca, a mais culta das seções do gênero humano, em condições não menos precárias de atraso e barbaria; o fato de que muitos povos negros já andam bem próximos do que foram os brancos no limiar do período histórico; mais ainda, a crença de que os povos negros mais cultos repetem na África a fase da organização política medieval das modernas nações européias (Beranger Feraud); não justificam as esperanças de que os negros possam herdar a civilização européia e, menos ainda, possam atingir a maioridade social no convívio dos povos cultos.

O que mostra o estudo imparcial dos povos negros é que entre eles existem graus, há uma escala hierárquica de cultura e aperfeiçoamento. Melhoram e progridem; são, pois, aptos a uma civilização futura. Mas se é impossível dizer se essa civilização há de ser forçosamente a da raça branca, demonstra ainda o exame insuspeito dos fatos que é extremamente morosa, por parte dos negros, a aquisição da civilização européia. E diante da necessidade de, ou civilizar-se de pronto, ou capitular na luta e concorrência que lhes movem os povos brancos, a incapacidade ou morosidade de progredir, por parte dos negros, se tornam equivalentes na prática. Os extraordinários progressos da civilização européia entregaram aos brancos o domínio do mundo, as suas maravilhosas aplicações industriais suprimiram a distância e o tempo. Impossível conceder, pois, aos negros como em geral aos povos fracos e retardatários, lazeres e delongas para uma aquisição muito lenta e remota de sua emancipação social. Em todos os tempos não passou de utopias de filantropos, ou de planos ambiciosos de poderio sectário, a idéia de transformar-se uma parte de nações às quais a necessidade de progredir mais do que as imitações monomaníacas do liberalismo impõe a necessidade social da igualdade civil e política, em tutora da outra parte, destinada à interminável aprendizagem em vastos seminários ou oficinas profissionais. A geral desaparição do índio em toda a América, a lenta e gradual sujeição dos povos negros à administração inteligente e exploradora dos povos brancos, tem sido a resposta prática a essas divagações sentimentais. 

IV. Não é, pois, a concepção teórica, toda especulativa, e não demonstrada, de uma incapacidade absoluta de cultura dos negros, que merece preocupar povos, como o brasileiro, que, com a escravidão africana, receberam e incorporaram em sua formação étnica doses colossais de sangue negro. O que importa ao Brasil determinar é o quanto de inferioridade lhe advém da necessidade de civilizar-se por parte da população negra que possui e se de todo fica essa inferioridade compensada pelo mestiçamento, processo natural por que os negros se estão integrando ao povo brasileiro, para grande massa de sua população de cor.

Capacidade cultural dos negros brasileiros ; meios de promovê-la ou compensá-la; valor sociológico e social do mestiço ário-africano; necessidade do seu concurso para o aclimamento dos brancos na zona intertropical; conveniência de diluí-los ou compensá-los por um excedente de população branca, que assuma a direção do país: tal é na expressão de sua rigorosa feição prática o aspecto por que, no Brasil, se apresenta o problema o negro (1).

Adstrito por agora ao exame da capacidade cultural do negro brasileiro, é a este padrão da morosidade extrema em considerar-se que a havemos de referir, pois, se o futuro do Brasil dependesse de chegarem os seus negros ao mesmo grau de aperfeiçoamento que os brancos, muitas vezes se poderiam transformar antes os seus destinos de povo, se é que algum dia se houvesse de realizar. Ocorre, portanto, demonstrar que de fato nessa morosidade reside o ponto fraco da civilização dos negros.

V. Naturalmente preferiremos dar aqui a experiência dos observadores mais favoráveis à raça negra. E para os negros da África, nos limitaremos a uma justa e profunda análise de Ellis.

“Como resultado de todas estas influências desfavoráveis, a energia de todo o povo degenerou em indolência e gozos sensuais e para sair desta situação serão necessários séculos, por­que a natureza exerce sobre o desenvolvimento do ser humano uma influência soberana que é tanto mais poderosa quanto mais próximo se acha o povo do estado primitivo, pois nas sociedades civilizadas vai-se aprendendo gradualmente a combatê-la. Contudo, em tudo isto vemos efeitos de condições externas e não há razão para supor que originalmente as raças brancas possuíam capacidade mental superior à das raças negras. Se conseguiram atingir aos mais altos sucessos no mesmo período de tempo, foi isso apenas porque elas se acharam situadas com mais felicidade. Mas atualmente muitos ingleses, especialmente os que estão empenhados na propagação das diferentes formas de cristianismo, parecem supor que, se esta religião fosse imposta aos negros, teria isto como conseqüência quase imediata uma civilização negra aproximadamente equivalente à européia. Acreditam eles que a nossa religião é uma conseqüência da nossa religião, quando a verdade é exatamente o oposto. Todavia, o negro pagão que, para usar a frase consagrada, se converte ao cristianismo, não se eleva por isso ao nível moral do europeu. As características morais transmitidas pela herança não são mais suscetíveis do que as físicas de ser apagadas pela simples mudança de crenças; e o negro convertido rebaixa invariável e necessariamente a nova religião ao nível de sua própria cultura mental (2). Em todo caso, nós temos atualmente uns dois mil anos de avanço sobre o negro e não é esta uma lacuna que se possa vencer de um salto. Qualquer tentativa de impor à força ao negro as nossas condições artificiais de existência há de falhar, pois os caracteres de raça não podem ser transformados de repente: e mesmo quando fosse possível impor-lhes a nossa civilização, esta não seria duradoura, porque entre a situação deles e a nossa faltariam as fases de transição. Para ser permanente, a civilização deve ser gradual; pois só quando um passo avante está dado com segurança é que o caráter de raça se torna firme e capaz de sofrer novo impulso.”

Não adianta acumular citações, - em relação ao negro da África; este é o sentir comum, dos etnólogos de competência. Indagaremos o que se passa na América, onde estão os negros colocados em condições de meio e cultura a todos os respeitos mais favoráveis do que os da África. Apreciando os progressos realizados pelos negros norte-americanos nos trinta anos que decorrem de sua libertação, afirma Mandarini, autor francamente favorável aos negros:

“Posto que o negro da América tenha progredido muito exteriormente, posto tenha assimilado as formas da vida civil, todavia, no fundo dalma, ele é ainda uma criança; de bem pouco tem ultrapassado aquele estágio infantil da humanidade em que se acha o seu co-irmão da África. Destes escrevia Stanley no Times: Para dirigi-los e viver entre eles, é necessário a gente resolver-se decididamente a considera-los como crianças que requerem certos métodos diferentes de direção por parte dos cidadãos ingleses ou americanos: devem, porém,  ser dominados com o mesmo espírito, com a mesma falta de capricho, com o mesmo respeito essencial que se deve aos nossos semelhantes. No dizer de todos os viajantes, escreve Letour­neau, é bem a meninos europeus que se deve comparar a maior parte das raças negras da África : elas têm da infância a leviandade, o capricho, a imprevidência, a volubilidade, a inteligência ao mesmo tempo viva e limitada. Em outra obra, escrevia: Para o negro da África, abandonado a si mesmo e vivendo segundo a própria natureza, o impulso dominante parte menos freqüentemente do cérebro do que do estômago. Passar de tal fase de desenvolvimento àquela que caracteriza as nações civis moder­nas não é coisa, por certo, factível em um trintênio de vida civil: não um trintênio, mas séculos e séculos são precisos para que os dotes sociais, adquiridos pelos afro-americanos em seu contacto íntimo com os brancos, transmitindo-se de geração em geração, se tornem caracteres da raça negra na América. Na escala da civilização, os afro-americanos ocupam ainda um dos últimos degraus, a raça anglo-saxónica um dos primeiros, senão o primeiro: os americanos têm plena consciência de tal fato e não se podem resolver a tratar de igual para igual com uma gente tão inferior a eles, do mesmo modo que o adulto não trata a criança de igual para igual, nem as classes superiores às inferiores.”

Comentando os conceitos de Mandarini, por demais favo­ráveis aos negros americanos, pondera o prof. Morselli : “Nanhum antropologista poderá jamais admitir uma igualdade de capacidade evolutiva entre o branco e o negro. O mais humanitário dos antiescravistas jamais poderá cancelar as diferenças biológicas entre os homens. Acaso não são elas tais e de tal intensidade que induzem alguns dos mais competentes naturalistas, qual um Linneu, um Fred Miller, e um Maeckel, a admitir que as chamadas raças humanas são outras tantas espécies biologicamente distintas do gênero Homo?... O negro, principalmente, é inferior ao branco, a começar da massa encefálica, que pesa menos, e do aparelho mastigatório que possui caracteres animalescos, até às faculdades de abstração, que nele é tão pobre e tão fraca. Quaisquer que sejam as condições sociais em que se coloque o negro, está ele condenado pela sua própria morfologia e fisiologia a jamais poder igualar o branco. Para que se pudesse verificar tal acontecimento histórico-antropológico fora mister uma circunstância bem improvável, senão impossível: a perda por parte do branco de sua capacidade de adaptação progressiva. Só uma parada da civilização européia e anglo-americana daria tempo aos negros para, na sua lentíssima e não espontânea evolução, atingir-nos e igualar-nos. Mas enquanto a civilização americana for progressiva, as aquisições que aquele grande povo realiza cada ano aumentarão, fecundarão sucessivamente o mundo, e enquanto o negro tiver dado um curto passo, os anglo-saxões terão tomado tal impulso que excederão sempre aos seus concidadãos de cor. Por outro lado é estranho que espere alguém possam os afro-americanos civilizar-se tanto quanto os brancos. Estes otimistas não refletem que a civilização nasceu na Europa de causas particulares da raça, clima e ambiente e que bem diversa teria sido se nascesse espontaneamente em meio de populações cafres ou sudanesas”.

No entanto, por mais instrutivo que seja o conhecimento dessa desigualdade na capacidade evolutiva e civilizadora de negros e brancos, ela não esgota hoje a questão dos negros no Brasil.

Dada a sua absorção na população compósita do país, e por outro lado dadas as diferenças de capacidade e graus de cultura entre os povos negros importados, está claro que a influência por eles exercida sobre o povo americano que ajudaram a formar será tanto mais nociva quanto mais inferior e degradado tiver sido o elemento africano introduzido pelo tráfico. Ora, os nossos estudos demonstram que, ao contrário do que se supõe geralmente, os escravos negros introduzidos no Brasil não pertenciam exclusivamente aos povos africanos mais degradados, brutais e selvagens. Aqui introduziu o tráfico poucos negros dos mais adiantados e mais do que isso mestiços camitas convertidos ao islamismo e provenientes de estados africanos bárbaros sim, porém dos mais adiantados.

VI. De fato, a primeira discriminação a fazer entre os africanos vindos para o Brasil é a distinção entre os verdadeiros negros e os povos camitas que, mais ou menos pretos, são todavia um simples ramo da raça branca e cuja alta capacidade de civilização se atestava excelentemente na antiga cultura do Egito, da Abissínia, etc.

Temos assentado que o Brasil recebeu camitas puros como os fulás ou filanis, do Haussá, e talvez com os fulas-fulas, do Futa-Djalan, vindos com os escravos da Senegâmbia. Para os fulás, do Haussá, o fato está comprovado no testemunho dos contemporâneos. Somente, tendo sido muito reduzidos em número, não se lhes pode atribuir grande influência na colônia africana do Brasil. Ao contrário, o número dos mestiços camitas foi muito considerável e muito poderosa a ação por eles exercida. Sangue camita pelos fulás orientais recebemos nós com os haussás, adamauás e bornus; e pelos fulás ocidentais, do Futa-Djalan, com os pretos fulos da Gâmbia e da Guiné Portuguesa. Mas sangue camita recebemos ainda com os bantos orientais, vizinhos e aparentados com os camitas Wahuma e Massai, da região dos lagos, e ainda com os galos e somalis. Não sabemos se outros camitas vieram ao Brasil. Dos negros que vieram escravos para a colônia, o Visconde de Porto Seguro inclui bérberes. Sem explicação como está feita esta indicação, não se sabe se ela se refere a fulás ou a outros camitas, do Saara ou da África Setentrional. Mesmo sangue semita nos devia ter entrado com os bantos orientais, tão expostos a incursões e misturas com os árabes, que neles julgou Stanley predominar esta influência. Também não é fácil nos mestiços bornus separar a influência camita da semita. O que sabemos por experiência própria da superioridade em inteligência e cultura do mestiço ário-africano sobre os negros, se confirma na influência exercida pelos fulás e seus mestiços nos povos mais cultos do Sudão. Por toda parte estiveram eles á frente dos grandes impérios e reinos e com eles penetrou o islamismo na África.

Se não é lícito depor nestes mestiçamentos esperanças exageradas, pois, embora irrequietos, inteligentes, ativos e empreendedores, os taucaulenses (3) se revelam simples povos negros, em todo caso se compreende que, no meio americano muito mais favorável, estes mestiços possam adquirir valor comparável ao do cruzamento ário-africano. Como quer que seja, a existência de camitas pretos, puros ou mestiços, entre os escravos africanos que vieram para o Brasil, retira todo valor ao argumento que leva a invocar a favor da capacidade da raça negra e o exemplo de alguns homens negros de reconhecida superioridade intelectual. Quando mesmo estes não fossem mestiços ário-africanos, bem podiam ser apenas camito-africanos.

Esta tangente apenas corre o risco de multiplicar demais a prole de Cã, deste outro lado do Atlântico.

Mas, se deixados à parte os camitas e seus mestiços, pro­curamos julgar das qualidades dos colonos negros, verificamos que entre eles força é estabelecer desde logo distinções e agrupamentos.

VII. A distinção principal, a mais geral e conhecida é em negros bantos e sudaneses. Mas começam as desinteligências quando se tem de estabelecer de estabelecer qual deles é o verdadeiro ramo negro ou de negro puro-sangue.

Lepsius admite que, sob o ponto de vista lingüístico, - e a distinção acima é uma distinção lingüística, - se pode dividir a África em três zonas : a zona banto, ao sul do equador ; a zona média, entre o equador e o Saara; zona Mchamita, do Saara ao Mediterrâneo, vale do Nilo à Somália inclusive. A língua banto seria para Lepsius peculiar à raça negra, primitiva e originária da África. As línguas da zona intermediária seriam ao contrário línguas mistas, participando do banto e da camítica.

Um dos etnologistas modernos mais reputados, Keane, sustenta ao contrário, como muitos outros, que o verdadeiro negro é o sudanês. “Falando em geral, diz ele, as populações bantos mostram modificações notáveis do tipo negro na sua cor mais clara, na sua maior capacidade craniana, nos dentes menores e no prognatismo menos pronunciado. Elas são notavelmente mais inteligentes, mais civilizadas e mais capazes de ulterior desenvolvimento do que o negro puro-sangue. . . As raças de língua Banto são povos negróides mestiços, sendo indubitavelmente o negro o elemento predominante, como bem mostra o predomínio geral do preto, de cabelo lanzudo, a cor escura, além das superstições grosseiras associadas à feitiçaria, de caráter essencialmente negro. Com o substrato negro estão misturados invasores semitas (árabes) na Costa oriental e por toda parte, mais provavelmente camitas, principalmente galos, provenientes do Noroeste”.

No entanto, se se comparam os povos bantos aos sudaneses, tem-se a impressão de que, através de toda a culta e sanguinária barbaria dos últimos, povos há no Sudão que atingiram a uma fase de organização, grandeza e cultura que nem foi excedida, nem talvez atingida pelos bantos. Quando se acompanha a história movimentada da família mandê, a sua remota influência nos impérios da bacia central do Niger, embora talvez sob o influxo dos bérberes e fulás, a sua atividade atual, inteligente e progressista, a competência vantajosa, segundo Binger, que move aos Fulás, é difícil acreditar que lhes sejam superiores os negros austrais. Mas não é só esta família. Os achantis são, no acordo geral dos observadores, um dos povos mais civiliza­dos da África. E o c.el Ellis mostra que os povos da Costa dos Escravos, em particular os daomeanos e iorubanos, têm atingido um período adiantado de organização. Mais adiantados são, por ventura, os haussás, em cujos domínios, ainda talvez por influxo e ascendência dos fulás, se constituíram nações muito policiadas. E achantis, emas, nagôs e haussás foram longamente introduzidos no Brasil. É digno de nota que muito se acreditou na colônia portuguesa a opinião expressa por Debret que os negros do Norte eram mais fortes e resistentes do que os negros do Sul da África. Não está claro, porém, em Debret, se esta diferença é entre negros bantos e sudaneses, ou se, como afigura Martius, entre negros bantos do Norte e do Sul. Martius considera os macuas menos inteligentes, menos ativos, mais fracos e menos aclimáveis no Brasil do que os congos, angolas e cabindas.

 NOTAS

(1) Eis como Morselli aprecia recentemente as conseqüências, nos Estados Unidos, do cruzamento de negros e brancos ainda nas suas melhores hipóteses. "Se questa fusione si intende nel senso biologico - cioè che dalle unione fra i Negri e i Bianchi debba uscire una razza meticcia veramente Afro-Anglosassone, - l'avvenire della grande nazione ne sarebbe minacciato. Sono, infatti, vantaggiose soltanto le mescolange di elementi etnici non troppo dissimili Sotto tale riguardo 1'immigrazione Olandese, la Tedesca, 1'Italiana portano utilissimo contributo alla definitiva formazione del neo-tipo etnico Nord-Americano, temperando vicenderalmente le tendenze eccessive delle singole stirpi ed arrecando ognuna il suo corredo di buone attitudine nazionali. Ma i Negri sono al disotto dei Bianchi in tutto: nella energia vitale, nella intelligenza, nel carattere. Ove il loro numero fosse soverchio, il tipo misto che uscirebbe dall'unione completa fra le due Razze non potrebbe a meno dal ritenere parte di quella deficienza, e quindi si abbasserebbe. Che se 1'elemento Negro sará invece soasso, avrá luogo il suo completo assorbimento, e dopo poche generazioni tutti, i discendenti saranno tornati al tipo attonito più forte: ad ogni modo, il lavoro di fusione avrá sempre apportato alla razza superiore  una notevole perdita avrá con ciò ritardato i progressi della civiltà Americana”.

Julgada nas condições particulares da colonização do Brasil, seria erro deplorável reconhecer a utilidade seletiva do cruzamento afro­-lusitano em que se vai absorvendo o elemento negro da nossa população. Mas impossível desconhecer que esta melhor hipótese para que apelamos como para uma nossa vantagem sobre os Estados Unidos na solução do problema "o negro", pelo menos incide na última alternativa formulada por Morselli.

(2) Tive a satisfação de ver confirmadas neste asserto observações mim feitas e demonstradas para o negro brasileiro (Ilusões da catequese no Brasil, in "Rev. Bras.", 1896), numa época em que eu ainda não conhecia a obra de Ellis.

(3) Palavra não muito nítida no original (Nota de H. P.). raído de

Nina Rodrigues. Os Africanos no Brasil. 6.ed. Ed. Nacional; [Brasilia] Ed. Universidade de Brasilia, 1982. cap. VIII. p.261-271.

Obs: as notas também são do texto original.

 

A sobrevivência psíquica na criminalidade dos negros no Brasil

I. A propósito dos meus estudos sobre atavismo paranóico, escreveu o insigr.e psiquiatra russo Dr. Jacoby:

"Nina Rodrigues combate a teoria da paranóia (Tanzi e Riva), mas o seu belo trabalho sobre animismo dos negros brasileiros, de uma importância capital e do mais alto valor para o estudo da psicologia social, pleiteia contra ele. Evidentemente nessas epidemias psíquicas os fatores determinantes são a sugestão coletiva e o contágio moral, como o tinha mostrado Sergi, mas há ainda o fator predisponente, o terreno psíquico, e Nina Rodrigues nos faz tocar com o dedo, por assim dizer, o caráter reversivo, o retorno da mentalidade dos negros e dos mulatos brasileiros".

II. Acredito que, nesta apreciação dos meus trabalhos, como nos seus brilhantes estudos de psicopatologia social, o eminente escritor russo confunde indevidamente num fato único dois fenômenos psíquicos distintos, o atavismo e a sobrevivência.

O atavismo é um fenômeno mais orgânico, do domínio da acumulação hereditária, que pressupõe uma descontinuidade na transmissão, pela herança, de certas qualidades dos antepassados, saltando uma ou algumas gerações. A sobrevivëncia é um fenômeno antes do domínio social, e se distingue do primeiro pela continuidade que ele pressupõe: representa os resquícios de temperamentos ou qualidades morais, que se acham ou se devem supor em via de extinção gradual, mas que continuam a viver ao lado, ou associados aos novos hábitos, às novas aquisições morais ou intelectuais

De uma e de outro tenho tido conta nos meus estudos da criminalidade negra no Brasil. Considero a reversão atávica uma modalidade da degeneração psíquica, da anormalidade orgânica que, quando corporizada na inadaptação do indivíduo à ordem social adotada pela geração a que ele pertence, ou, para servir-me de uma expressão predileta de Tobias Barreto, quando se corporizou na inadaptação às condições existenciais de uma sociedade, que é a sua, constitui a criminalidade normal ou ordinária.

A sobrevivência criminal é, ao contrário, um caso especial de criminalidade, aquele que se poderia chamar de criminalidade étnica, resultante da coexistência, numa mesma sociedade, de povos ou raças em fases diversas de evolução moral e jurídica, de sorte que aquilo que ainda não é imoral nem antijurídico para uns réus já deve sê-lo para outros. Desde 1894 que insisto no contingente que prestam à criminalidade brasileira muitos atos antijurídicos dos representantes das raças inferiores, negra e vermelha, os quais, contrários à ordem social estabelecida no país pelos brancos, são, todavia, perfeitamente lícitos, morais e jurídicos, considerados do ponto de vista a que pertencem os que os praticam.

III. A contribuição dos negros a esta espécie de criminalidade é das mais elevadas. Na sua forma, esses atos procedem, uns do estádio da sua evolução jurídica, procedem outros do das suas crenças religiosas.

A persistência das idéias do talião explica um grande número de crimes da nossa população negra e mestiça.

De fato, na África ele “é sempre a grande lei e muitas vezes executado diretamente pelos interessados” (Letourneau).

Da persistência, na África, do talião organizado em forma de processo regular, dão-nos conhecimento observações da atualidade. Binger descreve assim uma execução a que ele assistiu a 19 de julho de 1887 no mercado de Uolosebigu, Senegal, na qual foram mutilados três ladrões de cawries: “Um pouco antes da execução, dois sobas fizeram calar e sentar-se toda a assembléia a golpes de tuqui (?). Em seguida o chefe da aldeia, exercendo as funções de carrasco, faz cada ladrão colocar a mão esquerda sobre um cepo, e, de um golpe de sabre, decepou a mão, que era levada ao Kali (governador). Terminada a execução, ninguém mais falou nisso. As três mãos foram atadas a um poste e deixadas em exposição por muitos dias. Os três mutilados partiram sem que ninguém se preocupasse com ele: um morreu no dia seguinte; os outros dois sobreviveram a esse terrível suplício. Nesta terra não é raro se ver curarem feridas deste gênero" (I, pág. 35).

Numerosos casos destes, em que particulares não fizeram mais que aplicar modalidades do talião (sofrer pela parte que pecou), conheço eu na nossa criminalidade negra.

A gravura n.° I (1) mostra as mãos aleijadas do menino J., a quem a sua avó meteu ambas as mãos em uma panela dágua fervendo, para puni-lo d~e haver furtado comida de uma marmita colocada no fogão.

A gravura n.° II (2) mostra as mãos da menina A., a quem a amante de seu pai meteu igualmente as mãos em água fervendo, para puni-la de ter roubado. A queimadura causou a morte da criança.

Conheço em São Tomé de Príncipe um mulato aguadeiro, que tem uma mão decepada por um negro, a quem ele havia aplicado uma bofetada.

A gravura n.° III (3) mostra a mão de um negro decepada pelo mesmo motivo. Já é o ponto de honra do rifão: Bofetada, mão cortada.

A gravura n.° IV (4) mostra uma criancinha de dois anos, cuja avó, africana, lhe aplicou sobre os lábios uma colher de metal muito quente, a fim de puni-la, pela queimadura da boca, da indiscrição infantil de ter dito a um cobrador, de quem se ocultava a velha, que esta se achava em casa.

Num dos distritos de Serrinha, há cerca de uns dez anos, o processo de uma mulher mulata, de certa posição, que puxou fora e deu largo talho na língua de uma menina, por ter esta cometido ligeira indiscrição.

O conceito do direito de propriedade das sociedades africanas dá, ao meu ver, a justificação moral de grande número de crimes praticados pelos negros brasileiros. Dos negros americanos, a este respeito escreveu Thomas: “Furtos de coisas grandes ou pequenas não são uma ofensa culposa aos olhos dos libertos, e o ladrão preto não é para eles um objeto de aversão, senão quando o ato criminoso é praticado contra sua própria pessoa ou bens; nesses casos, eles são os mais prontos a denunciar o crime e os mais vociferadores na condenação do criminoso”.

Antes de ver neste fato, como pensa o autor citado, uma especial manifestação de egoísmo criminoso, é lícito pensar numa persistência do estádio da evolução jurídica, em que não há responsabilidade individuais nos crimes praticados contra os representantes das gentes ou tribos distintas e mais ou menos diferentes. Então os atos só são sentidos como criminosos, só despertam e ferem a consciência jurídica, quando praticados contra as membros da mesma comunidade, e não quando lesivos de comunidades estranhas. Ora, era esta a fase da evolução jurídica em que se achava grande número de povos negros, quando deles foram retirados os escravos vendidos para a América.

(1) Não foi encontrada (H. P.).

(2) Não foi encontrada (H. P.).

(3) Não foi encontrada (H. P.).

(4) Não foi encontrada (H. P.).

 Extraído de

Nina Rodrigues. Os Africanos no Brasil. 6.ed. Ed. Nacional; [Brasilia] Ed. Universidade de Brasilia, 1982. Cap. VIII. p.272-275. FR

Obs: as notas também são do texto original.

Biografia de NINA RODRIGUES

COMENTÁRIO NOSSO. Os livros de história do Brasil de nossas escolas do ensino fundamental e médio têm omitido, intencionalmente ou não, quando tratam da promoção da imigração branca européia pelo governo brasileiro no final do séc. XIX e início do XX, que entre suas motivações havia todo um projeto de eliminação das raça negra e indígena, que compunham há época bem mais da metade da população brasileira. As propostas iam da 'diluição' do sangue negro e indígena pelo branco, até à devolução dos negros à África. Manifestações desse projeto de branqueamento deram-se nos protestos contra a imigração de asiáticos por órgãos de nossa elite (algo similar aos protestos contra as cotas para negros e pardos nas universidades atualmente), e nas leis proibido imigrantes vindos da Ásia e da África (vide Deodoro). Os livros de história não devem esconder dos afro e indiodescendentes este capítulo de nossa história. Esse ensino ajudará a fazer com que nossos jovens negros, indígenas, mestiços e asiáticos compreendam porque, p. ex., eles vêem tão pouco dos seus na mídia e nos cargos de comando deste país. Sobre o assunto recomendamos O Espetáculo das raças; cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930, de Lilia Moritz Schwarcz, São Paulo: Companhia das Letras, 1993; e, Onda Negra, Medo Branco; o negro no imaginário das elites – século XIX, de Ana Celia Maria Marinho de Azevedo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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DIGA NÃO AO RACISMOO ESCREVO

 

NAÇÃO MESTIÇA

"Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio",

Gilberto Freyre

Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente apóia a política anti-família do governo LULA

Delegada governamental é transformada em delegada da sociedade civil na I Conferência Estadual da Igualdade Racial do Amazonas

SEAS atrasa entrega do relatório da Conferência da Igualdade racial

Nação Mestiça denuncia desmatamento em Iranduba no Amazonas

IMPAS: povo paga folgas de médicos

Diretor permite entrada de bebida alcoólica em escola estadual denunciada por cobrança ilegal de taxa dos alunos

Política da SEPPIR gera perseguição a movimentos mestiço no Amazonas

Representante da SEPPIR é denunciada por injúria em Manaus

Federação israelita reprime manifestação afro-brasileira - Leão Alves

Governo LULA discrimina mestiços

IX ABANNE Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste

Departamento de Ciências Sociais da UFAM e Departamento de Antropologia da UFRR

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LULAS's Brazilian Government discriminates Mestizoes

 

.FUSÃO RACIAL / RACIAL FUSION

INFORMATIVO DO MOVIMENTO NAÇÃO MESTIÇA

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