Dividida em três
partes, Lira dos Vinte Anos é um marco do chamado ultra-romantismo. A
primeira parte é marcada pela idealização gigantesca da mulher e do
amor, a presença constante da idéia da morte próxima e
religiosidade. Como especificado no segundo prefácio, a primeira
parte é mais Ariel e a segunda Caliban. Esta Segunda parte contém
uma poesia mais sombria, povoada de cadáveres, mulheres (melhor dizer
vultos) e festas boêmias, com até certo escárnio em alguns poemas;
há também uma peça de teatro (Boêmios, ato único de uma comédia
não escrita). Já a terceira parte mistura um pouco das duas
anteriores, muito mais a da primeira que a da outra, com uma
irregularidade típica do autor. A obra é toda marcada pela influência
dos autores estrangeiros como Musset e Byron (este último e sua obra
é presença constante nas poesias e epígrafes). Álvares de Azevedo
é um dos vultos exponenciais do Romantismo. Embora tenha morrido aos
vinte anos, produziu uma obra poética de alto nível, deixando
registrada a sua incapacidade de adaptação ao mundo real e sua
capacidade de elevar-se a outras esferas através do sonho e da
fantasia para, por fim, refugiar-se na morte, certo de aí encontrar a
paz tão almejada. Grande leitor, Álvares de Azevedo parace ter
"devorado" tantos os clássicos como os românticos, por
quem se viu irremediavelmente influenciado. Embebedendo-se na dúvida
dos poetas da geração do mal du siècle, herdou deles o pendor do
desregramento, para a vida boêmia e para o tédio. Contrabalança a
influência de Byron com os devaneios de Musset, Hoffman e outros.
Lira dos Vinte Anos, única obra preparada pelo autor, é composta de
três partes. Na primeira, através de poesias como
"Sonhando", "O poeta", "A T..." surge o
poeta sonhador em busca do amor e prenunciando a morte. Nas poesias
citadas, desfila uma série de virgens sonhadoras que ajudam a criar
um clima fantástico e suavemente sensual. Por outro lado, em poemas
como "Lembranças de morrer", ou "Saudades" surge
o poeta que percebe estar próximo da morte, confessa-se deslocado e
errante, deixando "a vida como deixa o tédio/ Do deserto, o
poento caminheiro". A terceira parte de A Lira, praticamente é
uma extensão da primeira e, portanto, segue a mesma linha poética.
É na segunda parte que se encontra a outra face do poeta, o poeta
revoltado, irônico, realista, concreto que soube utilizar o humor
estudantil e descompromissado. Esta segunda parte abre-se com um prefácio
de Álvares de Azevedo que adverte "Cuidado leitor, ao voltar
esta página!", pois o poeta já não é o mesmo: "Aqui
dissipa-se o mundo visionário e platônico." Algumas produções
maiores do poeta aí estão como "Idéias íntimas" e "Spleen
e charutos", poesias que perfeitamente bom-humor, graciosidade e
uma certa alegria. Deixa-se levar pelo deboche em "É ela!, É
ela!, É ela!, É ela!" , em que revela sua paixão pela
lavadeira; em "Namoro a cavalo", registrando as interpéries
por que passa o namorado para encontrar sua amada que mora distante.
Resta lembrar que a obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem
inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as palavras que
expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua
busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, a
morte, a palidez, a noite, a mulher... Em "Lembrança de
morrer", está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua
vida, tão próxima de sua obra poética: "Descansem o meu leito
solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz e
escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida."