Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa
Poemas Inconjuntos
Escrito entre 1913-15
Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925
Obra consultada:
Poemas de Alberto Caeiro
Obras Completas de Fernando Pessoa - volume III
Edições Ática, Lisboa, Outubro de 1963
Coordenação de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor
Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais
- Reprodução não oficial -
«  Voltar a O Ano... - Parte 2
«  Voltar a Pessoa - Cronologia
» » » O Labirinto de Ricardo Reis, 2002-11-20