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VEM AÍ A NOVA VERA CRUZ

Os antigos estúdios vão dar lugar a uma moderna fábrica de produção artística e cultural ancorada na tecnologia, para que filmes e programas de TV não tenham somente patrocinadores, mas sócios e lucros

MALU MARCOCCIA

Esqueça boa parte do que você conhece sobre cinema. Pelo menos de cinema brasileiro, que ainda improvisa imagens externas de imensos cenários, faz tomadas em galpões que nada lembram os fantásticos estúdios de Hollywood, usa canhões de luz que se assemelham a jurássicos holofotes e empacota tudo em latas e latas de filmes. Esqueça sobretudo a pós-produção cinematográfica, com demoradas etapas de montagem, sonorização e copiagem feitas de forma isolada, muitas vezes em laboratórios distintos e com equipamentos nem sempre compatíveis. Particularmente na pós-produção, uma revolução está acontecendo a partir da tecnologia digital.

Guarde bem este nome: Babelsberg. É na experiência desse complexo cultural alemão, alicerçado como moderna linha de produção em série de tudo o que se faz hoje em som e imagem, que a Nova Vera Cruz pretende se mirar. Ao completar neste 4 de novembro 50 anos de fundação, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz está rebatizada de Projeto Nova Vera Cruz com intuito de tirar a sétima arte nacional definitivamente do limbo e dar-lhe roupagem empresarial que siga modelo de eficiência. Isso significa grande escala de produção, o que otimiza custos e barateia preços, além de produtividade superlativa com adoção de tecnologias de vanguarda.

A produção audiovisual no mundo passa pela chamada revolução fototônica — assim definidas as transformações com a chegada de tecnologias digitais para captar, reproduzir e editar imagens e sons. Esse conceito também exprime a nova síntese que incorpora computador, telefone e TV como meios de difusão. Isso permite prever que em breve a imagem digitalizada poderá ser transmitida por satélite e ser vista em telas de cristal líquido de salas de cinema, do computador via Internet, da televisão de casa e — pasmem — do mostrador do tamanho de um relógio, entre outras janelas de veiculação.

Seria a versão 3001 de Uma Odisséia no Espaço? O futuro não está tão distante e o produto filme — cinematográfico ou televisivo — já se tornou commodity valorizadíssima. “A grande compactação dos equipamentos nos levou à revolução digital. É possível jogar todas as imagens em computadores e trabalhar infinidade de efeitos visuais e sonoros para um acabamento técnico perfeito. Pode-se multiplicar cenários e uma tomada com cinco mil figurantes, por exemplo, em uma cena com 50 mil pessoas. Depois, jogar tudo isso na hipermídia que se está criando com a junção de todos os meios de comunicação” — empolga-se o coordenador de audiovisual da TV Cultura, Ivan Ísola. A TV Cultura faz parte da Fundação Padre Anchieta, entidade de direito privado mantida pelo Estado de São Paulo e uma das pernas de apoio da Nova Vera Cruz ao lado da Prefeitura de São Bernardo e da Secretaria Estadual da Cultura.

A tecnologia dos computadores que vem substituindo slides e películas, ao mesmo tempo em que simplifica as etapas de produção, de montagem e de finalização de obras audiovisuais, abre suas possibilidades de difusão comercial. Internet, canais de televisão aberta ou pay-per-view (pague-para-ver), telas panorâmicas de cinema e também de aparelhos de TV que as estão incorporando, além de DVD (videocassete em formato CD), são alguns dos meios mais recentes de se ver produções artísticas e culturais. Ao citar a rapidez com que as novas maravilhas tecnológicas têm introduzido novos produtos e a infinidade de diferentes canais de veiculação cinematográfica e televisiva, Ísola quer chegar a um só ponto: a Vera Cruz tem tudo para ser uma grande montadora de sonhos e de entretenimento com perspectivas financeiras autônomas, isto é, auto-sustentável e rentável. Significa dizer que a cultura deve e pode sair do colo do governo, que financia 99% dos projetos brasileiros, e se transformar num produto comercial custeado pela livre iniciativa com investimentos diretos, não apenas com incentivos fiscais.

Arte e lucro não são excludentes, pelo menos na indústria do audiovisual, afiança Ivan Ísola após conhecer recentemente a experiência que vem sendo testada há dois anos com a privatização do Studio Babelsberg e que coincide com a fórmula que se pretende pôr em prática na Nova Vera Cruz. A paixão pela arte na sua essência, que caracterizou o romantismo de produções muitas vezes perdulárias dos 18 longa-metragens rodados na fugaz história do maior estúdio de cinema da América do Sul, pode ser ressuscitada com uma utilidade também comercial. “A Nova Vera Cruz é projeto para dar lucro institucional e financeiro também” — afirma Ísola, que dentro dos 50 anos de idade contabiliza 10 trabalhando na Cinecitá italiana com o mito Roberto Rossellini, atuou na RAI (Rádio e Televisão da Itália) e dirigiu no Brasil, entre 1983 e 1987, o MIS (Museu da Imagem e do Som).

Virar a página da Vera Cruz não apenas como tributo ao berço do cinema brasileiro mas como pólo animador de negócios significa, justamente, não correr o risco de fazer voltar à tona um estúdio agonizante e com artistas de pires na mão. Mais do que um símbolo do cinema restaurado, o que Ivan Ísola imagina para a Nova Vera Cruz é um templo tecnológico a serviço da arte. Será um espaço plural, idealizado a partir do avanço assombroso da tecnologia: produção própria ou em parceria de programas televisivos e de curtas e longas metragens, locação de espaços para filmagens, montagem própria ou terceirizada de documentários, filmes institucionais e publicitários, laboratórios de efeitos especiais com técnicas para remixagem de fitas, músicas e dublagem, colorização de fotos e imagens, estúdio para produção de histórias em quadrinhos, uma cidade cenográfica e um parque temático, além de centro cultural com teatro, cinema, área de convivência e para exposições culturais.

Se estivesse pronta, a Nova Vera Cruz certamente teria sido o set de filmagem e montagem do Castelo Rá-Tim-Bum, uma produção da AF Cinema e Vídeo orçada em R$ 9 milhões que chega aos cinemas nas férias de janeiro. Só os cenários erguidos como um grande acampamento no km 27 da Via Anhanguera, no Município de Cajamar, geraram 150 empregos entre abril e setembro, durante as filmagens. A fase de finalização, no mês passado, foi toda feita na França, onde modernos estúdios acoplaram efeitos especiais e as músicas definitivas, algo que no Brasil não está disponível de forma simultânea e a custo competitivo. “A locação de um laboratório na França chega a ser 40% mais barata que no Brasil” — calcula Daniel Ramasauskas, da Avant Trailler de São Bernardo, empresa que ajudou a captar cotas de patrocínio para este primeiro filme baseado na série da TV Cultura, que custeou uma parte por meio do PIC-TV (Projeto de Integração Cinema-Televisão). Castelo Rá-Tim-Bum recebeu na França aprimorado acabamento, que lhe dá impacto visual semelhante a filmes ricos em efeitos como Armageddon e Vida de Inseto.

Licitação internacional — Pela experiência dos estúdios de Babelsberg, nada impede que um patrimônio cultural tenha atividade comercial e se torne ponto de atração de investimentos públicos e privados. Na paisagem da antiga Vera Cruz de São Bernardo não vão surgir apenas estúdios reformados, mas um complexo cultural que ofereça combinação de produtos que correspondam ao mercado. A idéia é mudar a mão de direção da clássica atitude de patrocinadora ou apoiadora cultural da iniciativa privada, para que assuma o papel de sócia-investidora. “Não quero ser visto como vendedor de incentivos fiscais para a cultura. Quero trazer parceiros que coloquem dinheiro aqui para uso próprio. Pode ser um operador multimídia que queira utilizar serviços de sonorização ou podem ser co-produtores dos audiovisuais que faremos. Quero empresas associadas aos projetos, que vão ganhar conforme a bilheteria dos cinemas e da venda para canais de TV e distribuidoras de vídeo” — expõe Ísola. Como o modelo de incentivo cultural no Brasil é limitado — e para muitas empresas está esgotado —, a Nova Vera Cruz vai partir para esquema gerencial, isto é, trazer organizações privadas para também administrar e usar os novos espaços. Os desdobramentos podem ir desde a exploração dos estúdios e dos laboratórios por terceirizados até a privatização de serviços, inclusive com licitações internacionais. “O Estado não precisa de uma locadora de equipamentos nem de um laboratório de revelação, copiagem e digitalização, que podem ser disponibilizados pela livre iniciativa” — exemplifica o coordenador da Nova Vera Cruz.

Essa é a lógica por trás de negócios como o Studio Babelsberg, que aposta na cultura como produto que enriquece não apenas o conhecimento humano, mas também gera empregos, renda e remuneração às atividades de produção, aquisição, negociação de direitos sobre filmes e um vasto circuito de distribuição por meio de TV, videocassete, multimídia e cinemas. Na fábrica de Babelsberg, iniciativa privada e política pública convivem harmonicamente. A primeira com captação e financiamento da infra-estrutura que reformulou os estúdios e monta filmes, a segunda com a cessão da área de 118 mil pés (ou 50 mil metros quadrados, algo próximo dos 43 mil da Vera Cruz) pertencente à Prefeitura de Potsdam. Como São Bernardo fez na parceria com o governo do Estado.

Sete módulos compõem o organograma dos estúdios alemães: uma holding dedicada à produção de audiovisuais; uma TV Distribution para comprar direitos de distribuição a canais pagos e séries televisivas de canais abertos; um Art Department que faz serviços de arte, figurino e cenografia para co-produções ou obras de terceiros; um Post Production para cuidar de toda a finalização da produção; o Marlene Dietrich Halle, que são os estúdios propriamente ditos de cinema e TV mais a cidade cenográfica; o Fx.Center, um superlaboratório de efeitos especiais em que computadores que trabalham imagem, cor e som são totalmente integrados; e o Film.Park, um parque temático sobre toda a produção feita no Babelsberg.

Como sensibilizar o empresário brasileiro numa parte tão sensível, o caixa, para dividir a conta de obras audiovisuais com o governo? Mostrando que produções culturais e artísticas são investimentos que voltam, e não meras despesas que podem ser abatidas no Imposto de Renda — responde Ivan Ísola. “Os asiáticos faturam US$ 1 bilhão só com desenhos do tipo Pokemon. Será que não podemos ter uma fatia disso?” — desafia ele sobre a possibilidade de a Nova Vera Cruz explorar vigorosamente o cinema de animação.
O grupo francês de televisão paga Canal Plus anunciou recentemente planos de formar um estúdio cinematográfico, tal a demanda por filmes. Líder na Europa no segmento de TV paga, com 12,5 milhões de assinantes em 11 países, o Canal Plus financia mais de 90% dos cerca de 180 filmes franceses produzidos a cada ano. Com estúdio, terá seu próprio maná. Só em 1998 os canais franceses de TV a cabo e via satélite (que saltaram de cinco para 50 em uma década) exibiram mais de quatro mil longa-metragens.

Fonte: Revista Livre Mercado - Nov.99 - (www.livremercado.com.br)

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