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M: Como o senhor avalia o cinema brasileiro atual? A.D: A.D: O cinema atual está naquela costumeira fase que todos conhecem, mas não percebem. Começa e acaba de 10 em 10 anos. Eu já vi o começo e o fim de dez cinemas novos. O povo brasileiro tem bom coração, é piedoso, incentiva os novos, os jovens desconhecidos, elogia artistas pobres, doentes terminais e defuntos. Inveja e malha os vencedores. Segundo Tom Jobim, o brasileiro não gosta de vencedores. Pelé disse: para ser o melhor eu tenho que ser tri-campeão todos os anos. No festival de Berlim (1965) disputando com trinta países, empatei em primeiro lugar com o Goddard e no desempate fiquei em segundo. Venci 28 países, obtive a melhor crítica, mas tudo isso não valeu nada para os carentes de auto-estima cultural, sem visão universal. Mesmo meus filmes sendo requisitado pelas cinematecas de Paris, Tókio. Para eles eu voltei fracassado! Desta vez creio que acabará essa euforia em menos de dez anos. Pela primeira vez o Governo abriu os cofres do imposto de renda, e quatrocentos milhões de reais foram liberados para 60 projetos aprovados que não são realizados e quando são as contas são fajutas. Há muitos falsos produtores que são escritórios de prestação de serviços e empreendimentos que nada tem a ver com o cinema. Segundo a imprensa, tudo já está paralisado para acerto de contas, embargo de departamentos oficiais do governo federal e policiais. Eu já fui convidado por diversos desses escritórios produtores e um deles me ofereceu cinco milhões de reais para roteirizar e dirigir uma produção orçada em vinte milhões de reais. Nunca recebi nada do governo para realizar meus filmes e não seria agora que iria receber. Apenas ouvia a proposta, para constatar a veracidade da atual falcatrua que não foi inventada pelos inocentes e verdadeiros produtores, mas que infelizmente encurtará os dez anos de vida em cinco. O ressurgimento da Vera Cruz, controlada pela Fundação Padre Anchieta, que é um órgão sério, poderá ser uma boa solução. M: Por mais carinho que tenha pelos seus filmes, hoje você deixaria de fazer algum deles? Você os teria feito diferente? A.D:Sim, jamais faria outro filme como O Diamante onde atuei como ator. É o pior filme do mundo! Se eu refizesse algum dos filmes que dirigi, não faria diferente com respeito à qualidade, ritmo e linguagem, pois para cada assunto, costume, trama, intenção e conteúdo, usei o que achei ideal e lógico. Se filmasse outro gênero, diferente daqueles, talvez mudasse. Para mim a boa realização de um filme está acima da vaidade de ter um estilo próprio, é isto que vale. Minha linguagem é universal; foram traduzidos e exibidos no mundo todo. Se algum crítico disser que minha obra é desigual, só poderá referir-se à linguagem. M:
Se o senhor voltasse a realizar um filme de grande sucesso internacional,
o que acha que os críticos iriam escrever? A.D: Os críticos voltariam a escrever o mesmo que escreveram. Mas eu gostaria de saber se eles, realmente, iriam dizer tudo aquilo para as famílias, colegas e amigos. M:Você já chorou assistindo cinema? A.D:Já. Todas às vezes que assisto A felicidade não se compra, de Capra (Frank), com James Stewart. M:O que é melhor, ver ou fazer filmes? A.D: Fazer os filmes.
M:81 anos? E aí, o que é isso? A.D: É o fim da sétima década que estava chata por que vinha se repetindo e o início de uma nova década, plena de mistérios, novidades, novos prazeres, novas intenções e inusitados desfechos. Sem dúvida será plena de amor e aprendizado, preparatório para gozar a próxima plenitude dos meus conhecimentos e sentimentos para melhor amar as mulheres, perdoar os inimigos e invejosos. Para aumentar o número de amigos, aos quais deixarei exemplos, que não serão seguidos, porque a humanidade já definiu seu futuro, fiel a predição bíblica - atear fogo no mundo. Quando, então, eu estiver já ao lado do amigo Fellini, Kurosawa, Buñuel, John Huston, Watson Macedo, Lima Barreto, René Clair e outros mestres, estaremos assistindo o maior espetáculo que outras galáxias jamais assistiram. A famosa Terra transformada na maior bola de fogo que iluminará o universo. Cada diretor tem sua câmera e começamos a captar os acontecimentos, justamente quando o sol morre de inveja da Terra, escurece, corta sua atração, acabando com aquele exibicionismo dos terráqueos e a gigantesca bola de fogo se despenca pelo espaço vertiginosamente e como fogos de artifícios vai espargindo corpos incandescestes que se transformam em cintilantes estrelas. Ao lado, à distância, Glauber vibra, com os braços erguidos, mostra e sacode o seu jornal "A Porreta Espacial" e aos gritos apregoa sua manchete: Cinema é uma eterna visão de incríveis sonhos que se materializam. M: Para encerrarmos. Uma mensagem ao público de Memórias. A.D:
Minha mensagem é para que todos voltem a prestigiar o cinema como faziam nas
décadas de 50 e que apesar de moderno e desalmado, continua sendo a
síntese de todas as artes e, bem selecionado, é o melhor entretenimento.
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