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M:
E sobre Glauber Rocha, o senhor guarda mágoas dele?
A.D:
Não. Ele era muito simpático, gozador, inteligente e se relacionava com
facilidade, graças ao seu vocabulário original. Era mentiroso e político,
só elogiava medíocres do seu bando, denegria gozando quem fizesse
sucesso popular, tal como f ez
com Domingos de Oliveira (Todas as mulheres do mundo) e Rui Guerra
(Os Cafajestes). Tudo o que eu disse dele no livro "Adeus
Cinema" são apenas respostas a tudo que ele escreveu ao meu respeito
em jornais e livros. Agora, passado tanto tempo, prefiro comentar apenas
os bons momentos e suas qualidades. Tenho
certeza de que tanto ele como seus companheiros, se nas vinte tentativas
em Cannes tivessem ganhado a Palma de Ouro, teriam elogiado a minha, para
valorizar a deles. Mas, infelizmente nada disto aconteceu, porque Cannes
foi ingrato com eles. Conceituo desta forma porque torcia para que um
deles ganhasse a mal falada Palma e botasse fim às frustrações e
sofrimentos deles. Como já disse,
os mea culpa estão chegando tarde demais. Perdi 20 anos da minha vida
profissional, fiquei muito triste e em vez de criar e produzir, fiquei me
defendendo - até hoje.
FOTO/
REPRODUÇÃO |
A.DUARTE
desembarca no porto de Santos, em 4 de
Julho de 1962, com a Palma de Ouro. |
Em 94, quando lancei meu
livro, no Rio de Janeiro, entre muitos famosos atores e atrizes da Globo
que compareceram um deles segredou-me: David Neves está com Aids, doente,
de cama e pediu-me para levar o teu livro e mandou-lhe o dele com uma
dedicatória. ("Caro Anselmo, tudo não passou de um grande equívoco.
Gosto dos teus filmes: "Absolutamente Certo", "O Pagador de
Promessas" e "Vereda da Salvação". Aliás, todos nós
gostamos, mas a soberania infantil impediu-nos de
dizer. Óbvio que sua obra é muito importante no contexto da história do
cinema brasileiro. Me desculpe. David Neves"). David
era o maior admirador e assistente de Glauber. Tornou-se câmera-man, fotógrafo
e diretor de alguns filmes. Era jornalista, escreveu três livros.
Estatura baixa, tímido, não se promovia, era feliz promovendo Glauber,
seu ídolo. Pouca falava, mineiro equívoco, se agigantava nas transas dos
bastidores dos órgãos que custeavam o cinema novo; Embrafilme, onde
trabalhou para facilitar empréstimos e o Departamento Cultural do
Itamaraty, onde escolhia os filmes que deveriam representar o Brasil em
festivais. Vivia viajando à custa do governo e filmando sua turma que
monopolizava os festivais. Nunca vi o resultado dessas filmagens, creio
que ninguém, por motivos óbvios, divulgaria os fracassos. Nunca ouvi o
tom de sua voz, vivia se esquivando e fugindo de mim. No
dia seguinte fui visitá-lo para agradecer o presente e a simpática e
importante dedicatória, que me fez muito feliz. Desde então, perdoei
tudo e todos,voltei a admirá-los pela terrível e longa luta que
empreenderam na esperança de melhorar o nosso cinema sem consegui-lo.
Tarefa difícil e quase impossível num país carente de tudo,
principalmente carente de glórias. Em 500 anos somam poucas conquistas
para alguns brasileiros que conseguiram ganhar o podium internacional por
conta e risco próprio.
David morreu alguns dias depois, senti
que estava feliz por ter se encontrado comigo, feliz por ter me conhecido
e feliz porque ia se encontrar com o seu querido e inseparável amigo,
Glauber. E eu estou muito animado, vou recomeçar a vida e, se Deus quiser,
renascerei na Europa.
FOTO/
REPRODUÇÃO |
A.D no
jornal Última Hora, onde foi filmado parcialmente Absolutamente
Certo. Abaixo, no mesmo filme, Dercy Gonçalves. Por último,
noite de gala no Cine Ipiranga (1957) |
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